http://dx.doi.org/10.5965/2175180316412024e0202
Recebido: 07/04/2023
Aprovado: 08/11/2023

As mulheres sobre as quais não falamos: filantropia e práticas de esquecimento e de memória

Ana Paula Vosne Martins
Universidade Federal do Paraná
lattes.cnpq.br/9271886969897702
ana_martins@uol.com.br
orcid.org/0000-0002-1715-1599

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão a respeito do envolvimento das mulheres de elite e de perfil conservador com organizações caritativo-filantrópicas a partir de dois processos históricos reveladores do caráter pendular entre esquecimento e memória da documentação, de suas biografias, ações e visões de mundo. O artigo discorre, primeiro, sobre o processo histórico da feminilização da benevolência, da caridade e da filantropia em países ocidentais europeus e americanos, com maior visibilidade a partir do século XIX, e as críticas formuladas por liberais e socialistas marxistas à filantropia. Trata da contribuição da historiografia para o esquecimento, mas também para a compreensão da extensão do trabalho voluntário das mulheres, da descoberta e análise de documentação desconhecida, ou pouco explorada, e das diferenças sociais e culturais das mulheres e das práticas benemerentes. A mesma problematização do movimento pendular do esquecimento e da memória está presente na última parte do artigo, sobre os protagonismos de mulheres na caridade e na filantropia no Brasil. Se houve esquecimentos por parte da história do serviço social e da história da assistência, há uma produção vigorosa e consistente da história das mulheres sobre a filantropia a partir dos anos 1990 que problematiza a agência pública, social e política das mulheres, reconhecendo não só padrões de reprodução social e de adequação, mas possibilidades de ampliação da agência assistencial para o envolvimento com políticas sociais, com a defesa dos direitos das mulheres e mesmo do feminismo.

Palavras-chave: filantropia; memória; esquecimento; conservadorismo.

Introdução

Ao escrever este artigo foi impossível contornar os fatos e acontecimentos políticos mais recentes no Brasil, afinal testemunhamos há pelo menos uma década a experiência social e política de reavivamento conservador em suas formas mais reacionárias, pelo menos desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No Congresso, nas mídias, nas redes sociais, nas diferentes denominações cristãs, ser conservador, se dizer defensor ou defensora de valores conservadores enfeixados pela tríade família, pátria e religião, se tornou um elemento diferencial na autoidentificação de homens e mulheres que passaram a tornar público o que até bem recentemente se mantinha oculto, ou não enunciável. É como se a autoidentificação com o conservadorismo ativasse memórias de um outro tempo sonhado e desejado, associado a uma suposta experiência coletiva de unidade, ordem, identidade, em oposição à desagregação social e às ameaças às instituições fundadoras da uma ordem social imaginada (Anderson, 2008). Mas, os discursos conservadores e reacionários, que hoje se difundem tão veloz e profundamente em amplos setores da sociedade brasileira, não se referem somente à nostalgia do passado. São discursos porta-vozes de um projeto de sociedade que é bastante revelador da miríade de definições do que seja uma sociedade conservadora, do que pretende manter e conservar e do que precisa renunciar e excluir em favor da propalada unidade e coesão social, mesmo que seja a democracia.

É com esse cenário ameaçador à democracia e ao Estado de direito no Brasil ainda tão recente em nossa memória, que proponho neste artigo um ajuste de foco na discussão necessária sobre o conservadorismo, até por entender que esse conceito se presta hoje a muitos equívocos e mal-entendidos. Há muitos conservadorismos, dos mais próximos às formulações históricas de defesa da prudência e da atitude de cautela frente à mudanças sociais e políticas, aos que se confundem com a defesa das tradições, e aos que assumem, aberta e contraditoriamente ao conservadorismo histórico, uma posição reacionária, como se nota hoje em diferentes países nos quais se deu a ascensão da extrema-direita por meio de processos democráticos.

Este artigo não pretende ser uma revisão conceitual do conservadorismo, mas de suas difusões morais e sociais por mulheres, sujeitos historicamente excluídos da esfera política e dos debates ideológicos, que desempenharam importante papel ao longo do tempo, em diferentes sociedades, na reprodução das ideias e dos valores conservadores. Esse processo difusor se deu nas esferas privada e pública e em diferentes espaços, como a família, a religião, a educação, a literatura, geralmente mais afeitas à pertença de classe das mulheres, no entanto, muitas delas saíram dos limites de sua própria classe para atuar entre os pobres e as classes trabalhadoras por meio da caridade e da filantropia, enquanto outras se lançaram à ação missionária e caritativo-filantrópica em longínquas colônias dos impérios europeus no século XIX. 

É esse tipo de consciência e de prática que tenho procurado compreender historicamente, porque entender os discursos e as práticas conservadores tão presentes na atualidade requer uma atitude cética em relação às definições restritas e pouco permeáveis, bem como estar atenta às múltiplas experiências subjetivas do conservadorismo, ou seja, o que as pessoas querem dizer quando dizem ser conservadoras? Defendo que a categoria gênero pode contribuir para uma análise mais permeável e abrangente do fenômeno histórico e social do conservadorismo, como também ajudar a explicar a adesão, hoje, de tantas mulheres de diferentes classes sociais ao conservadorismo, sem as explicações apressadas da falsa consciência e da manipulação.

Refiro-me a elas como as mulheres sobre as quais não falamos, nós, intelectuais que abraçamos pautas e valores emancipatórios e progressistas do campo democrático. Mulheres que no passado e no tempo presente, atuaram em associações filantrópicas e religiosas e foram parcialmente esquecidas pela história das mulheres por representarem protagonismos conservadores e por contribuírem com a reprodução de uma ordem social e de gênero interpretada pela crítica feminista como parte de uma estrutura de dominação mantida pelas próprias mulheres, adesistas ao poder patriarcal, portanto.  

Proponho uma reflexão sobre o movimento pendular do esquecimento e da memória daquelas mulheres. Elas estiveram ausentes da memória das reformas sociais, da assistência social, das políticas sociais e de parte da historiografia por algum tempo. Defendo que esse esquecimento tem relação com o conservadorismo abraçado por boa parte das mulheres que se envolveram com a filantropia, mas igualmente pela filiação religiosa, outra esfera na qual mulheres conservadoras tiveram (e têm) forte presença e visibilidade.

Embora o esquecimento seja um aspecto abordado neste artigo, desde o final do século XX, historiadoras e historiadores de países europeus e do continente americano deram início a investigações sobre diferentes inserções e protagonismos femininos no campo ideológico e religioso conservador, abrangendo também a, até então menos conhecida, presença e atuação das mulheres em associações e movimentos da extrema-direita[2]. Portanto, ao problematizar o esquecimento das mulheres conservadoras que atuaram na caridade e na filantropia no Brasil, este artigo se alinha aos estudos históricos sobre protagonismos de mulheres conservadoras e de direita, procurando contribuir para a compreensão de outras formas de ser, de existir e de agir de mulheres que se orientaram pelas ideias e pelos valores conservadores.

A filantropia feminina

Vários são os registros que trataram do trabalho voluntário de um número crescente de mulheres de elite em vários países europeus e americanos ao longo do século XIX. A literatura, a imprensa, os relatórios de funcionários públicos e de párocos, os escritos médicos sobre a questão social cada vez mais urgente e os escritos produzidos pelas próprias mulheres narraram sob enfoques diferentes um fenômeno cada vez mais visível nas cidades que cresciam ao ritmo do capitalismo industrial e do exército de trabalhadores e de desgarrados de todo tipo que acudiam às cidades para conseguir emprego e sobrevivência (Polany, 2000). A maioria desses registros reconhecia que a bondade feminina, virtude considerada natural às mulheres de boa formação cristã, poderia ser bem empregada também para fora das fronteiras de suas confortáveis residências, mitigando o sofrimento daquela ampla, vaga e ambígua categoria oitocentista que eram os pobres (Elliot, 2002; Martins, 2013).

