DOI: 10.5965/2175180305102013347
http://dx.doi.org/10.5965/2175180305102013347



Estudantes no Pontal Mineiro e ditadura militar na década de 1960


Isaura Melo Franco

Aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação/Mestrado, da Universidade Federal de Uberlândia, na Linha de História e Historiografia da Educação. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.
isaurafranco@hotmail.com

Sauloéber Tarsio de Souza

Doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia
sauloeber@pontal.ufu.br

Resumo
Este artigo faz parte de pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida desde 2012 no Programa de Pós-Graduação em educação na Linha de História e Historiografia da Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Seu objetivo principal é desvendar parte das ações e das práticas do movimento estudantil no Pontal do Triângulo Mineiro, especificamente na cidade de Ituiutaba, frente ao clima autoritário estabelecido pela ditadura militar na década de 1960, e também revelar o ideário de estudante/aluno veiculado pela imprensa local, observado em nível nacional. Utilizamos como fonte primária a análise de 04 coleções de jornais do município de Ituiutaba que circularam na década de 1960. Recorremos também à história oral, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com alguns dos ex-líderes estudantis do contexto investigado. Acreditamos que a importância desse estudo se deve principalmente pelo ineditismo do tema, já que a história do movimento estudantil no país no período ditatorial aborda principalmente os grandes centros urbanos. Esse estudo nos revelou que a implantação da ditadura militar no país gerou reflexos na política e na sociedade de Ituiutaba, de forma que os estudantes locais foram afastados das reivindicações de caráter político. Esperamos que o desenvolvimento deste estudo, sua posterior divulgação e discussão, possam contribuir para a história dos estudantes no país, além de ampliar as possibilidades de interpretação sobre os impactos gerados pelo golpe militar na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Estudantes. Ditadura Militar. Pontal Mineiro. Anos de 1960.

O presente artigo tem como objeto de estudo o movimento estudantil no Pontal do Triângulo Mineiro, especificamente no município de Ituiutaba, no período da década de 1960, momento de intensa atividade dos organismos estudantis, em sua maioria representantes do ensino secundário das escolas locais, os quais constituíram a base desse movimento social na cidade que se desenvolvia sócio-economicamente, acompanhando a política de modernização nacional. Nesse sentido, procuramos destacar as ações dos estudantes por meio das representações de imprensa local e de depoimentos de ex-líderes do movimento estudantil desse contexto.

Interessamo-nos em estudar o movimento estudantil de Ituiutaba, entendido como uma manifestação sócio-cultural da juventude (CACCIA-BAVA; COSTA, 2004). Consideramos juventude, no sentido atribuído por Pierre Furter (1967), como uma fase do desenvolvimento humano que compreende o período entre a adolescência e a idade adulta, podendo alongar-se ou abreviar-se de acordo com os indivíduos e as condições em que estes estão inseridos.

Nosso principal objetivo se constitui em desvendar parte das ações e das práticas do movimento estudantil no Pontal do Triângulo Mineiro, especificamente na cidade de Ituiutaba, frente ao clima autoritário estabelecido pela ditadura militar na década de 1960.

Realizamos assim a análise das fontes tendo em vista a relação entre os acontecimentos locais e nacionais, pois acreditamos que o particular é expressão do desenvolvimento geral, como ressaltou Araújo (2005, p.182):

Não se pode trabalhar com segurança a história da educação nacional sem o domínio do processo nas diversas regiões [...] Da mesma forma, não se pode promover o estudo isolado da realidade regional, desvinculado da interpretação de caráter geral, mais abrangente.

Nesse sentido, ponderamos que antes de abordarmos o movimento estudantil no interior mineiro, é necessário salientar que o contexto nacional político, social, cultural e educacional na década de 1960 foi marcado por intensa efervescência.

Nos anos de 1950, a discussão mais emergente do cenário educacional se concentrou em torno da primeira LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) n. 4024/61, enviada ao Congresso em 1948, e promulgada somente em 1961.  Nesse debate ocorreu a confrontação entre os privatistas do ensino e os defensores da escola pública, gratuita e laica, sendo necessário destacar que:

A campanha de Defesa da Escola Pública retomou o pensamento liberal norte-americano e europeu do final do século XIX (ao qual se somaram os marxistas), mobilizou a opinião pública progressista, o movimento estudantil, e obteve o apoio operário (I e II Convenções Operárias em Defesa da Escola Pública, Sindicato dos Metalúrgicos, São Paulo, 1961) (CUNHA; GÓES, 1985, p. 13).

Logo nossa primeira LDBEN resultou em uma conciliação entre os defensores da escola pública e os privatistas, afirmava a gratuidade do ensino, ao mesmo tempo em que abria brecha para o Estado financiar a escola privada. Assim, esta apresentou caráter descentralizador, conferiu autonomia aos Estados para a organização de seus sistemas de ensino e garantiu a equivalência plena aos diversos ramos do ensino secundário, que passaram a dar acesso a qualquer carreira de nível superior. Mas por outro lado, beneficiou consideravelmente a iniciativa privada e não criou condições que possibilitassem a universalização da educação.

Ressaltamos nesse período, de acordo com Poerner (1995), a fase de recuperação democrática da União Nacional dos Estudantes (UNE)[1], de 1956 a 1961,  marcada por um intenso processo de politização estudantil, que contrariava os interesses das classes dominantes e dos grupos políticos dirigentes, que pretendiam infiltrar no meio estudantil ideologias favoráveis ao imperialismo norte-americano no país, utilizando para esse objetivo órgãos brasileiros que veiculavam tais ideais, como o próprio Ministério da Educação e Cultura.

