CIDADANIA E MIGRAÇÃO: da “integração nacional” à “participação local”

Giulio Mattiazzi

Doutorando em “Democracia no Século XXI” pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra – Portugal.  Desde 2007 colabora com a Facoltà di Scienze Politiche - Università degli Studi di Padova – Itália.
giulio.mattiazzi@unipd.it

Resumo
O artigo apresenta uma breve reflexão acerca das profundas transformações da noção de cidadania na modernidade e na pós-modernidade, tanto à luz da crítica pós-colonial quanto em função dos desafios políticos que estas mudanças apresentam.  Uma atenção critica é reservada ao uso do dispositivo da concessão da cidadania como forma de integração dos migrantes na Europa.

Palabras-clave:Cidadania e Estado-Nacional. Pós-modernidades e Pós-colonialismos. Integração dos migrantes.

A partir da declaração polêmica de um político italiano, o artigo pretende repercorrer rapidamente a construção da noção de cidadania ao longo da modernidade europeia. Em seguida, numa dimensão pós-moderna e pós-colonial, este conceito será problematizado. Finalmente, procurar-se-á descrever uma dimensão teórica de como elaborar novas políticas de participação democrática que equacionem as novas relações ente cidadania, migração e agência política.

No dia 23 de Março de 2010, o presidente da Câmara dos Deputados da Itália, o direitista Gianfranco Fini, reforçou mais uma vez seu já polêmico ponto de vista: conceder rapidamente a cidadania italiana para os que lá nascem de pai e mãe estrangeiros, lembrando que se não fosse pelos casais de imigrados o nível da taxa de natalidade deste país seria negativo. “Podemos discutir [se conceder a cidadania após] sete, dez ou doze anos” de permanência regular no país; mas não para os “nascidos na Itália que estão nas creches com nossos filhos, falam o dialeto, torcem para o mesmo time de futebol”.

Como é notório (na Itália), o Presidente Fini está particularmente preocupado com o problema das segundas gerações de imigrados (as chamadas “G2”). Estas pessoas não conseguem obter a cidadania italiana, pois mesmo nascidos no território nacional, enquanto filhos de pais estrangeiros, não são considerados italianos. Trata-se, afinal, da justa preocupação de um ‘homem das instituições’. Contudo, a seguinte frase, que o político acrescentou em seguida, chamou muito minha atenção ao ponto que resolvi escrever este artigo. A frase é essa:

(...) Não podemos negar aos rapazes que se sentem orgulhosamente italianos o direito à cidadania, pois o conceito de pátria tem que ser repensado hoje numa lógica multicultural e multiétnica [1].

Não pretendo julgar politicamente uma pessoa por uma frase extraída de uma reflexão mais ampla proferida durante um longo discurso oficial. Além disso, a posição política do Presidente Fini tem que ser respeitada independente de qualquer juízo de valor. No entanto, a discussão política não pode prescindir de um cuidado que há de ser mantido quando se utilizam conceitos cujos significados foram objeto de profundos processos de transformação cultural, como é o caso das noções de pátria e de cidadania. Sem este cuidado, corre-se o risco de misturar significados culturais com posições políticas, como é caso da frase destacada acima. Por isso, pergunto ao Presidente Fini: o Sr. acha mesmo possível declinar a ideia de pátria na forma de uma lógica multicultural e multiétnica?

Não estou preocupado com o fato de uma parte extrema da tradição política da direita europeia ter utilizado os conceitos de pátria, família e nação não somente como uma bandeira política, mas como uma questão de superioridade racial. Nem me surpreende o fato de uma parte de seus herdeiros políticos ter reconhecido aquele dramático erro e agora defender o oposto, isto é, utilizar o dispositivo da concessão da cidadania como forma de rápida integração para (alguns) imigrados, na Itália e na Europa. No entanto, o que creio esteja bastante equivocada é a tentativa de associar uma instituição de natureza exclusiva, a “pátria”, com uma forma social (mesmo idealtípica) de natureza inclusiva, como o “multiculturalismo” e a “multietnicidade”. Poderiam estar reunidas sob o mesmo teto as duas ideias, a de pátria e de multicultura? Poderia, afinal, existir uma “Pátria Multicultural”?