Nos países europeus há registros da participação feminina na organização das associações de caridade desde o século XVIII, motivadas pela devoção religiosa, afinal, nos textos bíblicos, as mulheres aparecem tanto como beneficiadas, quanto como dispensadoras da caridade. Para as católicas, as hagiografias forneciam vários exemplos e modelos femininos de piedade cristã. Em seu estudo sobre as associações de caridade no século XVIII na Inglaterra, Sylvia Pinches (2003) lembra que se considerava que a benemerência com os pobres era algo esperado das mulheres com mais recursos e das classes superiores; seria uma prática de cuidados que elas já exerciam entre seus familiares e subalternos. Apelos vindos dos púlpitos, dos romances e de vários escritos de cunho moral para as mulheres das elites, as chamavam para estender sua bondade cristã e maternal para os outros que não pertenciam à sua classe social. Esses apelos se tornaram mais frequentes conforme as condições sociais se degradavam com mais intensidade nas cidades industrializadas. Os efeitos do crescimento econômico com suas crises cíclicas pontuadas pelo desemprego, a miséria, a fome e as doenças agravou enormemente o que os observadores começaram a chamar de questão social.

 O terreno para a caridade e para a filantropia se ampliou enormemente a partir das décadas de 1830 e 1840; primeiro na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, depois em outros países transformados radicalmente pela Revolução Industrial, como a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, a Áustria, os países escandinavos e, mais tarde, já na segunda metade do século XIX, a Espanha, a Itália e as jovens repúblicas americanas. Nesse terreno fértil para a bondade, muitas mulheres colocaram em prática sua devoção religiosa como encarnações modernas e femininas do bom samaritano, ao mesmo tempo em que encontraram a oportunidade de sair dos estreitos e artificiais limites do mundo doméstico e familiar para conhecerem a dura realidade dos pobres, algumas se envolvendo com algo além da caridade e do controle, como foi o movimento feminino pelas reformas sociais (Elliott, 2002; Mothersole, 1989).

Configurava-se, portanto, uma experiência feminina no século XIX que poderia ser entendida como uma adequação ideológica ao que se esperava das mulheres, ou seja, a dispensa de cuidados e a difusão social da bondade. Se esta mesma experiência foi limitadora para algumas mulheres, para outras significou a abertura de novos horizontes, espaços de agência e de consciência, o que explica porque filantropas cristãs acabaram se envolvendo com o nascente feminismo no século XIX, como foi o caso da maioria das mulheres ligadas ao movimento abolicionista na Inglaterra e nos Estados Unidos, e de tantas outras que iniciaram seu protagonismo público participando ativamente do movimento abolicionista e pelos direitos das mulheres.

Como bem observaram Frank Prochaska (1980) e Martin Gorsky (1999), houve uma inequívoca adequação ideológica na feminilização da caridade e da filantropia no século XIX, mas é preciso ir além das representações uniformizadoras desse processo e analisar cada circunstância em suas singularidades históricas. Também é preciso suspeitar dos estereótipos criados pelos críticos à feminilização da filantropia e depois pela história social, que por tanto tempo representaram aquela diversidade de ações femininas sob a rubrica da dama de caridade (lady bountiful), cujo único objetivo seria o controle social de seus tutelados. O controle social esteve presente na caridade e filantropia organizadas, não só pelas mulheres, como também por ilustres filantropos, mas o processo histórico é muito mais espesso do que o véu do estereótipo (McCarthy, 1990).

O associativismo feminino pela assistência social talvez possa ser mais bem compreendido pelo que Gorsky chamou de “empoderamento parcial”, ou seja, muitas mulheres encontraram nas práticas de tutela dos pobres a satisfação em exercer o poder da benevolência, não indo muito além do agradecimento dos tutelados e da legitimidade e do reconhecimento de seus pares. Apesar de considerá-la útil, acredito que a noção de “empoderamento parcial” pode ser ampliada pelo conceito de agência (agency) (Ortner, 1996; 2007). Considerando as limitações do poder da benevolência exercido pelas mulheres devido as suas ressonâncias ideológicas de adequação e conformismo, faz-se necessário entender como foi possível àquelas mulheres criar espaços de ação e de reflexão, nem sempre contestatórios ou inconformistas. Diante das possibilidades geradas pelas circunstâncias, muitas mulheres exerceram não só micropoderes, mas puderam intervir nas realidades que passaram a conhecer, chegando algumas delas a elaborar críticas à sociedade e principalmente às condições de vida das mulheres. Mais do que uma teoria do poder, é preciso compreender as possibilidades históricas de agência para entender os múltiplos significados do associativismo caritativo filantrópico das mulheres e de suas facetas conservadoras.

Procurar entender o associativismo feminino caritativo-filantrópico pelo viés exclusivo da submissão das mulheres às coerções de gênero (à estrutura) e pela adequação ao que socialmente era delas esperado, pode ser uma chave de compreensão para esse fenômeno coletivo e histórico. Entretanto, é uma explicação incompleta e de certa forma simplista, afinal acaba por reforçar o essencialismo e o determinismo, como se as mulheres de elite agissem a partir de um único e exclusivo script de classe. Como acima apontado, prefiro trazer para a análise o conceito de agência conforme desenvolvido na teoria da prática e pelas críticas feministas à noção liberal de autonomia. A agência não é um conceito pré-social ou fora da história, como se fosse uma idiossincrasia individual, mas se refere à capacidade de agir, de refletir e de escolher que pessoas situadas – gênero, classe, raça, religião, etnia, nacionalidade, geração, orientação sexual – podem adquirir (ou querem adquirir) a partir de sua relação com o mundo social. A concepção que alguém, no caso, uma mulher de elite, tem ou teve de si própria, não é algo que ela construiu sozinha. Ser uma mulher de elite é uma condição que se aprende em várias situações e ao longo do tempo, nas tessituras da mudança histórica e dos valores sociais.

Essa característica social e histórica da agência envolve, portanto, uma visão cambiante, não essencial, tanto do sujeito, quanto de sua percepção. Questões caras ao pensamento liberal sobre a autonomia e o indivíduo, como a consciência e a capacidade de escolha, precisam ser contextualizadas. A agência envolve uma pluralidade de situações, de intenções e de contradições dos sujeitos, que podem reforçar valores e atitudes, mas que também podem abrir outras veredas para a ação e a autopercepção (Meyers, 1987).

A visibilidade e a atração exercidas pelo movimento caritativo-filantrópico para as elites oitocentistas em países como a Inglaterra, França e Estados Unidos, foram objeto de estudos históricos, inicialmente na chave de leituras liberais sobre o papel do voluntariado para o progresso social, ou numa interpretação evolucionista de que a filantropia foi a antecessora do Estado de Bem-Estar Social (Gorsky, 1999). A nova história social dos anos 1960 e 1970, particularmente na Inglaterra, em diálogo com a sociologia e a antropologia, buscou explicar a filantropia no contexto das tensões sociais da industrialização e da formação das classes trabalhadoras. Estudos sobre a filantropia e o trabalho voluntário na Inglaterra do século XIX destacaram a mudança nos padrões de assistência, da distribuição paternalista de esmolas e víveres pelos senhores das terras, às organizações caritativas e filantrópicas de caráter impessoal e de benemerência “especializada” como escolas dominicais, escolas de aprendizes, hospitais, dispensários, entre outras tantas organizações do tipo. De acordo com Gorsky, em seu balanço crítico da historiografia sobre a filantropia na Inglaterra, os historiadores sociais, marxistas e não marxistas, procuraram explicar a multiplicação dessas ações e organizações como parte do controle social e moral exercido pelas classes privilegiadas sobre as classes subalternas num meio urbano crescentemente marcado pela pobreza e pelo anonimato dos pobres (Gorsky, 1990, p. 4).

