http://dx.doi.org/10.5965/2175180315382023e0201
Recebido: 05/04/2021
Aprovado: 17/02/2022
Entrevista com:
Circe Maria Fernandes BittencourtEntrevista concedida à:
Reginaldo Paulo GiassiCirce Maria Fernandes Bittencourt é doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente professora sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e professora convidada do Programa de Pós-Graduação do ProfHistória da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordena pesquisas sobre a história dos livros didáticos no Brasil e mantém a organização do banco de dados digital LIVRES, referente aos livros didáticos brasileiros de 1810 até os dias atuais na FEUSP. Publicou diversas obras, como: Pátria, Civilização e Trabalho: o Ensino de História nas Escolas Paulistas (1917-1939) - São Paulo: Loyola, 1990, Livro Didático e Saber Escolar (1810-1910) - Belo Horizonte: Autêntica, 2008, - O Saber Histórico na Sala de Aula - São Paulo: Contexto, 1997, e Ensino de História Fundamentos e Métodos - São Paulo: Cortez, 5ª edição, 2018; também escreveu artigos e capítulos de livros sobre história da educação, e realizou pesquisas e publicações na área da educação indígena.
Como parte do plano de ensino da grade curricular da disciplina Teoria da História do Tempo Presente, Teoria e Historiografia, ministrada pelo professor Rogério Rosa Rodrigues, no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), nós, alunos, tínhamos o propósito de entrevistar um/a pesquisador/a cujos estudos sejam referência para nossa tese. Nesse contexto, deparei-me com alguns trabalhos da professora dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt que julgo serem pertinentes e com grande proximidade às ideias do meu projeto, uma vez que nele tentarei analisar a história da cartilha Jeito Catarinense. O jeito certo de fazer as coisas, produzida pela Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert) e que busco acompanhar os movimentos que vão da sua concepção à sua distribuição para as escolas. Em um primeiro contato com a professora Circe – a quem agradeço imensamente –, tive a felicidade de receber, em poucas horas, sua resposta e ela se disponibilizou a participar desta atividade.
Tempo & Argumento: Com base em todo material inventariado, desde o início da sua jornada acadêmica, e futuramente será disponibilizado na plataforma LIVRES, já é possível traçar uma historiografia do livro didático no Brasil? Você percebeu alguma mudança na função/finalidade do livro didático no decorrer desse tempo?
Circe Bittencourt: Bom, eu acho que, apesar de tudo, o livro didático mantem suas características essenciais. Como que os professores eram formados? Mas, com algumas diferenças. No século 19, não tinha faculdade. Como o professor ia dar aula de História se não havia curso de História? Os primeiros cursos de História foram criados nas Faculdades no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1934. Então, como eram formados docentes de Geografia, Matemática, Física, Química? Não tinha as instituições de formação e, neste sentido, o significava o currículo real. O professor ia dar aula e seguia o livro didático, pois era o material que ele tinha. O livro didático foi feito para o professor e posteriormente foi pensado para chegar nas mãos dos alunos. Vários motivos explicam esse processo. O aluno tinha que comprar o livro e existia sempre a discussão se o Estado deveria fornecer as cartilhas para as crianças mais pobres, uma vez que o secundário era um curso para pessoas de poder aquisitivo maior. Mas, de qualquer maneira, ele sempre foi usado pelos professores e até hoje serve como auxílio para preparar a aula.
Não sei se todos os alunos leem o livro didático, mas o professor, em princípio, é quem utiliza dele para suas aulas. Isso é uma prática constante. No entanto, o uso que se faz dele nas aulas é o que varia bastante. Veja, essa discussão do Estado de fornecer obras para os alunos é uma discussão do século 19 e ela só vai se concretizar no final do século 20, em 1996, quando o Estado assume que irá comprar e distribuir livros didáticos para todos os alunos.
Então o livro didático nas mãos das crianças nem sempre ocorreu. Imagina a dificuldade que se tinha para dar aula em escola pública em 1970/1980. Era impossível uma família pobre, com dois, três filhos, comprar todos os livros de Matemática, História, Geografia, Português etc. Nenhum professor tem condições de preparar todas as aulas, para diferentes níveis, sem esse material. Evidentemente, que o livro foi se transformando, os métodos de ensino mudam constantemente, as atividades, a forma de usar o livro didático, mas o livro didático continua sendo o material mais disseminado nas escolas para e pelos professores.