Cidadania: conceito polissêmico e ambivalente da modernidade europeia

Com a afirmação da modernidade europeia, a herança herasmiana, o racionalismo e o filão jusnaturalista podem ser considerados matrizes culturais da noção de cosmopolitismo (Bobbio, 2004). O uso do termo cosmopolita feito pelas doutrinas alquimistas entre os séculos XVI e XVII permite explicar não somente sua difusão terminológica, mas também as razões pelas quais possa ser colocado na base dos fundamentos teóricos do Iluminismo. Com efeito, no séc. XVII, a república das letras é o ideal comum que unifica as correntes de pensamento cosmopolita. À base desta organização do cosmopolitismo moderno reuniam-se os conceitos do pacifismo, da tolerância, de universalismo religioso, do cristianismo racional e do direito internacional, promovidos por intelectuais como Locke, Leibniz, Bayle e Leclerc.

Mais recentemente, as mudanças trazidas pelo movimento revolucionário iluminista contrapuseram a cidade bleu - lugar que adere aos motes revolucionários de 1789 – ao campo blanche - lugar da conservação do antigo regime (Peyrot, 2006, p. 136-137). Assim, o cidadão burguês, não o camponês, se tornava não somente o simples morador da cidade e sim o indivíduo que aderia aos princípios de Estado Republicano.

Contudo, a transformação da impostação cosmopolita da revolução francesa baseada no tripé liberté, egalité, fraternité no patriotismo imperial napoleônico de La grande Nation bem exemplifica a afirmação dos processos de unificação política e reorganização econômica do séc. XIX. Assim, o ideal cosmopolita passa a lidar, de forma contraditória, com o complexo sistema de produção capitalista que exige a ampliação dos mercados, a delocalização da produção e a intensificação da troca de mercadorias. É neste momento que se afirma a ambivalência do termo cosmopolita: de um lado, inspirador duma estratégia econômica globalizadora que se expressa por meio das iniciativas de caráter imperialista, implícitas na concepção política de um Estado romântico-conservador e liberal. Do outro lado, o ideal cosmopolita, iluminista e liberal-democrata, ainda compõem o patrimônio ideal que inspira também as ações independentistas europeias e latino-americanas, além de servir de base ideológica para a construção do internacionalismo - tanto como proposta de universalização das reivindicações da classe operária quanto pela priorização do interesse comum das nações em detrimento de seu interesse particular (Bobbio, 2004). Com efeito, os ideais iluminista, cosmopolita e internacionalista, que se afirmam com a Revolução Francesa na Europa, abarcam tendências distintas: num aspecto, designam uma cooperação cívica entre os povos, prezam a obtenção de uma ordem mundial pacífica e solidária garantida por um conjunto de instituições supranacionais, por outro, projetam a liberalização internacional do comércio como perspectiva universalizante que favoreça o interesse dos consumidores. A partir desta ambivalência, duas tendências políticas constroem seus projetos institucionais e econômicos; de um lado uma vertente solidária, do outro uma competitiva. Aqui a interpretação burguesa do ideal cosmopolita e universalista, a tradição liberal, ali a tradição social, protagonizada pelo internacionalismo proletário, o movimento internacional socialista, republicano e democrata (Mattiazzi, 2009).

Esta ambivalência se reproduz na noção de cidadania: de um lado, as heranças (um tanto mitizadas) da democracia ateniense, da republica romana e das cidades-estados da península italiana se referem ao modelo de cidadão (homem, livre, local) que participa publicamente da produção de atividade política. Do outro, a inspiração na tradição do direito (e do império) romano preconiza para o indivíduo o status passivo de cidadão amparado pela lei, prioritariamente voltado para o ofício privado (Leydet, 2009). Em outras palavras, na concepção liberal, o cidadão é designado pelo seu status de pertencimento ao Estado como indivíduo portador de direitos anteriores à esfera política, pois obtém a incolumidade pessoal pela renúncia à agência política, que permanece prerrogativa do Estado. Na concepção republicana, ao contrário, a cidadania é atribuição de virtudes cívicas, o autogoverno da comunidade, o civismo, a soberania popular e a participação ativa na comunidade política; esta passa a adquirir um valor normativo substancial, condição indispensável para a afirmação dos direitos e liberdades individuais e para o bem viver da comunidade (Pettit, 1999; Rawls, 1997; Skinner, 1999; Berlin apud Hardy, 1988).