As interpretações dos historiadores liberais e da história social passaram a ser questionadas já na década de 1980, tanto pelo sentido teleológico das primeiras, quanto pela homogeneidade do conceito de classe social da história social, questão desenvolvida por vários historiadores, a começar por E. P. Thompson (1987; 1993)[3], Joan Scott  (1988)[4], Catherine Hall (1988)[5] e Gareth Stedman Jones (1996)[6], entre outros. Entretanto, predominou a homogeneidade do conceito de classe nos estudos sobre a filantropia pela interpretação do controle e autoridade das classes privilegiadas. Estudos mais localizados e circunscritos a determinadas regiões, ou instituições filantrópicas, sobre biografias de filantropos e filantropas, ou mesmo as interpretações culturais da filantropia na imprensa e na literatura trouxeram novas evidências empíricas a respeito da diversidade de intenções e expectativas sociais e culturais da filantropia, como também a diversidade não só de classe, mas de gênero e de raça das pessoas que se envolveram com práticas caritativo-filantrópicas.

Gorsky cita alguns dos primeiros e relevantes estudos produzidos no campo da história das mulheres desde o início da década de 1980, questionando a validade da teoria da divisão das esferas pública e privada pelo uso da categoria gênero, além de demonstrar a complexidade e a diversidade dos protagonismos femininos na filantropia para muito além do estereótipo da dama de caridade. Estudos pioneiros como os de Ann Summers (2013), Frank Prochaska (1980), Brenda Mothersole (1989) e de Dorice Elliott (2002) revelaram diferentes experiências e expectativas de mulheres aristocratas e de classes médias que encontraram na filantropia não só uma ocupação para seu tempo livre, mas oportunidades de adequação social, sociabilidades, conhecimento social e engajamentos em movimentos que excederam a filantropia, como o abolicionismo e o feminismo.

Mesmo sendo um tema que até o final do século XX foi marginal na história social, as investigações mais recentes, às quais este artigo se alinha, estabelecem um contraponto crítico,  contribuindo para a análise histórica da assistência e das práticas benemerentes e sua problematização do gênero, retirando da sombra as biografias, as práticas, as múltiplas ações e os interesses das mulheres ligadas à caridade e à filantropia.

A crítica social e a esquiva historiográfica

Em seu importante estudo sobre as relações entre a filantropia e as noções de gênero na Inglaterra oitocentista, Dorice Williams Elliott (2002) diz que o crescente número de mulheres que por variados motivos estiveram envolvidas com o movimento caritativo-filantrópico, chamou a atenção não só daqueles que as admiravam, mas dos críticos à filantropia. Os livros de memórias e de registros de costumes, tão comuns na cultura letrada inglesa, a literatura e os mordazes periódicos como a revista Punch, registraram suas críticas às mulheres de classes médias e da nobreza em visitas aos bairros pobres das cidades, asilos, prisões e as workhouses. Em quase todos os registros críticos elas foram descritas de maneira estereotipada como velhas solteironas arrogantes, jovens tolas e ingênuas, ou as ladies ricas que esperavam dos pobres deferência e gratidão (Elliott, 2002, p. 4). Um dos cartoons da revista Punch representa bem o tom mordaz à filantropia e tem como título Telescopic Philanthropy. Nele, se vê a Britânia, representada por uma jovem mulher vestida à moda dos antigos e com um elmo na cabeça. Ela observa por meio de um telescópio a chegada de um navio inglês no que provavelmente seja o continente africano, tendo à frente um lorde cercado por nativos. Ao lado da jovem mulher com seu telescópio, estão três crianças londrinas maltrapilhas, uma delas puxa seu vestido e pergunta: “Por favor, senhora, eu não sou suficientemente negro para merecer seus cuidados?”[7]  

Essa ideia de uma filantropia a distância e colonialista, incomodava críticos ingleses, entre eles o famoso escritor Charles Dickens, e no que se refere à filantropia feminina, reforçava ainda mais o estereótipo de mulheres que talvez estivessem se afastando de seus deveres domésticos para se intrometer na vida dos pobres e se envolver com assuntos que não entendiam. É importante lembrar também que muitas críticas se faziam pelo receio que o contato cotidiano das mulheres de elite com o mundo público pudesse masculinizá-las. O acesso ao mundo público pela filantropia parecia ser um sinal de que as mulheres queriam entrar nos espaços masculinos e isso era intolerável, além de parecer muito ameaçador à ordem e à paz doméstica para os críticos mais conservadores que preferiam o velho sistema da caridade paroquial e da distribuição de esmolas (Elliott, 2002).

Mas a crítica não vinha somente dos liberais céticos, ou dos conservadores recalcitrantes com as boas intenções das filantropas. Do lado socialista, as críticas e a desconfiança não foram menores, mas os argumentos eram outros. Os socialistas do começo do século XIX, denominados posteriormente por Marx e Engels de utópicos, compartilhavam com a filantropia as ideias reformadoras da sociedade, influenciados pela filosofia moral do século XVIII. A crítica socialista à filantropia veio especialmente de Friederich Engels a partir de suas observações realizadas quando da viagem feita à Inglaterra no início da década de 1840, resultando na publicação do livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, em 1845. Tais críticas se encontram, em particular, no capítulo “A atitude da burguesia em face do proletariado”, recorrendo a epítetos como farisaísmo e hipocrisia para se referir às “boas intenções” das mulheres burguesas (Engels, 1985).

Mesmo sem se referir diretamente às mulheres filantropas, as principais lideranças femininas do socialismo marxista, Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, não pouparam suas críticas ao que denominavam movimento burguês de mulheres, ou também feminismo burguês. Embora as marxistas defendessem o direito ao voto para as mulheres, não se juntaram às fileiras do movimento pelos direitos das mulheres, ou ao movimento feminista. Tratava-se, para as três socialistas marxistas, de um movimento em defesa dos interesses de classe das mulheres burguesas, portanto as mulheres socialistas tinham que construir sua luta política no partido e na organização dos trabalhadores. Seus caminhos estavam separados. Recorro a essas três lideranças socialistas porque considero que, da mesma forma que Engels, elas contribuíram para o esquecimento das diversas organizações de mulheres do século XIX e do XX ao utilizarem o adjetivo “burguês” em seus discursos, com uma forte conotação negativa.

O adjetivo “burguês” passou a ser usado para todas as mulheres não socialistas e como observou Marilyn J. Boxer (2007), mulheres burguesas eram as esposas dos burgueses, as sufragistas e as filantropas. Pairava sobre elas a desconfiança e mesmo uma indisfarçável antipatia, como se observa na retórica da esquerda. Rosa de Luxemburgo (1912) usou as expressões mais agressivas contra as mulheres burguesas, como “parasitas dos parasitas”, “raivosas”, “cruéis”, “fanáticas” defensoras da exploração promovida por sua classe[8]. O que torna essa retórica ambígua é que ao se observar mais de perto as biografias das socialistas e de suas “oponentes” burguesas que se engajaram na luta pelo voto ou pelas reformas sociais, há realmente poucas evidências de que suas origens de classe fossem muito diferentes e de que houvesse uma homogeneidade por trás do adjetivo “burguês”. De acordo com Boxer, o feminismo “burguês” foi uma invenção das mulheres socialistas e não existiu como um movimento com contornos bem delimitados e precisos como a retórica de esquerda fez crer (Boxer, 2007, p. 156-157).

A historiografia marxista e as feministas socialistas da segunda metade do século XX reatualizaram essa oposição entre feminismo burguês e socialismo, o que contribuiu para a sobrevivência de uma visão limitada a respeito da história das mulheres e principalmente sobre a diversidade de práticas e de experiências políticas que foram esquecidas pelo recurso à expressão “feminismo burguês”. Cabe lembrar que a publicação de excertos de Marx, Engels e Lênin em livro com o título em português Sobre a Mulher, ainda na década de 1950, reeditada na década de 1970, contribuiu para a continuidade daquela oposição e para o silenciamento a respeito dos diferentes movimentos que foram esquecidos por essa operação política de esquiva histórica. Boxer comenta ainda que essa coletânea de textos foi adotada como leitura obrigatória nos cursos de história das mulheres nos Estados Unidos. Lembro que, ao me aproximar do movimento estudantil na década de 1980, Sobre a Mulher foi um dos primeiros livros que li sobre o assunto, aprendendo que somente numa nova sociedade as questões relativas às mulheres seriam, finalmente, superadas, assim como a luta de classes.