Temos, por exemplo, a grande discussão em introduzir a história da África no livro didático, se este conteúdo não estiver nos livros, como que se vai dar uma aula sobre isso? E história dos povos indígenas? Se conteúdos novos, que não fazem sequer parte dos cursos de formação de professores não estiverem no livro didático, estes dificilmente entrarão como temas de estudo. Então, neste aspecto o livro didático permanece igual, pois tem sido o grande referencial para o professor dar aula, mesmo que ele não o use integralmente no cotidiano da sala de aula.
Depois do PNLD, houve mudanças porque todos os alunos, hoje, têm acesso ao livro didático, embora atualmente esta situação tende a mudar assim como o próprio material de ensino, com as novas tecnologias. Na minha experiência profissional, trabalhei em escolas com alunos pobres, escolas públicas precárias, sem bibliotecas, e não havia tinham condições de comprar os materiais, inclusive cadernos. Então comecei a trazer livros quaisquer e começava a criar bibliotecas nas escolas. Criei uma prática de usar qualquer livro didático, desde que eles tivessem os assuntos que iríamos trabalhar na aula daquele dia, e não importava o autor. Porque realmente era dificílimo a aquisição do material que, sem dúvida, livro didático era um referencial, inclusive por ter uma linguagem que o aluno consegue entender.
Tempo & Argumento: Muitas vezes o livro didático é o único recurso que professores e professoras possuem para auxiliá-los no processo de ensino-aprendizagem. Então, como estes profissionais devem analisar a qualidade de um livro didático e/ou o que levar em conta ao fazer essa seleção?
Circe Bittencourt: Acredito que os livros didáticos ainda são necessários nas salas de aula. Não apenas pelo conteúdo, porque isso os alunos e os professores podem obter também pela internet, mas sobretudo pelas atividades que os livros propõem. Eles têm um método de ensino e aprendizagem, que vem junto, diferente das atividades que os alunos têm hoje em que , por exemplo os sistemas apostilados só ensinam o aluno a responder a testes de múltipla escolha, de acordo com os sistemas de avaliação da atualidade. Mas podemos usar os livros didáticos de variadas formas. Por exemplo, pode-se usar os recursos das imagens, mapas, tabelas, etc. com práticas e atividades pedagógicas diferenciadas. Às vezes o livro didático pode não ser muito bom quanto ao conteúdo, mas é possível pode fazer um bom trabalho de reflexão e, neste aspecto vai depender muito da capacidade do professor.
Então, como quero frisar, o livro didático tem que ser usado como um recurso, e não como carro-chefe da aula. Se você apresentar um texto muito complicado para o aluno, você vai ficar mais tempo decifrando o texto escrito. Você não pode usar em sala de aula um livro que é muito bom para o professor/historiador, mas que é muito teórico para o aluno. Isso é uma coisa, outra coisa é não usar exclusivamente o livro didático. Você sabe que vai ter um livro didático, mas ele não será o único recurso a ser utilizado. Na realidade, o livro didático não pode ter erro histórico ou conceitual e temos que estar preparados para apresentar as questões das interpretações dos acontecimentos históricos. Atualmente existem livro com diferentes tendências historiográficas, mas em geral os livros didáticos tem posturas ecléticas após o PNLD e sem uma linha muito determinada
Tempo & Argumento: Por ser um material de formação direta, o livro didático e seus autores/as têm sido alvos de ataques, constrangimentos e, às vezes, até de censuras. Em sua experiência de pesquisa sobre livros e manuais didáticos, foi possível encontrar casos de controle social sobre esse material?
