O momento em que este número da Revista Tempo & Argumento se dá a ler ao público, coincide com o encerramento das atividades de uma grande rede social pela Internet, o ORKUT. Este fato, em princípio ocasional, reforçou e importância de se pensar no caráter efêmero destas tecnologias sujeitas à brevidade, à transitoriedade e, especialmente, para apresentar discussões que tematizam a História e a Internet no Tempo Presente, enfatizando estudos sobre as chamadas “mídias digitais” que ampliam o mundo de nossa existência social e as relações com o avanço dos suportes digitais do conhecimento.
Dessa maneira, este número pretende discutir como a Internet e as novas ferramentas de comunicação, dela derivadas, vêm modificando as bases históricas de nossa experiência e os parâmetros nos quais a sociabilidade, no tempo presente, se edifica tendo no horizonte de expectativa variados ambientes de interação humanos positivados pela transitoriedade e pelas muitas possibilidades de acesso à informação que, cada vez são mais complexas.
Com o objetivo de aprofundar estas delicadas e arriscadas relações entre História e Internet no Tempo Presente, este volume 6, número 12 (2014) da Revista Tempo & Argumento apresenta um conjunto de onze (11) artigos que evidenciam como as possibilidades de acesso à informação revolucionam as relações entre os indivíduos, alimentam novas modalidades de construção subjetiva do conhecimento e trazem as redes para dentro das escolas e do cotidiano dos alunos, ensinando-os a habitar e conviver com este novo/outro espaço de convivência e experimentação.
Nos dois primeiros artigos, o professor uruguaio Juan Bresciano e a professora brasileira Núcia Alexandra Silva de Oliveira evidenciam as conexões entre Internet e História mostrando a incorporação de novas tecnologias em investigações sobre os usos, pelos historiadores, do passado local e cujos resultados culminam em narrativas que apresentam outras formas de produção e divulgação do saber histórico na escola e/ou fora dela.
Na trilha do interesse renovado, os usos da Internet na pesquisa histórica vêm mobilizando autores e pesquisas que problematizam, em cinco (5) artigos, situações da conjuntura política e social do Tempo Presente e que nos convidam a pensar sobre os prolongamentos das escritas e das imagens, das redes para as páginas. Nesse sentido, Dilton Maynard investiga como grupos fascistas do Brasil e da Argentina disseminam ideias e articulam grupos, nas páginas da rede, através de mensagens xenófobas, racistas, antissemitas e homofóbicas presentes no portal Libre Opinión. Por sua vez, o artigo de João Gilberto Neves Saraiva analisa imagens e textos de postagens, em relação à política e à História do Brasil, realizadas pela embaixada dos Estados Unidos do Brasil na rede social Flickr no ano de 2009, durante o primeiro governo do presidente Barack Obama.
A construção de memória de uma cidade submersa pela construção de uma barragem no Rio Grande do Norte, em 1980, cria condições para que Francisco das Chagas Silva Souza discuta o papel do Orkut, três décadas depois, como suporte para “salvar” restos do passado pela construção de uma memória para aquele local. Os escritos em blogs, Orkut, Facebook são problematizados por Pedro Eurico Rodrigues que analisa estas ferramentas de comunicação, disponíveis na Internet, como formas de novos mecanismos de sociabilidade em um movimento que incita a borrar fronteiras entre o público e o privado. Completando este bloco de artigos que enfatizam, de maneira geral, os usos da Internet na pesquisa história, George Zeidan Araújo trata da chamada “história digital” ao escrever sobre a emergência e as configurações atuais da Internet associadas à ressonância destas mídias digitais na pesquisa e escrita da História, no Tempo Presente com seus desafios e suas possibilidades.
Três importantes artigos, resultados de pesquisas no âmbito das universidades, abordam as possibilidades de acesso à informação que tratam a relação entre os indivíduos e a escola, e muito especialmente, como as tecnologias de informação e comunicação (TICs) podem gerar novas práticas. Marcella Albaine Farias da Costa e Carmen Teresa Gabriel problematizam a forma como as disputas em torno da significação e fixação de ‘sentidos do digital’ circulam no currículo de História, tendo como empiria o Edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) 2015 e mobilizando conhecimentos em diálogo com a cultura histórica e a cultura escolar. Um estudo que pretende compreender como o computador vem sendo utilizado no ensino de história, em escolas públicas e particulares, do ensino fundamental e médio da região de Londrina (PR) é trazido à leitura por Simioni França e Cristiano Biazzo Simon. Na mesma clave da presença do computador em aulas de História e deslocando um olhar especificamente para o ensino de História Antiga, Dominique Vieira Coelho dos Santos divisa possibilidades de, por meios digitais, sistematizar ferramentas para auxiliar os interessados na temática e assim, fomentar o ensino e a pesquisa nas culturas cuneiformes, no Brasil.
Encerrando a seção de artigos, Veridiano Koeffender Moreira, sob o título “Plasmando a história: efeito-mundo, retórica do tempo e ficção” apresenta uma discussão sobre o problema do falso e da ficção em história, tema atual e que se liga aos estudos sobre a narrativa na historiografia.
Duas resenhas completam este número da Revista. Na primeira, Rafael Trindade Pellegrini e Ramon Trindade Pellegrini discutem a obra escrita por Julian Assange, primeiro livro do autor, editor chefe do Wikileaks, publicado no Brasil (Boitempo Editorial,2013) intitulada “Cypherpuns: Liberdade e Futuro da Internet” e , por sua vez, Adgélzira Capeloti Pereira discute a obra “A jornada mitológica de Mário Palmério. Um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins”(Editora UNESP, 2012) escrita por André Azevedo da Fonseca.
Dar visibilidade a este tema permitiu refletir sobre a presença das mídias como uma das características do nosso Tempo em todos os aspectos da vida, além de reconhecer como as mídias digitais ampliaram sua abrangência e passaram a ser um imperativo que produz outras (novas) sensibilidades nas relações da contemporaneidade. Em certo sentido, discutir/propor/ler este tema significa discutir criticamente seus argumentos e refletir sobre que tipo de História podemos escrever, que estilo de vida devemos defender e que tipo de país queremos construir no Tempo Presente; contudo, convém pensar na perigosa ilusão de que se pode vencer o Tempo.
Desejamos, enfim, que estes artigos sejam inspiração para uma leitura crítica das mídias digitais neste Tempo Presente, tão incerto quanto encantador!
Maria Teresa Santos Cunha e Luciana Rossato
Editoras-Chefe