Mas, não foi somente a historiografia marxista e as feministas socialistas que contribuíram para o esquecimento do movimento feminino caritativo-filantrópico. Entre as décadas de 1970 e 1980, começam a ser publicados alguns importantes trabalhos bastante influenciados pelo pensamento de Michel Foucault a respeito da sociedade disciplinar e da genealogia das instituições sociais, com destaque para Robert Castel (1978) e Jacques Donzelot (1986). Ambos desenvolveram estudos sobre os processos de tutela dos doentes mentais, da família e de suas personagens. Esses autores trataram da paisagem do social que se organizou historicamente entre os séculos XVIII e XIX e da filantropia como instrumento de docilização e de pacificação social. A ênfase desses estudos é sobre as formas difusas de controle e poder, a fim de conduzir a massa dos incultos à norma social. A filantropia foi entendida como uma estratégia fundamental para a tutela e o controle dos pobres e dos trabalhadores.

Novamente, se percebe que no plano analítico, a estrutura de dominação e de coerção se sobrepõe às diferenças e às práticas dos sujeitos, no caso, as mulheres subsumidas pelo bem conhecido e homogêneo adjetivo “burguês”. Para Castel, “o exercício esclarecido da benevolência fica, assim, compreendido como o melhor instrumento de vigilância e manipulação do povo.” (1978, p. 127). Donzelot reconhece na paisagem da assistência social do século XIX uma bem elaborada aliança entre as mulheres burguesas e os médicos com a finalidade de “desenvolver práticas de conservação e de formação da população dissociando-a de qualquer atribuição diretamente política.” (1986, p. 55). A filantropia seria uma prática a meio caminho da política, ocupando uma posição intermediária entre a iniciativa privada e o Estado. 

Tais análises sobre a assistência e seus agentes masculinos e femininos contribuíram para uma compreensão dos múltiplos mecanismos e estratégias de dominação não só de uma classe, mas de um processo histórico difuso da constituição de saberes e poderes que recolocavam um antigo problema, a ordem, em outra configuração social, as sociedades capitalistas. Entretanto, da mesma forma que a crítica marxista, a interpretação pelo viés das disciplinas e das coerções esbarra na uniformidade dos sujeitos, na ausência de contradições e, principalmente, na falta de atenção para a agência das mulheres. A “mulher burguesa” de Donzelot é uma criação parcial que camufla as diferenças de intenção e de ação das mulheres, burguesas ou não, que encontraram na filantropia um espaço que precisa ser explicado para além dos adjetivos.

As explicações sobre o processo de feminilização da filantropia começaram a ser elaboradas pela história social das mulheres a partir da década de 1980. A crítica ao marxismo e ao estruturalismo impulsionou historiadoras e historiadores a produzirem um conjunto de pesquisas mais consistentes que não só atenderam às demandas políticas relativas à cegueira de gênero na escrita da História, como também passaram a investigar e a descobrir a pluralidade das experiências dos sujeitos no passado, para além das categorias identitárias construídas naqueles marcos teóricos. Mesmo o conceito de classe passou a ser questionado em sua uniformidade e na narrativa do conflito. Vários estudos da história social revelaram as assimetrias de gênero e as diferenças políticas e culturais nas classes trabalhadoras, assim como também os estudos sobre a burguesia, as classes médias e a aristocracia ampliaram consideravelmente a compreensão dos processos de criação/recriação da cultura e de como os valores e as ideologias não se estendem uniformemente sobre conjuntos estáticos de homens e mulheres, da mesma forma como a adesão e a reprodução das estruturas não se deram sem a contrapartida da crítica, do inconformismo e mesmo da subversão e das resistências (Davidoff; Hall, 2002; Gay, 1988; Perrot, 1992; Scott, 1988; Taylor, 1983)[9].

Os primeiros estudos históricos de fôlego sobre as mulheres e a filantropia tiveram o objetivo de compreender as motivações e, principalmente, o protagonismo público feminino numa época em que a saída do espaço doméstico para as mulheres era cercada de uma série de interdições e dificuldades. Esses estudos foram os primeiros a retirar das sombras do esquecimento as práticas caritativo-filantrópicas das mulheres de elite e, para isso, se voltaram para as biografias de mulheres da aristocracia e das classes médias e para as instituições que criaram ou que participaram, em busca de uma documentação desconhecida, porém preservada em alguns países, sobre as práticas benemerentes, as estratégias para o desenvolvimento do trabalho voluntário e a manutenção das instituições. Documentação pessoal como cartas, diários, fotografias e escritos de diferentes tipos produzidos pelas filantropas, bem como os registros da imprensa que noticiavam suas ações, constituem outro corpo documental importante que permitiu às historiadoras e aos historiadores compreender melhor o que foi aquela ação pública que tanto atraiu as mulheres, especialmente a partir do século XIX (Fayet-Scribe, 1990; Mccarthy, 1990; Mothersole, 1989)[10].

Um desses historiadores, Frank Prochaska (1980), ao concluir seu livro – um dos primeiros a tratar do assunto – afirma que a filantropia na Inglaterra (mas esse é um padrão que se repetiu em outros países) se tornou um tipo de profissão feminina respeitável e adequada ao que então se chamava “missão da mulher”, com suas profundas ressonâncias religiosas. Por mais que reforçasse um modelo conservador de feminilidade pautado pela contenção, pelas virtudes e pela adequação social, para muitas mulheres, a filantropia abriu outros espaços de atuação e de intervenção social. É importante sublinhar que esses primeiros estudos históricos abriram caminhos para outras pesquisas e publicações em diferentes países sobre o associativismo feminino e suas múltiplas finalidades, abrangendo outro importante aspecto desse processo que foi entender a influência da religião, aspecto esse insuficientemente explorado pela história das mulheres, pelo menos até meados da década de 1990 (Della Suda, 2007; Elliott, 2002; Prochaska, 1980; Summers, 2013)[11].

Não querendo simplificar uma produção histórica presente em diferentes países sobre a filantropia feminina, é possível afirmar que essas publicações compartilham alguns objetivos e resultados. Primeiro, retiraram do esquecimento centenas ou mesmo milhares de mulheres que se envolveram com o trabalho voluntário, abrangendo uma extensa área de atividades sociais; segundo, contribuíram para a produção da memória histórica desse vigoroso movimento da benemerência ao descobrirem documentos pessoais e das instituições que eram até então desconhecidos, ou que foram pouco explorados ou mesmo não analisados pela história social; terceiro, apontaram para as complexas relações entre a filantropia feminina, a religião e a política; e por fim, revelaram as diferenças sociais e culturais entre as mulheres, como também mostraram que as práticas filantrópicas não foram exclusivas das mulheres de elite.

Como principais resultados, esses estudos contribuíram para dar visibilidade ao protagonismo público feminino e à filantropia, como desdobramentos sociais da agência e da consciência crítica de muitas mulheres. Também abriram caminhos para outras análises, em especial para o “empoderamento parcial” de mulheres envolvidas com a filantropia, ou que denomino de poder da benevolência. Por último, é importante destacar que os estudos sobre a filantropia feminina apontam para uma necessária reflexão sobre o conservadorismo, afinal boa parte, senão a maioria das mulheres que atuou no cenário social do século XIX e do século XX, compartilhava de uma visão de mundo conservadora fortemente enquadrada pela religião. 