Circe Bittencourt: Na história do livro didático, bastante. Agora, por exemplo, parte dos avaliadores do PNLD são os ruralistas e eles estão lá para dizer que não se pode denunciar os problemas históricos do latifúndio, da grande propriedade, do uso de agrotóxicos, etc. Essa é uma situação bastante complexa mas permanente na história dos livros didáticos de História, em particular. O livro didático sempre foi controlado, sempre foi censurado, ele é a obra mais censurada na história do livro. Contudo, na época da ditadura, por incrível que pareça, foi o único momento que ele não teve censura oficial. Sabes por quê? Porque teve um caso logo depois do Golpe de 64, em que o Nelson Werneck Sodré (1011-1999), um historiador militar filiado ao Partido Comunista do Brasil, tinha organizado, a convite do Ministério da Educação do governo de João Goulart, um projeto com outros historiadores do ISEB para renovação de livros didáticos de História do Brasil. E, este deveria ser para ser um manual padrão para renovação pedagógica do ensino de História do Brasil.
Os militares que tomaram o poder eram, como sabemos, evidentemente contra comunistas e há muito tempo estavam atrás do Nelson Werneck, mas não conseguiam persegui-lo oficialmente. Então, ao coordenar essa obra: História Nova do Brasil e que retratava o país por meio de um viés econômico bem diferente dos livros do período em que predominava uma história mais política repleta de nomes de governadores, de presidentes e heróis nacionais - os militares viram, então, uma oportunidade para “pegá-lo em flagrante delito”. Por isso, ele e toda a sua equipe foram acusados injustamente, ou seja sem provas, de superfaturamento e uso indevido da verba pública. Consequentemente seus autores foram presos, mesmo sem provas evidentes. Esse episódio ficou muito marcado inclusive pelo apoio da imprensa, especialmente o jornal, O Estado de São Paulo que denunciou em suas primeiras páginas que o livro divulgava abertamente a importância do comunismo e era veículo de divulgação de material subversivo. Se, tiverem acesso a estas obras, pode-se verificar que nada disto está colocado no livro. Apenas haviam introduzido uma história econômica do Brasil.
Esse fato soou como um sinal de alerta para as editoras, pois os livros que os militares não desejavam, não podiam circular e estes eram recolhidos, simplesmente. Nesse sentido, o livro ao ser proibido de ser utilizado nas escolas causava prejuízo. Para quem? Para o editor. Então quem fazia a censura no regime militar eram os próprios editores. Os únicos livros que os militares controlavam efetivamente eram os de Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e os de Educação Moral e Cívica. O restante foram liberados para o controle das editoras Então, é essa história da censura dos livros didáticos no período militar.
Tempo & Argumento: Uma tendência recente da história da historiografia tem sido investigar a atuação das mulheres na historiografia. Até meados do século 20 elas não eram aceitas no Instituto Histórico e Geográfico, mas atuavam nos ginásios e compunham, muitas vezes, materiais didáticos, manuais de formação cívica. A senhora poderia falar sobre os livros e manuais de história escritos por mulheres?
Circe Bittencourt: As mulheres atuaram muito na produção dos livros de alfabetização, principalmente a partir do século 20 com a expansão da Escola Primária, onde elas trabalhavam majoritariamente. Quando fiz minha pesquisa, trabalhei muito com a produção didática Maranhão da época do Império porque lá havia sido produzido um livro que tentei encontra-lo atrás durante anos, mas só consegui acesso a ele que a pesquisa estava pronta. É o Livro do Povo[13]. Esta obra didática livro produzida no Maranhão, por maranhenses foi impressa por editora de São Luís. Tive notícias dessa obra pela documentação de quase todo o nordeste e por anúncios um jornal sobre suas novas reedições. Professores faziam pedido para seus superiores em um largo período e posteriormente surgiram várias pesquisas sobre esta obra que denomino como um “best-seller” didático do século XIX. Mas, também desta região existe outra obra inédita para o período; um livro de História escrito por uma mulher/autora. É a obra de Herculana Firmina Vieira de Sousa, Resumo da história do Brasil: uso das escolas primárias produzida pelo editor Bellarmino de Mattos, em 1868. Outras poucas autoras, como Maria Guilhermina Loureiro de Andrade[14] (1839-1929) que escreveu o Resumo da História do Brasil para Uso das Escolas Primárias, em 1894, também se insere nesta trajetória de mulheres como autoras de obras didáticas.