Destacamos no cenário político nacional nesse período a vitória de Jânio Quadros em 1961, por meio da União Democrática Nacional (UDN), derrotando o marechal Lott para a presidência do país. No entanto, Jânio Quadros não ajustou a ideologia política de seu partido ao modelo econômico brasileiro pressionado por forças políticas, renunciou no mesmo ano. Em seguida, assumiu o poder o então vice-presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o qual demonstrava propostas favoráveis à classe operária e à ideologia nacionalista.

Na ocasião da renuncia de Jânio Quadros, a UNE ceu uma posição de destaque no contexto político ao se aliar a representantes políticos e sindicais na Campanha da Legalidade pela posse de João Goulart à presidência do país (CUNHA, 2007).

Neste ano de 1961, destacamos o início da fase de ascensão católica da UNE, que foi marcada pela vitória do estudante goiano Aldo Arantes para a presidência dessa entidade.  Este era um dos líderes da Ação Popular (AP), que surgiu de um grupo de estudantes ligados diretamente à esquerda da Juventude Universitária Católica (JUC).
Em 1961, no “I Seminário Nacional de Reforma Universitária”, organizado pela UNE em Salvador no ano de 1960, os estudantes produziram a “Declaração da Bahia”, documento que apontava conclusões político-ideológicas presentes no Brasil nesse momento, como nos indica Dreifuss (2006, p.300):

[...] representou um importante marco no desenvolvimento político do movimento estudantil. Pelas conclusões da Declaração, o Brasil era visto como ‘uma nação capitalista em fase de desenvolvimento’ com uma infra-estrutura agrária sob controle de poderosos grupos estrangeiros’ e um ‘ Estado oligárquico’ crivado por contradições que ‘indicavam a falência da estrutura liberal burguesa’. A solução que tal documento propunha para tal estado de coisas era a ‘socialização dos setores fundamentais da economia’, um fim à alienação do proletariado, a ‘efetiva participação dos trabalhadores nos órgãos do governo’ e a ‘criação pelo governo de condições para o completo desenvolvimento das organizações do proletariado’.

Desse modo, a UNE demonstrava um forte posicionamento político de alto teor crítico sobre a realidade vivenciada pelo país, baseado em ideais marxistas e de democratização da sociedade brasileira.

Em seguida, no ano de 1962, ocorreu o “II Seminário Nacional de Reforma Universitária”, com a participação da diretoria da UNE e de estudantes delegados das Uniões Estaduais de Estudantes (UEE´S), os quais escreveram a “Carta do Paraná”, em virtude do reconhecimento destes da necessidade de condições possibilitadoras dos objetivos propostos na “Declaração da Bahia”.

Esse novo documento, com a expressão das necessidades populares, visava formar uma frente cultural com a adesão de trabalhadores, estudantes, intelectuais progressistas e militares democratas, para impulsionar forças na defesa de uma educação voltada para a verdadeira democratização da sociedade.

A UNE criou em 1961 o Centro Popular de Cultura (CPC), o qual levava às classes populares, por meio da arte revolucionária, uma cultura de protesto das desigualdades sociais, com a intenção maior de promover a conscientização da realidade brasileira. [2]

Destacamos que no governo de João Goulart de modo geral, uma crescente politização do meio estudantil e de toda a sociedade brasileira. A UNE, com o apoio de novos grupos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP), participaram ativamente da campanha pelas reformas de base desse governo, especialmente pela reforma universitária.

As reformas anunciadas pelo presidente João Goulart foram acusadas de comunistas pela elite conservadora, que logo se aliaram aos líderes militares em defesa dos interesses privados Nos últimos dias de março intensificaram-se as atividades conspiratórias, envolvendo oficiais-generais, oficiais superiores, governadores, parlamentares e empresários. Muitos deles vinham participado de prolongada campanha de desestabilização do governo João Goulart, sobretudo através de atividades de propaganda política variada, capitaneadas pelo Ipes (Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais) e pelo Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que afirmavam a incompetência do governo e sua tendência esquerdista (FICO, 2004, p.15).

Assim em 31 de março de 1964, os militares arquitetaram um golpe de Estado, acarretando na deposição de João Goulart em uma ruptura política para a manutenção da ordem socioeconômica do capitalismo de mercado associado dependente. Com isso, a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista, medida nacionalista para o desenvolvimento econômico do país, foi trocada pela doutrina da interdependência entre o Brasil e os Estados Unidos, líder do bloco ocidental (SAVIANI, 2007).

Esse novo governo implantou no país o período ditatorial (1964-1985), marcado pelo extremo autoritarismo à sociedade civil, e tinha o intuito de prover um controle ideológico competente com o modelo econômico implantado, baseado nos interesses capitalistas, pois agiu ativamente no intuito de controlar e reprimir amplos setores da sociedade civil, além de intervir no meio econômico por meio de um perverso processo de desenvolvimento capitalista, que provocou uma grande concentração de renda nas mãos de uma pequena minoria privilegiada (GERMANO, 2005). 

Assim, o governo militar exerceu rigorosa repressão contra os movimentos estudantis no país, principalmente a UNE, a qual foi acusada de subversiva e de propagar ideais comunistas.

Neste cenário, podemos destacar a invasão e o incêndio da sede da UNE no Rio de Janeiro, imediatamente após o golpe militar e a Lei Suplicy (BRASIL, 1964), que colocou a UNE e as Uniões Estaduais de Estudantes na ilegalidade[3], criando órgãos estudantis ligados às autoridades governamentais, proibindo o livre diálogo entre estudantes e diretórios acadêmicos. Desse modo, o governo visava destruir a capacidade de organização dos estudantes, sufocando o potencial crítico de contestação do sistema vigente (GERMANO, 2005).