O que significava ser conservadora para mulheres filantropas e religiosas que descobriram iniquidades e injustiças? Seria um comportamento de classe mais ou menos padronizado? A historiografia sobre as mulheres filantropas não permite responder facilmente a essas perguntas, pois as pesquisas já realizadas mostram um quadro de referências conservador bastante ligado à religião. Se esse quadro em muitas situações se manteve quase inalterado, em outras sofreu alterações, conforme o foco da análise se ajusta para a agência das mulheres e as circunstâncias nas quais estiveram envolvidas. Além disso, é importante pensar de que maneira o conservadorismo foi uma referência ideológica e moral para a atuação social e política das mulheres, o que ainda demanda investigações futuras[12]. Os estudos sobre o conservadorismo se concentram majoritariamente na política e no pensamento filosófico e social, terrenos masculinos e institucionalizados (Campbell, 1987; Hamilton, 2011; Maguire, 1998)[13].

 Ao ampliar o escopo do conservadorismo do terreno político-partidário para as práticas sociais e organizações civis, outros significados e sujeitos aparecem e, pelo menos no que diz respeito à filantropia, o conservadorismo foi uma âncora moral e ideológica para as mulheres poderem atuar na paisagem social com reconhecimento, prestígio e respeitabilidade. Nessa direção, mesmo que parcialmente, indico uma frente promissora de investigações sobre o conservadorismo feminino no Brasil, começando pelo associativismo e ativismo religioso (Guariza, 2003; Alamino, 2008; Brion, 2009;  Souza, 2009; Oliveira, 2010)[14]    e as mulheres que se engajaram em movimentos políticos da direita no Brasil (Cordeiro, 2008; Simões, 1985; Sousa, 2016; Tabak, 1983).[15]

Do esquecimento e da memória do associativismo feminino filantrópico brasileiro

Não é possível esquecer que nas origens da profissão de assistente social se encontra o trabalho voluntário das damas de caridade, ou das senhoras benevolentes; no entanto, pouca coisa foi escrita sobre esse passado nos livros de história do serviço social ou da assistência social no Brasil. Reconhecidas como formas históricas da assistência no Brasil, a caridade e a filantropia são quase sempre interpretadas pela chave da regulação e do controle das populações pobres por parte das elites e da Igreja Católica, apoiadas pelo Estado. Na tipologia histórica das organizações assistenciais brasileiras que Maria Luiza Mestriner (2005) apresenta, não há nenhuma menção às instituições ou associações femininas que prestaram serviços, ou como ela diz, estabeleceram um tipo de regulação. Mestriner (2005) dedica alguns parágrafos à atuação de duas representantes da assistência social brasileira do começo do século XX, Stella de Faro e Eugenia Dutra Hamann, que integraram o Conselho Nacional de Serviço Social a partir de 1938, órgão bastante ressaltado pela autora na análise que faz da assistência na Era Vargas.

É interessante notar que o esquecimento das filantropas brasileiras se torna narrativamente visível no livro de Mestriner ao falar das atribuições do Conselho e de seus integrantes ligados à filantropia: “Selam-se as relações entre o Estado e segmentos da elite: homens (e senhoras) bons, vão avaliar o mérito do Estado em conceder auxílios e subvenções a organizações da sociedade civil.” (Mestriner, 2005, p. 58). A autora recorreu à notação gráfica dos parênteses para lembrar que aquele órgão político e público também tinha entre seus representantes da filantropia as (senhoras). Trata-se de uma memória suplementar daquelas que, paradoxalmente, compunham a maioria na prestação dos serviços de assistência privada no país naquele contexto de formulação das políticas sociais do Estado Novo. O recurso dos parênteses não é a lembrança da minoria feminina no Conselho, afinal eram somente duas conselheiras entre sete, mas sim a representação gráfica do esquecimento das mulheres ligadas à caridade e à filantropia.

O mesmo esquecimento se percebe no livro do qual Aldaíza Sposati (2008) é uma das organizadoras. A introdução do livro afirma que “a benemerência, como ato de solidariedade, foi se constituindo em práticas de dominação. [...] o direito à assistência foi historicamente sendo substituído pelo apelo à benevolência das almas pias e caridosas.” (Sposati et al., 2008, p. 41). Nada é dito sobre as mulheres que praticaram a caridade e a filantropia, em especial na época das políticas sociais do Estado Novo, quando aumentou significativamente o número de associações com finalidades assistenciais no Brasil, grande número delas organizadas e dirigidas por mulheres. São as “almas pias e caridosas”, sem nome e sem história.

Maria Esolina Pinheiro, uma das primeiras assistentes sociais do país, professora da Escola Técnica de Serviço Social Cecy Dodsworth desde 1944, foi a primeira profissional a dar importância à filantropia e, em especial, à memória das mulheres filantropas, num texto publicado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 1985, portanto, um texto memorialístico da ilustre professora e assistente social (Pinheiro, 1985a). A autora escreve um capítulo sobre o serviço social no Brasil e, para isso, remonta à tradição da caridade e da filantropia. Entre as tantas instituições citadas e comentadas, ela destaca algumas das mais importantes organizadas e dirigidas pelas mulheres na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX, citando seus nomes, informando o tipo de assistência que prestavam e o público beneficiado. Esse reconhecimento à memória foi possível porque Maria Esolina, como uma das pioneiras da profissão de assistente social, conviveu muito de perto com as filantropas, tão de perto que trabalharam juntas em algumas instituições assistenciais, como o Serviço de Obras Sociais, fundado em 1934, do qual Eugênia Dutra Hamann foi uma das fundadoras e dirigentes, e a Legião Brasileira de Assistência, fundada por Darcy Vargas em 1942, com quem Maria Esolina manteve relações pessoais, tendo sido também professora do curso de Visitadoras Sociais da LBA (Pinheiro, 1985b).

Quanto à produção de historiadores e historiadoras a respeito de instituições de caridade e de filantropia, a partir dos anos 1980, o enfoque foi direcionado para os fundadores e provedores, bem como para os tipos de assistência prestada, os grupos sociais beneficiados, as relações de poder e a reflexão a respeito da hierarquia social. De maneira geral, os estudos se dedicaram às práticas de socorro e auxílio dos chamados homens bons da sociedade colonial brasileira, como os integrantes das irmandades das Misericórdias, ou de ordens terceiras que praticavam a caridade com os seus irmãos ou com os pobres (Franco, 2011; Pimenta; Delamarque, 2015; Russell-Wood, 1981)[16]. O interesse pelas mulheres que praticaram a caridade e a filantropia por meio de associações e instituições só começou a surgir com a História das Mulheres, contudo, esse interesse se restringiu, inicialmente, às delimitações dos espaços de sociabilidades das mulheres de elite da Colônia ou do período imperial, sem uma problematização a respeito da agência das mulheres benemerentes e das diferenças entre elas.

Segundo interpretação da brasilianista June Hahner, para algumas poucas mulheres brasileiras que viveram na segunda metade do século XIX, “o enfado ajudou a estimular um desejo de mudança, como nos Estados Unidos várias décadas antes. Para essas mulheres o trabalho filantrópico fora do lar iria constituir um passo à frente” (Hahner, 1981, p. 45). Fazendo comparações com a história do associativismo feminino nos Estados Unidos, Hahner acaba construindo uma imagem de fragilidade do associativismo feminino brasileiro, embora seja uma das primeiras historiadoras a tratar do envolvimento das mulheres com o movimento abolicionista no Brasil e mesmo a citar algumas associações abolicionistas exclusivamente femininas, um avanço historiográfico, sem dúvida.

Outra historiadora brasilianista, Susan Besse, também tratou do associativismo filantrópico feminino e considero ser importante explorar com um pouco mais de detalhe a sua interpretação. Essa discussão aparece no capítulo Redefinição do ‘Trabalho das Mulheres’, ou seja, a filantropia é vista pela autora como uma forma de trabalho “entre aspas”, por ser voluntário e aberto às mulheres de classes média e alta. Besse vê nesse movimento e na abertura de novas oportunidades profissionais para aquelas mulheres por ela definidas como “ambiciosas”, um problema: as “implicações conservadoras” da caridade e da filantropia “suplantavam suas implicações potencialmente radicais” (Besse, 1999, p. 168). Ou seja, os valores associados às práticas da caridade e da filantropia (bondade, altruísmo, sacrifício) contribuíram para a reprodução dos estereótipos de gênero que mantinham intocados os argumentos da separação das esferas pública e privada. No entanto, a crítica não se detém só no conservadorismo, fazendo também uma comparação com as associações femininas dos Estados Unidos, que merece ser reproduzida integralmente:

Ao contrário das reformadoras morais de classe média dos EUA, que buscavam transcender as diferenças de classe entre elas próprias e suas “irmãs” menos privilegiadas e utilizavam a retórica do altruísmo para ocultar suas próprias identidades e interesses de classe, as líderes femininas de classe alta das organizações de caridade do Brasil atuavam conscientemente como membros de sua classe e com frequência empregavam uma retórica que enfatizava sua identidade e objetivos de classe: atenuar o conflito entre as classes e legitimar a ordem social (Besse, 1999, p. 168).