Nos livros da produção de livros de História elas efetivamente despontam a partir dos anos de 1960/1970. Muitas tornaram-se conhecidas como o caso da professora Elza Nadai[15] que com Joana Neves[16], que escreveram livros didáticos de grande circulação, tanto para o Ensino Médio e Fundamental quanto para a produção de Estudos Sociais nas séries iniciais. A partir deste período houve a ampliação de escritoras de livros didáticos de História, sobretudo, em co-autorias a partir dos anos de 1970/80/90. Uma coleção, por exemplo, com muita vendagem -a coleção do Sérgio Buarque de Holanda- que começou a ser produzida no final dos anos de 1970 e com reedições até 1988, contou com autoras em sua equipe e, em particular destacou- se a historiadora Laima Mesgravis[17] (1946-). Sérgio Buarque precisava de uma professora com experiência de sala de aula para apresentar as atividades pedagógicas, porque na realidade esses foram livros categorizados como Estudos Sociais para serem comercializados em pleno regime militar. Os professores, que os utilizavam, na verdade, estavam dando uma aula de História. Foi uma obra muita aceita, com ótima diagramação e renovação nas imagens e nos métodos de leitura conribuindo para a introdução de uma história sócio-cultural na produção didática. Tudo isso, porque a Laima teve uma grande experiência com sala de aula, no tempo em que lecionava em colégios experimentais. Outro livro muito interessante foi organizado por Ilmar Rohloff de Mattos[18], no final dos anos de 1970 - Brasil Uma História Dinâmica- que também foi produzido por uma equipe de professores. A equipe de professores e professoras atuando escolhidos eram especializados nas práticas pedagógicas.
Temos, assim, muitas mulheres autoras mas, majoritariamente nos livros de História foram os homens que fizeram. Aliás, eu acho que em todas as disciplinas os homens predominam e apenas as cartilhas e livros para as Escolas Primárias, que apresentam um número maior de autorias femininas.
Tempo & Argumento: Vivemos a pandemia e aulas remotas são uma realidade. Diante desse cenário, algumas escolas particulares de Santa Catarina pediram, no início de 2021, como material escolar, tablet para baixar conteúdos. Como a senhora avalia o futuro dos livros didáticos impressos no século 21?
Circe Bittencourt: A tendência dos livros didáticos é sua diluição enquanto material escolar mais importante, mas, de um modo geral ele ainda deve permanecer, dada a realidade brasileira, principalmente para as séries iniciais. No entanto, acho que vai se tornar cada vai ficar cada vez mais sintético e isso influencia muito nas questões relacionadas ao desenvolvimento intelectual dos alunos, porque você não tem o controle da qualidade daquilo que está sendo apresentado nas salas de aula. Então, como o professor poderá controlar e avaliar esta questão do desenvolvimento intelectual do aluno? Como que ele vai conseguir fazer uma análise produção da escrita e da leitura considerando a essa disseminação de novos suportes de escrita e apreensão de informações como as difundidas pelas fake news?
As informações das mídias, pelo Google, etc. necessitam de determinada forma de desenvolvimento crítico para as novas gerações. Quem vai poderá avaliar isso? O predomínio das informações orais também é uma evidência para a disseminação de informações. Se permanecer este predomínio das informações audiovisuais, o aprendizado da escrita vai perder muito, porque escrever desenvolve algumas capacidades intelectuais que inevitavelmente vão desaparecer. E qual vai ser a consequência disso? Os alunos serão mais leitores e não vão ser escritores. Esse é um detalhe que nós sabemos faz tempo, pois isso já está acontecendo há, mais ou menos, 20 anos. A escola, por outro lado não está conseguindo sequer fazer bons leitores, porque o sistema de avaliação é rudimentar: marcar “x” nos testes.
O livro didático que, antes contribuía para o aprender ler e escrever, acho que vai perder essa função. Os alunos não vão aprender com textos mais elaborados sobre os conteúdos, não vão estar preparados para questionar, indagar e aprender a dialogar com textos e nem mesmo com seus colegas e o professor não vai ter tempo nem condições de desenvolver estes métodos de aprendizagem com os alunos. Então, teremos uma perda muito grande de ensino e aprendizagem no sentido da materialidade pedagógica que constitui o livro didático.