Estado, direito, participação, cidade, burguesia, liberdade: a partir do séc. XVIII estes termos, além de caracterizar a noção de cidadania, descrevem uma concepção de mundo, pincelam os traços fundadores da ‘cosmogonia’ da modernidade europeia. Contudo, nas décadas mais recentes, a noção de cidadania vem mudando substancialmente ao mudar o significado que a condição de cidadão assume nas democracias liberais, solicitada pelos efeitos que a intensificação das trocas internacionais de mercadorias e serviços – o que entrou no jargão como “globalização” – provoca sobre a soberania dos estados nacionais (Cohen, 1999). Por conseguinte, o que passa a ser o âmago da discussão é o emaranhado de relações que se estabelecem entre o Estado, como base institucional sobre o qual se realiza o gozo dos direitose a participação do cidadão à vida comunitária. Neste sentido, a cidadania é um status legal definido por um conjunto de direitos políticos, civis e sociais, garantidos pela Lei que o próprio cidadão aceita, a começar pela carta constitucional. Embora não diretamente, este gozo implica na participação do cidadão às atividades comunitárias enquanto agente político, queira pelo pagamento dos impostos ou pela expressão do voto ou ainda por respeitar e fazer respeitar a lei. Há ainda um terceiro aspecto do exercício da cidadania que se tornou progressivamente mais importante; a pertença do cidadão a uma comunidade que lhe forneça condições diacríticas para a construção de sua identidade. Disto resulta que o pleno gozo dos direitos – o direito à livre circulação, ao voto, à participação democrática nos movimentos sociais, por exemplo – pode qualificar a atividade política realizável por um indivíduo, graças ao mecanismo que reforça seu próprio senso de pertença. Afinal, uma forte identidade cívica pode motivar o cidadão à participação ativa à vida política (Rawls, 1972).

Da pluralidade de resultados oriundos destas interseções resulta claro claramente que podem existir infinitas declinações da noção de cidadania: esta pode ser ativa, passiva, cultural e multicultural, política, legal, social, econômica, de gênero, ao passo em que o cidadão pode ser de primeira ou segunda classe, simples e honorário, do mundo e até do universo quando o indivíduo não “se sente ligado a uma nação o e coloca suas obrigações para com a humanidade acima dos interesses de seu país” (Instituto Houaiss, 2004).

Ademais, ‘cidadania’ pode ser algo interior quando, para exercer completamente os direitos de cidadão, o indivíduo deve apreender algumas noções fundamentais em seu foro íntimo, através da autopersuasão, para se reconhecer como sujeito que vale, que conta, que é importante para sua comunidade. Nesta forma de conscienciosidade – que em psicanálise é a somatória das experiências de vida de um indivíduo – a cidadania interior pode ser considerada a parte subjetiva do direito, a pujança interna que faz representar publicamente o indivíduo como titular daquela prerrogativa legal. Sem a cidadania interior, não há conscienciosidade, sem conscienciosidade não há reconhecimento do direito, por exemplo, à diferença de gênero, à própria História de vida, à autobiografia, à vitória sobre a própria guerra interior ou ao concebimento da democracia como um raciocínio complexo, entre outros (Peyrot, 2006, p. 9-13).

As patologias da modernidade

Com efeito, no segundo pós-guerra europeu a noção de cidadania não se torna somente mais plural e polissêmica, mas traz consigo a emergência do fenômeno da mobilidade internacional. Neste sentido, as preocupações do presidente Fini focam a clara ligação que existe entre o exercício da cidadania e o fenômeno da migração; é por isso que, na tensão entre cidadania e estado, assume grande relevância o tema da aquisição da nacionalidade (Balibar, 2001).

Capitalismo, secularização, racionalidade, ciência, progresso, liberdade, igualdade, autonomia, subjetividade, cidadania, emancipação: são algumas das palavras chaves que decifram a ideia de modernidade europeia como projeto sociocultural para a transformação radical da sociedade pré-moderna baseado nas duas tradições – liberal e social – ou, em dois pilares: o pilar da regulação, estado, mercado e comunidade, e o pilar da emancipação, estético-expressiva na arte e da literatura, moral-prática na ética e do direito, cognitivo-instrumental na ciência e na técnica (como prefere dizer Santos, 1994, p. 70 e ss.).

Entretanto, o instrumentalismo cientifico, o cálculo econômico e o discurso jurídico motivaram e justificaram as operações de colonização das comunidades privadas de Estado fora da Europa (ibidem, p. 120-125). Isto, contribuiu com a transformaçao do ideal cosmopolita universalizante numa modernidade liberal, capitalista e colonialista, designada pela racionalização, secularização, burocratização, formalização jurídica, democratização, urbanização, globalização (Weber apud Santos, ivi, p.126) e por promessas cumpridas e desrespeitadas. No pilar da regulação, refiro-me ao excesso de desenvolvimento do mercado (industrialização), à atrofia inicial, sucessivas materializações e novos enfraquecimentos da noção de “comunidade” e, finalmente, pela instabilidade do estado (ora mínimo, ora liberal, protetor/agente ativo da transformação na comunidade e no mercado, autoritário, Providência, nacional). No pilar da emancipação, refiro-me ao desenvolvimento espetacular da ciência (força produtiva, vinculação ao mercado); ao cumprimento excessivo da promessa de racionalidade instrumental (e irracional) da modernidade; aos processos de autonomização e especialização que se manifestam prioritariamente no formalismo jurídico (código civil napoleônico) e na microética liberal (responsabilidade moral referida exclusivamente ao indivíduo) para depois divorciarem das práticas políticas e cotidianas (ibidem, p. 74-75). Desta forma, a trajetória social do paradigma da modernidade viu a emancipação colapsar e ser absorvida pelo lado cultural da regulação, transformando as energias emancipatórias em energias regulatórias por causa da crescente promiscuidade entre o projeto da modernidade e o desenvolvimento histórico do capitalismo, nomeadamente a partir da segunda metade do séc. XIX (ibidem, p. 121).

Tais contradições se articulam com a dimensão da cidadania em subsínteses com as dinâmicas de subjetivação e emancipação que resultam em excesso de regulação (e falsas emancipações), conforme descrito no quadro na Tabela 1 “patologias da modernidade”.

Tabela 1: PATOLOGIAS DA MODERNIDADE.
Subsíntese entre subjetividade, cidadania e emancipação que provoca excesso de regulação na modernidade europeia.
Subsíntese entre subjetividade, cidadania e emancipação Excesso de regulação
Cidadania sem subjetividade nem emancipação Normalização disciplinar
Subjetividade sem cidadania nem emancipação Narcisismo; autismo dessocializante; consumismo
Emancipação sem subjetividade nem cidadania Despotismo; totalitarismo; reformismo autoritário
Emancipação com cidadania e sem subjetividade Reformismo social-democrático
Emancipação com subjetividade e sem cidadania Basismo; messianismo

Elaboração de Santos, 994, p. 232.

No quadro descrito até aqui emergem os caracteres de uma transição paradigmática da modernidade rumo à sua superação: o excesso de controle social, a domesticação dos corpos subalternos, tanto na dimensão colonial quanto na dimensão classista europeia, a maximização da utilidade social e a redução do potencial político das populações, em uma expressão, a pujança do capitalismo, produziram dois efeitos complementares: de um lado esgotou o projeto da modernidade, por outro fê-lo de tal modo que se alimenta deste esgotamento e se perpetua nele (ivi, p.91). Tal crise, no entanto, não enfraquece a hegemonia da dominação capitalista, pois reflete também uma crise de emancipação. Desta forma, a reafirmação da subjectividade do final do século XX se realiza – na constelação ideológico-cultural hegemônica – em detrimento da cidadania e, com estas duas, em detrimento da emancipação, enquanto o racismo se afirma cada vez mais como forma de etnicização da força-trabalho (Balibar e Wallerstein, 1990). Para exemplificar isto, na Tabela 2 são resumidos quatro axiomas da modernidade e as consequências provocadas.

Tabela 2: QUATRO AXIOMAS FUNDAMENTAIS DA MODERNIDADE E (->) OS PROBLEMAS QUE CAUSARAM.
Hegemonia da racionalidade científica -> Transformação dos problemas éticos e políticos em problemas técnicos (ou jurídicos)
Legitimidade da propriedade privada independentemente da legitimidade do uso da propriedade -> Individualismo possessivo e obsessão consumista (interação com objetos para fins de apropriação destes)
Soberania dos Estados e obrigação política vertical entre cidadãos e Estado -> A segurança nacional e internacional precede a democracia entre Estados e a democracia interna
Crença no progresso -> Desenvolvimento infinito: crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico

Elaboração de Santos, 1994: 277.

Podemos entender melhor agora como a colonialidade nada mais é que o lado escuro da modernidade, a formatação do corolário ideológico em torno do estado moderno: identidade nacional única, cidadão como unidade individual, normatividade, estrutura de direitos, diferença enquanto inferioridade entre civilizados e nãocivilizados, a metrópole como universo. Assim a cidadania, reduzida a um documento de identidade pessoal, implica no reconhecimento dos direitos do cidadão branco civilizado e é contraposta à etnicidade, ascendência informal feita de ligações ancestrais, própria da cultura do negro primitivo.

Nesta dimensão paradigmática toma forma a ideia de pós-modernidade como condição do que é posterior ao moderno: uma crítica do universalismo e da unilinearidade da história sem, no entanto, pensar em projetos coletivos de transformação social, onde a emancipação pode ser considerada um mito sem consistência e ser celebrado o fim da utopia (Baudrillard, 1976; Lyotard, 1979; Vattimo, 1989). Por outro lado, a disjunção entre a modernidade dos problemas e a pós-modernidade das soluções é ponto de partida para a definição de uma teoria crítica pós-moderna (Santos, 1994, p. 34-5; 2000, p. 28; 2006, p. 26), para a criação de redes translocais entre alternativas locais como forma de globalização contra-hegemônica, em suma, uma nova face do cosmopolitismo (ibidem, p. 35).

No plano da discussão sobre cidadania, o que era o modelo universalista (Marshall, 1950) foi questionado pelo pluralismo multicultural que caracterizou com maior frequência as sociedades ocidentais. Estas produziram, não sem dramáticas violências, a parcial inclusão de indivíduos até então excluídos para o interior do status de cidadãos, como no caso dos Afro-Americanos ou das mulheres (Young, 1989, p. 250–274; Williams, 1998), ou ainda dos próprios “extracomunitários” na Europa.

Como podemos perceber, não é possível discutir de forma satisfatória a noção de cidadania sem utilizarmos os instrumentos da crítica pós-moderna (aliada, como veremos, ao pensamento pós-colonial). A razão para isso é que um dos aspectos mais eclatantes que denunciam as patologias da modernidade é a convivência cotidiana da contingência global com os determinismos locais, da conformação da vida ocidental com um arquipélago de subjetividades e de minirracionalidades que a combatem localmente, conscientes de sua própria irracionalidade global (Santos, 1994, p. 96-99).

Trata-se de um lado sombrio da modernidade que, contudo, formata ideologicamente o estado moderno: penso em alguns dos princípios básicos do projeto moderno presentes em nosso cotidiano, como a “identidade nacional”, o cidadão como a unidade primária da sociedade, a normatividade, o Estado de Direito, a diferença (baseada no metro da inferioridade) entre o que é civilizado e o que não o é, entre o que é Metrópole (a Europa, o centro do universo) e o resto do mundo (genericamente “América, Ásia, África”). Se pensarmos no significado moderno do termo "pátria" percebemos que tudo isso pode ser neste facilmente contido. Por que "pátria" é estado, “pátria” é nação, “pátria” é bandeira, "pátria" é fronteira e identidade nacional, território delimitado. “Pátria” é o que está dentro e quem é reconhecível, o resto é estrangeiro.

Cidadania e pensamentos pós-coloniais

Se os pensamentos pós-modernos procuram superar a modernidade, os pós-coloniais organizam um processo de crítica à colonialidade do poder da modernidade pelo qual a produção do conhecimento e sua classificação passam a estar relacionados à demarcação entre o colonial e o pós-colonial (Mignolo, 2003; Quijano, 1997; Santos, 2006). Nestas críticas, elementos analíticos como etnia, raça, gênero contribuem para o alargamento e a complexificação das leituras.

Nas críticas feministas, por exemplo, uma das componentes mais importantes do movimento pós-colonial, é contestada a ideia republicana e liberal de separar esfera pública e esfera privada na definição do exercício da cidadania. Com efeito, tal separação preconiza de um lado uma dimensão pública, reservada para decisão política e ocupada exclusivamente pelos homens, e uma esfera privada do outro, separada, domínio exclusivo feminino, destinada à reprodução material da polis (Okin, 1992, p. 60). Da mesma forma, a linguagem neutra do igualitarismo individualista lockeano esconde a sujeição feminina como propriedade privada masculina (Leydet, 2009). Contudo, o êxito de uma parte da crítica feminista não defende simplesmente a ideia de uma cidadania inclusiva para as mulheres, mas a definição de normas que construam políticas públicas de tutela e promoção das mulheres – segurança, aborto, promoção profissional, welfare state em geral (Pateman, 1989, p. 131).

Nem para todos os pensadores o fim da presença física colonial coincide com o pós-colonial, pois, frequentemente, mesmo a leitura pós-colonial nem sempre está livre de chaves de leitura coloniais (Afzal-Khan e Sheshadri-Crooks, 2000). Ademais, restringir o pós-colonial à área dos estudos culturais ou ainda assumir um espaço analítico como representante da diversidade de processos, trajetos e memórias coloniais deixa de fora questões fulcrais de conhecimento/poder, como a persistência das relações políticas coloniais para além do processo das independências políticas (Santos, 2006). Trata-se, finalmente, de desconstruir a ideia colonial da Europa como sociedade do conhecimento, sociedades do desconhecido, outra forma característica do pensamento da fratura abissal (ibidem, p. 23-72) que divide o mundo em duas partes, o espaço deste lado (europeu), e o de lá da linha (nãoeuropeu), tornando impossível qualquer copresença, perpetuando as desigualdades. Neste tipo de visão colonial realizou-se uma geografia da construção do imaginário social sobre o outro que nos trouxe a teorização científica da hierarquia das raças, que por sua vez justificou a suposta missão civilizadora da Europa.

Os pós-coloniais se caracterizam, assim, como exterioridade à modernidade ocidental, como conjunto de correntes teóricas e analíticas presentes em todas as ciências sociais, que têm em comum conceder primazia teórica e política às relações desiguais entre Norte – onde por Norte entende-se o Norte global e dominante, Europa e América do Norte – e Sul – onde por Sul entende-se um campo de desafios epistêmicos que procuram reparar os danos e impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial com o mundo. Esta concepção do Sul sobrepõe-se somente em parte com o Sul geográfico dominado, o conjunto de países e regiões do mundo que foram submetidos ao colonialismo europeu na explicação ou na compreensão do mundo contemporâneo (Santos e Meneses, 2009, p. 12-13).

Em suma, os pós-colonialismos, ao alargar o campo de análise, passam a refletir sobre a ‘questão colonial' e as suas interferências contemporâneas numa lógica inter-relacional, tentando denunciar a nãoinclusão de boa parte dos habitantes do planeta na promessa de “um mundo melhor” (Santos, 2006, p. 17). Ao fazer isto, a ideia da Europa como centro do mundo é fortemente contestada, a partir da seguinte equação: a História do mundo é a história europeia, a ideia da revolução é a ideia da revolução Europeia, a ideia de uma contraposição ao mundo colonial é somente baseada na perspectiva socialista. Contrapõe-se a isto o entendimento de um universo cognitivo plural, feito de “outras histórias do mundo”, para que se realize uma democratização da memória, para estudar a dimensão da democracia de forma completa, para ver até que ponto as epistemologias religiosas são epistemologias de interpretação geral da realidade que influenciam a formação cultural do indivíduo a partir do seu local de nascimento. O pós-colonial é, portanto, um processo de tradução que se opõe ao processo de construção hegemônica do mundo (que traz consigo uma visão do “outro” construída). Isto implica em rever muitas coisas: os conceitos de “pátria” e de “cidadania”, por exemplo.