É nessa realidade que surgiram os acordos MEC-USAID entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), os quais visavam influência e controle ideológicos da educação no Brasil, por meio da propagação de técnicas condizentes como os interesses capitalistas. Logo destacamos que:

Os acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da educação nacional, isto é,  o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos níveis, o treinamento de professores e produção e a veiculação de livros didáticos. A proposta do USAID não deixava brecha. Só mesmo a reação estudantil, o amadurecimento do professorado e a denúncia de políticos nacionalistas com acesso à opinião pública evitaram a total demissão brasileira no processo decisório da educação nacional (CUNHA; GÓES, 1985, p.32).

Evidenciamos novamente a luta do movimento estudantil em prol da educação brasileira, para que essa não fosse totalmente entregue ao controle dos norte-americanos.

Nesse cenário, torna-se interessante destacar que o ano de 1968 simboliza o “sonho de transformação social” pelos estudantes em todo o mundo, que desde o início da década de 1960 já contestavam aspectos culturais, mesmo que de forma diferenciada em cada país:

[...] estudantes de vários países da Europa, da América Latina, EUA e Japão destacaram-se no cenário político contestando a sociedade, bem como seu sistema escolar e universitário [...] A rebelião tinha a autoridade como seu alvo principal. Esse movimento de rebeldia foi marcado pela radicalização ideológica, na luta por ideais revolucionários (CARMO, 2000, p.75).

Como forma de conter as manifestações estudantis no Brasil, em dezembro de 1968, o governo militar decretou o Ato Institucional nº. 5 (AI-5), considerado por Germano como o “terror de Estado”, o qual inibiu a ação estudantil nas universidades e escolas.

Nesse horizonte autoritário, a ditadura instalada decretou leis específicas para a reforma do sistema de ensino, como a Lei nº. 5540/68, ou Lei da Reforma Universitária e a Lei nº. 5692/71. Segundo Veiga (2007, p.309),

Essas reformas integravam as mudanças sociais e econômicas da época, mas também as feições políticas do regime do governo instituído, em sua caracterização militar e ditatorial. Dessa maneira, elas tiveram repercussões ambíguas. Ao mesmo tempo que representaram parte dos anseios de mudanças educacionais de setores representativos da sociedade, ao menos em termos de reestruturação do ensino, foram instituídas num contexto de autoritarismo, portanto de cerceamento das liberdades. Por sua vez, o recrudescimento da ditadura e o modelo econômico implantado da década de 70 em diante definitivamente não criaram condições de realização plena de avanços contidos em tais reformas.

De modo geral, as reformas educacionais empreendidas pelo governo militar objetivavam, sobretudo, atender aos anseios capitalistas, exercendo um baixo investimento financeiro na escola pública, e favorecendo a ampliação da rede privada, beneficiando uma reduzida parcela da população brasileira.

Mesmo com toda a perseguição aos estudantes, as ações destes tiveram grande repercussão nas lutas sociais e políticas do país, com destaque para a UNE, que tinha acentuada importância nos quadros de oposição ao governo autoritário (GERMANO, 2005).
A década de 1960 se constitui em um marco para os estudos sobre os estudantes no país, pois foi um período de efervescência política e social nacional, em que a parcela estudantil se destacou como novo agente social que representou os interesses não apenas estudantis, mas de toda a sociedade brasileira, principalmente nos anos iniciais da ditadura militar (BENEVIDES, 2006).

Em relação ao contexto regional, salientamos o crescimento da esquerda cristã em Minas Gerais na década de 1960, a qual representou significativa importância para o movimento estudantil mineiro e no país.

Assim organizaram-se inicialmente entre os jovens estudantes católicos entidades que apresentavam o intuito de realizar atividades políticas e sociais independentes da Igreja Católica, como: a Juventude Estudantil Católica (JEC), a Juventude Operária Católica (JOC), a Juventude Universitária Católica (JUC), a Ação Operária Católica (AOC) e a Ação Popular (AP), organização baseada em ideais socialistas que desempenhou forte militância entre estudantes secundaristas e universitários em todo o país (VIEIRA, 1998).

A influência desses organismos católicos também foi verificada na região do Triângulo Mineiro, como podemos observar na filiação dos estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Tomas de Aquino (FISTA) em Uberaba-MG à JUC e à AP, as quais exerceram papel de destaque na politização dos alunos dessa importante instituição de ensino da região (PAULA, 2007).

  É importante frisar também que parte do movimento estudantil no Triângulo Mineiro em meados do século XX, como a Associação dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia (AESU) e a União Triangulina dos Estudantes Secundaristas (UTES), estava engajado em questões de ordem política, o que fica evidente pela participação dessas entidades na luta pela emancipação da região do Triângulo Mineiro nesse período (OLIVEIRA, 1992).

Em relação ao cenário local, na década de 1960 Ituiutaba expressava a política de modernização nacional, já que o município passava por um intenso processo de urbanização, o qual impulsionou o poder público municipal a preocupar-se com o Plano Urbanístico local, com ampliação dos serviços de abastecimento de água e de iluminação pública, arborização e asfaltamento de ruas, construção de prédios públicos, implantação de seu pequeno Distrito Industrial e do primeiro Campus Universitário (SOUZA, 2010). Essas mudanças também buscavam atender às demandas da população, que crescia significativamente, principalmente por atrair migrantes, provenientes em sua maioria do nordeste brasileiro, para o trabalho em torno do cultivo de cereais, já que Ituiutaba nesse período foi considerada a “capital nacional do arroz”.

Houve um processo de ampliação da rede escolar pública, com a criação de vários grupos escolares no município, no entanto, de forma bastante precária, sem atender de modo satisfatório a população local. Registra-se que o primeiro grupo escolar do município foi criado em 1910, e o segundo somente em 1947.

É interessante destacar que nas décadas de 1940 e 1950 ocorreu a luta de educadoras locais por uma educação pública condizente com o contexto de modernização, de forma que estas: “Ao defenderem crenças e práticas como táticas para anular as estratégias da política institucionalizada [...] trouxeram a dimensão política para o cotidiano” (RIBEIRO; SILVA, 2012, p. 48). Tal fato demonstra que a criação dos primeiros grupos escolares do município contou mais com a força política de educadoras do que com o poder político público.