Aproximando a tese do controle social presente nas explicações marxistas de dominação de classe pela filantropia, Susan Besse reforça uma imagem padronizada da mulher de elite sem compromissos com causas sociais, chegando a afirmar que a filantropia se tornou uma moda, com seus chás, bailes e festas para angariar recursos para as obras de benemerência. Essa imagem não é irreal, afinal basta uma breve consulta aos periódicos das primeiras décadas do século XX para perceber que, sim, a filantropia começava a se tornar uma moda entre as elites brasileiras, mas igualmente deu visibilidade social às patrocinadoras e às suas causas. O problema dessa interpretação é que ela reduz demasiadamente o foco sobre algumas mulheres de elite que não demonstraram interesse, nem compromissos sociais e políticos, como a educação e o feminismo, por exemplo, deixando de fora da análise protagonismos críticos à própria ordem social.

Defendo que é preciso explorar mais os significados do conservadorismo como já apontei neste texto; também é necessário ampliar o foco para perceber as diferenças entre as filantropas, pois como considerá-las iguais se havia uma filantropia praticada por mulheres de camadas sociais que não compunham as elites? Além disso, havia diferenças entre as próprias mulheres de elite, afinal, somente como exemplo, como considerar semelhantes mulheres como Eugênia Dutra Hamann, uma filantropa feminista, integrante da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino com ideias bastante progressistas e emancipatórias para a sua época, e Amélia de Rezende Martins, a idealizadora da Ação Social Brasileira, que tinha entre seus objetivos combater a subversão da ordem social e preservar a família brasileira? Ou, então, quais seriam as afinidades entre a principal liderança feminina da Ação Católica Brasileira, a conservadora Stella de Faro, e a filantropa feminista que tanta presença teve na promoção do sanitarismo e da profissionalização das mulheres, a também católica Jeronyma Mesquita?

Essa visão sobre as mulheres filantropas passou a ser significativamente alterada com as pesquisas realizadas por Maria Lúcia Mott a partir da década de 1990, seguida por várias outras pesquisadoras, entre as quais me incluo. Nesse sentido, gostaria de destacar o pioneirismo de Maria Lúcia no campo de estudos históricos sobre a assistência no Brasil, mas também sobre o associativismo filantrópico feminino. Em seus estudos sobre as mulheres de elite que se envolveram com campanhas sanitárias e com a proteção materno-infantil, Maria Lúcia Mott revelou outras imagens para além do controle social, que era fato, mas não necessariamente restringiu as ações das mulheres. Mott fez uma análise histórica atenta para as contradições, para as escolhas e igualmente para mudanças nas trajetórias das filantropas, analisando a documentação das instituições filantrópicas e os escritos das filantropas, um tipo de escrita que também precisa ser mais bem explorado pela historiografia (Mott, 2001, 2005, 2011).

No mesmo diapasão do pioneirismo da pesquisa sobre o tema cabe destacar a contribuição da antropóloga Leilah Landin, particularmente em texto publicado numa coletânea sobre as relações entre a filantropia, as mulheres e a sociedade civil, infelizmente não traduzido para o português (Landin, 2001). Neste capítulo, Leilah reconhece a ausência de estudos sobre tais relações no Brasil devido a certa obsessão sociológica com o Estado no meio acadêmico em detrimento das organizações civis e do associativismo feminino, mas também devido à desatenção da historiografia às práticas caritativas e filantrópicas das mulheres de elite, como se fossem indícios tão somente da reprodução ideológica, conforme já apontado neste artigo. O texto de Leilah tem muitos méritos, a começar por procurar estabelecer uma tipologia de padrões de atuação das mulheres por meio do associativismo caritativo-filantrópico e também por apontar caminhos para futuras pesquisas, como as relações entre a filantropia, as mulheres e a Igreja Católica.

Nessa direção, várias dissertações e teses de doutorado começaram a ser realizadas sobre o tema a partir dos anos 2000. Tendo como objetivo analisar o associativismo feminino benemerente, muitos desses trabalhos de pós-graduação abriram novas veredas para a compreensão do protagonismo feminino até então considerado mínimo, ou mesmo inexistente (Alves, 2014; Oliveira, 2010; Seixas, 2011; Souza, 2009)[17].

Estudos como esses e outros que aqui não pude explorar com mais vagar, revelam também o quanto ainda é escassa no Brasil a produção de biografias de mulheres, como também é necessário superar uma concepção de política fortemente institucionalizada. Práticas assistenciais de filantropas, feministas-filantropas e mesmo das primeiras-damas, ampliam a compreensão das múltiplas formas da ação política, que não são exclusivamente do Estado, como bem observaram Jacques Rancière (1995) e Amanda Vickery (2001).

Apesar das contribuições presentes na historiografia brasileira finissecular e do começo do século XXI, arrisco afirmar que continua a pairar sobre o associativismo feminino filantrópico uma sombra do esquecimento, que só não é maior devido aos estudos aqui mencionados produzidos desde a década de 1990. É compreensível que as historiadoras brasileiras e feministas por um bom tempo tenham se dedicado às vidas e experiências sociais de mulheres subalternas e à margem, ou então aquelas que mais diretamente estiveram associadas às resistências à ordem social e cultural como as anarquistas, socialistas, feministas, escritoras inconformistas e presas políticas. No entanto, um contingente enorme de mulheres não foi nem “marginal”, nem rebelde inconformada. A maioria fez parte de um mundo do qual ainda sabemos pouco, pois toca ao cotidiano, à adequação e ao conservadorismo.

A descoberta dos documentos privados das mulheres, ou releituras de documentos já conhecidos, como a imprensa, por exemplo, bem como a prática da história oral, tem mostrado que aquela aparência de uma história entre parênteses é só uma aparência. Talvez esse amplo contingente de mulheres não possa realmente ser conhecido, contudo, as mulheres que deixaram algum traço de suas intenções e de suas práticas por meio da caridade e da filantropia podem ampliar nosso conhecimento sobre a pluralidade e a história complexa da constituição das subjetividades femininas na sociedade brasileira, sem estereótipos e sem polaridades reducionistas.

Mas, quem foram as mulheres sobre as quais não falamos, ou sobre as quais ainda conhecemos parcialmente? A documentação à qual tive acesso me permite afirmar que a maioria é composta por mulheres de elite, oriundas de famílias ricas, proprietárias de terras, ou ligadas ao comércio de exportação. Tiveram educação católica e algumas, em número menor, mas de grande expressão social, puderam viajar e passar temporadas no exterior, tendo acesso à cultura letrada produzida em outros países, pois dominavam muito bem a leitura, a fala e a escrita em outros idiomas como o francês, o inglês, o alemão e o italiano[18]. Elas participaram intensamente das redes de sociabilidade das elites de suas cidades, frequentando festas, chás, saraus literários e musicais, cuja finalidade era arrecadar recursos para obras de caridade e de filantropia, e também cerimônias religiosas e inaugurações de instituições públicas e privadas de benemerência. Tiveram intenso protagonismo na fundação e organização de associações e instituições de caridade e de filantropia, sendo possível perceber pela imprensa a organização de uma extensa rede feminina de assistência, na qual os principais nomes estão sempre articulados à uma ação ou intervenção social.