Ao substituir esse suporte, há uma perde no processo de uma formação intelectual dos alunos. A materialidade da informação áudio visual para o ensino vem em larga escala e você não tem o tempo da reflexão. É aquilo que eu sempre defendo, torna difícil introduzir a aprendizagem pelo método dialético. Por intermédio dele, o aluno pode problematizar uma situação, levantar hipóteses, pensar e refletir sobre os temas de estudo. A criança vai perder esse processo reflexivo que o livro proporciona, pois, uma coisa é você ler na tela, diante de uma informação que some rapidamente e para retornar a ideia principal do texto, fica muito difícil. O livro de forma diferente permite que haja o retorno com mais calma e paciência do texto escrito; ele possui um ritmo diferente de leitura. Na mídia isso é distinto, pois a palavra escrita está disposta em uma quantidade muito maior e é muito difícil você criar obstáculos que permitam reflexão. Muitos pesquisadores, sobre metodologias do ensino tem discutido muito sobre esses métodos de utilização da mídia no sentido de possibilitar uma forma crítica de leitura pelos alunos, mas as conclusões tem sido de que serão poucas as escolas que irão conseguir fazer isso no total.
Tempo & Argumento: Para finalizar, poderia nos falar sobre as possibilidades de interação entre os livros didáticos e as novas tecnologias, em especial, no caso da produção de materiais complementares à educação de comunidades indígenas e quilombolas?
Circe Bittencourt: Eu acho que a comunicação escrita para os indígenas tem sido realizada mas com dificuldade porque não são povos de tradição de cultura letrada e com a mídia atual estão perdendo bastante a capacidade de memorização oral. As narrativas orais são repetidas incessantemente e é assim que os velhos das aldeias fazem dentro de uma tradição milenar. As narrativas são acompanhadas de gestos, de encenações que complementam a fala.
Tive uma orientanda indígena, a Naine Terena de Jesus, que trabalhou muito com a aprendizagem pelo audiovisual em escolas indígenas, porque, segundo suas vivências nas aldeias, professores e alunos precisavam muito dos objetos e dos sons para aprender. Acredito que atualmente isto nos conduz para estudos sobre a educação dos sentidos. Acredito que esta é uma possível saída: as aprendizagens pelos sons, o tato, os olhos... Para essa comunicação do audiovisual, das mídias eletrônicas, o ouvido e os olhos, são significativos, mas você não vai ter a percepção do tato, por exemplo. Nesses estudos com os indígenas, Naíne proporcionou experiências exitosas como uso de filmadoras para os professores da aldeia. O resultado foi uma aprendizagem muito rápida na apreensão das técnicas de captar imagens e de como seria o jeito ideal de entenderem os objetos e os espaços. Mas importante salientar que foram experiências nas aldeias, no contato com o real da vida, com objetos concretos e vivenciados pela comunidade.
Acredito acho que esta é uma discussão que temos que fazer dentro dos cursos de formação de professores. As questões de sobre esses métodos. Esta é uma discussão que vem do final do século 19. Por exemplo, desse período surgiram os laboratórios escolares de Química, Física. Mas e a área de ciências humanas, como História, Geografia, Sociologia? Como trabalhar com estudos do meio? Trabalha-se nas formas de observação e análises de “ver” um prédio antigo, um prédio novo, uma arquitetura monumental ou das favelas, com os objetos de museus. Nesta perspectiva temos que pensar na criação materiais para serem incorporados dentro da mídia eletrônica e, também, aprender a fazer a leitura do meio real.
Os estudos vão ter que ser ampliados, se quisermos desenvolver uma metodologia de aprendizagem crítica, de desenvolvimento e de capacidade de observação analítica. Os alunos aprendem não apenas pelo texto escrito, mas associado à observação da realidade do meio em diferentes tempos, da rua, da arquitetura, dos animais, da mata, da floresta, isso tanto fisicamente quanto por intermédio do audiovisual que está na internet.
