O tempo presente como desafio à historiografia e ao ensino de história em contexto de crise democrática

http://dx.doi.org/10.5965/2175180315382023e0104
Recebido: 28/03/2021
Aprovado: 24/02/2022

Daniel Pinha
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
lattes.cnpq.br/8740068953346337
daniel.pinha@gmail.com
orcid.org/0000-0002-4849-835X

Resumo

O artigo analisa os efeitos da crise democrática brasileira do tempo presente na historiografia e no ensino de história no Brasil. Partindo da hipótese de que a crise é expressão de uma ambivalência entre movimentos de corrosão e alargamento do conceito de democracia forjado nos termos do processo de redemocratização sintetizados na Constituição de 1988, sugere que o ambiente contemporâneo em crise remodela as formas de narrar a história por seus especialistas – historiadores e professores –, trazendo à tona a necessidade de alargamento das fronteiras disciplinares em função das demandas do tempo presente. Examina as táticas discursivas negacionistas – associadas ao projeto político de corrosão democrática – e os movimentos por alargamento da democratização, desestabilizadores de estruturas de classe-raça-gênero, fundadoras das exclusões e hierarquizações das diferenças na formação social brasileira.

Palavras-chave: história do tempo presente; crise democrática; historiografia e ensino de história.

O objetivo deste ensaio é refletir sobre os desafios impostos às tarefas de pesquisar e ensinar história no ambiente brasileiro contemporâneo, considerando a experiência compartilhada da crise democrática, que afeta diretamente os modos de fazer e pensar a história, bem como a maneira pela qual nos dirigimos à comunidade de leitores da história, sejam pares-especialistas, alunos e público em geral.

Partimos da seguinte hipótese analítica: o contexto político brasileiro no tempo presente tem sido marcado por uma ambivalência. Por um lado, há uma corrosão dos valores democráticos assentados nos conceitos de cidadania e direitos humanos, estruturantes da concepção de história que moldou ético-politicamente as historiografias acadêmica e escolar pós-redemocratização; por outro, acompanhamos, nas ações dos movimentos sociais e no debate público, o crescimento de lutas por alargamento destes mesmos princípios, na direção de uma ampliação da democratização, deslocando o paradigma democrático fundado na forma moderna, orientado no paradigma europeu-branco-masculino-capitalista, rumo a um enfrentamento das desigualdades e assimetrias históricas constituintes da formação social brasileira – e os impactos deste deslocamento já começam a ser sentidos no âmbito da historiografia acadêmica e do ensino de história. A crise se evidencia no tempo presente de enunciação do discurso historiográfico, portanto, a partir destes movimentos de esgarçamento e alargamento do horizonte democrático, tensionando as próprias formas de narrar a história por professores e historiadores.

A experiência da crise sugere, dessa maneira, um reordenamento do discurso historiográfico inscrito neste tempo presente atual, ora demarcando seus protocolos de verdade e a reivindicação da voz especializada, tendo em vista as demandas sociais por histórias verdadeiras em um contexto de enunciação marcado pelo recurso a diferentes modalidades de negacionismo, tática estruturante do projeto político de corrosão democrática, ora admitindo um grau de abertura das fronteiras disciplinares, em função da necessidade de escuta e ampliação de vozes políticas geradas no interior da crise. É em torno destes dois movimentos que este artigo se mobiliza, retornando à pergunta sobre o lugar do tempo presente na produção historiográfica especializada, acadêmica e escolar.

I

Na verdade, o tempo presente refere-se a um passado atual ou em permanente processo de atualização. Está inscrito nas experiências analisadas e intervém nas projeções de futuro elaboradas por sujeitos ou comunidades. Nesse sentido, o regime de historicidade do tempo presente é bastante peculiar e inclui diferentes dimensões, tais como: processo histórico marcado por experiências ainda vivas, com tensões e repercussões de curto prazo; um sentido de tempo provisório, com simbiose entre memória e história; sujeitos históricos ainda vivos e ativos; produção de fontes históricas inseridas nos processos de transformação em curso; temporalidade em curso próximo ou contíguo ao da pesquisa. (DELGADO; MORAES, 2013, p. 25, grifo nosso)

A reflexão sobre o lugar do tempo presente na história tem desafiado a historiografia em suas mais diversas épocas e tradições – considerando as múltiplas formas de racionalidade histórica, nos termos de Sanjay Seth (2013), ou seja, em culturas sustentadas na tradição oral, a relação à experiência com o tempo presente poderia ser diversa. No caso da historiografia forjada nos termos de uma concepção moderna de história (CEZAR, 2014; HARTOG, 2014; KOSELLECK, 2006, 2013), calcada no binômio nação e civilização oitocentistas, sobre a qual se refere Delgado e Moraes no trecho acima, a discussão sobre o tempo presente envolve questões acerca do ofício e do estatuto do conhecimento produzido por especialistas, tais como: a necessidade de distanciamento crítico do sujeito-enunciador da história em relação ao objeto-enunciado; o tratamento da oralidade, do testemunho e da memória enquanto problemas para uma historiografia centrada no valor do texto escrito; a imersão do discurso historiográfico nos dilemas políticos do tempo presente de sua enunciação, considerando o potencial ético-político da história no sentido de oferecer algum grau de formação para a vida, delineando ou deformando identidades, e o prejuízo que o investimento no tempo presente, necessariamente incompleto e inacabado, pode trazer a uma perspectiva de história fundada nas ideias de processo e progresso.

Considerando estes problemas, um ponto caro ao debate é o elucidado por Moraes e Delgado, relacionado à ideia de que “o tempo presente refere-se a um passado atual ou em permanente processo de atualização”. É por aqui que o meu argumento começa a ganhar uma forma, trazendo à tona os limites e as possibilidades deste permanente processo de atualização, nas circunstâncias históricas que demarcam o tempo presente atual.

O tempo presente é inescapável à historiografia e ao ensino de história (DELGADO; FERREIRA, 2013; FERREIRA, 2000, 2002, 2018; MONTEIRO, 2015; SILVA, 2017), mas é preciso cuidado para que o uso do tempo presente não esvazie de sentido uma preocupação historiográfica fundamental – tanto na modalidade acadêmica quanto na escolar – em relação à afirmação do princípio da diferença entre passado e presente e do jogo entre sincronia e diacronia que possibilitam a multiplicação de planos temporais e narrativos próprios a uma leitura especializada em história (KOSELLECK, 2006). É este senso de alteridade temporal que permite a historiadores e professores de história complexificar situações sociais do tempo presente, dispondo ao público um manancial teórico, capaz de desnaturalizar conceitos, comportamentos e experiências, inscrevendo-os em uma condição de historicidade (HARTOG, 2014) – sujeita a camadas de significação em função das variantes tempo e espaço.

O que está em jogo, nesse sentido, é uma forma de compreender o lugar do tempo presente na história escrita e ensinada sem sucumbir à tentação de condicionar o movimento da história a uma eterna repetição, cíclica, de superação do passado pelo presente, encurtando a distância e a escala temporal do espectador a um horizonte curto e perecível. Se uma das prerrogativas da história disciplinar é oferecer à sociedade raciocínios complexos a respeito de processos sociais – passados e presentes –, a pergunta central se torna: como não sucumbir à tentação presentista de dispor os acontecimentos em superfície, sujeitos ao sabor da passagem do tempo, sem que isso implique um encurtamento de perspectivas, não apenas em relação ao passado, mas também ao presente e ao futuro?

Uma questão que se renova se considerarmos a condição presentista experimentada socialmente na contemporaneidade. Nos termos de Hartog (2014), do regime de historicidade que distingue a experiência do tempo presente, marcada pela ênfase no presente em progressiva ampliação, fragmentação e volatilidade, desproporcional em relação às outras categorias do tempo. Ou daquilo que Hans Gumbrecht (2015) denominou de “amplo presente”, capaz de redefinir horizontes de passado e futuro, a partir da dilatação de um presente que não quer passar. Ou ainda se levarmos em conta os tempos de aceleração atualista, nos termos de Valdei Araujo e Mateus Pereira (2018 p. 123), considerando a busca incessante por atualização, e não apenas no tempo presente, mas nas formas de lidar com o passado, “uma forma de temporalização assentada em um modo específico do presente articular futuro e passado”; não se trata substancialmente de uma ampliação (ou encurtamento) do presente, mas mesmo da ampliação de referências ao passado e ao futuro, porém em modo atualista” (ARAUJO; PEREIRA, 2018, p. 123). Em tempos de aceleração atualista, ditada pelo ritmo das time lines das redes sociais que, ao alcance das mãos, atualizam notícias incessante e ansiosamente, à espera de novidades super-recentes, capazes de preencher vazios existenciais e a solidão na multidão da sociedade moderna, a pergunta central a ser feita por professores e historiadores que interagem com essa geração é, como não tornar a história e o conhecimento sobre ela descartáveis, como são tantas outras instâncias da vida moderna? Eis uma pergunta que alguns professores de história devem se fazer em seus cotidianos escolares imersos neste contexto de hiperconexão. Em suma, qual o lugar da história do tempo presente neste presente amplo que é o nosso? Um começo de resposta talvez seja dispor ao público instrumentos que possibilitem (des)atualizar presentes que irrompem como tremendas novidades (KLEM; ARAUJO; PEREIRA, 2020), apontando estruturas e permanências que permitam compreender o tempo presente como resultado de uma multiplicação de passados que se sobrepõem.

A imersão no tempo presente é fundamental, por outro lado, para ampliar as possibilidades de intervenção e interlocução da pesquisa e do ensino de história com a sociedade. Há uma demanda por história manifestada pelo consumo dos mais diversos materiais do passado, tais como o turismo em cidades históricas, séries televisivas, filmes e romances históricos e, mais recentemente, conteúdos disponíveis on-line, em canais do Youtube e páginas de redes sociais (GUMBRECHT, 2012). Se é possível falar em crise da história no mundo contemporâneo, esta envolve muito mais uma crise da mediação entre os especialistas em história – professores e historiadores – em suas formas de interagir e serem ouvidos pela sociedade. O investimento na história pública por parte de especialistas em história tem sido um caminho utilizado para o estreitamento desta distância (RABELO, 2011; RABELO; MAUAD; SANTHIAGO, 2016).

No âmbito do ensino-aprendizagem, está em jogo a contínua necessidade de convencer os estudantes sobre a necessidade da aprendizagem curricular da história, utilizando, inclusive, os materiais de consumo do passado disponibilizados ao grande público (ROCHA, 2014). E, na medida em que a experiência do tempo presente é compartilhada por professores e alunos, nela se realiza a articulação comunicativa entre as vivências de estudantes e docentes (MONTEIRO, 2012, p. 194). Contando com o apoio da difusão dos meios de comunicação de massa que narram, em crônica, os eventos contemporâneos, os professores de história têm recorrido ao tempo presente como forma de oferecer aos estudantes melhores condições de inteligibilidade do conhecimento histórico academicamente constituído, articulando “o tempo escolar ao tempo do fenômeno estudado” (MONTEIRO, 2012, p. 210), utilizando metáforas, comparações, analogias e anacronias: “Narradores, os docentes buscam, em suas aulas, criar contextos específicos nos quais seja possível educar por meio da instrução, promover a compreensão de processos e fenômenos que possam auxiliar seus alunos a se orientar na vida presente” (MONTEIRO, 2012, p. 212).

O tempo presente se oferece ao leitor da história – dos textos historiográficos e das aulas como texto (MATTOS, 2007) – como uma espécie de tela, a partir da qual os passados possam estar articulados. Nesse sentido, como ressalta Jeanne Marie-Gagnebin (2006), pensando com Walter Benjamin, mais importante do que conhecer o passado tal como ele foi, o propósito central de qualquer historiografia é articular historicamente o passado, entremeado pelas questões do presente, levando em conta a impossibilidade epistemológica de equivalência entre discurso científico e fato histórico (2006, p. 40).

II

A reflexão sobre a história do tempo presente sugere ainda o enfrentamento de um segundo problema, associado à natureza do ofício do historiador: a necessidade de distanciamento e da objetividade em relação ao objeto de análise, enquanto possibilidade de assegurar que os enunciados historiográficos sejam verdadeiros. O tempo presente é sempre inconcluso e está aberto a um devir de indeterminação, o que, segundo os postulados de uma leitura ancorada numa concepção moderna de história, inviabiliza o distanciamento político e temporal, necessários para a afirmação da verdade historiográfica. Nos termos de Lucilia Delgado e Marieta de Moraes Ferreira:

A afirmação da concepção da história como disciplina que possuía um método de estudo de textos que lhe era próprio, que tinha uma prática regular de decifrar documentos, implicou a concepção da objetividade como uma tomada de distância em relação aos problemas do presente. Assim, só o recuo no tempo poderia garantir uma distância crítica. Acreditava-se que o trabalho do historiador só poderia começar verdadeiramente quando não mais existissem testemunhos vivos dos mundos estudados. Para que os traços do passado pudessem ser interpretados, era necessário que tivessem sido arquivados. Os historiadores de profissão deveriam, portanto, rejeitar os estudos sobre o mundo contemporâneo, uma vez que nesse campo seria impossível garantir a objetividade dos estudos. (DELGADO; MORAES, 2013, p. 21-22)

Uma questão que se desdobra em outra, afinal, o engajamento político em uma determinada corrente ideológica deixaria a visão embaçada do especialista, no momento de identificar a plurivocidade e as múltiplas perspectivas que envolvem o tratamento das experiências históricas? Decerto que o debate em torno da ausência ou não de objetividade não é critério exclusivo da história imediata – um historiador do mundo antigo também não poderia utilizar suas pesquisas a serviço exclusivo de sua ideologia? – no entanto, as incertezas e as inseguranças em relação ao devir e aos desfechos históricos trariam mais risco a imprecisões da história do tempo presente.

A admissão de que há uma subjetividade subjacente ao ato de narrar – desnaturalizando e historicizando a relação entre experiência histórica e narrativa historiográfica (ARAUJO; RANGEL 2015) – não apenas reconfigurou o estatuto da verdade histórica, mas ampliou a responsabilidade ética sobre ela. Se não se trata mais de conceber a verdade nos termos propostos pelo positivismo e pelo historicismo, afinal, a qual regime de verdade o professor de história e o historiador devem submeter seus discursos?

Para o tratamento de temas traumáticos e sensíveis – de passados que não passam (BEVERNAGE, 2018; COSTA PINTO; MARTINHO, 2013) –, capazes de mobilizar as emoções de sujeitos e projetos políticos no tempo presente, Carlos Fico (2012, p. 48) oferece algumas pistas a partir do caso da história da Ditadura Militar. Para Fico, por se tratar de um processo histórico que envolveu grande dose de violência – sobretudo com prática de tortura, prisão arbitrária e mortes de pessoas –, a Ditadura Militar brasileira pode ser pensada como evento traumático, assumindo um caráter interminável, devido a sua constante reelaboração através das memórias. Segundo Fico (2012, p. 49), o desafio da historiografia – e, também, da história escolar, acrescento – é estabelecer uma atitude compreensiva e empática diante das vítimas da violência de Estado, sem que isso comprometa a objetividade do conhecimento histórico e submeta a análise histórica à uma sacralização da vítima. Ou seja, o historiador assume, em relação ao testemunho e à voz das vítimas, uma postura de aproximação respeitosa e empática, sem que isso implique a submissão do discurso historiográfico à retórica testemunhal ou à assumpção de uma perspectiva acrítica e unilateral. Eis um desafio ético-político semelhante a ser perseguido por professores de história, de modo que seu lugar enquanto produtor de conhecimento e autoridade especializada seja preservado em relação às batalhas de memória contemporâneas.

A sugestão de Fico, ainda muito atual, não tinha condições de incorporar, em 2012, um elemento novo que distingue o tempo presente atual: como se comportar diante da verdade em meio a um ambiente marcado pela disseminação de negacionismos de todas as espécies? Qual o lugar da verdade histórica em meio a um contexto de enunciação de discursos falsos, sobre o presente e sobre o passado? Uma negação que sustenta, ao fim e ao cabo, a negação de crimes e violações cometidos pelo Estado, tanto em regimes de exceção – caso da Ditadura Militar –, quanto no interior do regime democrático, contra grupos minorizados – caso de negros, mulheres, gays e indígenas, por exemplo. Estamos falando, no caso brasileiro do tempo presente, de um projeto deliberado de corrosão da democracia ancorado na tática negacionista – e o negacionismo histórico se insere neste projeto –, de modo que a negação sirva à normalização da violência e da morte praticada pelo Estado no tempo presente.

Como a crise, em sua dimensão corrosiva da democracia, impacta a atuação de especialistas de professores e historiadores? Diante dela e da estruturação negacionista que lhe é subjacente, como repensar protocolos éticos de enunciação de postulados verdadeiros?

III

Avancemos agora na compreensão do negacionismo como tática estruturante do projeto de corrosão democrática.

O conceito de democracia que baliza a experiência política brasileira no tempo presente resulta do processo de lutas democráticas ocorridas desde o período da abertura política e da redemocratização, cuja síntese é a Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma concepção de democracia formada a partir da convergência de dois princípios: por um lado, a soberania popular garantida pelo voto, livre manifestação da pluralidade política e direito à associação, ou seja, pela garantia dos direitos políticos e ampliação da democracia participativa (BARROSO, 2001); por outro, uma concertação política que, “por cima”, gerou arranjos de continuidade com a ditadura e os militares, restauradores dos princípios liberais-representativos suspensos desde 64, mas sem abrir brechas para maiores modificações na estrutura socioeconômica. O primeiro princípio responde às amplas organizações da sociedade civil, como na Campanha pela Anistia em 1979, a Campanha das Diretas em 1984 e as manifestações pela Constituinte exclusiva em 1987 (ARAUJO, 2016; DELGADO, 2007). O segundo princípio, sob o controle de lideranças e partidos políticos – MDB à frente –, hegemonizou a condução de um processo de redemocratização pactuada, sem traumas e responsabilização dos agentes civis e estatais que construíram a Ditadura Militar –, mantendo a tônica proposta pela Lei de Anistia de 1979, de perdão e esquecimento em relação aos crimes e violações cometidos pelo Estado durante o regime de exceção (NOBRE, 2013a; SILVA, 2003). A Carta deu forma a um conteúdo democrático marcado por estas ambiguidades, primando ainda pela descentralização e autonomia federativa, defesa da igualdade jurídica, divisão e equilíbrio entre os poderes, ou seja, sustentada no fortalecimento de instituições da democracia liberal-representativa; sob vigência do modelo capitalista liberal – por meio da garantia do lucro e da reprodução da propriedade privada como cláusulas pétreas constitucionais –, ao mesmo tempo, atribuía ao Estado o papel de provedor dos direitos sociais, compreendidos como universais, como a saúde e a educação, e de promotor de políticas de redução das desigualdades sociais (BARROSO, 2001).