Além desse círculo frequentado pelas mulheres de elite, outras redes femininas caritativo-filantrópicas se formaram, envolvendo mulheres oriundas de setores mais baixos das classes médias, de famílias de pequenos comerciantes, de funcionários públicos de escalões inferiores, além das associações criadas por mulheres de setores populares, como professoras primárias e donas de casa de famílias mais pobres. Em boa parte, motivadas pela religião, acabaram por se envolver com as práticas caritativas junto às suas paróquias, distribuindo víveres e medicamentos para as pessoas mais necessitadas, mas algumas criaram suas próprias associações e instituições.

Sobre as mulheres das classes menos privilegiadas que praticaram a benemerência, o esquecimento é muito mais espesso, porque quase nada se sabe sobre elas e suas associações, a não ser pelos rastros que deixaram no contato que procuraram estabelecer com o poder político em busca de apoio financeiro para suas atividades assistenciais, em especial durante o Estado Novo. Ao pesquisar no Fundo do Gabinete Civil da Presidência da República, no Arquivo Nacional, encontrei algumas delas, líderes de um verdadeiro exército feminino silencioso, sobre o qual poucos registros se encontram, mas convictas de que aquele trabalho que realizavam estava de acordo com a religião cristã e com o que elas mesmas acreditavam ser adequado para as mulheres realizarem fora dos limites de seus lares.

Cito aqui somente uma delas, a professora Maria Alcídia Blanc, da cidade mineira de Bicas de Minas, que fundou em 1939 uma creche para crianças órfãs, que ela chamava de “meus filhos”. A professora escreveu ao presidente Getúlio Vargas solicitando recursos para encontrar outra casa para a creche, pois aquela em que estavam não mais oferecia condições para abrigar as crianças. Anexo à carta, à guisa de comprovação, ela enviou um recorte do jornal “O Momento”, com a reportagem de 12 de outubro de 1939, intitulada “100% Caridade”.  O texto jornalístico narra o “heroísmo” da “alma abnegada” da professora, porque além de ter demonstrado sua competência como professora municipal, “a caridade paira em seu espírito como o mais caro dos ideais, sendo o norte constante das suas atividades.” ( 100% CARIDADE, 1939, p. 1). Pela matéria, sabe-se também que ela teve o apoio da Conferência de São Vicente de Paulo, associação católica composta por homens de situação social privilegiada, bem como da Prefeitura de Bicas de Minas por meio de um decreto que assegurava que ela poderia se dedicar ao trabalho de caridade sem colocar em risco seu emprego de professora do município. 

Cartas como a da professora Maria Alcídia são fragmentos da benemerência organizada individualmente, ou por meio de associações de mulheres sobre as quais se sabe ainda menos do que das mulheres de elite. Certamente, há o problema da escassez de documentos, afinal, antes da organização das políticas sociais para a assistência na década de 1930, poucas associações mantinham registros como os estatutos e a contabilidade. Mesmo assim, volto a insistir que é possível encontrar seus rastros, mesmo que sejam cartas como a da professora municipal Maria Alcídia Blanc, solicitando ao poder público os recursos para manter sua creche. Reitero que o esquecimento não é resultado da ausência de documentos, mas do desinteresse e do silêncio ideológico que recobre essas práticas e experiências femininas no passado.

Considerações finais

A pesquisa histórica que venho desenvolvendo é muito semelhante à prática arqueológica da escavação, cujas camadas retiradas revelam as práticas de benemerência feminina que precisam ser mais bem compreendidas. Os rótulos de conservadorismo e de controle social não estão de todo equivocados, mas são limitados, como aqui expus, e não dão conta das diferentes formas de agência feminina por meio da assistência. É preciso também investigar mais a fundo os sentidos do conservadorismo social e político das mulheres, tema que tem ressonâncias no tempo presente. Os estudos disponíveis sobre o conservadorismo são elaborados a partir dos comportamentos e das trajetórias biográficas de políticos e empresários, ou então a partir de organizações políticas como sindicatos, associações empresariais, clubes, entidades de classe e organizações intelectuais, todos majoritária ou exclusivamente masculinos (Ferreira; Botelho, 2010).

O conservadorismo feminino tem suas raízes na classe social e na religião, mas é preciso investigar com mais minúcias as expressões seculares do pensamento conservador, divulgadas pelos médicos, juristas, professores, que foram atraentes para as mulheres, elas mesmas produtoras do pensamento conservador divulgado em suas próprias publicações e na imprensa, em menor número, é preciso admitir. O envolvimento das mulheres de elite com as múltiplas dimensões da questão social e mesmo com o feminismo abre outras possibilidades de análise sobre a agência feminina. Talvez, com mais pesquisas sobre o protagonismo das mulheres envolvidas com a filantropia e a assistência, seja possível compreender melhor a pluralidade das práticas assistenciais e de visões de mundo mais conservadoras ao lado de visões mais críticas aos padrões morais vigentes, revelando um complexo e delicado equilíbrio entre limites e possibilidades; entre adequação e agência.