Salientamos que a escolha da delimitação temporal do nosso objeto de estudo, a década de 1960, se baseou em critérios sociais e políticos nacionais, locais e mesmo internacionais, além do fato de percebermos por meio dos jornais locais, em estudos anteriores, a existência de várias organizações estudantis que constituíram a base do movimento estudantil em Ituiutaba nesse período.

Nessa perspectiva, acreditamos que a importância desse estudo se deve principalmente pelo ineditismo do tema, já que a história do movimento estudantil no país no período ditatorial aborda principalmente os grandes centros urbanos do país. Concordamos com Silva (2009, p.06) quando ele diz que:

Percebemos uma carência de pesquisas que recuperassem a ação dos estudantes em cidades distantes dos grandes centros urbanos do Brasil. Fazemos essa referência levando em consideração o período histórico em questão, que assiste ao final do nacional-desenvolvimentismo dos anos 50 do século XX e aponta a década seguinte, marcada pela instauração da ditadura militar no país. Um período rico na história nacional que agonizou contradições em termos de utopias e projetos de mundo antagônicos.

Nesse sentido, pretendemos contribuir para o preenchimento das lacunas referentes à história dos estudantes em regiões interioranas, distantes das capitais, como Ituiutaba, além de abrir novas perspectivas para a compreensão do processo em nível nacional, por meio do levantamento das especificidades encontradas nas diversas regiões.

Consideramos que nosso objeto de estudo faz parte de uma renovação temática desenvolvida atualmente nas pesquisas historiográficas, pois partimos da perspectiva defendida pelo historiador francês Michel de Certeau (1988, p. 35), a qual nos indica que:

O historiador não é mais um homem capaz de construir um império. Não visa mais o paraíso de uma história global. Ele aí vem circular em torno de racionalizações adquiridas. Trabalha nas margens. Sob esse ponto de vista, torna-se um andarilho. Numa sociedade favorecida pela generalização, dotada de poderosos meios centralizadores o historiador avança na direção das fronteiras das grandes regiões exploradas.

Desse modo, pretendemos dar voz e vez aos então jovens estudantes de uma cidade interiorana, distante dos grandes centros urbanos do país, valorizando a memória destes sujeitos, relacionado sempre o contexto local com o nacional, já que se trata de um período de grande fervor do movimento estudantil.

Utilizamos como fonte de pesquisa os jornais antigos de Ituiutaba da década de 1960, pois consideramos que estes se constituem em mananciais fundamentais para os estudos historiográficos, já que apresentam o movimento da história de uma forma cotidiana, transmitindo e gerando novos acontecimentos no contexto de suas produções, sendo produtos culturais imbuídos de significações e representações sociais que, devidamente analisadas, funcionam como importantes instrumentos desveladores do contexto investigado (ARAÚJO, 2005).

O conceito de representação nesse artigo é baseado no de Roger Chartier (1990):

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p.17).

Assim, consideramos que as representações veiculadas pelos jornais não são discursos neutros, pois apresentam linguagens que aspiram aos interesses e visões de mundo de certos grupos ligados a esses veículos de comunicação. 

Nesse sentido, ponderamos que os jornais devem ser investigados de forma científica, considerados como documentos-monumentos, pois como Le Goff (2003) estes são produtos da sociedade que os produziu de acordo com as relações de força existentes. Mas é necessário que os pesquisadores possuam uma visão crítica sobre a fonte utilizada.

Analisamos as coleções dos jornais pertencentes à “Galeria das Antiguidades” de Ituiutaba, que foram digitalizados pelo Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Pontal (CEPDOMP) da UFU - Campus do Pontal.

Os próprios jornais descrevem em suas páginas um pouco de suas histórias, sendo possível neles identificar aspectos referentes às suas trajetórias, como pudemos evidenciar nos seguintes periódicos analisados:

1. “Folha de Ituiutaba”, jornal inaugurado em 04/07/1942, teve suas atividades interrompidas em abril de 1964. Era impresso em quatro páginas, bissemanário, de propriedade de Ercílio Domingues da Silva, tendo como redatores Geraldo Sétimo Moreira e Manoel Agostinho;

2.  “Correio do Triângulo” circulou durante o período de fevereiro de 1959 a novembro de 1965, semanalmente, em seis páginas. Era de propriedade de Benjamin Dias Barbosa, e tinha como redator Jayme Gonzaga Jayme e como diretor comercial Joaquim Pires das Neves;

3.  “Cidade de Ituiutaba” foi inaugurado em 25/12/1965, de propriedade de seu diretor-redator Benjamin Dias Barbosa, semanário, impresso em quatro páginas até o ano de 1972;

4.  “Município de Ituiutaba” transitou semanalmente durante os anos de 1967 a 1970, em seis páginas, e era controlado por órgão oficial do município.

Após o estudo das matérias jornalísticas, utilizamos como fonte de pesquisa a história oral, por considerarmos que esta:

Com vocação para tudo e para todos, a história oral respeita as diferenças e facilita a compreensão das identidades e dos processos de suas construções narrativas. Todos são personagens históricos, e o cotidiano e os grandes fatos ganham equiparação na medida em que se traçam para garantir a lógica da vida coletiva (MEIHY, 2002, p.21).

Escolhemos para entrevistar os líderes estudantis da década de 1960, que se encontram atualmente em uma faixa etária superior a 60 anos de idade, porque decidimos trabalhar com a memória de pessoas idosas, na perspectiva defendida por Ecléa Bosi:

[...] no estudo das lembranças das pessoas idosas [...] é possível verificar uma história social bem desenvolvida: elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com características bem marcadas e conhecidas; elas já viveram quadros de referência familiar e cultural igualmente reconhecíveis: enfim, sua memória atual pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um presente que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa de idade (BOSI, 2007, p.60).

Acreditamos que estudar a memória de pessoas idosas, as quais se ocupam mais conscientemente de seu passado, contribui eficazmente para o entendimento do contexto investigado.

Por meio dos jornais locais, evidenciamos que nos anos de 1960, o município de Ituiutaba contava com várias organizações estudantis, como: o “Comitê Estudantil masculino pró Lott; o “Movimento Estudantil Unido de Ituiutaba” (MEUI); a “Liga Ituiutabana de Esportes Colegiais” (LIEC); a “União Estudantil de Ituiutaba” (UEI) e os grêmios estudantis das escolas que ofereciam ensino secundário locais, que eram o Instituto Marden, Colégio Santa Teresa, Ginásio São José e Educandário Ituiutabano.

A União Estudantil de Ituiutaba foi o órgão que mais se destacou no município nos anos de 1950 e 1960, por representar os estudantes em nível municipal. Esta entidade foi fundada no ano de 1952 por um grupo de jovens ituiutabanos, estudantes do curso de Direito na capital mineira e de São Paulo.

Segundo um de seus fundadores, a UEI se originou com a maior finalidade de exercício político dos estudantes, já que estes tinham acentuado interesse por cargos políticos, após a conclusão do curso de Direito. 

A partir dos anos de 1960, a UEI passou a ser representada por estudantes das escolas secundaristas do próprio município. Com isso, nos anos 60, ocorreu acentuada participação de estudantes de nível secundário no movimento estudantil tijucano[4], fato comum a nível nacional.

Percebemos nas matérias jornalísticas do início da década de 1960 o engajamento dos estudantes no processo de decisões políticas, como a matéria “Comitê Estudantil masculino pró Lott. Foi organizado e vai funcionar em conjunto com o comitê feminino”.

Acaba de ser inaugurado nesta cidade o comitê estudantil masculino pró candidatura Lott à Presidência da República, organismo integrado de estudantes dos diversos estabelecimentos do ensino médio locais. Pelo que nos informamos, o Comitê em apreço articulará sua campanha de propaganda do nome do Marechal em conjunto com o Comitê Feminino, fundado anteriormente (MOREIRA, 1960).

Vemos aqui a indicação de certo alinhamento do movimento estudantil local com o nacional, já que a UNE apoiou a chapa Lott-Jango (presidente-PSD e vice-PTB)[5], como parte dos estudantes em Ituiutaba que organizaram esses comitês em apoio à candidatura de Lott a presidência do país.

Em novembro de 1962, foi criado por um grupo de jovens estudantes o “Movimento Estudantil Unido de Ituiutaba”, que se destacava nos anos iniciais da década de 1960 por realizar reivindicações políticas, como salienta a matéria “BR-71 Radiograma de MP à União Estudantil”.

O Movimento Estudantil Unido de Ituiutaba, solidarizando-se com o povo da cidade e da região, manifesta seu descontentamento pelo descaso a que tem sido relegada essa parte de Minas Gerais pelos poderes públicos estaduais e federais. Outrossim, protesta veementemente contra a acintosa paralisação da Rodovia BR-71, artéria de importância vital para a economia do município, Estado e  da União, solicitando enérgicas e urgentes providências para a solução deste e de outros problemas de real gravidade desta região. Não esmolamos, queremos apenas o justo! Não queremos ser considerados tão somente zona de importância eleitoral, desejamos ser atendidos na medida do que valemos! E se muito valemos, também merecemos! Pelo Movimento Estudantil de Ituiutaba. A Diretoria’ (MOREIRA, 1963).

Esta matéria jornalística demonstra a mobilização de parte dos estudantes tijucanos por meio da imprensa local, solicitando providências às autoridades políticas, devido à paralisação desta rodovia de responsabilidade do governo federal, a qual alegavam possuir fundamental importância para a economia da região.

Devido ao fato de muitas dessas entidades estudantis estarem engajadas em questões de ordem política, os recursos públicos que eram destinados ao movimento estudantil local variavam de acordo com as tendências políticas, como pudemos destacar na ocasião da rejeição ao financiamento da UEI: “Rejeitado o projeto concedendo subvenção de Cr$ 180 mil à União Estudantil” (MOREIRA, 1960).

Nessa matéria, verificamos que o poder público municipal destinou a verba de Cr$ 400 mil para a aquisição de um relógio para a torre da Igreja matriz. Fato que evidencia a concessão de benefícios à Igreja Católica, o que tradicionalmente reforçava a “natureza cristã” do povo brasileiro, em detrimento ao financiamento das ações dos estudantes, o que é uma forma de dificultá-las, e uma medida que visava restringir o papel dos estudantes ao âmbito escolar, mesmo antes da implantação da ditadura militar.

De modo geral, a imprensa de Ituiutaba utilizava mecanismos de controle dessas jovens lideranças locais, de forma que na maior parte das notícias relacionadas aos estudantes e professores, focavam-se os seus papéis como forma de engrandecimento cultural, como no trecho abaixo, que se refere à publicação do periódico “Tribuna Estudantil” pela União Estudantil Ituiutabana:

Jornal noticioso, literário e humorístico, traz em suas colunas, além de bem elaborados trabalhos dos estudantes, preciosas colaborações de professores valorizando o empreendimento cultural dos jovens tijucanos, que por sinal é de bem esmerada apresentação gráfica (MOREIRA, 1961).

No ano de 1964, aconteceu eleição para a composição de nova diretoria da UEI, a qual, segundo depoimento do presidente da entidade eleito nessa ocasião, que era ex-presidente do Grêmio estudantil “Padre Gaspar Bertone” do Colégio São José, aconteceu por meio do sufrágio universal, em votação secreta, supervisionada por olheiros da Justiça Eleitoral da Comarca de Ituiutaba, normalmente um oficial de justiça, denominado pelo Juiz eleitoral.

Tal informação nos mostra o controle das eleições estudantis pelas autoridades locais, o que sugere a preocupação dessas em manter as organizações estudantis sob seu domínio, manifestando assim o desejo de afastar os estudantes tijucanos de propósitos que contrariassem os interesses dominantes.

Essa nova gestão da UEI tratou de organizar a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em Ituiutaba, que aconteceu, segundo o Correio do Triângulo de 07/04/1964 na matéria “Marcha da Vitoria”, no dia 3 de abril de 1964 com a participação de aproximadamente cinco mil pessoas, que comemoravam a vitória do novo governo militar, baseadas no pressuposto de que os princípios cristãos venceram os comunistas.

A realização dessa marcha em Ituiutaba evidencia assim, como foi exercida, nos grandes centros urbanos do país, a força dos setores tradicionais conservadores na sociedade, como a Igreja Católica em defesa dos ideais capitalistas.

O apoio do presidente da UEI em 1964 ao governo militar demonstra que tal órgão estudantil nesse momento não estava de acordo com as mobilizações estudantis desempenhadas pela UNE e pela UEE de Minas Gerais contra as imposições desse governo autoritário.

Com a implantação do golpe militar, Ituiutaba também foi submetida aos rigores do autoritarismo imposto pelo novo governo, como relata a matéria “Ituiutaba sob comando da ação militar” do “Correio do Triângulo” de 31/05/1964:

A cidade viveu nesses últimos dias momentos de ‘suspense’ com a chegada inesperada do Comando Militar, para nova ação no Município. Tal acontecimento trouxe profundas modificações na política local. Como resultado da Ação do Comando Militar, o prefeito, sr. José Arsênio, o vice, dr. Rodolfo Leite de Oliveira; o presidente da Câmara, sr. Germano Laterza e os vereadores dr. Geraldo Luis Morais Andrade, Diógenes José de Souza, José Arantes de Oliveira, Cristóvão José Ribamar Nunes e o suplente Antonio Ferreira Neto, renunciaram a seus mandatos [...] de acordo com o Ato Institucional, o presidente da Câmara declarou vago os cargos em referência, elegendo [...] o sr. Geraldo Franco Gouveia prefeito municipal e para vice prefeito o dr. Jurandir Inácio Moreira [...] os suplentes de vereadores foram chamados para ocupar seus postos no executivo tijucano (JAYME, 1964).

Esta matéria indica que a deposição de tais governantes locais ocorreu por meio de um golpe articulado pelo político que logo assumiu o cargo de prefeito no município, o qual era aliado  à UDN, sendo responsável pela convocação de um “Comando Militar de Inquérito. Assim a violência imposta por parte de vários oficiais militares, fortemente armados, aos governantes locais pertencentes ao PTB os obrigou a deixar seus cargos (MIGUEL, 2003).

Desse modo, evidenciamos que Ituiutaba sofreu as consequências do Ato Institucional número 1, AI-1 de 9 de abril de 1964, o qual estabeleceu a ocorrência de inquéritos e processos para a apuração de acusações de práticas supostamente subversivas, além de autorizar o Executivo a cassar mandatos legislativos, federais, estaduais, municipais e a suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo período de dez anos.

A imprensa local também foi vítima do novo governo, de forma que a “Folha de Ituiutaba” foi acusada de subversiva, sendo fechada e tendo o seu diretor-proprietário preso e enviado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em Belo Horizonte. 

Assim, percebemos que a imprensa tijucana sofreu consequências de um processo comum em âmbito nacional em regimes ditatoriais, como é afirmado abaixo:

Não há como deixar de lado o espectro da censura. Em vários momentos, a imprensa foi silenciada, ainda que por vezes sua própria voz tenha colaborado para criar as condições que levaram ao amordaçamento. O papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar, seja na condição difusor de propaganda política favorável ao regime ou espaço que abrigou formas sutis de contestação, resistência e mesmo projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas, inspiradas na renovação da abordagem do político (LUCA, 2006, p.129).

Ressaltamos que a interdição da “Folha de Ituiutaba” não significa que esta realmente tenha apresentado um caráter de subversão aos valores capitalistas perseguidos pelo governo militar, mas provavelmente por apresentar um posicionamento político de tendência progressista.

Após esse episódio, a imprensa em Ituiutaba passou a ser defensora dos interesses do novo governo implantado, já que não havia espaço para outra forma de abordagem.

De acordo com Miguel (2003), a repressão e o controle que abrangeram a sociedade local estenderam-se também à educação, de forma que os ginásios do município eram constantemente visitados por pessoas encarregadas pelo Ministério da Educação, mas que não possuíam formação especifica para o trabalho na área educacional.  Fato que nos revela que o que mais interessava ao governo autoritário não era a aprendizagem dos alunos, mas a fiscalização de condutas como forma de afastar o temor da subversão no meio estudantil.

A partir de então, o movimento estudantil de Ituiutaba passou a ser observado por diversos setores da sociedade, como a imprensa escrita, com maior proximidade, revelando o desejo de controlar os rumos que esse movimento social começava a tomar no município, representando um reflexo do processo nacional.

Segundo fontes orais, a UEI nos anos de 1960 tinha sua grande atuação na confecção de carteirinhas estudantis a todos os estudantes do município, com a finalidade de que estes pudessem pagar “meia entrada” na compra de ingressos para os dois cinemas locais então existentes, “Cine Ituiutaba” e “Cine Capitólio”. Fato comum em nível nacional, já que “Até na década de 1960 e no limiar da de 1970 o cinema era uma das principais atrações de entretenimento existentes nas cidades do interior” (SILVA, 2009, p.87).

Existiam também outros meios de arrecadar recursos financeiros para a UEI nesse período, como a taxa dos ingressos de jogos estudantis, de quermesses e outros eventos, além de rifas e de eventuais recebimentos de doações de pessoas jurídicas e da Prefeitura. Pois conforme depoimento do dirigente da instituição no período entre 1964 a 1966, essa contava com doações da Associação Comercial de Ituiutaba, do Sindicato Rural, dos Clubes Rotary e Lions e da Maçonaria.

Como as referidas entidades acima eram compostas por membros representantes da elite tijucana, percebemos que as ações da UEI eram controladas por setores que defendiam principalmente os interesses da classe dominante local.

Após a implantação da ditadura militar no Brasil, constatamos neste período que o Jornal “Correio do Triângulo” passa a ser um veículo de comunicação representativo de ideais anticomunistas, transparecendo uma oposição à participação dos estudantes na vida política do país, se posicionando contrariamente às organizações estudantis, no intuito de desqualificar os integrantes da UNE em suas matérias, os quais foram acusados de comunistas e de “desmoralizadores de nossa juventude”. Além disso, defendia a lógica de mercado capitalista, assegurando ser necessário a produção de “capital humano” nas escolas para o atendimento das “necessidades do crescente progresso”, marcado pelo contexto de modernização daquela época.  

No ano de 1964, após o golpe militar, o Jornal “Correio do Triângulo” em sua coluna denominada “Vida Estudantil”, destinada à exposição das ações desenvolvidas pelos estudantes tijucanos, publica o apoio do presidente da UEI em visita à cidade vizinha de Uberaba-MG às forças políticas militares, como é revelado a seguir: “[...] o presidente da UEI [...] Levou uma mensagem de solidariedade e apoio ao presidente marechal Humberto de Alencar Castelo Branco [...]” (JAYME, 1964).

Apesar do aparente apoio da UEI aos militares, parte dos estudantes em Ituiutaba sofria com a repressão política em decorrência do novo horizonte autoritário, como na ocasião em que essa entidade teve sua identidade questionada pela revista “Câmara Lenta”, seção “Arrozcap em Câmara Lenta TN nº. 25”, sendo acusada de entidade secreta. Em resposta a esse questionamento, o presidente da UEI publicou no Jornal “Correio do Triângulo” sua defesa, alegando que a entidade estaria aberta em suas reuniões a todos os representantes dos grêmios estudantis das escolas locais.

Por considerarmos a existência de um posicionamento hierárquico por parte do movimento estudantil em Ituiutaba, em que as ações da UEI ocupavam um lugar de destaque frente às outras agremiações, constatamos que os estudantes tijucanos se adequaram ao regime político autoritário vigente. Como exemplo, destacamos a adaptação da UEI à Lei nº. 4.464, de 9 de novembro de 1964  (Lei Suplicy), a qual determinava em seu artigo:

Art. 20. Os atuais órgãos de representação estudantil deverão proceder à reforma de seus regimentos, adaptando-os à presente Lei e os submetendo às autoridades previstas no art. 15, no prazo improrrogável de sessenta (60) dias. (BRASIL, 1964)

Assim uma das medidas da UEI frente ao novo horizonte autoritário foi à realização de assembléia geral, em outubro de 1964, para a realização de uma reforma geral em seus estatutos, justificada para a manutenção de seu “bom funcionamento”.

Os anos 60 também foram marcados no meio estudantil tijucano por uma notável valorização nas páginas dos jornais do exercício esportivo pelos estudantes, por meio das constantes organizações de torneios, como as “olimpíadas estudantis de 1964” e os “jogos estudantis da primavera”, promovidos pelos estudantes do ensino secundário, bem como a fundação de organismos específicos para esta prática, como a “Liga Ituiutabana de Esportes Colegiais” (LIEC).

Logo salientamos que a valorização do exercício esportivo entre os estudantes em Ituiutaba refletia o cenário nacional no que se refere ao incentivo dado pelo governo militar a essas práticas nas escolas, como é afirmado a seguir:

[...] ditadura militar, período no qual se constitui um aparato governamental enfatizando e estimulando a prática do esporte fundamentado em seu sentindo de rendimento, na Secretária de Educação Física e Desporto do MEC, até então dirigida por Coronéis do Exercito. (BARBIERI, 2001, p.131)

Esse estímulo à prática dos esportes pelo governo militar pode ser justificado como meio de ocupação para os estudantes e para toda a sociedade, afastando-os do cenário político implantado, além de servir como elemento de valorização do nacionalismo.  De acordo com Linhales (2001, p. 52): “[...] o esporte é também adotado pelo Estado como elemento aglutinador e disciplinador da ordem social interna”.

Após a implantação da ditadura militar, a maioria das organizações estudantis do município, as quais restrigiam-se ao nível secundário, apresentava o intuito de promover um maior entrosamento entre os estudantes secundaristas da cidade e região em atividades culturais e esportivas.

Percebemos também que grande parte dos estudantes representantes do movimento estudantil em Ituiutaba pertencia a um grupo privilegiado da sociedade tijucana, em sua maioria, a classe social com preocupações pequeno burguesas[6]. Fator comum em instância nacional, já que neste período, mesmo havendo um crescimento significativo no número de vagas no sistema educacional, o acesso à educação escolar se restringia a uma pequena parcela da sociedade brasileira.

Encontramos a última notícia da década de 1960 relacionada aos estudantes tijucanos no jornal “Município de Ituiutaba”, órgão oficial, em maio de 1968, a qual divulgava as eleições da diretoria da UEI. Nesse sentido, constatamos que nos anos de 1969 e 1970, não foram encontradas nos jornais em circulação mais nenhuma matéria referente às ações estudantis[7]. Tal ocorrência nos indica que alguns meses antes de ser decretado pelo governo militar o Ato Institucional nº. 5 (AI-5), em dezembro de 1968[8], as ações dos estudantes em Ituiutaba, mesmo não apresentando caráter subversivo, foram silenciadas pela imprensa local como forma de afastar os estudantes tijucanos dos rumores presentes nesse contexto político autoritário.

Desse modo, constatamos que grande parte das representações de imprensa sobre os estudantes secundaristas em Ituiutaba nos anos de 1960apresentaram um perfil de estudante conformado com o sistema autoritário vigente.

De forma geral, percebemos que as ações do movimento estudantil em Ituiutaba na década de 1960 eram feitas, em sua maioria, em beneficio da realidade local, apresentando caráter conservador no que se refere à estrutura social brasileira. Assim afirmamos que existe um desalinhamento do movimento estudantil local com a UNE, visto que os jovens estudantes tijucanos não lutaram pela democratização da sociedade brasileira como o movimento estudantil de nível nacional nesse período.

Além disso, observamos no meio estudantil tijucano a valorização do exercício esportivo, a promoção de ações culturais e o controle dos órgãos estudantis nos anos de 1960 por representantes dos setores dominantes da sociedade local.

Esse trabalho nos revelou que a implantação da ditadura militar no país gerou reflexos na política e na sociedade tijucanas, de forma que os estudantes locais foram afastados das reivindicações de caráter político.

Em suma, destacamos que houve de forma acentuada reflexos do golpe de 1964 em cidades interioranas distantes dos grandes centros urbanos do país, como Ituiutaba, inclusive entre os estudantes que foram afastados do cenário político, como tentamos demonstrar com esse estudo. Desse modo, confirmamos que a história local e a nacional não devem ser discutidas separadamente, sendo necessário promover o diálogo entre o estudo regional e o nacional, destacando-se o que pode ser generalizado e o específico de cada evento.

 Acreditamos que o aprofundamento deste estudo, sua posterior divulgação e discussão possam contribuir com a história dos estudantes e do movimento estudantil no país, além de ampliar as possibilidades de interpretação sobre os impactos do golpe militar na sociedade.

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[1] Essa entidade foi fundada em agosto de 1937, no I Conselho Nacional dos Estudantes, e surgiu de um órgão apolítico chamado “Casa do Estudante do Brasil” (CEB), cuja presidente era a então estudante Ana Amélia Carneiro Mendonça (MENDES, JR., 1981).

[2] “Optando pelo compromisso com as classes oprimidas, o CPC orientava sua ação a partir da tese de que toda arte exprime uma ideologia, e que por isso, os artistas conscientes deveriam produzir uma arte que atuasse como veículo de conscientização dessas classes. Esta seria uma arte popular revolucionária; popular porque se identificava com as aspirações fundamentais do povo, e revolucionária porque pretendia passar o poder a esse povo” (PAIVA, 2003, p.262).

[3] Em 1965, de acordo com Vieira (1998), os estudantes mineiros realizaram o Congresso Estadual dos Estudantes e elegeram uma nova diretoria para a União Estadual dos Estudantes (UEE), com o apoio do então governador do Estado, Magalhães Pinto, um dos idealizadores do golpe militar. Esse fato  demonstra o desejo de controlar as ações dos estudantes nesse estado.

[4]Tijucano (a) é um adjetivo usado para identificar pessoas e tudo que existe ou existiu em Ituiutaba-MG, já que esta cidade está localizada às margens do Rio Tijuco.

[5] Segundo Benevides, o governo de Juscelino Kubitschek (JK) só teve sua estrutura política mantida com continuidade constitucional garantida pela aliança entre o PSD, que assumira quase todos os postos do governo controlando as questões orçamentárias, e o PTB, que administrava a política trabalhista através de Jango. O PSD reunia comerciantes, advogados, ruralistas, etc e o PTB almejava aglutinar as novas forças sociais nascidas da industrialização, especialmente os operários, que eram o maior eleitorado do Partido Comunista (PC). Com tal apoio, JK conseguia junto ao Legislativo votar todas as matérias de seu interesse, como a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1961, que tramitou pelo Congresso durante 13 anos. Mas em troca garantia prestígio ao Legislativo sancionando quase todos os seus projetos. Jango teve papel fundamental junto  às massas, colaborando com a estabilidade política do governo de JK, tentando conter as reivindicações dos trabalhadores, mas adotando política salarial que beneficiava os operários. O fim do governo de JK deu-se no início da década de 1960. A aliança PSD/PTB já não garantia mais a estabilidade política que diminuía à medida que aumentava a crise no panorama econômico, com elevação da inflação e capacidade ociosa das indústrias girando entre 30 e 60%, o que não favorecia a acumulação capitalista (BENEVIDES, 1976).

[6]Em Ituiutaba na década de 1950, do total de 43.089 habitantes maiores de 5 anos de idade, 24.609 eram analfabetos, ou seja  57,35% da população, representada por 12.608 mulheres e 12.101 homens, o que correspondia respectivamente a 60,75% das pessoas do sexo feminino e 54,19% do sexo masculino. (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1959, p. 308 apud Frattari Neto, 2009). Fato que demonstra neste período o maior acesso da população masculina à escolarização.

[7]Em relação ao cenário nacional, a partir de 1969, com o sucesso do “milagre econômico” implantado pelo governo militar, a parcela privilegiada da sociedade brasileira, beneficiária da situação econômica, não via com nenhuma simpatia a manifestação estudantil (CARMO, 2000).    

[8] Ato Institucional decretado no governo Costa e Silva, determinante de um grau máximo de radicalização sobre os setores oposicionistas da sociedade civil. (GERMANO, 2005).

Recebido em: 30/08/2013
Aprovado em: 06/11/2013

Revista Tempo e Argumento
Volume 05 - Número 10 - Ano 2013
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