A hegemonia discursiva capitaneada pelo Estado em relação aos valores democráticos e às instituições da democracia representativa não extinguiu as contradições do entulho autoritário remanescentes da concertação democrática de 1988 (ARANTES, 2010). Tampouco, extinguiu disputas de memória sobre o passado autoritário e manifestações públicas de apologia à ditadura (BAUER, 2017), incluindo uma memória disseminada de que durante o regime militar não havia corrupção e violência. Em outras palavras, a hegemonia democrática não foi capaz de construir mecanismos de autoproteção do regime (MIGUEL, 2017), alimentando uma cultura autoritária manifestada em discursos de negação dos direitos humanos, reivindicação de maior violência por parte do Estado – em especial da polícia que, militarizada, representa uma das principais heranças do período ditatorial – enquanto alternativa na gestão da segurança pública (ARANTES, 2010).

Ainda que seu objetivo inicial não tenha sido a revisão da Lei de Anistia de 1979 e a consequente investigação e punição de agentes do Estado violadores dos direitos humanos durante a ditadura, a Comissão Nacional da Verdade (2011-2014), e suas representações estaduais, significou uma medida importante no sentido de tensionar o pacto de esquecimento forjado no contexto de aprovação da Lei de Anistia, ampliando um clima de debate público em torno dos crimes cometidos pelo Estado (BAEUR, 2017). Analisando os efeitos indiretos e não previstos em torno dos trabalhos da CNV, Mateus Pereira (2015) evidencia a existência simultânea de dois processos contraditórios: de um lado, um aumento da negação e/ou revisionismo em relação ao regime ditatorial, manifestado nas guerras de memórias e imagens disseminadas na internet, em especial, nas disputas pela elaboração do verbete “Ditadura Militar” do site wikipedia; e, de outro, o desenvolvimento de uma “inscrição frágil” por parte do Estado, visando estabelecer uma verdade sobre a experiência ditatorial voltada para sedimentação dos valores democráticos.

Nossa primeira hipótese é que o revisionismo e a negação brasileira são alimentados, em grande medida, pela impunidade (ausência de justiça, muito em função da permanência da Lei da Anistia) e pela ausência de arrependimento, remorso ou culpa por parte dos algozes diretos e indiretos e dos apoiadores de ontem e de hoje. Ainda que o primeiro aspecto esteja presente, destacaremos mais esse último fator.

Nossa segunda hipótese é que talvez estejamos assistindo hoje, no Brasil, à passagem de um “clima” ou “regime” de “não inscrição” para um “clima” ou “regime” de “inscrição frágil”. Porém, essa passagem “sutil” e “etérea” não tem necessariamente levado à transformação da “memória dividida” em uma “memória compartilhada”. Tal complexidade nos leva, assim, a refletir sobre algumas das ambiguidades e dos desafios éticos e políticos do trabalho de memória e de história. (PEREIRA, 2015, p. 865)

Sem o pedido público de desculpas e o reconhecimento por parte dos militares das violações cometidas por eles durante a ditadura, o regime democrático criava as próprias condições da sua negação. Este é um ponto central a ser retido para o desdobramento do argumento que vem a seguir: o projeto político negacionista, sintetizado na figura política de Bolsonaro, opera nas fragilidades e brechas abertas pelo processo de redemocratização.

Podemos localizar, nas Manifestações de Junho de 2013, o início da crise da democracia representativa brasileira ainda inconclusa no tempo presente. Se inicialmente os atos pautavam o direito à cidade por meio da redução das tarifas de ônibus nas cidades; em um segundo momento, elas assumiram um caráter amplo e difuso contra o sistema político, denunciando a blindagem representativa e trazendo para primeiro plano o combate à corrupção (NOBRE, 2013b). Assumindo um caráter antissistêmico, por vezes, as manifestações davam vazão a vozes que defendiam o fim do sistema político-partidário, o fechamento do Congresso Nacional, e uma intervenção militar como forma de sanar as mazelas da democracia (SOUZA, 2016). O conturbado processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 (MIGUEL, 2017; SINGER, 2018), combinado à prisão política de Lula em 2018 (SINGER, 2018), impulsionou a figura de Jair Bolsonaro enquanto liderança política capaz de canalizar o desejo de ruptura antissistêmica e de combater a violência e a corrupção. O problema é que Bolsonaro carregava não apenas uma imagem disruptiva associada à crise, mas simbolizava as permanências do passado ditatorial e representava a voz política dos segmentos da sociedade inconformados com o sistema democrático, não apenas diante da crise aberta em 2013, mas de todo o processo de redemocratização.

Bolsonaro forjou a sua identidade política na negação da democracia. Há um apelo à ideia de liberdade, aceito por seus seguidores, segundo o qual a liberdade individual pode superar qualquer tipo de pactuação coletiva mediada pelo Estado – é isto que está em jogo, por exemplo, na defesa ao direito individual de não se vacinar no contexto da pandemia. Ele amplia, nesse sentido, as prerrogativas de uma razão neoliberal centrada moralmente no indivíduo e na família, cujo inimigo, de um e de outro, é o Estado (DARDOT; LAVAL, 2016). Por isso que, em grande medida, para além da esquerda, o alvo é o próprio regime democrático instituído nos termos da Constituição Federal de 1988, já que, a despeito da manutenção do modelo capitalista liberal, a Carta admite algum tipo de razão pública mediada pelo Estado – sobretudo quando assume a responsabilidade pela diminuição da desigualdade por meio dos direitos sociais. Qualquer manifestação em defesa dessa razão pública recebe a pecha de “socialista”, permitindo à lógica bolsonarista reanimar a guerra ideológica esquerda versus direita. Nos termos de Nobre (2020, p. 20): “Para Bolsonaro, todo mundo que aceitou as regras da Constituição de 1988 é “de esquerda”. A própria Constituição é “de esquerda”, faz parte da “falsa democracia”.

O paradoxo é que Bolsonaro se tornou também resultado da condição vacilante subjacente ao modelo democrático representativo brasileiro. Operando nas fendas abertas pelo processo redemocratização e nos pactos de esquecimento forjados na Lei de Anistia de 1979 e mantida em 1988, Bolsonaro ascendeu à mito (PINHA, 2020), canalizando as vozes da extrema-direita neoconservadora brasileira – já existentes antes da crise de 2013, impulsionadas por ela. Jair Bolsonaro é a expressão política de dois ressentimentos antidemocráticos, acumulados em seus 28 anos de atuação parlamentar como deputado federal, mantidos e mobilizados na candidatura e na presidência, ora com mais, ora com menos intensidade.

Primeiro, o ressentimento sobre os rumos da redemocratização se manifesta, por exemplo, no sentimento de nostalgia da Ditadura Militar implementada em 1964, na retórica de ataque aos direitos humanos e à violência ditatorial contínua do aparelho de Estado: nos seus discursos parlamentares, é possível identificar a defesa contínua da ditadura como modelo político permanente, contrariando, inclusive, as narrativas de militares que circunscreviam historicamente a suspensão da democracia em 64 ao contexto de Guerra Fria e de bipolaridade ideológica (BAUER 2017; PINHA, 2020). Enquanto parlamentar, ele utilizava a Tribuna da Câmara para negar crimes e violações cometidas pelo Estado durante o período ditatorial, comemorando, ano após ano, o aniversário do Golpe de 64, além de celebrar positivamente os 40 anos pela decretação do AI5, em dezembro de 2008 (BAUER, 2017). Já na presidência, ele participou, nos meses de abril e maio de 2020, durante a pandemia da covid-19, de atos antidemocráticos que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e o retorno AI-5.

Segundo, o ressentimento quanto à perda de valores morais associados a um modelo de família conservadora, branca e patriarcal. Este traço atravessa o discurso bolsonarista, mas ganha mais força e intensidade a partir de 2011, no início do governo Dilma. Sua agenda principal, passa a ser não somente a nostalgia da ditadura, mas a reação aos avanços sociais e perspectivas de democratização abertas pelos governos do PT, sobretudo em relação às agendas de raça, gênero e políticas pública de fortalecimento dos direitos sociais. Nesse sentido, ele usava seus discursos para atacar a política de cotas raciais e sociais nas universidades públicas, o Programa Bolsa Família e o Programa Mais Médicos (PINHA, 2020). Em suma, ele, nesse momento, deixa de ser apenas um representante fisiológico dos militares e dos policiais para avançar em uma pauta mais ampla que incorpore a insatisfação de setores sociais ante a abertura do Estado à agenda das minorias políticas. Exemplar, nesse sentido, é a campanha de Bolsonaro, em 2011, contra o material “Escola sem Homofobia”, preparado pelo Ministério da Educação para ser distribuído a professores e pedagogos nas escolas, visando a formação sobre questões de gênero e sexualidade – apelidado pejorativa e falsamente de “Kit Gay”, como se o objetivo fosse a distribuição para crianças nas escolas SOARES, 2015).

Até a crise mais aguda, aberta pelas manifestações de junho de 2013, Bolsonaro atua na retórica dessas duas “perdas”: na esfera pública, a desordem, a corrupção e a violência que teriam sido geradas pela inépcia do jogo político democrático e, no ambiente privado, a decadência da família sem o comando do pai e do marido e a desvirtuação homossexual e feminista (PINHA, 2020). Os dois ressentimentos são estruturados em modalidades de negacionismo: negacionismo histórico em relação à Ditadura Militar e ao racismo, com o objetivo de sustentar, no tempo presente, projetos de aprofundamento e normalização da violência cometida pelo Estado, seja via aparato policial, seja pela negação da violência cometida contra negros, mulheres, gays, povos indígenas e outros grupos vulneráveis socialmente.

O que está em jogo é a subversão e a corrosão da democracia por dentro do sistema e das instituições da democracia liberal-representativa. Podemos situar o caso brasileiro em um movimento internacional mais amplo de ascensão de lideranças políticas avessas aos valores democráticos estabelecidos no pós-guerra (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018); exemplares, nesse sentido, são os casos dos Estados Unidos no período de Donald Trump, Hungria, Ucrânia, Israel e Filipinas. Em face à crise econômica e à não concretização de projetos de universalização da cidadania propostos nos democrático-liberais, estas lideranças políticas subvertem o conceito de democracia, sugerindo a devolução da democracia a seus verdadeiros detentores, isto é, o povo, representando em sua “maioria” (RUCIMAN, 2018). Nos termos de Levitsky e Ziblatt (2018, p. 15), “democracias podem morrer não nas mãos dos generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder”, atingindo regras informais do jogo democrático – as chamadas grades de proteção invisíveis –, como a tolerância mútua e a reserva institucional: “a tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitem umas às outras como rivais legitimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais”(LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 20). Ou seja, quebram o protocolo ético de proteção ao sistema democrático, isto é, “Regras ou normas servem como grades flexíveis de proteção da democracia, impedindo que o dia a dia da competição política se transforme em luta livre (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 103). Um projeto político que se assenta na negação da democracia, pondo em xeque o “pacto conservador em torno da democracia” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 109), um pacto não escrito decorrente de práticas políticas que garantam “que as regras do jogo prevaleçam, independentemente de quem sejam os vitoriosos naquela circunstância política” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 109).

O negacionismo se constitui, assim, enquanto tática de “governamentabilidade” de programas políticos antidemocráticos, nos termos de Patricia Valim e Alexandre Avelar (2020). Portanto, o conceito de negacionismo não se aplica estritamente à afirmação histórica falsa, segundo a qual o extermínio dos judeus havia sido uma gigantesca farsa histórica patrocinada por poderosos interesses políticos e econômicos ligados ao Estado de Israel e ao movimento sionista internacional – nos termos da acepção mais recorrente do negacionismo histórico consagrada por autores como Vidal-Naquet (1988) –, mas compreende o negacionismo enquanto um elemento estruturante das práticas governamentais neofascistas violadoras de direitos fundamentais no contexto contemporâneo. Compõe este programa o negacionismo climático, ambiental, econômico, científico de maneira mais ampla. Nas palavras de Valim e Avelar:

Essa “governamentalidade negacionista” implica o exercício de uma forma específica de poder que tem por alvo um setor – ou setores – da população, cuja eliminação real ou simbólica legitimará as ações violentas de outro setor social organizado em uma “máquina de guerra” – também uma “máquina negacionista” – comandada por um líder que, não raro, se apresenta como antissistema e toma para si a missão de ocupar o Estado, negar sua relevância e centralidade para, ao fim e ao cabo, destruí-lo. (VALIM; AVELAR, 2020, p. 1)

Esta modalidade de negacionismo naturaliza a violência estatal cometida contra os sujeitos e grupos socialmente vulnerabilizados, estruturando discursivamente os ressentimentos ante os rumos da redemocratização e a tentativa de retomada do mundo perdido. É a negação do extermínio do corpo negro, por exemplo, seja efetiva, seja simbolicamente, que minimiza a violência cometida durante a escravidão e sua permanência no racismo estrutural pós-abolição; ou o massacre dos povos indígenas, negando-lhes os direitos que lhes são garantidos na Constituição de 1988. O que está em jogo é a prática e a reprodução de discriminação de todas as espécies, atingindo povos indígenas, gays, imigrantes, mulheres, negros, ancorados em distorções ou falseamento da realidade, caso da “ideologia de gênero”. Tais discursos, hoje, hegemonizam o governo do Estado por meio do poder executivo, sendo capazes de orientar políticas públicas que não apenas isentam responsabilidade estatal ante o combate às opressões, como tornam o Estado trincheira de luta destes valores antidemocráticos – um Estado “fraco” no enfrentamento ao racismo e à forte na repressão, mobilização da força policial e imposição de uma necropolítica a decidir sobre a morte e a vida nos negros, nos termos do filósofo Achille Mbembe, mobilizados no argumento de Valim e Avelar.

No caso brasileiro, em face das características do processo de redemocratização, do não-reconhecimento dos crimes e violações cometidos pelo Estado durante a Ditadura Militar, podemos dizer que o negacionismo precedeu e ancorou todo o processo de corrosão democrática. Bolsonaro forjou toda sua identidade política na negação da cultura democrática substantiva, e, também, das instituições da democracia liberal-representativa, logo, seu compromisso não é com a viabilização do sistema, mas, sim, o tensionamento contínuo e a corrosão democrática (AVRITZER, 2020; NOBRE, 2020) E o exemplo mais marcante e recente está no tratamento discursivo acerca da pandemia da covid-19: ao longo do ano de 2020, Bolsonaro utilizou uma narrativa negacionista em relação às autoridades científicas – manifestadas na Organização Mundial da Saúde ou em órgãos e instituições de pesquisa – para promover a normalização das mortes e levar adiante seu projeto de guerra contra a democracia, tencionando as instituições e agitando seu eleitorado mais extremista nas ruas e nas redes sociais a minimizar os efeitos da doença (PEREIRA; ARAUJO; MARQUES, 2020).

IV

Esta perspectiva negacionista afeta diretamente o ambiente de ensino e pesquisa em história no tempo presente, gerando todo tipo de desestabilização: desde a disseminação de fakenews ou discursos de pós-verdade (KLEM; PEREIRA; ARAUJO, 2020); questionamento do estatuto de verdade histórica produzida por especialistas, ancorado em argumentos anticientíficos; ataque às escolas e universidades públicas, como se estas fossem aparelhos ideológicos da esquerda, instrumento de uma guerra cultural (CASTRO ROCHA, 2021), e vigilância policialesca por meio de filmagens e exposições públicas, até demissão de professores por manifestarem suas posições políticas. Na internet e nas redes sociais, sobretudo, está ao alcance das mãos dos alunos um farto manancial de inverdades históricas, simplificações, negacionismos de toda a natureza (MENEZES, 2019).

Exemplo mais evidente dessa ofensiva é a tentativa de imposição de censura ao trabalho intelectual de professores em sala de aula por meio do movimento “Escola Sem Partido” [ESP]. Tal prática tem se estendido a outros países da América Latina, em projetos como o “Com meus filhos não se metam” (ARAUJO, 2020). Mesmo que não tenha logrado êxito na forma de uma lei capaz de revisar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e a Constituição de 1988 – no sentido de revisar a liberdade de cátedra do professor –, a retórica em torno da ESP autoriza e estimula a prática da vigilância, da censura e do controle da voz política do professor em sala de aula. Nos termos do ESP, a escola não poderia oferecer aos alunos um modelo educacional capaz de suprimir o direito de os pais oferecerem a seus filhos uma educação moral, de acordo com suas próprias convicções, entendendo debates sobre gênero e educação sexual, por exemplo, como uma invasão sobre o domínio privado (NAGIB, 2016). No cerne do Escola Sem Partido está um princípio antirrepublicano em relação à escola: não existe vida pública capaz de desafiar o interesse privado forjado no interior da casa; e, também, uma perspectiva antidemocrática, pois considera negativos a plurivocidade e o confronto de ideias – pressupostos caros aos valores democráticos democracia –, fechando-se inteiramente à diferença constituída na relação com o outro.

Para Gaudêncio Frigotto (2017, p. 29), sob pretexto da defesa de uma pretensa uma neutralidade científica, o Escola Sem Partido define visões unilaterais sobre ciência e conhecimento válido, subvertendo até a mesmo a lógica liberal, “induzindo a ideia de que a escola no Brasil estaria comandada por um partido político e seus profissionais e os alunos seres idiotas manipulados.” O ESP se sustenta, segundo o autor, por dois fundamentalismos expoentes do mundo contemporâneo: o religioso e o do mercado, reforçando a intolerância e a lógica do consumo, formando consumidores que atendam a uma homogeneidade de pensamento. Na mesma direção, Fernando Penna (2017) afirma que, além de reduzir a relação entre professor e aluno a uma lógica de consumo, o ESP exclui o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e interdita a liberdade de ensinar e, até mesmo, a liberdade de expressão, princípio basilar da democracia: “o professor seria a única categoria profissional no Brasil que não teria liberdade de expressão no exercício da sua atividade profissional” (PENNA, 2017, p. 41). Está em curso um projeto de colonização da escola, a profissão docente e as políticas públicas da Educação em função dos padrões morais de alguns grupos sociais, como destaca Fernando Seffner:

A conjuntura política brasileira contemporânea está marcada por ataques à democracia e à diversidade cultural, com o retorno de práticas autoritárias. Constitui um desafio teórico, pedagógico e político pensar um ensino de História que incorpore a Educação em temas sensíveis, promova indagações sobre os sentidos do passado e do presente, e remexa as concepções naturalizadas de formação da nacionalidade, buscando ampliar o compromisso democrático das culturas juvenis. Há esforços no sentido de colonizar a escola, a função docente e as políticas públicas da Educação pelos códigos morais de alguns pertencimentos religiosos e do que, por vezes, se apresentam como sendo 'os valores da família', sem especificar exatamente de que família se está falando. (SEFFNER, 2019, p. 23)

Em meio à ebulição da crise democrática contemporânea, a história, especialmente da experiência da Ditadura Militar, tem se tornado objeto de disputas políticas. Como ressaltado nas linhas acima, Jair Bolsonaro, enquanto deputado federal, utilizou o espaço da Câmara dos Deputados para celebrar os aniversários do Golpe Militar, ano após ano, ritual que manteve como presidente da República – em março de 2019, ele determinou que os quartéis comemorassem o aniversário do golpe (MONTEIRO, 2019). O então Ministro da Educação Ricardo Velez manifestou, em 2019, o desejo de modificar as questões do ENEM que tivessem “um caráter ideológico” e revisar a história contada pelos livros didáticos acerca da experiência da ditadura (MURAKAWA, 2019). O edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2023, publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 12 de fevereiro de 2021, retirou trechos como "especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não-violência contra a mulher" e “promover negativamente a imagem da mulher" e alterou para "promover positivamente a imagem dos brasileiros, homens e mulheres" e "estar isenta de qualquer forma de promoção da violência" (OLIVEIRA; SUZUKI, 2021).

Diante deste contexto de corrosão democrática e de estruturação negacionista que lhe é subjacente, como pensar em protocolos éticos de enunciação de discursos historiográficos verdadeiros? Estamos, os especialistas em história no Brasil, imersos em um tempo presente marcado por uma hiper-polititização discursiva por parte dos negacionistas, em que os mais diversos âmbitos de compreensão da realidade são submetidos a uma tomada de posição política diante do mundo, submetendo os mais distintos fenômenos a um sistema de crenças previamente definido, de modo que a realidade se apresente como mera confirmação de expectativas (MENESES, 2019). A negação das queimadas na Amazônia, o uso de falsas curas, como o uso da cloroquina para o tratamento da covid-19, e a discriminação das vacinas de coronavírus ideologicamente demarcadas por seus locais de origem, são alguns exemplos relevantes. A difusão virtual das informações em tempos de aceleração atualista não só aumenta a velocidade e a fabricação de mentiras (MENESES, 2019), como amplifica o ambiente de indisposição à diferença: a lógica das “bolhas” das redes sociais, formadas em função da aproximação de zonas de interesse comportamental e político – inseridas na lógica dos algoritmos –, potencializa a contínua afirmação dos sistemas de crenças prévio, isto é, deste regime de pós-verdade. Quando, em 2016, a Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como palavra do ano, o dicionário da mesma instituição definia o termo da seguinte forma: “descreve circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (HANCOCK, 2016). O objetivo central é alimentar os preconceitos que o destinatário do discurso já cultiva (DUNKER, 2017). No caso brasileiro, o registro da pós-verdade opera na incorporação de visões reacionárias em relação aos processos recentes de transformação social. Nos termos de Sonia Meneses:

Assistimos, portanto, à emergência de discursos reativos e conservadores que se sustentam na difusão tanto de falsos contrários – como disse antes – como de falsos similares, com a intenção deliberada de estimular conclusões altamente tendenciosas sobre os processos históricos. Nesse sentido, coloca-se como problema uma ação consumidora que se elabora solicitando uma mudança conservadora ao se opor frontalmente aos processos de transformação política, social ou cultural dessa sociedade. (MENESES, 2019, p. 85)

Assumindo, por vezes, uma voz eloquente de rebeldia anti-stablishment, os negacionismos e as fakenews são impulsionados pelo financiamento de grupos empresariais e, também, entidades públicas[1]. Ou seja, por vários motivos, uma afirmação negacionista está facilmente ao alcance das mãos de um aluno da escola ou de um leitor interessado em história.

Koselleck (2013, p. 186), ao tratar das funções sociais e políticas do conceito moderno de história no contexto de sua emergência na virada do século XVIII para o XIX, ressalta o quanto a história mobilizava não apenas o circuito erudito/ especializado, como os diálogos político-sociais do cotidiano: “a gênese do conceito moderno de História coincide com a sua função social e política – sem naturalmente se limitar a ela.” Já que a história trata de assuntos de domínio comum à vida de coletividades, sobre as quais não é necessário ter um domínio prévio, ela responde, de certo modo, ao reino de debate das opiniões políticas, afinal, fala para e com problemas coletivos que afetam comunidades mais amplas de leitores e cidadãos. Logo, é impossível não se sentir afetado pela história em sua capacidade de constituir laços identitários e visões de mundo. “A utilização política direta da ‘História’, que atingia um amplo público de ouvintes e leitores, só foi possível porque a História foi entendida não apenas como ciência do passado, mas sim como espaço de experiência e meio de reflexão da unidade da ação social e política que se tem em vista” (KOSELLECK, 2013, p. 190). A adoção de uma perspectiva cientificista revela, ao fim e ao cabo, a tentativa de produzir um afastamento a partir de um princípio de isenção, servindo não aos interesses políticos, mas à verdade surgida dos fatos. Ainda segundo Koselleck:

O antigo topos de que o historiador deveria ser apolis, isto é, apátrida, para poder servir à verdade e apenas relatar ‘aquilo que aconteceu’, perpassa, como postulado científico e ético, todos os séculos.” [Citando Ranke]: “Tudo interdepende: estudo crítico das fontes autênticas, concepções apartidárias, representação objetiva: o objetivo é que a verdade plena se faça presente’ ainda que ela não possa ser atingida de todo. (KOSELLECK, 2013,  p. 192)

O historiador moderno se move, portanto, entre aquilo que é externo à história disciplinar, formando (e deformando) identidades coletivas, e o que está circunscrito à redoma construída em torno do conhecimento historiográfico mediado pelos especialistas, capazes de dominar métodos, procedimentos e acesso a fontes documentais, garantindo a eles, os especialistas, um acesso privilegiado ao passado. Podemos dizer, portanto, que, no cerne deste projeto de história, está um fechamento das fronteiras disciplinares como resposta à politização e à ideologização.

A emergência da nova onda negacionista no tempo presente retoma este (longo) debate sobre a verdade na história, provocando respostas que atribuíam a responsabilidade pelo crescimento destes discursos negacionistas aos debates teóricos em torno da relativização da verdade histórica, como ressalta Arthur Ávila:

A emergência destas (im)posturas intelectuais fez com que alguns historiadores e historiadoras, segundo Ethan Kleinberg, levantassem suas vozes uma vez mais contra os “relativismos” e “ceticismos” sobre a verdade histórica das discussões sobre Teoria da História das últimas décadas. Este tipo de alerta voltou ao cenário historiográfico por conta do avanço das fake News e da pós-verdade no mundo da política. O argumento é mais ou menos simples: o negacionismo teria sido possibilitado pelas crescentes dúvidas teóricas sobre a capacidade da historiografia chegar a verdades plenas sobre o passado e teria sido legitimado, segundo essa argumentação, pelo surgimento do tal “relativismo cético” e suas (supostas) assertivas sobre a igualdade de quaisquer interpretações históricas. Consequentemente, isto teria também gerado a atual proliferação de narrativas falsas sobre eventos diversos e o descrédito público de uma “história verdadeiramente científica”. (AVILA, 2019)

Este raciocínio sugere que o discurso negacionista se escora na relativização da verdade, seguindo a esteira do “desconstrucionismo” e dos debates sobre a dimensão narrativa e literária subjacente aos enunciados historiográficos. Trata-se, entretanto, de um ledo engano, afinal, os postulados negacionistas não possuem qualquer traço de relativismo ou reflexão sobre o próprio ato de narrar, ao contrário, há uma aposta em um ideal de verdade unilateral e de transparência realista.

Negacionistas não são, por definição, “relativistas”. Muito pelo contrário. Seu “ceticismo” está ancorado em um desejo objetivista que não é tão diferente do da já ultrapassada historiografia conservadora: Revisionistas, negacionistas, os que negam as mudanças climáticas, o movimento antivacina, nacionalistas brancos e autoritários não são e não querem ser considerados pós-modernos, construcionistas e desconstrucionistas. Eles querem ser considerados “realistas”. (AVILA, 2019)

Uma resposta “positivista” ao negacionismo, portanto, é uma armadilha. Os dilemas éticos acerca da enunciação de postulados verdadeiros por historiadores e professores de história em sua imersão no tempo presente atravessam a constituição disciplinar da história, e nós não precisamos de uma instância – externa e antidemocrática, caso do Escola Sem Partido, mas qualquer outra iniciativa semelhante – para regular este debate. Não cabe responder ao clima negacionista contemporâneo assumindo a perspectiva unilateral e hegemonizante de verdade nos termos do positivismo e do historicisimo, mas, sim, oferecer aos problemas contemporâneos um tratamento especializado, com os recursos disponíveis no nosso campo disciplinar – incorporando, ao nosso arsenal, inclusive, a discussão metahistórica em torno historicização do ato de narrar e dos dispositivos literários que enformam o discurso historiográfico, nos termos do giro linguístico. Tais recursos são extremamente necessários para compreender este tempo presente, tão marcado por performances discursivas que, por vezes, não contam com referencial factual que lhes deem sustentação. Nunca foi tão necessário desmontar os postulados negacionistas, (des)atualizando e demonstrando a historicidade do projeto político antidemocrático que lhe é subjacente, bem como seus efeitos ético-políticos para o tempo presente.

Em outras palavras, o combate ao negacionismo não decorre de um recrudescimento de postulados positivistas que sempre trouxeram à tona muito mais problemas do que soluções em relação ao que entendemos hoje por “democratização do conhecimento histórico”. Um caminho talvez seja desvendar ao leitor comum e ao aluno o caminho pelo qual a verdade historiográfica é produzida, dispondo-lhe o caminho argumentativo, as fontes documentais, a plurivocidade ideológica, os projetos políticos em jogo, em suma, oferecendo instrumentos para que o leitor supere a super simplificação disponível no registro do negacionismo.

V

Apesar das limitações evidenciadas no modelo democrático-representativo da redemocratização, sintetizadas na Carta de 1988, no sentido de superar as hierarquias e as exclusões estruturais da formação social brasileira sustentadas no tripé classe-raça-gênero, podemos dizer que as transformações trazidas no âmago desta concepção de democracia possibilitaram a abertura para um devir de superação gradativa dessas assimetrias, por meio da ação política organizada de movimentos sociais e políticas públicas coordenadas pelo Estado. Ainda que a sociedade brasileira conviva com situações estruturais de violência geradas pela combinação entre racismo-machismo-capitalismo, o modelo democrático instituído desde 1988 abria expectativas de mudança no futuro, partindo de um repertório comum de princípios em torno de uma ética democrática e cidadã, partindo da defesa incondicional dos direitos humanos, da manifestação da pluralidade de perspectivas políticas e do reconhecimento da diferença não hierarquizadora enquanto prerrogativas.

A aposta institucional era que o aprofundamento da democracia fosse capaz de solucionar, ou ao menos mitigar, paulatinamente, as assimetrias, ainda que a persistência de desigualdades estruturais evidenciassem os limites daquele modelo democrático. Como ressalta Luis Felipe Miguel (2014), as desigualdades sociais afetam profundamente o funcionamento da democracia e da representação política, pois aqueles indivíduos e grupos prejudicados pelos padrões de desigualdade – caso de negros, mulheres e indígenas, por exemplo – têm mais dificuldade de se fazer representar, seja nos espaços formais, seja informais de deliberação. Sua ausência nos processos decisórios contribui para a reprodução desses padrões[2], gerando um ciclo que perpetua as assimetrias (MIGUEL, 2014, p. 301). A desigualdade de classe é um primeiro grande obstáculo ao aprofundamento da democracia, especialmente num contexto neoliberal, pois aqueles que tomam as decisões políticas priorizam os interesses do capital em detrimento do desenvolvimento da cidadania. Isto se revela, por exemplo, nas manifestações do racismo no mercado de trabalho, desfavorecendo negros na competição econômica e no acesso a recursos materiais, e é esta mesma pobreza da comunidade negra que alimenta a ideia de sua inferioridade (MIGUEL, 2014, p. 303).

Exemplo claro dessa ambivalência está na legislação que envolve o enfrentamento ao racismo. A Constituição de 1988 instituiu a prática do racismo e da injuria racial como crimes inafiançáveis, abrindo espaço para que as práticas racistas fossem amplamente condenadas, ainda que a precarização da cidadania e a violência de Estado tenha atingido prioritariamente negros. No interior de governos dos anos 90 e da primeira década de 2000, o Estado se posicionava como responsável por esta agenda. Desdobramento é a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, criada em 2003, assim como a aprovação das Leis n° 10.639/03 e n° 11.645/08, que tornavam obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares, não apenas da área da história. A lentos passos, o ambiente de estabilidade democrática abria margem para disputas que reverberavam em um aumento de mobilização social, possibilitando maior negociação de avanços e abertura de expectativas.

A corrosão democrática do tempo presente não interditou essa agenda, ao contrário, ela elucidou um tensionamento que amplificou o debate e a mobilização em torno das questões étnicas, raciais e de gênero. Enquanto o machismo e o racismo estruturais continuam gerando violência, produzindo vítimas, no entanto, é também marca expressiva do momento contemporâneo a repercussão negativa desses episódios. O recente caso de assassinato do norte-americano George Floyd e as campanhas em torno do Black Lives Matter, a mobilização em torno do assassinato do pedreiro João Alberto, homem negro asfixiado até a morte pelo segurança de um supermercado em Porto Alegre em 2020, são exemplares dessa tensão entre a reprodução da política de morte por parte do Estado – sobretudo a partir do aparato repressivo da polícia – e uma reação, cada vez maior, por parte de segmentos sociais representativos. Em outras palavras, observamos avanços nas lutas políticas de grupos historicamente excluídos e violentados pelo Estado, potencializando, na crise, as possibilidades de fecundação de novos futuros.

Como nos lembra Gessica Guimarães (2020), já não é mais possível pensar em uma perspectiva democrática de sociedade, no tempo presente, sem levar em conta os demarcadores sociais de gênero e raça.

pensar as mulheres como um grupo heterogêneo e buscar a compreensão de como as diferentes sociedades interpretam as manifestações físicas do sexo e quais papéis sociais são atribuídos aos gêneros historicamente, pode contribuir para o entendimento das estruturas de poder de longa duração, além de nos permitir vislumbrar um horizonte no qual possamos superar tal quadro de opressões. Para que essa expectativa se realize, defendemos a importância de uma educação que promova a solidariedade entre os indivíduos, a partir do reconhecimento de processos históricos de exploração e segregação. Outrossim, identificamos como primordial para a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática o compromisso do Estado e de seus agentes como promotores de justiça social, através do direito à vida, à educação, ao trabalho, à participação política e a tantos outros direitos que ainda hoje são subtraídos de inúmeras mulheres brasileiras. (GUIMARAES, 2020, p. 5, grifo nosso)

VI

A história que se escrevia e ensinava em nome da identidade, da construção do idêntico, que fazia a diferença retornar à semelhança tal como requerido pelo pensamento platônico e hegeliano, parece ter hoje a função social de nos ensinar a conviver com a diversidade, a respeitar a alteridade e a diferença, que é a condição exata do mundo em que vivemos [...] saber aceitar e conviver com a diferença, aceitar a opinião e o ponto de vista diferente como tendo direito à existência, representar a formação de subjetividades mais bem preparadas para a convivência democrática. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 33)

Na passagem acima Durval Albuquerque Junior, reivindica um novo lugar político para a historiografia e o ensino de história, tendo em vista as lutas por alargamento democrático no tempo presente. Se no século XIX a escrita e o ensino da história estiveram comprometidos com a afirmação de um princípio de identidade, em função da busca de uma unidade entre passado e presente – identidade “entre o ser do passado e um ser do presente, seja ele o ser da cidade, do Estado, da nação, do povo ou da raça” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 33) –, submetida a uma ética democrática a história disciplinar, poderia potencializar a defesa de um princípio de alteridade, “não para desfaze-la [a identidade] ou anula-la, mas para proclamar o direito de sua existência [alteridade] e o necessário respeito que a ela devemos devotar” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 33). Nesse sentido, ela se conecta a uma condição essencial de existência no mundo contemporâneo (em viés democrático), isto é, a radical necessidade de convívio com as diferenças, ou melhor, a capacidade de negociação pública em meio à diferença. A crise democrática, para além das pressões políticas geradas no interior do ambiente negacionista de corrosão democrática, intensifica e renova esta aproximação entre historiografia e perspectiva democrática anunciado pelo autor.

O enlace entre historiografia e a perspectiva democrática tem atravessado a historiografia e o ensino de história desde a segunda metade do século XX, o que, segundo Marcelo Abreu e Marcelo Rangel (2015), estaria relacionado ao contexto pós-guerra e aos esforços em construir uma baliza ética orientada por valores democráticos como alternativa ao horror nazifascista. Nos termos de Rangel e Abreu:

Neste mundo no interior do qual os homens se enfrentaram, provocaram e foram vítimas de uma espécie de vazio de orientações imediatas, passou-se a apostar no que chamamos aqui de “tendência democrática”, ou seja, uma espécie de força que orientava os homens no que diz respeito à tentativa de superação deste estado de desorientação a partir da assunção positiva da diferença e produção de novas possibilidades no que tange à constituição de objetividades. O que chamamos de “tendência à democratização” refere-se à assunção da alteridade como imperativo importante, e, aos poucos, fundamental ao horizonte histórico que se abre no pós-Auschwitz e se mantém vigente até os dias de hoje. (ABREU; RANGEL, 2015, p. 8-9)

Segue essa prerrogativa toda legislação educacional e curricular aprovada sob a vigência do regime democrático pós-1988 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a área de História, de 1998 e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), aprovada em 2017. Destacam-se ainda as leis n° 10.639, de 2003 e n° 11.645, de 2008, já mencionadas aqui: a primeira, ocupada no enfrentamento do racismo contra os negros por meio da incorporação da história e da cultura afro-brasileiras; a segunda, incorporando o estudo da história dos povos indígenas enquanto parte fundamental da história brasileira re enquanto possibilidade de valorizar a contribuição indígena na formação cultural brasileira, a despeito da violência estrutural da colonização e do modelo de Estado Nacional brasileiro desenvolvido no Brasil independente. O currículo escolar de história admite, assim, uma educação e um ensino de história vocacionados para a valorização da democracia e dos direitos humanos. Nos termos de Bittencourt:

Os currículos produzidos após a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, assim como as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998 (PCN – Brasil, 1998) se estenderam para todos os níveis de ensino e de sistemas escolares, incluindo escolas das comunidades indígenas e quilombolas. Constata-se que houve mudanças significativas pela introdução de novos conteúdos históricos com base em seu compromisso de formação de uma cidadania democrática. De forma inédita, como fruto das lutas de movimentos sociais foram introduzidas a História da Africa e das culturas afro-brasileiras e a História dos indígenas por intermédio das leis 10.639/03 e 11.645/08, que estão em processo de integração em currículos ainda submetidos à lógica eurocêntrica, mas que anunciam uma formação política e cultural para o exercício de uma cidadania social com vistas a um convívio sem preconceitos e democrático. (BITTENCOURT, 2018, p. 142)

Segundo a autora, o conhecimento escolar da história assume um lugar no mundo: oferecer condições para maior desenvolvimento da cultura democrática, assentada na valorização da diferença e da alteridade enquanto prerrogativas fundamentais. Nesse sentido, trata-se de assumir a perspectiva democrática como modus operandi de uma ética da diferença. E, por meio dela, uma formação para a cidadania tendo em vista não uma relação de verticalidade do sujeito político em relação às instâncias governamentais, mas o cidadão capaz de propor, interagir, participar inclusivamente de sua pólis moderna. O sonho de uma narrativa unificadora e apaziguadora da diferença, pela via negacionista do Escola Sem Partido – como se fosse possível escamotear e silenciar as violências estruturais – se torna, assim, um caminho diametralmente oposto à via democrática, exemplificada aqui em Albuquerque, Bittencourt e Rangel e Abreu.

O ensino de história (e a história da historiografia) também poderia e deveria enfatizar a história como sendo um terreno a partir do qual se possa ver possibilidades diversas de realização humana, como um âmbito ideal à investigação e à produção de narrativas múltiplas em vez de narrativas unificadoras a serem evocadas, apreendidas e reproduzidas – nos termos de Laville, de modo que, assim, o ensino de história passaria da formação do “cidadão súdito” à do “cidadão participativo”, correspondendo a uma transformação da didática da história centrada no ensino para uma didática centrada no aprendizado. Este movimento é objeto de críticas relativas aos conteúdos a serem ensinados e aprendidos na escola. (ABREU; RANGEL, 2015, p. 10)

A radical abertura da história, escrita e ensinada, aos problemas do tempo presente se torna incontornável. Logo, não nos referimos apenas ao tempo presente enquanto tempo de enunciação do discurso historiográfico compartilhado entre historiadores, professores, alunos e público em geral, isto é, a tela de eventos que afeta os leitores da história; mas o lugar do tempo presente enquanto aquele capaz de vibrar as questões contemporâneas nas mais diversas épocas, tradições e temporalidades. Ou seja, esta ética democrática que, em um primeiro momento pós-guerra, sugere uma pactuação em torno da valorização da vida e dos direitos humanos e, mais recentemente, tem renovado o enlace entre historiografia e democracia, além de poder ser incorporada para pensar na política no mundo antigo europeu, para o pensamento e para a filosofia negra e africana, para os cultos e rituais de tribos indígenas, para a cultura do matriarcado, para os modos de produzir história fora da tradição Ocidental, em suma, para um arco ampliado de possibilidades. Isto porque o que está em jogo, para além de uma ênfase nos conteúdos conceituais ou nas delimitações cronológicas, é o investimento em um procedimento analítico forjado no e para o tempo presente.

Algo próximo do que o proposto por Ana Maria Monteiro, a partir do argumento de Fernando Penna.

Defendemos que, em relação ao ensino de História, a questão da temporalidade é, também, central para a investigação e, assim, a noção de “tempo presente” se apresenta como desafio teórico ao ser acionada, não como referência de localização temporal em narrativas históricas de acontecimentos, mas como constituinte do pensamento histórico, do raciocínio, histórico, da “operação historiográfica escolar”. (PENNA, 2013). O presente reinveste o passado de um horizonte histórico separado dele. Transforma a distância temporal morta em “transmissão geradora de sentido.” (MONTEIRO, 2015, p. 170)

É deste modo que se ampliam as possibilidades de renovação do enlace entre historiografia e perspectiva democrática em tempos de crise democrática no tempo presente. A partir dele, tem se desdobrado uma agenda de investigações, trazendo à tona a multiplicação de vozes, narrativas, disputas políticas, pluralidade, ampliação e inversão de perspectivas. E este movimento reorienta as fronteiras disciplinares, na medida em que a história disciplinar escrita e ensinada nos termos da concepção moderna de história, eurocêntrica e centrada no binômio nação e civilização parece não comportar mais os propósitos de intensificação da democratização do tempo presente, tanto no sentido do alargamento em conexão com as lutas contemporâneas, quanto nas demandas por textos e aulas que vibrem o tempo presente a partir das histórias narradas. É nesta direção que aponta a análise de Gessica Guimarães, Thiago Nicodemo e Francisco Sousa (2017):

Assim, ao falar da história da disciplina, falamos do limite de um projeto que pretendia manter vivos princípios modernos que se desfaziam, projeto que ainda orienta parte dos nossos cursos de graduação. É necessário rever nossos princípios. A urgência do presente cobra que tudo o que estava por ser feito seja encaminhado. Ao mesmo tempo, não é o caso de simplesmente anular a força de produções anteriores, pelo contrário. É necessário intensificar heranças como formas, inclusive, de disputar narrativas no presente. (GUIMARÃES; NICODEMO; SOUSA, 2017, p. 71)

Embora gradativa, uma das mudanças notórias é o perfil socioeconômico e racial do corpo discente das universidades públicas, garantindo maior diversidade e pluralidade como resultados positivos de políticas públicas de acesso e permanência de grupos historicamente vulnerabilizados por meio de cotas sociais e raciais. Como desdobramento, identificamos um grande interesse por parte de estudantes em situar historicamente e aprofundar pesquisas que levem em conta discursos de matriz identitária, colocando na ordem do dia do debate historiográfico questões sobre gênero, raça, classe trabalhadora, indígenas e grupos minorizados de modo geral. Um elenco que atravessa os mais diversos períodos históricos e temporalidades e repercute demandas contemporâneas pelo passado identificadas no interior do tecido social para além da universidade e da escola.

Para Mara Rodrigues e Benito Smith (2017), a este quadro de transformações, que inclui políticas voltadas a formação de professores – como o Mestrado Profissional em Ensino de História PROFHISTORIA –, devem corresponder as modificações nas práticas pedagógicas dos docentes universitários, colocando em cruzamento direto a relação entre pesquisa e ensino de história. Os autores indagam: “O professor universitário de história é um professor?”, ressaltando a importância da reflexão sistemática e aprofundada a respeito das práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino superior, ampliando a postura de escuta e elaboração das narrativas trazidas pelos/ as alunos/as, e da incorporação destas ao “conteúdo” das aulas (RODRIGUES; SMITH, 2017, p. 169).

A desestabilização da concepção moderna de história, ainda muito forte na estruturação dos currículos escolares e universitários, e a abertura das fronteiras disciplinares, porosas às aspirações democráticas do tempo presente, têm ocorrido de diversas maneiras na historiografia e no ensino de história. Destacaremos duas aqui, a título de exemplo.

Primeira abertura de fronteira: giro em direção às margens, levando em conta a centralidade dos demarcadores sociais da diferença, que, no caso brasileiro, estruturam assimetrias sociais constituintes da formação social brasileira; ou seja, não apenas no sentido de tematizar histórias fora do eixo eurocentrado-colonial-branco-masculino, mas, sobretudo, a fim de ampliar as perspectivas que considerem o estatuto epistemológico da margem enquanto espaço profícuo para a produção historiográfica. Mais evidente em campos de pesquisa associados aos estudos culturais, pós-coloniais, decoloniais e às perspectivas de gênero e antirracistas, dentre outras, busca destacar, desde as margens, a desnaturalização do paradigma centrado na figura do “homem universal” – branco, homem, europeu, ocidental – ou a provincialização do paradigma europeu civilizacional (CHARABARTY, 2000), expondo suas estruturas, limites e as possibilidades outras.

Segunda abertura: giro em direção ao espaço público do tempo presente de enunciação, trazendo à tona a necessidade de maior difusão do conhecimento histórico para além dos espaços institucionais da escola e da universidade, compreendendo os limites e as possibilidades implicados neste movimento (ALMEIDA; ROVAI, 2011; MAUAD; ALMEIDA; SANTHIAGO, 2016). Busca-se aqui o grande público, difuso e disforme, formado por não especialistas, mas consumidores da história, associado às pesquisas sobre história pública, memória social, cultura histórica, usos do passado, dentre outros. Diante de uma audiência sem rosto definido – ou, se preferirmos, com rostos dos mais diferentes traços –, temas sensíveis e de interesse público ganham força, ligados aos afetos políticos produzidos no tempo presente.

Tanto uma, quanto a outra associam-se à dimensão ético-formativa reivindicada pela história enquanto área do conhecimento, imersa nos dilemas do tempo presente que a configuram, dispondo-se a desestabilizar formas e narrativas tradicionais à concepção moderna de história, centradas ora no sujeito-moderno universal, ora na requisição de afastamento em relação aos interlocutores do tempo presente como garantias de especialidade. Está em curso, por estes dois movimentos, a renovação do enlace entre historiografia e perspectiva democrática, a partir da ressignificação do sujeito narrado pela história, retomando a pergunta sobre que vidas narrar, lembrando a indagação de Marcia de Almeida Gonçalves (2020), e para quem se dirige o discurso historiográfico, isto é, quem são seus leitores. Algo que a corrosão democrática, que lhe é contemporânea, não tem sido capaz de impedir.

VII

Experimentada em meio à superaceleração da temporalidade atualista, a crise no tempo presente é expressão da tensão entre esgarçamento e alargamento democrático. A crise impacta a produção do conhecimento historiográfico, tanto na modalidade acadêmica, quanto na escolar, moldando formas de identificar sujeitos, conformando narrativas relacionadas às disputas políticas do tempo presente e práticas, tendo em vista os desafios ético-políticos que envolvem a tarefa de pesquisar e ensinar história neste contexto. Nesse sentido, buscaremos aqui entrelaçar as formas de produção-circulação-apropriação social da história, marcada sob a égide da crise democrática no tempo presente, aos enunciados historiográficos forjados na crise, marcados não só pelo fechamento do horizonte de expectativas, mas por uma abertura.

A fissura da baliza democrática, delimitada desde o contexto internacional do pós Segunda Guerra Mundial e, no caso brasileiro, na experiência da redemocratização da década de 1980, aponta na direção de duas tarefas urgentes para a historiografia e o ensino de história, se estes estiverem ocupados em produzir respostas à crise. A primeira de natureza restauradora, em relação ao pacto ético mínimo em defesa da vida e dos direitos humanos, esgarçados na crise. A segunda de natureza renovadora e prospectiva, dando vazão a multiplicidade de vozes políticas dispostas em cena na crise. A partir deste jogo entre restauração e prospecção, avançamos agora neste gesto conclusivo que aponta para a abertura de um debate em duas possibilidades para a historiografia, acadêmica e escolar, enfrentar e responder ao nosso tempo presente de crise.

Primeira resposta: evidenciar, na produção historiográfica e no debate público, a historicidade do conceito de democracia, investindo em suas vicissitudes, inconclusões, em disputas semânticas e, sobretudo, em seu potencial político. Isso significa desnaturalizar a “obviedade” de que o leitor, formado nos quadros do debate político brasileiro do tempo presente, está plenamente convencido das vantagens ético-políticas que os valores democráticos apresentam. Neste movimento, cumpre compreender o negacionismo como projeto político, componente estruturante do projeto de corrosão democrática brasileira. A identidade política de Bolsonaro – sintetizada nele, mas expressa em segmentos sociais brasileiros, anteriores à crise democrática, mas impulsionada por ela – se forja por uma negação, a da democracia e das vantagens do modelo democrático. A tática discursiva negacionista o levou ao poder e não apenas pelo confronto aberto contra postulados científicos racionalmente verificáveis, mas pelo uso do negacionismo para normalização de políticas de morte e violência contra grupos vulnerabilizados. É preciso ler o negacionismo nesta chave e nisto se inclui o negacionismo histórico, que nega, dentre outros, a existência do racismo e dos crimes e violações cometidos pelo Estado durante a Ditadura Militar

Ou seja, trata-se de exercitar, no texto e na aula como texto, uma radical experiência de alteridade, em que o enunciador especialista da historiografia e o seu interlocutor não partem, necessariamente, dos mesmos parâmetros de valorização de uma ética democrática da diferença e da intensificação dos direitos humanos. Não se trata apenas de combinar democracia aos princípios modernos de liberdade, mas de evidenciar a qualidade democrática em acomodar com maior dose de racionalidade a diferença e o conflito de ideias inerentes às sociedades. Em outras palavras, reafirmar a importância da democracia como valor capaz de acomodar a diferença, caminho inevitável, e a historicidade da democracia em suas circunstâncias concretas, realizada por homens e mulheres, não como um conceito em sentido abstrato, pode ser um primeiro caminho para o enfrentamento deste tempo presente de crise.

Segunda resposta: pensar como a historiografia e o ensino de história podem vibrar as questões contemporâneas, tendo em vista as mais diversas e remotas épocas e tradições. Apostar nas possibilidades de alargamento de sentidos atribuídos ao “ser democrático” e aos critérios de cidadania, avançando em agendas de investigação e produção historiográficas – já latentes no interior da história da historiografia e do ensino de história desde antes da crise – que possam ir além do sentido estritamente liberal do termo, calcado no funcionamento de instituições da Democracia representativa, pensando em suas tensões e paradoxos. Trata-se, portanto, de uma forma não apenas de potencializar os alargamentos, mas dar conta das experiências históricas concretas, das histórias vividas em carne e osso pelos sujeitos. E isto significa a inclusão do tripé classe-gênero-raça enquanto demarcadores sociais das diferenças e assimetrias constituintes da formação social e cultural brasileira. O conhecimento da história pode contribuir para a reconfiguração de identidades sociais do presente, renovando as condições de entendimento da combinação entre agência-estrutura da experiência histórica central na historiografia disciplinar e na compreensão dos fenômenos sociais.

Como desdobramento deste gesto, o enlace entre historiografia e perspectiva democrática apontaria para um canal de diálogo permanente não apenas entre escola e universidade – a aproximação entre história da historiografia e ensino de história já vem cumprindo esse papel –, mas entre estes espaços institucionais e os movimentos sociais de resistência no mundo contemporâneo, entendendo-os em seu potencial formativo para professores e pesquisadores em história. Não apenas pelo que eles representam enquanto espaço de resistência coletiva aos ataques – e a ideia de que não estamos sós –, mas para aprendermos formas de (re)agir, desde o interior dos nossos espaços institucionais, estabelecendo com eles canais permanentes de fala e escuta.

Neste ponto, a orientação para uma ética democrática converge com tendências historiográficas modernas que apontam para a necessidade de ampliar a abrangência de temas, objetos e sujeitos tratados pela história, mudanças que reivindicam a presença de novos protagonistas na cena narrada, ou seja, posicionar o lugar do conhecimento acumulado sobre a história nas lutas sociais contemporâneas, na luta antirracista, na luta antimachismo, combate ao racismo estrutural e combate ao machismo estrutural. Não só a aula de história, mas o conhecimento historiográfico como um todo pode oferecer melhores condições de complexificação histórica dessas lutas, compreendendo os processos históricos de média e longa duração, heranças escolhidas, rupturas, descontinuidades, em suma, entendendo a historicidade das lutas do tempo presente no jogo entre passado-presente-futuro. Um ensino de história que vibre a partir do presente e com isso apresente seu potencial político mais intenso: a abertura para a inconclusão, a condição de futuro aberto que a abordagem do tempo presente permite.

Precisamos ter clareza de que este tempo de crise é o tempo de Marielle Franco. Sua atuação e seu destino expõem a face mais violenta da crise, marcada pela violência de Estado e pela presença de um passado que insiste em não nos deixar. Mas Marielle representa também a expressão mais acabada do potencial transformador da política na direção de um alargamento democrático. Seu legado enquanto ativista e pesquisadora é motor para uma ação e nos provoca a renovar a luta de uma mulher negra defensora dos direitos humanos e que disputava espaços institucionais – como o parlamento municipal –, mas avançava para além dele. Ela simboliza um presente de dor, uma vida negra de mulher dilacerada pela crise, mas também um futuro inteiramente aberto para a ação.

Sim, precisamos falar de Marielle Franco e de Marielles Francos nos textos e nas aulas de história.

 

Referências

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[1] Resultados preliminares da Comissão Parlamentar de Inquérito instituída no Congresso Nacional apontam para a existência de uma rede com participação de grupos privados e poder público. O tema tem merecido atenção especial do Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes (BARBIERI, 2020).

[2] Por exemplo, na composição do parlamento, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, Mulheres são 51% da população, mas apenas 13% das vereadoras, 15% das deputadas federais e 14,8% das senadoras. Os negros são 55% dos brasileiros, mas, no Congresso, não chegam a 25% dos parlamentares. (DINIZ, 2020).


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Programa de Pós-Graduação em História - PPGH
Revista Tempo e Argumento
Volume 15 - Número 38 - Ano 2023
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