Referências

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[1] Este artigo é resultado de pesquisa financiada pelo CNPq como bolsista de produtividade.
[2]  Para maiores informações ver: BLEE, Kathlenn M. Women of the Klan: racismo and gender in the 1920’s. Berkeley: University of California Press, 1991; MACLEAN, Nancy. Behind the mask of chivalry: the making of the Second Klu Klux Klan. Oxford: Oxford University Press, 1995; RYMPH, Catherine E. Repubican women: feminism and conservatism from suffrage trough the rise of new right. Chapel Hill: University of North Caroline Press, 2006; COSTE, Françoise. Conservative women and feminism in the United States: between hatred and appropriation. Caliban. French Journal of English Studies, v. 27, p. 167-17, 2010; DEUTSCH, Sandra McGee. Las derechas: La extrema derecha em la Argentina, el Brasil y Chile, 1890-1939. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes, 2005; GONZÁLEZ, Victoria; KAMPWIRTH, Karen (orgs.). Radical Women in Latin America:  left and wright. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2001; PINEDO, Rebeca Arce. Dios, Patria, Hogar; la construcción social de la mujer española por el catolicismo y las derechas em el primer tercio del siglo XX. Santander: Publican, Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2007. Estudos sobre o Brasil ver  POSSAS, Lídia Maria Vianna. O integralismo e a mulher. In: DOTTA, Renato, POSSAS, Lidia Maria Vianna ; CAVARALI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: novos estudos e reinterpretações. Rio Claro, Arquivo Público do Município de Rio Claro, 2004; POSSAS, Lídia M. Vianna. As blusas verdes e as marchadeiras: movimentos de mulheres e de participação política nos anos 30 e 60. Revista Nuevas Tendencias en Antropología, v. 3, n. 1, 2012, p. 20-43; SIMÕES, Renata Duarte. A educação do corpo no jornal A Offensiva (1932-1938). 2009. Tese (Doutorado em História da Educação e Historiografia) – São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009; FERREIRA, Helisangela Maria Andrade. As Plinianas de Pernambuco: o cotidiano das mulheres na Ação Integralista Brasileira (1932-1938). Dissertação (Mestrado em História) – Recife, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2016; FERREIRA, Lilian Tavares de Barrios. Blusas-Verdes à beira mar: mulheres integralistas. Santos (1932-1937). Dissertação (Mestrado em História) – São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018.
[3] THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; THOMPSON, Edward P. Customs in common: studies in tradicional popular culture. New York: The New Press, 1993.
[4] SCOTT, Joan W. Gender and the politics of History. New York: Columbia University Press, 1988.
[5] HALL, Catherine. The tale of Samuel and Jemima: gender and working class culture in XIX century England. In: KAYE, H. S.; MCCLELLAND, K. E.P. Thompson: critical perspectives. Philadelphia: Temple University, 1988.
[6] JONES, Gareth Stedman. Languages of class: studies in english working class history. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
[7] Esse cartoon foi publicado em 1865 e toma emprestada a expressão Telescopic Philanthropy do escritor inglês Charles Dickens, que é o título do capítulo quatro do livro Bleak House (1853), uma crítica impiedosa à filantropia praticada por homens, mas, principalmente, por mulheres das classes médias. Tais pessoas, segundo Dickens, levantavam recursos para enviar às colônias do Império Britânico, desconhecendo as realidades locais daqueles distantes lugares, na pretensiosa intenção de civilizá-las, enquanto crianças vivendo miseravelmente pelas cidades da Inglaterra, tinham que disputar migalhas e não atraíam a mesma atenção das filantropas. Disponível em http://punch.photoshelter.com/gallery/Victorian-Era-Cartoons/ G0000czGdMEOaVXY/. Acesso em: 26 out. 2022.
[8] ZETKIN, Clara. Social democracy & Woman suffrage. London: [s. n.], 1906. Disponível em:   www.marxists.org/archive/zetkin/1906/xx/womansuffrage.htm    Acesso em: 1 dez. 2015; ZETKIN, Clara. German socialist women’s movement. [S. l.: s. n.], 1909. Disponível em https://www.marxists.org/archive/zetkin/1909/10/09.htm.    Acesso em: 1 dez. 2015); LUXEMBURGO, Rosa. Women’s suffrage and class struggle. Stuttgard: [s. n.], 1912. Disponível em www.marxists.org/archive/luxemburg/1912/05/12.htm. Acesso em: 1 dez. 2015 e KOLLONTAI, Alexandra. Women’s Day. St. Petersburg, 1913. Disponível em   www.marxists.org/archive/kollonta/1913/womens-day.htm. Acesso em: 1 dez. 2015, que se encontram para consulta em www.marxists.org
[9] DAVIDOFF, Leonore; HALL, Catherine. Family fortunes: men and women of the English middle class 1780-1850. Abingdon: Routledge, 2002; GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud: a educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988; PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992; SCOTT, Joan W. Gender and the politics of History. New York: Columbia University Press, 1988; TAYLOR, Barbara. Eve and the New Jerusalem: socialism and feminism in the Nineteenth Century. New York: Pantheon Books, 1983.
[10] FAYET-SCRIBE, Sylvie. Associations féminines et catholicisme: de la charité à l’action sociale. XIXe. – XXe. siécle. Paris: Les Éditions Ouvrière, 1990; MCCARTHY, Kathleen D. (ed.) Lady bountiful revisited: women, philanthropy and power. New Burnswick: Rutgers University Press, 1990;
[11] DELLA SUDA, Magali. Une activité politique féminine conservatrice avant le droit de suffrage en France et en Italie: socio histoire de la politisation des femmes catholiques au sein de La Ligue Patriotique des Françaises (1902-1933) et de l’Unione fra le donne cattoliche d’Italia (1909-1919). 647 p. Tese (Doutorado Science Sociales) – Ecole des Hautes Etudes em Science Sociales (EHESC), Paris, 2007; ELLIOTT, Dorice Williams. The Angel out of the house: philanthropy and gender in Nineteenth Century England. Charlottesville: University Press of Virginia, 2002; PROCHASKA, Frank K. Women and philanthropy in Nineteenth Century England. Oxford: Clarendo, 1980; SUMMERS, Anne. A home from home. Women’s philanthropic work in the Nineteenth-Century. In: BURMAN, S. (ed.) Fit work for women. London: Routledge, 2013. P. 33-63.
[12] A pesquisa com as mulheres brasileiras de elite envolvidas com a filantropia e a assistência me levou a formular o conceito de conservadorismo como um quadro de referências morais sobre a noção de ordem (natural, social e política); sobre a autoridade; e uma visão do passado como sendo a continuidade das experiências e das instituições preservadas no presente, como a família, religião e a nação. Por mais que as referências morais conservadoras sejam identificadas nas ações e mesmo nos registros escritos que algumas delas deixaram, a visão de mundo conservadora esteve longe de ser homogênea entre as filantropas. Algumas seguiram um modelo de ação mais inflexível e rígido, como as ativistas católicas; outras demonstraram uma capacidade de combinar valores conservadores com as mudanças sociais e culturais, como o feminismo liberal das décadas de 1920 e 1930, o acesso ao mundo do trabalho e à profissionalização, além da educação técnica e superior para as mulheres. Defendo que o conservadorismo foi algo semelhante a um mapa para se orientar numa sociedade em processo de modernização. Algumas ficaram nos limites morais e sociais mais convencionais; outras, mesmo sem romper com a visão de mundo conservadora, se permitiram alterar o mapa, ou até mesmo corrigi-lo, ampliando para elas mesmas e para outras mulheres, territórios novos de ação e de experiências subjetivas. (MARTINS, 2023)
[13] CAMPBELL, Beatrix. The Iron Ladies: why do women vote Tory? London: Virago Press, 1987; HAMILTON, Andy. Conservatism. [S. l.]: The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020.  Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/spr2020/entries/conservatism/. Acesso em: 20 mar. 2021; MAGUIRE, Gloria E. Conservative women: a history of women and the conservative party, 1874-1997. London: MacMillan Press, 1998.
[14] GUARIZA, Nadia Maria. As guardiãs do lar: a valorização materna no discurso ultramontano. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003; ALAMINO, Márcia de Carvalho Jimenez. Na casa de Marta e Maria: um estudo sobre o Colégio Notre Dame de Sion de Petrópolis. Dissertação (Mestrado em Educação) – Petrópolis, Universidade Católica de Petrópolis, 2008; BRION, Ioneide Maria Pifano. As Filhas de Maria: uma história social da Pia União. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) - Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009; SOUZA, Sidnara Anunciação Santana. A órfãs e desvalidas do Asilo Filhas de Ana: regras de conduta e feminilidade em Cachoeira (1891-1905). Dissertação (Mestrado em História), Feira de Santana, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009; OLIVEIRA, Darlene Socorro da Silva. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): o movimento de Ação Católica no Brasil e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2010.
[15] CORDEIRO, Janaína. “A nação que se salvou a si mesma”. Entre memória e história, a Campanha da Mulher pela Democracia (1962-1974). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008; SIMÕES, Solange de Deus. Deus, Pátria e Família. As mulheres no golpe de 1964.  Petrópolis: Vozes, 1985; TABAK, Fanny. Autoritarismo e participação política da mulher. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
[16]FRANCO, Renato. Pobreza e caridade leiga: as Santas Casas de Misericórdia na América Portuguesa. 376 p. Tese. (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001; PIMENTA, Tania Salgado; DELAMARQUE, Elizabeth Vianna. O estado da Misericórdia: assistência à saúde no Rio de Janeiro, século XIX. In: SANGLARD, G. et al. (orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Editora FGV/FAPERJ, 2015. p. 39-53; RUSSELL-WOOD, Anthony John R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia. 1550-1755. Brasília: Editora da UnB, 1981.
[17] ALVES, Ismael Gonçalves. (Re)construindo a maternidade: as políticas públicas materno-infantis brasileiras e suas implicações na Região Carbonífera Catarinense (1920-1960). 294 p. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014; OLIVEIRA, Darlene Socorro da Silva. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): o movimento de Ação Católica no Brasil e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2010; SEIXAS, Larissa Selhorst. O feminismo no bom sentido: o Centro Paranaense Feminino de Cultura e o lugar das mulheres no mundo público: Curitiba, 1933-1958. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011; SOUZA, Sidnara. Anunciação Santana: as órfãs e desvalidas do Asilo Filhas de Ana: regras de conduta e feminilidade em Cachoeira (1891-1905). Dissertação (Mestrado em História) – Feira de Santana, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009.
[18] Esse quadro que componho do perfil das mulheres de elite ligadas à caridade e à filantropia resulta de pesquisas já concluídas e publicadas sobre filantropas e feministas que atuaram na primeira metade do século XX. (Martins, 2023)


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Programa de Pós-Graduação em História - PPGH
Revista Tempo e Argumento
Volume 16 - Número 41 - Ano 2024
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