Temos que começar a nos dedicar um pouco a essa questão da educação pelos sentidos e pela observação para fazer com que o aluno desenvolva sua capacidade de reflexão. O problema é que não é possível deter o jeito de comunicação da mídia está por aí. Fico observando meu neto jogando aqueles jogos de ação. A escola em que ele está matriculado é muito interessante, porque eles estão trabalhando muito com esta realidade, mas não excluem o ensino da aprendizagem pelas mãos dos alunos: o curso de marcenaria e de educação alimentar foi introduzido para desenvolver as outras capacidades dos sentidos.
Devemos criar metodologias, porque a tecnologia veio para ficar. Por outro lado, fico imaginando um crack mundial energético e, de repente não tem mais energia? É só faltar energia que para tudo, tem esse pequeno detalhe. Lembro que uma vez mostraram, para uns alunos, uma máquina de escrever, lá no museu da escola da Faculdade de Educação. Só que essas crianças nunca tinham visto uma dessas “velharias”. Um aluno olhou e falou assim: "Nossa, já vai escrevendo e já sai impresso. Olha lá, já imprimiu.”. Eles gostaram, acharam que era uma modernidade, que era uma evolução. Bom, é isso.
Referências
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Alain Choppin e seu legado como historiador e educador. In: História do ensino de leitura e escrita: métodos e material didático, 2014.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. 1993. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O saber histórico na sala de aula. 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.
DIAS, Marcia Hilsdorf. Professores da Escola Normal de São Paulo (1846- 1890): a história não escrita. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013.
TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Caminhos teórico-metodológicos para a investigação de livros escolares: contribuição do Centro de Investigación MANES. Revista Brasileira de Educação v. 20 n. 63 out.-dez. 2015[1] Historiadora, autora de vários livros, entre eles: Da Senzala à Colônia, que aborda a transição do trabalho escravo ao livre na zona cafeeira de São Paulo e é considerado referência obrigatória para estudiosos do período.
[2] Foi um sociólogo brasileiro, considerado o fundador da Sociologia Crítica no Brasil. Defendia que a educação deveria ser laica, gratuita e libertadora.
[3] Foi um sociólogo brasileiro devotado à compreensão das diferenças sociais, das injustiças a elas associadas e dos meios de superá-las. Especializou-se na análise do populismo e do imperialismo.
[4] Pesquisador pioneiro no campo da História das Disciplinas Escolares e na História do Ensino da língua francesa
[5] Um dos grandes pesquisadores de livro didático no mundo, dedicou sua carreira a analisar conteúdos e pensar sobre o lugar que esta literatura ocupa na História da Educação mundial.
[6] Paulo Bourroul (1855-1941), franco-brasileiro, foi professor e diretor da Escola Normal na década de 1880.
[7] José Carlos de Macedo Soares (1883-1968) foi um jurista, historiador e político brasileiro.
[8] Baptiste-Louis Garnier (1823-1893) foi um dos principais editores do Brasil no século 19. Vindo da França fundou a Livraria Garnier, que editava os livros no Brasil e os imprimia em Paris.
[9] Pierre René François Plancher de la Noé (1779 – 1844) foi um editor e jornalista francês que atuou no mercado brasileiro à época do Primeiro Reinado.
[10] Professora de História da Educação da Universidade Nacional de Educação a Distância e diretora do Centro de Pesquisa de Manuais Escolares (MANES), cujo trabalho desde 1992 tem se concentrado na recuperação e pesquisa de livros didáticos publicados na Espanha, Portugal e América Latina durante o período de 1808-1990.
[11] Etnólogo e historiador ligado a social-democracia alemã.
[12] Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis Boto é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde leciona Filosofia da Educação
[13] Livro de leitura que contêm lições da Bíblia e lições de moral. Foi o ícone da imprensa tipográfica maranhense na segunda metade do século 19, com a maior tiragem, a maior distribuição entre as escolas e o menor preço.
[14] Professora, escritora e tradutora que atuou no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais na segunda metade do século 19 e início do século 20.
[15] Professora de Prática de Ensino de História da USP. Autora de importantes livros didáticos de História e de obras na área de Ensino de História.
[16] Atuou como docente no Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de História, com ênfase em Teoria e Filosofia da História.
[17] Profunda estudiosa da cultura histórica em particularmente no que se refere ao período colonial.
[18] Atualmente é Professor Associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Consultor da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro.