DOI: 10.5965/2175180306122014023
http://dx.doi.org/10.5965/2175180306122014023



História e internet: conexões possíveis
Nucia Alexandra Silva de Oliveira
Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Departamento de História e do Mestrado Profissional em Ensino de História na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)
nucia.oliveira@gmail.com


Resumo
Este artigo pretende problematizar as conexões possíveis entre história e internet. O ponto de partida de tal discussão é a constatação da presença da internet na vida social e dos impactos desta mídia nas formas de obter e publicar conhecimentos. Procura-se, de modo mais específico, discutir como a internet tem produzido novos documentos para o trabalho do historiador e, ainda, como tem lidado com eles. Para isso, listam-se alguns trabalhos feitos por historiadores que utilizam a internet como fonte. Nesta parte do trabalho, a ideia é apontar os documentos digitais escolhidos pelos historiadores para a realização de suas análises, ad dificuldades encontradas e as potencialidades destas fontes. Compreende-se que a internet oferece grandes possibilidades ao trabalho historiográfico e, em particular, à História do Tempo Presente. Na segunda parte deste artigo são trazidas informações a partir da pesquisa intitulada “www.historia.com: uma investigação sobre marcos históricos brasileiros tematizados em sítios eletrônicos”. Seu objetivo é investigar narrativas produzidas e apresentadas em sites de pesquisa escolar a respeito de marcos históricos brasileiros. Nesta etapa da discussão, o propósito é debater os usos da história feitos por estes espaços. Percebe-se que se têm apresentado narrativas em que os fatos históricos aparecem de forma linear, simplificada e seguindo o que se costuma chamar de história tradicional. Nesse duplo movimento de observação, espera-se contribuir com o debate sobre esta importante questão: produção e divulgação do saber histórico.

Palavras-chave: História – Estudo e Ensino; Internet.

The internet and history: possible connections

Abstract
This article presents the issue of possible connections between History and the Internet. The starting point of this discussion is an acknowledgement of the presence of the Internet in social life, and the impact of such media in the ways of obtaining and publicizing knowledge. More specifically, a discussion will be presented on how the Internet has been producing new documents for the work of historians and, better yet, how they have dealt with such sources. In order to do so, a few studies performed by historians are listed as utilizing the Internet as source. In this section, the idea is to point out what digital documents have been chosen by historians to perform their analyses, what difficulties they face, and what potential these sources have. It is understood that the Internet has great potential for historiographic work and, notably, for Present-Day History. In the second part of this paper, information is displayed on the research on Brazilian websites whose theme are historical landmarks with the objective of investigating narratives produced and presented in school-level research websites about Brazilian historical landmarks. At this stage, the discussion is focused on debating the uses of History performed by these spaces. It is noticeable that they present narratives in which historical facts are presented linearly and in a simplified manner, following the so-called Traditional History. On this two-way observation, it is expected to contribute with the debate on this important matter of the production and divulging of historical knowledge.

Keywords: History -  teaching and learning, The Internet.


Considerações iniciais

“Diabo de menino agora quer
Um i pod e um computador novinho
Certo é que o sertão quer virar mar
Certo é que o sertão quer navegar
No micro do menino internetinho”

Banda larga cordel - Gilberto Gil

Cento e cinco milhões de internautas! Este significativo número, apresentado através de uma pesquisa realizada pelo Ibope Media e divulgado em diferentes veículos de comunicação no ano de 2013, traz à cena a curva ascendente e acelerada deste veículo em nosso país[1]. Tais dados são bastante expressivos e ilustram porque hoje o Brasil é considerado o quinto país mais conectado do mundo!

Tal fenômeno certamente não tem passado despercebido; desse modo, a internet figura como um dos temas sobre os quais mais se debate em nossos dias; uma das evidências disso é o crescente número de publicações que discutem o assunto em diferentes perspectivas. Nelas temos reflexões, por exemplo, a respeito do alcance dessas mídias no impacto sobre as relações sociais, nas possibilidades educacionais, nos excessos e nos problemas de todas as ordens que a acompanham, entre tantos tópicos, o que faz pensar na internet, portanto, como uma campeã em notoriedade e interesse.

É importante lembrar que esse meio foi criado nos Estados Unidos na década de 1970, a partir de projetos que se relacionam a questões de segurança. Desde então, e especialmente a partir da década de 1990, diferentes tipos de tecnologia têm sido criados. Neste sentido, os alcances da grande rede crescem e se diversificam. Entre elas, deve-se destacar o lançamento da world wide web (www ou web), aplicação pensada nos anos 90 para que dados pudessem ser partilhados em maior escala.Outra inovação de destaque é a web 2.0, tecnologia que desde 2004 tem possibilitado a interação do internauta-navegador e é “responsável” pela criação de mecanismos de comunicação social como Orkut, Twiter, Facebook, entre outros (CASTELLS, 2004; BRIGGS e BURKE, 2004).

A proliferação das redes sociais e o grande papel que elas desenvolvem no que diz respeito à circulação de ideias demonstram um fenômeno histórico e cultural extremamente importante em termos de mídia e sociedade. O filósofo Pierre Lévy (1999), refletindo sobre tais acontecimentos, destaca o surgimento da chamada cibercultura. De acordo com ele, esta expressão procura manifestar o surgimento de uma nova e universal forma de comunicação, que ele assim procura especificar: “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas e atividades, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LEVY, 1999. p. 17). Quando se fala em cibercultura, portanto, o que está em questão é a emergência de atividades e práticas, organizadas a partir de um modo de comunicação que tem no chamado ciberespaço seu lugar de experiência. O ciberespaço, por sua vez e segundo o autor, constitui um novo “meio de comunicação que surge da interconexão de computadores” (LEVY, 1999. p. 17) e abriga informações nas quais os sujeitos navegam.

Não entendo que a internet seja um lugar mais revolucionário do que foram outras mídias, como o radio, o cinema ou a televisão. Cada uma deles, a seu tempo e modo, provocou estranhamentos, mas também suscitou aprendizados e encantamentos. Lembrando o que diz Gilberto Gil em outro trecho da música citada como epígrafe,“o radio fez pelo avô do menino “internetinho” o mesmo que faz por ele: deixar que descubra o mundo!” Também não compreendo que a internet tenha o poder de substituir todas essas mídias. Contudo, e como tem sido dito ao longo dessas considerações, é preciso pontuar a relevância deste instrumento de comunicação, considerando suas implicações e potencialidades em questões tão relevantes como a construção e a disseminação do conhecimento histórico.

Partindo de tais considerações, este artigo pretende participar do debate sobre as possibilidades e perspectivas que podem ser lançadas a partir deste acontecimento - a disseminação da internet e dos fenômenos relativos a ela –e sobre os estudos históricos. Interessa-me perceber as conexões possíveis entre história e internet nos diálogos entre ambas. Procuro, assim, de um lado, discutir como a internet pode ser locus de análises historiográficas; por outro, apresento alguns dos usos da história em sites de pesquisa escolar. Cabe explicar os interesses por estes dois aspectos.

Entendo, com o advento da internet, que conquistamos um significativo crescimento no que diz respeito a fontes de pesquisa. Ao colocar em associação diferentes trabalhos realizados por historiadores e historiadoras, espera-se contribuir para que se façam outras reflexões e, assim, o uso de fontes produzidas na internet seja mais difundido e compreendido.

Por sua vez, o segundo ponto desta discussão, que diz respeito aos usos da história por sites de pesquisa escolar, justifica-se neste texto a partir de uma experiência de pesquisa pensada a partir da constatação da centralidade da internet na educação em nosso país. Trata-se do projeto que coordeno, intitulado “www.historia.com: uma investigação sobre marcos históricos brasileiros tematizados em sítios eletrônicos”[2], desenvolvido no Laboratório de Ensino de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Na ocasião da definição deste objeto de pesquisa, interessei-me em entender como a história do Brasil foi tematizada na internet em sites pesquisados por jovens estudantes. Entre outras questões, este projeto tem por objetivo compreender que tipo de narrativa sobre marcos históricos brasileiros é dado à leitura deste público e, ainda, como a própria história é compreendida.

Como produto recente, pode-se dizer que a internet carece de reflexão em suas potencialidades e problemas. Em tal análise não cabe propor qualquer tipo de interdição ao veículo; pelo contrário, é importante justamente perceber que, independentemente de pontos ditos positivos ou negativos, temos em nossas mãos uma inegável revolução tecnológica que pode e deve ser compreendida em suas múltiplas facetas – entre elas a histórica. Roger Chartier (2010) destaca tal ponto considerando que o ingresso da história na era da textualidade tem imposto significativas mutações na construção, publicação e recepção dos discursos históricos. Ainda de acordo com o mesmo autor, a textualidade eletrônica transformou os modos de organizar e definir os critérios de aceitação ou negação de argumentos. Isto leva ao entendimento de que tanto o leitor quanto o pesquisador de tais textos estão inseridos em uma nova ótica de leitura,  novidade desafiadora, no sentido de que as costumeiras práticas de leitura são colocadas em cheque. Afinal, desconfia-se muito mais do que está posto na internet, especialmente pelo fato de que muitos textos parecem não ter o mesmo rigor dos trabalhos impressos, sobretudo nos aspectos de referência e explicitação de autoria.

Além da fluidez da internet e de qualquer dificuldade de análise de seu conteúdo e modo de organização, cabe dizer que a partir dela se tem uma ferramenta singular para a análise das questões mais latentes da História do Tempo Presente. Se a internet representa uma inovação em termos midiáticos, ela também significa, e está inserida em, uma “nova” sociedade que se constrói a partir de seu uso. Estou querendo dizer, portanto, que é extremamente válido buscar compreender  os fenômenos históricos vivenciados em nosso tempo, justamente a partir de um dos fenômenos que melhor o ilustram.

A internet e os impactos na produção do conhecimento histórico

Em palestra realizada no ano de 2010, na cidade de Porto Alegre, disponível no Youtube (um dos canais da internet mais acessados em todo o mundo), Carlo Ginzburg (2010) discute a História na Era Google[3]. Uma das questões centrais de sua argumentação é o impacto da internet diante da produção do conhecimento. Ainda de acordo com ele, ferramentas como o Google não transformam nossa prática de leitura, nem a fragmentam; pelo contrário, elas intensificam a quantidade de informações sobre as quais temos acesso. O Google, portanto, teria a função de provocar o estudo; afinal e ainda segundo o historiador, tal ferramenta nada mais é, sem nossas perguntas, do que uma máquina sem vida. Ginzburg, contudo, não entende que a internet seja algo democrático, mas sim potencialmente democrático, visto que para usá-ladevemos ter um domínio específico de certos conhecimentos, isto sem contar determinados domínios sociais sobre ela exercidos. 

Interessa-me especialmente, aqui, sua afirmação de que a internet tem provocado mudança nas maneiras de produção do conhecimento histórico. Diante da internet e no presente eletrônico, o passado se dissolve e conceitos como presente, passado e futuro se tornam frágeis, afirma Ginzburg. Entendo que esta afirmação está relacionada justamente aos modos de adquirir as informações, as quais, como se sabe, hoje não só são mais aceleradas, como são muitas vezes transitórias. Assim, a questão é: como dado histórico, estas informações, mesmo que sejam momentâneas e até instáveis, têm um significado grande para a compreensão das atuais formas de leitura e escrita de nosso tempo, que não podem ser esquecidas pelos historiadores.

Ao analisar a relação dos historiadores com a internet, deve-se dizer, de início, que eles foram mais atraídos pelas possibilidades de comunicação e formação de grupos de discussão que ela permite. Também é preciso admitir que houve um notável interesse nas potencialidades de formação e distribuição de banco de dados. A ideia de ter documentos de toda ordem protegidos em meios digitais foi (e é) entendida como uma revolução, assim como a possibilidade de ter acesso aos textos em revistas digitais (POIRRIER, 2010). Aliás, esta perspectiva é bastante celebrada em diferentes campos de estudos; afinal, as potencialidades relativas à formação de bancos de dados e à sua circulação entre pares de pesquisa são mesmo inumeráveis. No campo historiográfico não poderemos, certamente, deixar de celebrar a possibilidade de que grandes acervos sejam construídos e popularizados a ponto de não mais haver restrições de pesquisa por conta de fronteiras geográficas.

No que diz respeito a reflexões sobre as potencialidades da internet para o trabalho dos historiadores, é importante ressaltar a relevância do trabalho de Juan Andrés Bresciano, publicado no Uruguai em 2010, e que se propõe discutir as inovações metodológicas e as inovações discursivas e institucionais provocadas justamente pela emergência das novidades tecnológicas que têm introduzido mudanças nos suportes e formatos de informação e originado novas classes de documentos.

Sobre o impacto da cultura digital e multimidiática, ele faz as seguintes afirmações:

  1. Supone en sí mismo un fenómeno a estudiar, ya que se trata de un processo de transformación mundial de particular relevância.
  2. Aporta um caudal inusitado de fuente para el conocimiento histórico, por el volumen y la diversidade de registro que produce.
  3. Modifica el modo en que se obtiene la información y se genera saber. Dado que la Ciencia Histórica no es una excepción, também afecta a las práticas de investigación sobre el pasado (BRESCIANO, 2010, p. 12)[4].

Observar como estas mudanças são acompanhadas pela historiografia nas instâncias de criação e comunicação de conhecimento sobre o passado é o principal objetivo do trabalho do historiador uruguaio. Entendo-o como relevante, justamente por apresentar discussão sistematizada a respeito de questões como ampliação do conceito de fonte histórica a partir da incorporação de novas formas de registro, da incidência do uso de novos recursos digitais no trabalho de campo, do surgimento de uma crítica sobre tais recursos e documentos eletrônicos. Por outro lado, também é salutar a apresentação das chamadas inovações discursivas e institucionais que são os centros de investigação, as associações profissionais e as redes virtuais de publicação de resultados de trabalhos historiográficos e documentos digitalizados. Nas duas frentes de inovação (novos documentos e disponibilização do saber histórico e de documentos através do meio digital), Bresciano percebe uma mudança na forma de produção historiográfica. Ele lembra que a História, desde que se consolida como ciência, está vinculada a um conjunto de práticas, leituras, procedimentos de escrita e investigação. Ou seja, funções, tarefas e usos regulados através do tempo e que passam a ter outras e novas dimensões a partir das novas tecnologias. Ao que ele resume:

De este modo, surgen espacios destinados exclusivamente al cultivo de una Historiografia que puede clarificarse de digital, por las fuentes a las que acude, por las ferramientas analíticas que utiliza y por el discurso que emplea[5]. (BRESCIANO, 2010, p. 89).

Discutindo o surgimento da Historiografia Digital, a historiadora Anita Luchesi (2012; 2013) oferece dados importantes para a compreensão dos caminhos trilhados por historiadores em direção ao uso da internet. Ela apresenta os diálogos e embates de dois grupos, ou, ainda melhor, de duas tendências historiográficas que têm ajudado a constituir o campo da Historiografia Digital: a vertente italiana, chamada de Storiografia Digitale, e a americana, Digital History. Em suas palavras: “Trata-se de dois polos de estudos que, a nosso ver, encerram duas tendências historiográficas afins, porém, distintas entre si” (LUCHESI, 2013, p. 2). No entendimento da referida pesquisadora, estudar estas duas tendências e, portanto, traçar o desenvolvimento de uma historiografia digital é um dos meios para compreender os modos pelos quais os historiadores lidam com as novas problemáticas advindas deste contato entre internet e história.

Nos Estados Unidos, o surgimento da chamada Digital History pode ser localizado nos anos 90, quando no Center For History and New Media (CHNM) da Universidade George Mason foram desenvolvidos projetos na área das novas mídias. Neste espaço, foram pensadas propostas em prol da preservação do passado, através de iniciativas que usavam tecnologias de informática que buscavam democratizar o acesso e a manipulação de conteúdos históricos na internet. Um desses projetos foi coordenado por Daniel Cohen e Roy Rosenzweig, e lançado em 2005 como um grande guia para o trabalho de professores e estudantes de história. Trata-se do website History Digital - gathering, preserving and presenting the past on the web.  Consultando o website, toma-se conhecimento da proposta: o History Digital é um grande guia em que são listadas as possibilidades para a produção de um “trabalho histórico on line”. Neste sentido, o livro digital oferece, passo a passo, questões que vão da produção de um projeto até os modos de alcançar um público leitor. Também são tratadas temáticas como direitos autorais, técnicas de interatividade, digitalização de material e, finalmente, “orientações básicas sobre como assegurar que a história digital que o leitor cria não vai desaparecer em poucos anos”[6].

A Storiografia Digitale italiana, por sua vez, foi criada a partir das proposições do professor Rolando Minutti (especialista em História Moderna do Departamento de Estudos Históricos e Geográficos da Universitá degli Studi di Firenze, Florença, Itália). Ele publicou em 2001 o livro Internet e il mestiere  di storico – Reflessioni sulle incertezze di una mutazione,no qualfaz suas ponderações sobre as dúvidas e possibilidades vividas por historiadores que viviam a “revolução digital. Tais reflexões alcançaram grande empatia; exemplo disso é o lançamento em 2004 de outros trabalhos sobre o tema como La Storiografia Digitale (organizada por Dario Ragazzini),que historiadores e pesquisadores de outra áreas escrevem dando continuidade ao debate sobre o uso da internet em suas pesquisas. No entendimento de Luchesi (2013), nessas obras não são apresentados resultados definitivos, haja vista justamente o caráter ainda reflexivo de tal temática, mas nelas são evidenciados aspectos significativos sobre as expectativas desses autores sobre a chamada “revolução digital”. Comentando o trabalho de Minutti, Camila Dantas  (2008) destaca que o tema central de sua proposta e o mote para esta publicação estão relacionados aos impactos positivos das novas tecnologias de informação na historiografia contemporânea, bem como as perspectivas inéditas lançadas para os historiadores. De acordo com ela, o lançamento de tal projeto não estava querendo oferecer mudanças na “operação historiográfica” – termo apresentado por Michel de Certeau -; pelo contrário, a ideia era apostar em diversificar os procedimentos de escrita:

Autores como Minutti não propõem tal mudança e advertem que o fato de se poder utilizar o hipertexto não significa uma adesão a uma perspectiva relativista de que qualquer percurso informacional seja válido. Ao contrário, procura-se mostrar a necessidade de se refletir sobre as tecnologias e experimentá-las criativamente (DANTAS, 2008, p. 59).

A presença destes dois caminhos historiográficos, de um lado a History Digital e,de outro, a Storiografia Digitale, ilustram um mesmo processo de interesse e busca de caminhos para a escrita da história que toma a internet como ferramenta e fonte de pesquisa. Como pondera Luchesi (2013, p. 5), trata-se do “surgimento de um novo campo de estudo, de uma nova área do saber no interior da história: a pesquisa e a formação em “historiografia digital”, donde decorre nossa tomada da relação entre História e Internet como um “novo problema” para a nossa disciplina.”  E o que seria, portanto, a historiografia digital? Luchesi informa que é o historiador francês Noiret, membro do grupo italiano, quem apresenta a conceituação dizendo que tais estudos tratam de “trabalhos científicos que usam a Internet para serem difundidos e se baseiam sobre o hipertexto para uma reelaboração da escrita historiográfica, incorporando frequentemente as próprias fontes e parte dos elementos consultados para conduzir a pesquisa (NOIRET apud LUCHESI, 2013, p. 6).

Como é possível perceber a partir desta conceituação, quando se fala em historiografia digital se está colocando em foco a possibilidade de difundir trabalhos científicos e, ainda, a de incorporar às fontes de trabalho dos historiadores diferentes tipos de material produzido na internet. No Brasil, no que se refere a trabalhos sobre a internet e, mais especificamente, nas relações entre internet e história, é possível dizer que o interesse também tem crescido recentemente, mas deve-se afirmar que se trata de um campo em vias de consolidação. Realizando pesquisa na própria rede e em bancos de dados de programas de pós-graduação e de bibliotecas universitárias, tem-se uma dimensão disso, pois ainda são encontrados poucos trabalhos relacionando história e internet. A seguir, trago alguns dos exemplos que encontrei, selecionados para dar dimensão às fontes utilizadas nestes trabalhos, bem como para evidenciar as escolhas teóricas e metodológicas dos autores.

Para começar,é preciso admitir que os programas e os laboratórios que se alinham na perspectiva de estudo da História do Tempo Presente aparecem como foco de muitos trabalhos cujas problemáticas e fontes são suscitadas a partir da internet. Por exemplo, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), foi defendida a dissertação “Do on-line para off-line: sociabilidades e cultura escrita proporcionadas pela internet no Brasil do Século XXI (2001-2010)”, apresentada por Pedro Eurico Rodrigues em 2012. Esta dissertação analisa práticas de sociabilidade, formas de construção de si e musealização do passado através do estudo de uma comunidade do Orkut e de um blog. Mais especificamente, as fontes de pesquisa deste trabalho são as narrativas produzidas por mulheres integrantes desta rede social, nas quais o pesquisador procurou perceber novas formas de estabelecer amizade e de produzir imagens de si e de as salvaguardar em meio digital. Para dar conta desta problemática, o historiador apresenta discussões a partir dos estudos sobre História da Cultura Escrita e da Leitura: neste sentido, estabelece diálogo com a obra de Roger Chartier. Por sua vez, a escolha metodológica destaca a conceituação e a interpretação  dos materiais analisados como exemplos de um “novo protocolo de escritas e leituras”, além de novas sociabilidades. Dentro de tal entendimento, as fontes – narrativas produzidas pelos sujeitos que participam das citadas comunidades – são analisadas como exemplos dos modos de construção de si e da vivência social no tempo presente.

No mesmo programa, Julia Massuchetti Tomasi defendeu a dissertação "Eternamente off line": as práticas do luto na rede social do Orkut no Brasil (2004-2011). Este trabalho analisa o Orkut como ambiente de expressão e compartilhamento da dor e do luto publicados em mensagens e imagens nas páginas desta comunidade virtual. Por meio destas narrativas e imagens, a pesquisadora busca compreender as novas formas de sociabilidade, bem como as relações de interação vivenciadas entre esses internautas. É também preocupação do trabalho discutir a pesquisa através dos documentos online criados nas comunidades da citada rede social. A pesquisadora destaca que este trabalho foi construído em estreita relação com as questões provocadas pela História do Tempo Presente no que diz respeito, em particular, às fontes selecionadas para a dissertação e as relações que elas permitem analisar.

Estas duas dissertações demonstram uma das possibilidades de trabalho historiográfico a partir de fontes criadas na internet. Orkut, Twiter, Facebook e outros mecanismos de produção de narrativas, como os blogs, têm sido identificados por historiadores como espaço de percepção dos mais diferentes tipos de interação social e de percepção do tempo. Como se sabe, a tecnologia conhecida como Web 2.0 permite a interação e produção por parte dos internautas, e este recurso tem significado a produção de um riquíssimo arsenal de narrativas a ser analisada como objeto histórico. O que serve, portanto, como evidência de que, através das narrativas produzidas na internet, é possível aos historiadores ter acesso a novas formas de produção de memória e de percepção de eventos de seu próprio tempo.

Outro foco de estudo são os espaços criados na internet como lugar de conservação de memória. Este é, por exemplo, o tema da dissertação de mestrado apresentada por Camila Dantas no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em 2008. A pesquisadora, graduada em História, apresenta um estudo a partir de um acervo digital chamado People’s War (criado em 2003), que possui 47 mil testemunhos online e 15 mil imagens relativas à memória social britânica a respeito da 2ª Guerra Mundial. Utilizando bibliografia sobre memória social, história e construção do patrimônio digital, a pesquisadora procura discutir o material apresentado no acervo como fonte de estudo para uma percepção de como se estabelecem as relações entre memória e história na internet. Nesse estudo, Dantas entende que há uma sincronia entre a memória oficial e aquela apresentada no projeto, apesar de algumas vozes dissonantes. Outro ponto percebido é a fragmentação dos testemunhos, fato que ela relaciona com as especificidades deste tipo de tecnologia e as formas de leitura do computador (DANTAS, 2008, p. 5).

Outro campo de análise são os espaços criados na internet que permitem a reflexão sobre os chamados usos públicos da História. Os professores Sebastián Plá e Xavier Rodríguez Ledesma, da Universidad Pedagógica do Mexico, realizaram um instigante trabalho dentro desta temática. Eles desenvolvem uma pesquisa que questiona as proximidades e os limites entre a história escolar, a história no Twitter e uma disputa pública e política para ressignificação de certos personagens históricos do país. Os professores partem de uma observação importante: no México, atualmente, a escola não detém o monopólio do passado e distintos meios de comunicação de massa o têm utilizado. Numa luta de representação e legitimidade, portanto, escola, televisão, cinema e a própria internet “duelam” como portadores de narrativas dignas de receber o atestado de “verdadeiras”. No caso da pesquisa de Plá e Ledesma, personagens chamados de tuiteros históricos surgem na rede social como porta-vozes de discursos que se contrapõem ao discurso oficial e escolar. Interessa aos pesquisadores justamente responder à pergunta de como esses tuiteros articularam  usos públicos da história e como preencheram as lacunas deixadas pela história escolar. A partir de suas análises, chegam à conclusão de que os tuiteros procuram ocupar um lugar intermediário entre o conhecimento histórico e o público e desenvolvem uma grande empatia entre os seguidores e os personagens que procuram personalizar através das figuras  históricas que buscam ressignificar. Vale destacar que trabalham considerando a realização de uma etnografia virtual. Como os próprios definem, “es um trabajo de corte cualitativo, con carácter exploratorio basado en principios de la etnografia virtual, es decir, es una primeira apriximación que nos permitirá describir las caracteristicas del uso de identidades históricas em Twiter”[7](PLÁ, LEDESMA, 2013, p. 142). A partir do entendimento de que o ciberespaço representa grande potencialidade para o estudo dos modos de comunicação e ainda do questionamento de certas dualidades como real/virtual, verdade/ficção, representação/realidade entre outros, os autores optam por uma reflexão segundo a qual consideram a internet um artefato cultural.

Os exemplos aqui listados procuraram, dentro dos limites de um artigo, exemplificar as problemáticas possíveis a partir do entendimento da internet como fonte de trabalho histórico. Voltarei a fazer alguns apontamentos sobre eles, necessários para enfatizar especialmente as potencialidades e as dificuldades enfrentadas pelos/as pesquisadores/as citados/as.  Antes disso, trago discussões a partir de outro foco: a divulgação de conteúdos históricos na internet.

História do brasil em sites de pesquisa escolar[8]

Como a internet tem apresentado conteúdos de história do Brasil? Foi esta pergunta pontual que deu início à construção de uma pesquisa cujo objetivo principal é identificar e problematizar as narrativas de cunho histórico relativas aos marcos históricos brasileiros veiculados por sites eletrônicos de pesquisa escolar. Tal ideia partiu da observação de alguns fatos. Inicialmente, mediante a constatação da necessidade de historiar e compreender a internet como espaço de registro, informação e produção de conhecimento. Em outro aspecto, pela grande centralidade que este veículo ocupa no âmbito escolar, visto que os estudantes brasileiros de diferentes níveis de escolarização atestam[9] que usam a internet para a realização de seus trabalhos.

Entendo que a utilização dos diferentes tipos de materiais (textos, imagens, documentários, etc.), disponíveis na internet como recurso de construção do conhecimento, é algo que precisa ser compreendido para que se possa também ter ciência do tipo de saber que está circulando e como integra o rol de saberes dos estudantes. Assim, como objeto de pesquisa, o projeto que coordeno se tem ocupado da análise de sites de pesquisa escolar, buscando, mais especificamente, investigar o conteúdo de história do Brasil publicado nesses espaços. Vale lembrar aqui a proposição apresentada por Klaus Bergmann em seu texto sobre a Didática da História. Neste, ele pondera que refletir sobre História a partir da preocupação da Didática da História significa “investigar o que é aprendido no ensino de História (tarefa empírica da Didática da História), o que pode ser apreendido (tarefa reflexiva da Didática da História) e o que deveria ser aprendido (tarefa normativa da Didática da História)” (BERGMANN, 1990. 29). Compreendo que a análise dos sites de pesquisa da escola se encontra vinculada à tarefa reflexiva da Didática da História, ou seja, sobre o que pode ser aprendido. Estou considerando, portanto, que o conteúdo apresentado em tais sites compõe o aprendizado histórico dos que realizam pesquisa ou leem textos e imagens publicados nos sites de pesquisa escolar.

Antes de desenvolver esta reflexão, julgo importante começar a discussão com uma apresentação da  organização metodológica deste trabalho.

A primeira etapa do trabalho de investigação foi chamada de “sondagem dos sites”. Assim, naveguei pela rede através da palavra-chave: história do Brasil. A partir deste primeiro “enter”, sistematizamos[10]15 endereços eletrônicos para uma consulta mais detalhada e posterior coleta dos dados. Deste modo, fizemos uma leitura geral de cada um deles, o que nos levou à constatação de que seria necessário escolher alguns para uma análise mais detalhada, visto o grande volume de cada um. Foi deste modo, portanto, que optamos por trabalhar com oito sites eletrônicos para coletar os dados. São eles:

www.historiadobrasil.com.br;
www.historiadobrasil.net;
www.historiadobrasil.net;
www.brasilescola.com/historiab;
www.suapesquisa.com/historiadobrasil/;
www.educacao.uol.com.br/historia-brasil;
www.bussolaescolar.com.br/historia.htm;
www.alunosonline.com.br/historia-do-brasil:
www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil.

Após estas etapas de sondagem e seleção, foram realizadas leituras para caracterizar  esses sites, pois julguei necessário conhecer o lugar em que estão depositadas as informações que estão sendo analisadas. A ideia, então, foi percorrer atentamente cada um deles, buscando mapear a existência ou não de autoria nos textos; a definição de um público-alvo, as finalidades e demais políticas por eles apresentadas. Neste sentido, descobrimos que alguns deles trazem informações sobre o modo como foram organizados, ou sobre como procuram informar a maneira como constroem o conteúdo, sobre seus autores e a quem os destinam, além da preocupação em apresentar suas políticas de uso e de privacidade. No que diz respeito a tais dados, percebi que alguns são mais completos do que outros, mas é possível dizer que uma característica comum a estes sites é buscar legitimar o seu conteúdo. Entendo esta preocupação como um elemento bastante pertinente à necessidade de os sites atestarem a própria veracidade. A questão remete a uma discussão muito comum quando se trata de material apresentado na rede: a desconfiança sobre a autenticidade das informações, as manipulações sobre os dados e problemas como plágios e falta de autoria.

Roger Chartier (2010) sinaliza que no mundo da textualidade os elementos que atestam a veracidade de um texto estão muito mais diluídos do que no texto impresso. No caso de um texto de História, as notas, as referências bibliográficas e as citações procuram estabelecer um pacto de confiança entre o autor e o leitor. Quando no mundo da intertextualidade, o leitor/internauta pode consultar os documentos que anteriormente só poderia ler através da leitura do autor do texto. Essa relação pode sofrer mudanças. O mesmo ocorre quando o leitor/internauta pode consultar com mais rapidez informações sobre plágio em textos ou documentos. Assim, pode-se entender que a preocupação destes sites de pesquisa escolar pode estar relacionada a uma vontade degarantir a confiança de seus leitores em relação ao conteúdo que disponibilizam.

No site chamado “www.suapesquisa.com” há informações sobre o modo de fazer contato, sobre o objetivo, o perfil dos visitantes, a bibliografia, os termos de privacidade, entre outros elementos. Cabe destacar, entre estes, a apresentação dos argumentos que explicam o objetivo de criação do site, criado, conforme o próprio  informa, “com o propósito de divulgar conhecimentos científicos, históricos, artísticos e culturais.” Em relação à originalidade dos textos,  declara:

Os textos são elaborados por nossa equipe, que é formada por especialistas em diversas áreas do conhecimento. Todos os nossos textos são originais e não simples cópias de enciclopédias ou de outros sites. Optamos por utilizar um design simples e agradável e uma linguagem didática para que todos possam entender corretamente as informações.[11]

Voltando à questão da metodologia de trabalho, cabe dizer que, após a classificação dos sites,se realiza a coleta dos dados. Neste momento, o procedimento tem sido o seguinte: um fato histórico é escolhido para análise; depois desta escolha, cada um dos sites relacionados é acessado para a coleta das informações. De modo inicial, procura-se localizar o tema, sua presença dentro do site e demais links a ele associados. Em tal busca, monta-se um banco de dados no qual  textos e imagens são organizados em tabelas. Além de selecionar o texto, também se faz a leitura desse material, com  a preocupação lhe fixar as impressões. Neste sentido, são anotadas questões como: que tipo de informação é dada? Ela é resumida ou completa? É crítica ou não? Potencializa o estudo ou apenas informa o leitor? Propõe reflexões fora do texto? Traz referência para outras pesquisas? Apresenta autoria?

Trata-se, portanto, de uma sistemática muito próxima da leitura de textos impressos; contudo, com uma diferença significativa, justamente os muitos links disponibilizados pelos sites, haja vista que, diferente de um texto escrito, os intertextos têm uma estrutura específica que permite abrir  múltiplas “janelas” conforme o que oferece seu autor e o desejo do leitor/navegador.

A seguir, apresento alguns apontamentos a partir dos dados pesquisados.     

O Descobrimento do Brasil foi o primeiro marco histórico pesquisado. A escolha do tema ocorreu pelo fato de que este assunto – numa perspectiva eurocêntrica - é muitas vezes discutido como ponto inicial de nossa história. Uma das primeiras constatações foi de que, em sua grande maioria, os sites trazem os textos de modo bastante compartimentado; isto é, a partir da busca por “Descobrimento do Brasil”, o que se encontra são várias janelas com temas como: Pedro Alvares Cabral, Carta de Pero Vaz de Caminha, Tratado de Tordesilhas, etc. Além disso, percebi que os textos são bastante curtos e objetivos, visto que nas narrativas o que geralmente se encontra são apenas informações gerais/pontuais - como: quando ocorreu o fato; quem eram os envolvidos -, além de oferecerem  alguma (pouca) referência sobre porque aconteceu. Observando o site “suapesquisa.com”, nota-se que o navegador encontra uma série de assuntos dispostos em sua página de entrada; entre eles, a opção por pesquisar sobre a História do Brasil. Acessando este item, chega-se a uma lista de diferentes conteúdos; entre eles, o Descobrimento do Brasil e, finalmente, clicando na lista, o que se tem é novamente uma segmentação com novos links com os seguintes itens: Contexto histórico; A chegada dos portugueses ao Brasil; Primeiros contatos com os indígenas; Polêmica: descobrimento ou chegada?; Principal fonte histórica e curiosidade. Cada um desses subtítulos traz uma breve descrição do que o título apresenta. Assim, na parte que fala da chegada dos portugueses à “nova terra”, tem-se o seguinte:

O Descobrimento do Brasil ocorreu no dia 22 de abril de 1500. Nesta data as caravelas da esquadra portuguesa, comandada por Pedro Álvares Cabral, chegou ao litoral sul do atual estado da Bahia. Era um local [em] que havia um monte, que foi batizado de Monte Pascoal.
No dia 24 de abril, dois dias após a chegada, ocorreu o primeiro contato entre os indígenas brasileiros que habitavam a região e os portugueses. De acordo com os relatos da Carta de Pero Vaz de Caminha, foi um encontro pacífico e de estranhamento, em função da grande diferença cultural entre estes dois povos[12].

Este texto traz à discussão uma versão bastante simplificada do evento; nela, os fatos são expostos através de uma exposição sequencial do que possivelmente ocorreu.  Ou seja, o descobrimento é narrado, mas não é problematizado como um fato histórico deve ser. Ainda merece destaque a referência à Carta de Caminha, utilizada notadamente para marcar o caráter pacífico deste encontro no qual ocorreu um estranhamento “natural”, a julgar pela diferença dos dois povos. Deve-se destacar que este tipo de narrativa naturaliza o fato, pois não faz qualquer discussão sobre ele,  nem faz tal proposta ao navegador/pesquisador. Ou seja, este texto não apresenta ao estudante o desafio da dúvida ou da reflexão sobre a história. A narrativa sobre o fato histórico – descobrimento do Brasil – aparece pronta e acabada.

Analisando outros sites, são encontradas perspectivas bastante semelhantes a esta, como em “historiadobrasil.net”, site que, como o próprio nome indica, é dedicado a temas de nossa história. Este site apresenta os períodos de nossa história em três grandes seções: Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República. Além desta divisão, traz a possibilidade de navegar por uma aba com documentos da história brasileira e filmes e documentários sobre tais temas. O Descobrimento do Brasil é localizado na seção de Brasil Colônia; sobre este assunto, o que localizamos é um texto ilustrado com a reprodução do quadro de Oscar Pereira. Estranhamente, não há qualquer legenda para identificar o quadro, acompanhado apenas da frase “primeiro contato entre portugueses e índios”. O fato, como dito, é apresentado em um único texto que começa da seguinte maneira:

Em 22 de abril de 1500 chegava[m] ao Brasil 13 caravelas portuguesas lideradas por Pedro Álvares Cabral. À primeira vista, eles acreditavam tratar-se de um grande monte, e chamaram-no de Monte Pascoal. No dia 26 de abril, foi celebrada a primeira missa no Brasil[13].

Novamente, como é possível ler, trata-se de uma breve narrativa sintetizada de uma sequência de acontecimentos, ou de mais um texto que descreve o Descobrimento e informa sobre suas circunstâncias mais básicas.

A Independência do Brasil também foi tema de pesquisa; a análise do fato, paralelamente, recebeu espaço para um estudo sobre as narrativas referentes à figura de D. Pedro I.  No site “suapesquisa.com”, o tema aparece na lista (já citada anteriormente) de conteúdos oferecidos à pesquisa. Clicando no item – Independência - somos levados a uma página com uma série de “chamadas” de busca. São elas: História da Independência do Brasil; Dom Pedro I; Grito do Ipiranga; 7 de setembro; História do Brasil Império; Dia da Independência; transformações políticas, econômicas e sociais; dependência da Inglaterra no Brasil.  O texto que introduz o assunto é o seguinte:

A Independência do Brasil é um dos fatos históricos mais importantes de nosso país, pois marca o fim do domínio português e a conquista da autonomia política. Muitas tentativas anteriores ocorreram e muitas pessoas morreram na luta por este ideal. Podemos citar o caso mais conhecido: Tiradentes. Foi executado pela coroa portuguesa por defender a liberdade de nosso país, durante o processo da Inconfidência Mineira[].

Nesta introdução, é possível perceber que a independência é apresentada como uma ruptura instantânea do domínio português e como o início da autonomia do País. Outro aspecto a ser destacado é a referência à morte de Tiradentes pelo “ideal” da independência, sendo o fato narrado completamente fora do contexto da Inconfidência Mineira. Além disso, não se faz referência à continuidade portuguesa no Brasil, implícita no fato de D. Pedro se ter tornado imperador. Estes aspectos poderiam ser considerados menores, ou detalhes do conteúdo; contudo, eles precisam ser apontados e discutidos, pois, repito, o que fica evidenciado é que as narrativas dos sites notadamente simplificam os acontecimentos históricos.

Ainda neste site é possível perceber outro fator preocupante, que é a personificação das decisões ou dos eventos. Neste caso, isto ocorre quando é apresentada a narrativa a respeito das decisões e da postura de D. Pedro I, descritas como principais causas deste movimento. 

Em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro I recebeu uma carta das cortes de Lisboa, exigindo seu retorno para Portugal. Há tempos os portugueses insistiam nesta ideia, pois pretendiam recolonizar o Brasil e a presença de D. Pedro impedia este ideal. Porém, D. Pedro respondeu negativamente aos chamados de Portugal e proclamou : "Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico.". [...]
Após o Dia do Fico, D. Pedro tomou uma série de medidas que desagradaram a metrópole, pois preparavam caminho para a independência do Brasil. D. Pedro convocou uma Assembleia Constituinte, organizou a Marinha de Guerra, obrigou as tropas de Portugal a voltarem para o reino. Determinou também que nenhuma lei de Portugal seria colocada em vigor sem o "cumpra-se ", ou seja, sem a sua aprovação. Além disso, o futuro imperador do Brasil, conclamava o povo a lutar pela independência[15].

Tal narrativa, que apresenta os atos políticos e administrativos de D. Pedro I como principais responsáveis por nosso processo de independência, é reforçada quando o site traz uma biografia deste ícone brasileiro. O texto citado a seguir:

Desde criança apresentou forte espírito de liderança. Quando, aos 22 anos, assumiu o governo brasileiro na condição de príncipe regente, agiu como brasileiro visando aos interesses de nosso povo. Também por este motivo, decidiu ficar no Brasil quando a corte portuguesa o chamou de volta a Portugal. Nessa ocasião, conhecida como Dia do Fico (9 de janeiro de 1822), ele demonstrou seu grande amor pelo Brasil, levando-o a proclamar a nossa independência em 7 de Setembro de 1822[16].

Este tipo de narrativa, que glorifica os heróis, é uma questão problematizada entre os pesquisadores daHistória do ensino de História no Brasil. Thais Fonseca (2011), ao percorrer os caminhos que marcam a trajetória desta disciplina em nosso país, apontou diferentes usos das narrativas sobre os grandes vultos/heróis e a glorificação dos fatos. De acordo com o estudo por ela apresentado, a instituição da disciplina no Brasil acompanha um contexto maior de criação e consolidação da ideia de estado nacional, o que significou justamente a utilização de heróis e acontecimentos tidos como exemplares na história do Brasil.

É importante também citar os sites que buscam de algum modo expor os fatos diferentemente  deste tipo de narrativa mais “tradicional”. Este é o exemplo do texto que encontramos no site “educacao.uol”, que fala da independência sem centralizar a discussão na figura de D. Pedro e sem isolar o fato no evento de um dia:

Em 7 de setembro de 1822, o Brasil livrou-se da condição de colônia, conquistando sua independência política. O movimento de independência foi o resultado de uma forte reação das camadas sociais mais abastadas, às pretensões e tentativas das Cortes de Lisboa de restabelecer o pacto colonial. Mas, para entendermos os acontecimentos que culminaram com o movimento de independência, é necessário considerar o período de permanência do governo português no Brasil. A partir daí ocorreram importantes transformações políticas, sociais e econômicas que marcariam os últimos anos do domínio colonial lusitano[17].

É importante encontrar este tipo de narrativa, pois faz acreditar que nem todos os textos publicados nos sites de pesquisa escolar apresentam apenas narrativas mais personalizadas ou simplificadas. Não há, portanto, um modelo único de discurso nos sites.

A ideia de apresentar tais exemplos a partir de uma pesquisa realizada em sites de pesquisa escolar tem a intenção de dar visibilidade a um tipo de uso e publicação de conteúdos de cunho histórico em sites da internet, dedicados, nesse caso,à pesquisa escolar. A discussão se justifica por muitos aspectos; um deles é o fato,já citado, de que tais sitessão regularmente utilizados por estudantes de diferentes níveis de ensino. Entendo que o professor de história deve utilizar a internet como recurso pedagógico e que deve dialogar com o material produzido e apresentado na internet; afinal, tais conteúdos têm ajudado a formar a cultura histórica desses estudantes-internautas. Como disse anteriormente, realizar tal tarefa é atentar para a tarefa reflexiva da Didática da História, de acordo com o que propõe Bergmann. Neste sentido, vale ainda fazer referência a Jörn Rüsen (2012),quando escreve sobre a cultura histórica e o aprendizado histórico. De acordo com ele, “quando se entende a didática da história como ciência do aprendizado histórico, então se trata, para ela, de cultura histórica como processo de aprendizado” (2012, p. 135). Tal processo, portanto, pressupõe trazer para a Didática da História a reflexão sobre as dimensões culturais vivenciadas e adquiridas pelos sujeitos e que, de algum modo, são mobilizadas para o desenvolvimento do aprendizado histórico. Seguindo o que propõe o autor, é importante conhecer tais aspectos para entender como acontece e se desenvolve o aprendizado histórico. Assim, entendo que pensar e buscar informações sobre as leituras feitas dos estudantes, bem como sobre os modos como eles desenvolvem suas pesquisas escolares nos sites de pesquisa escolar, é refletir sobre a sobre sua cultura histórica.

Neste sentido, faz sentido perguntar: De que maneira os sites de pesquisa escolar no Brasil contribuíram para o desenvolvimento da cultura histórica e, consequentemente, para o aprendizado histórico dos estudantes?

Entendo (e neste sentido preciso lembrar que as análises sobre este tema – como na grande maioria das questões também o é - são provisórias e contextualizadas) que os sites de pesquisa escolar apresentam conteúdos que pouco diferem dos publicados em enciclopédias e grandes manuais didáticos de história geral/história do Brasil de cunho “conteudista”. Aliás, muitos desses sites podem ser chamados de enciclopédias eletrônicas, visto que são grandes avolumados de textos nos quais os fatos históricos são apresentados de maneira simplificada, não mais que simplesmente informando, acrescentando-lhe alguns nomes e datas importantes. Isto leva a perguntar: os autores dos  sites que apresentam tais narrativas consideram ser este o aprendizado histórico que cabe aos estudantes? Deve a história ser ensinada como uma compilação sintetizada de fatos?  Como visto, aqui esta não é uma regra, pois existem também sites que fogem um pouco a este perfil meramente informativo. De qualquer modo, cabe refletir que de ambas as maneiras – seja com narrativas mais ou menos tradicionais – este tipo de escrita tem representado um papel importante no desenvolvimento da cultura histórica dos jovens estudantes brasileiros e também em seu  próprio entendimento de história.

A partir dos exemplos aqui citados podem-se sintetizar as seguintes questões: o conhecimento histórico é apresentado através de narrativas sintetizadas; as narrativas apresentadas não apresentam problematização; pelo contrário, são enunciadas como verdades; são feitas personificações para apresentar os feitos dos grandes personagens e estes são mostrados como responsáveis pelos fatos históricos. Diante do exposto, cabe a reflexão sobre qual a perspectiva de história e de ensino de história presentes nesses sites. Pelo exposto, fica evidente que é uma noção que obedece a parâmetros pensados sob as perspectivas fundantes da referida disciplina no século XIX a que faziam referência e de acordo com eles construída, entre outras preocupações, a necessidade de um rigor metodológico em prol da verdade histórica científica, a leitura objetiva das fontes, a neutralidade do autor na pesquisa e na escrita, entre outras questões, atualmente entendidas de outro modo. No fazer historiográfico de hoje, questões como a crítica dos documentos, sua interpretação e a própria afirmação da subjetividade do pesquisador são entendidos como pontos importantes e positivos. Isto tudo aponta, portanto, para uma contradição no objeto aqui analisado, que é o conteúdo dos sites de pesquisa escolar. Estes poderiam oferecer narrativas históricas permeadas de possibilidades de interação com o conteúdo. Também seria possível “abrir links” diretos com historiadores e seu trabalho, ou ainda com acervos em que documentos históricos pudessem ser consultados. Finalmente, os sites poderiam oferecer a seus navegadores uma versão “menos pronta” da História. Como sites de pesquisa escolar, entendo que seu papel deve ser o de proporcionar acesso a conteúdos que ajudem a desenvolver o aprendizado histórico; afirmo, contudo, que eles pouco dialogam com as atuais discussões sobre ensino de história.

Afinal, o que é aprender história? A reflexão de Rüsen sobre o aprendizado histórico destaca que este pode ser compreendido como um “processo mental de construção de sentido sobre a experiência do tempo através da narrativa histórica” (RÜSEN, 2010, p. 43). Pelo exposto, portanto, aprender história é muito mais do que decorar nomes, datas ou versões prontas de acontecimentos formuladas por terceiros. Aprender história de modo a utilizar tal aprendizado para a vida prática (outra ideia apresentada por Rüsen) supõe que o estudante desenvolva suas próprias conclusões e as exponha em narrativa. Para tanto, ele necessita de contato com as evidências históricas para que as possa utilizar e comparar e, finalmente, nesse processo possa desenvolver cognitivamente o seu pensamento histórico. Quando percebo que tais sites apresentam poucas ferramentas para que os estudantes-internautas vivenciem esta experiência de construção de sentido, entendo que eles têm (ainda) pouco a oferecer no que se refere ao ensino de história.

Considerações finais

O surgimento da internet provocou uma alteração na forma de lidar com as informações e sua disponibilização; contudo, tendo a concordar que tal aspecto não significa uma alteração definitiva, nem tampouco elimina a relevância da cultura escrita e impressa em nossa sociedade. Historiadores como Roger Chartier demonstram que, longe de substituir a cultura escrita, o que a cultura digital vem oferecer são outros modos de construir e divulgar nossas produções textuais. Uma novidade que coloca o leitor-internauta diante da possibilidade de interação mais imediata com o que está lendo, visto que em tal tecnologia se tem a possibilidade de produção imediata de comentários ou, ainda, de criação de espaços específicos e individuais de divulgação de ideias.

Nas considerações iniciais deste artigo, a proposta nascia justamente do desejo de debater a presença da internet como espaço de divulgação de informações e de vivência de relações sociais intensificadas pela aceleração nas formas de comunicação proporcionadas por este fenômeno midiático.  O interesse mais específico vincula-se aos entendimentos e aos usos possíveis de tais fenômenos dentro do trabalho historiográfico. Para isso, busquei exemplificar os usos que os historiadores fizeram das fontes digitais produzidas, por exemplo, em páginas de redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter. Percebeu-se que há muito potencial em tais fontes e que elas têm suscitado instigantes investigações, especialmente no campo da História do Tempo Presente e do Ensino de História. Entendo, agora, ser importante realizar algumas considerações para encerrar este artigo e, em consequência, abrir espaço para novos debates sobre o tema.

A primeira das considerações que julgo importante fazer é que a internet se tem consolidado como espaço de análise histórica; contudo, ainda não se tem uma discussão metodológica e teoricamente fundamentada. Os exemplos de trabalhos realizados a partir de documentos criados no espaço digital mostraram ser possibilidades de reflexão: uso público da história dentro das redes sociais; criação de espaços de sociabilidade e construção de si nas narrativas publicadas em perfis pessoais ou nas redes e, ainda, espaços de criação e divulgação de memória e do passado.

Acompanhando as escolhas dos diferentes pesquisadores citados, pude perceber que eles apostaram em documentos materiais criados dentro de uma nova lógica de comunicação e circulação de ideias e os elegeram como tais. Neste sentido, procurei listar algumas das escolhas metodológicas feitas por eles e devo dizer que há, em suas colocações, quase um consenso de que, para escrever tais trabalhos, foi necessário buscar nas referências historiográficas já consolidadas um primeiro modo de aproximação com os documentos em questão. Quer dizer, mesmo com um suporte diferente da cultura escrita, optaram por lidar com os pressupostos que utilizam quando vão tratar com textos escritos. Compreendo esta opção, justamente por conta do estágio, ainda inicial, desta relação história-internet. Foi assim que encontrei referências aos estudos de Chartier sobre a cultura escrita, quando, por exemplo, Pedro Eurico apresentou sua análise a respeito da construção textual das blogueiras, que analisa em sua dissertação. Por outro lado, deve ser dito que foi intensificado o diálogo com outras áreas de conhecimento que têm refletido sobre a questão. É nesse foco que encontramos, nos trabalhos analisados, a incorporação das proposições feitas pelo filósofo Pierre Levy para compreender os fenômenos da cibercultura e do ciberespaço. 

Como autora de pesquisa que utiliza documentos construídos e disponibilizados na internet, também tenho optado por realizar “adaptações” nos caminhos metodológicos para a realização do trabalho. Neste sentido, o projeto que coordeno seguiu procedimentos muito semelhantes aos dos outros trabalhos que analisei neste artigo. Assim, as opções para a seleção e leitura do conteúdo foram feitas tomando como parâmetro as reflexões apresentadas por Chartier em relação à História de Escrita. Certamente, é uma escrita em suporte diferente; ainda assim, porém, são narrativas textuais. Contudo, para que a especificidade da estrutura não seja esquecida na leitura dos textos dos sites, deve ser considerada uma questão: na internet, o conteúdo pode desaparecer ou ser substituído rapidamente, o que leva ao problema da constante mudança no teor do conteúdo analisado. No caso da pesquisa que coordeno, pode-se citar o caso de um site que teve todo o seu conteúdo modificado, gerando, assim, a necessidade de uma nova leitura. Aliás, em alguns momentos isso pode se tornar gravíssimo, pois nem sempre é possível refazer toda uma pesquisa. Neste caso, deve ser dito que na organização dos documentos não é recomendável que o único acesso a eles seja on line. Isto é, uma providência essencial do trabalho no espaço virtual é mesmo o armazenamento do material coletado.

Outra consideração importante diz respeito às narrativas apresentadas na rede sobre a história e ao significado de tais construções.      Cabe lembrar o que escreveu François Hartog (2006) em sua discussão sobre os modos com os quais lidamos com o passado, inserindo aqui também as inquietações provocadas por Beatriz Sarlo (2007). Hartog ao escrever sobre os regimes de historicidade pontua que vivemos sobre o regime de historicidade (presentismo) que busca e se centraliza no presente e seria esta vivência que promoveria a nossa relação com o tempo e a história. Ele faz uma oportuna avaliação do século XX destacando que este notadamente em seu terço final: “deu extensão maior à categoria do presente: um presente massivo, invasor, onipresente, que não tem outro horizonte além dele mesmo, fabricando cotidianamente o passado e o futuro do qual ele tem necessidade.” (HARTOG, 2006, p. 270).  Por sua vez, Sarlo escreveu que as “visões sobre o passado são construções” (p. 12), e que narrar o passado pressupõe operações de libertação ou de escravidão orquestradas por situações do presente. E, se narrar é escolher, o que dizer das escolhas apresentadas pelos sites aqui analisados? Recorro mais uma vez a Sarlo para argumentar que essas narrativas estão em contato com a história acadêmica (afinal, comungam de seus ideais e ela as cita em algumas de suas referências), mas buscam apresentar versões mais sintetizadas, visto que serão apresentadas num espaço não-escolar. Nas palavras da citada autora:

Nas narrações históricas de grande circulação, um fechado círculo hermenêutico une a reconstituição dos fatos à interpretação de seus sentidos e garante visões globais, aquelas que, na ambição dos grandes historiadores do século XIX, foram as sínteses hoje consideradas ora impossíveis, ora indesejáveis e, em geral, conceitualmente errôneas (SARLO, 2007, p. 12-13).

Em textos da internet tem-se um pouco da narrativa oficial da história, mas também uma forma mais específica de narrar o passado não necessariamente organizada com o rigor historiográfico, o que nos coloca, portanto, diante do dilema de como lidar com tais narrativas! Excluindo-as? Não! Creio que mais do que negar essas narrativas, precisamos contextualizá-las e compreendê-las dentro da ótica apresentada por Hartog e Sarlo – a do uso do passado como espetáculo que se busca celebrar e manter quando de interesse coletivo! Lembro que os marcos históricos apresentados nos sites aqui analisados reforçam momentos importantes da nossa história e são, neste sentido, memórias de um passado que se pretende exaltar! Assim cabe dizer que eles parecem dialogar mais com o desejo de memória do que com a problematização da história. Mais uma vez, as palavras de Sarlo provocam: “A modalidade não acadêmica (ainda que praticada por um historiador de formação acadêmica) escuta os sentidos comuns do presente, atende às crenças de seu público e orienta-se em função delas” (SARLO, 2007, p. 13). Isto leva a concluir  que os sites de pesquisa escolar dialogam mais como os “sentidos comuns” do que com História e seu ensino. Além disso, trata-se de um uso da história nos moldes de uma história única e fragmentada que há algum tempo se busca problematizar, visto que prejudica o entendimento dos internautas-estudantes ao propor a eles tal perspectiva fragmentada e pouco desafiadora do desenvolvimento do aprendizado histórico como defendido por Rüsen.

Enfim: que conexões é possível estabelecer entre internet e história? Eu diria que elas são inúmeras! O mesmo acontece em relação aos termos com que se busca estabelecê-las. Por um lado, como procurei destacar, os historiadores, atualmente eatravés da internet, têm acesso a fontes que a todo o instante são construídas e reconstruídas. Neste caso, lida-se com instabilidade, com construções fugazes sobre si e sobre o tempo – um desafio ímpar e, portanto, fantástico. Por outro, tem-se igualmente a possibilidade de compreender a própria construção de discursos sobre a história que se tem revelado um desafio igualmente grande, sobretudo para quem se lança no empreendimento do processo de ensino. Por ambos os caminhos (e em outros tantos, que certamente existem), poderemos ter mais dúvidas do que certezas. E isso me parece até um aspecto instigante: afinal, em tempos de mecanismos de busca, tudo parece começar com uma pergunta!

 

Referências

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. 243 p.

BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Dossiê história em quadro-negro: escola, ensino e aprendizagem. Revista Brasileira de História. São Paulo: v.9, n. 19, p. 29-42, set.1989/fev.1990.

BRIGGS, Asa,; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004. 377 p

BRESCIANO, Juan Andrés. La historiografia em el amanecer de la cultura digital.Uruguay; Ediciones Cruz del Sur, 2010.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 77 p

COHEN, Daniel I.; ROSENZWEIG, Roy. Digital history: a guide to gathering, preserving, and presenting the past on the web. Washington D.C.: Center for History and New Media, George Mason University, 2005. Disponível: <http://chnm.gmu.edu/digitalhistory/>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2014.

DANTAS, Camila Guimarães. O passado em bits: memórias e histórias na Internet.  2008, 00f. Dissertação (Mestrado em Memória Social) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, data, 00 f. Rio de Janeiro, 2008.

FONSECA. T. Inaugurando a história e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de história. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
HARTOG, F. Tempo e patrimônio. Varia HISTORIA, Belo Horizonte, v.22, n.36, p.261-273, jul./dez.2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v22n36/v22n36a02.pdf>. Acesso em: 19 fev.2010.

GINZBURG, Carlo. História na era Google. In: Fronteiras do Pensamento 2010. Porto Alegre: 29 nov. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wSSHNqAbd7E>. Acesso em: 10 abr. 2014.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 1999. 260 p.

LUCCHESI, Anita.  Entre a Storiografia Digitale e a Digital History: um olhar comparativo. In:  SEMINÁRIO VISÕES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO, II, 2012, São Cristóvão - SE. Tema do evento: as estações da história: do grande inverno russo à primavera árabe, 2012. Disponível em: https://www.academia.edu/2310957/Entre_a_Storiografia_Digitale_e_a_Digital_History_um_olhar_comparativo

LUCCHESI, A. Histórias no ciberespaço: viagens sem mapas, sem referências e sem paradeiros no território incógnito da Web. Cadernos do Tempo Presente, v. 6, p. 2, 2012.

 LUCCHESI, A. história e historiografia digital: diálogos possíveis em uma nova esfera pública. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA: CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL, XXVII, 2013, Natal. Anais eletrônicos...Natal: ANPUH, 2013. Disponível em: <http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1372190846_ARQUIVO_AnitaLucchesi-HistoriaeHistoriografiaDigital-dialogospossiveisemumanovaesperapublica-ANPUH2013-final.pdf.> Acesso em: 12 abr. 2014.

PLA, Sebastián. LEDESMA, Xavier Rodríguez. TUITEROS HISTÓRICOS: ENTRE LA VIEJA HISTORIA ESCOLAR Y LOS NUEVOS USOS PÚBLICOS DE LA HISTORIA. OPSIS, Catalão, v. 13, n. 1, p. 137-157 - jan./jun. 2013 Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/Opsis/article/view/20967/15179#.U_aTI8VdX-s. acesso em 15 de abril de 2014.

POIRRIER, Philippe.  Internet et les historiens. In: DELACROIX Christian, DOSSE François, GARCIA Patrick et OFFENSTADT Nicolas (Dir.).  Historiographies. concepts et débats. Paris: Gallimard, 2010. p. 468-475.

RODRIGUES, Pedro Eurico. Do on-line para o off-line: sociabilidades e cultura escrita proporcionadas pela internet no Brasil do século XXI (2001-2010). 2012. 00 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em História (PPGHUDESC), Florianópolis, Disponível em: <http://www.faed.udesc.br/arquivos/id_submenu/482/pedroeuricorodrigues.pdf.> Acesso em: mar. 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. BARCA. Isabel. MARTINS (Org.) Jörn Rüsen e o ensino de Historia. Curitiba. Editora da UFPR, 2010

TOMASI, Julia Massucheti. “Eternamente Off-Line”: as práticas do luto na rede social do Orkut no Brasil (2004-2011). 2013. 178 p. Dissertação (Mestrado em História) –Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em História (PPGHUDESC), Florianópolis. Disponível em: <http://www.faed.udesc.br/arquivos/id_submenu/784/julia_massucheti_tomasi.pdf.> Acesso em: mar. 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. BARCA, Isabel. REZENDE, Estevão (Org.). Jorn Rüsen e o ensino de história. Curitiba, UFPR, 2010.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

____________________________


[1] http://tobeguarany.com/internet-no-brasil/. Acesso em: 10 mar. 2014.

[2] A referida pesquisa foi aprovada no Programa Institucional de Iniciação Científica e de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação PIC & DTI – Edital 2012/2013 (Udesc) e conta com uma bolsa de Iniciação Científica com o acadêmico do curso de História Matheus Fernando Silveira.

[3] https://www.youtube.com/watch?v=CqxP9taRUvA

[4] (i)Supõe-se em si mesmo um fenômeno a ser estudado, uma vez que se trata de  um processo de transformação mundial de relevância particular. (ii) fornece fluxo inusitado de fontes para o conhecimento histórico, pelo volume e diversidade de registros  que produz. (iii) modifica o modo de obter informação e gerar saber.  Uma vez que a ciência histórica não é exceção, também afeta de práticas de investigação sobre o passado. Tradução minha.

[5] Deste modo, surgem espaços destinados exclusivamente para o cultivo de uma historiografia que pode-se qualificar-se de digital, pelas fontes e ferramentes que utilizada e pelo discurso que emprega. Tradução minha.

[6] Disponível em: http://chnm.gmu.edu/digitalhistory/ Acesso em: 10 abr. 2014.

[7] "É um trabalho de corte qualitativo, com caráter exploratório baseado em princípios da etnografia virtual, ou seja, é uma primeiras aproximação que nos permitirá descrever as características do uso de identidades históricas no Twiter". Tradução minha.

[8] Algumas das questões apresentadas nesse item foram abordadas no texto “Internet, Ensino de História e a cultura histórica dos jovens brasileiros”, apresentado no X Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino, realizado na Universidade Federal de Sergipe entre 15 e 17 de outubro de 2013.

[9] Nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado e no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (Pibid) são aplicados questionários de investigação com alunos de educação básica. Uma das questões é justamente sobre o uso da internet. Tem-se percebido que os/as estudantes utilizam sistematicamente os sites de pesquisa escolar para seus trabalhos e que permanecem conectados grande parte do dia.

[10] Escrevo aqui me referindo ao trabalho feito por mim e por Matheus Fernando Silveira, bolsista de Iniciação Cientifica  que participou de todas as etapas da pesquisa de agosto de 2012 a agosto de 2014.

[11] 8 Cf. www.suapesquisa.com. Acesso em: 10 abr. 2013.

[12] Cf.www.suapesquisa.com. Acesso em: 18 out. 2012.

[13]Cf. www.historiadobrasil.net. Acesso em: 20 out. 2012.

[14]Cf. www.suapesquisa.com/independencia. Acesso em: 14 abr. 2013.

[15]Cf. www.suapesquisa.com/independencia. Acesso em: 14 abr. 2013.

[16] Cf. www.suapesquisa.com/independencia. Acesso em: 14 abr. 2013.

[17] http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/independencia-do-brasil-brasil-livra-se-da-condicao-de-colonia.htm. Acesso em: 21 abr. 2013.

Recebido em: 21/04/2014
Aprovado em: 26/08/2014

Revista Tempo e Argumento
Volume 06 - Número 12 - Ano 2014
tempoeargumento@gmail.com