Cidadania: um conceito em evolução

Como, perante estas críticas, estão evoluindo os conceitos de “pátria” e “cidadania”? Quais cuidados devem tomar os políticos que, ao tratar da administração pública, enfrentam questões de grande densidade cultural? Como vimos, na modernidade europeia o exercício da cidadania coincide com a demarcação das fronteiras territoriais do estado; neste sentido, o status legal do cidadão é a expressão formal de seu pertencimento à instituição estatal e condição para exercer legitimamente sua atividade política, também limitada territorialmente pelas fronteiras legais. Contudo, diante da intensa fase de mobilidade internacional dos corpos e da grande movimentação e mesclagem global de ideias, o que é ser cidadão de um estado nacional hoje?

Para tentar responder a estas perguntas, temos que aprofundar a discussão sobre a relação entre cidadania e nacionalidade, em parte discutida acima, e obre a extensão dos direitos de cidadania (portanto, civis, sociais e mesmo políticos) aos migrantes. As duas questões, evidentemente estão mais do que conectadas, pois o migrante, pela sua própria condição transnacional, tende a modificar a natureza e a base do conceito de cidadania relacionado com a nacionalidade (Soysal, 1994; Bauböck 1994; Kymlicka, 2003, p. 265–310). Nesta dimensão, a configuração de uma cidadania baseada na pertença nacional não basta; quer pelo ângulo econômico, quer pelo aspecto cultural, hoje as fronteiras estaduais – ou mesmo comunitárias, como no caso da União Europeia – não limitam nada mais que o nome geográfico do território nacional que circunscrevem. Portanto, o exercício da cidadania deve ser repensado para além do estado-nacional; isto significa pensar numa ideia de cidadania que não seja somente questão de nacionalidade, que questione a coincidência entre estado e nação, entre limites territoriais e demos (Cohen, 1999, p. 249), que recuse a noção de pátria. A questão proeminente é a de desconectar a relação entre povo, território e cidadania, pois esta, de fato, pode ser exercida numa multiplicidade de situações, em escalas múltiplas, locais, regionais e internacionais, gerando subjetividades multiestratificadas onde nenhum estrato é prioritário sobre o outro (Pogge, 1992, p. 58; Young, 2000, p. 266). O desafio, a meu ver, é refletir sobre a presença desta esfera pública multiestrato onde a cidadania é exercida e, portanto, reprogramada e rediscutida, numa dimensão horizontal que mistura constantemente as três dimensões da cidadania: legal, identitária, política, entre outras.

Nesta dimensão plural do exercício da cidadania, o foco normativo é o ambiente onde se afirma o gozo dos direitos, mesmo se este é diferenciado de lugar em lugar, de estado em estado. No tocante ao perfil identitário, os princípios políticos e legais – democracia, direitos humanos, leis - ganham maior relevância sobre os tradicionais emblemas da nacionalidade – histórias, bandeiras e culturas comuns (Leydet, 2009). Todavia, o elemento de maior importância nestas relações é que o exercício da prática política democrática (não apenas ligada ao voto eleitoral) se afirma como um poderoso fator de integração e promoção social do indivíduo e dos grupos políticos (ressalvando obviamente tudo o que pode ser dito sobre a crise do sistema representativo nas democracias ocidentais, Santos, 2006).

Assim, é importante realizar um esforço, em primeira mão teórico, para identificar dimensões sociais onde o exercício da cidadania possa resultar mais aderente aos relevos formulados nas críticas pós-modernas e pós-coloniais. Se considerarmos o contexto europeu, fica evidente como a intensificação do fenômeno das migrações internacionais concorreu a provocar o surgimento de novos agentes políticos, os migrantes que, no entanto, permanecem fortemente excluídos das tomadas de decisão no plano político. Mesmo assim, as práticas de cidadania evoluíram independentemente da possibilidade formal de participação. Pensamos no tipo ideal de migrante que chega à Europa hoje; esta pessoa não se torna antes cidadão nacional para depois gozar dos direitos que lhe permitem participar. Ao contrário, primeiro participa da vida social, econômica, cultural (regularmente ou não) para mais tarde tornar-se (talvez) cidadão nacional e assim, finalmente, gozar de todos os direitos de cidadania. Quando falo em “todos” os direitos de cidadania, refiro-me ao fato de que estes são principalmente jurídicos, políticos e identitários, mas que também incluem subcategorias ligadas aos direitos econômicos – para produzir e consumir bens – e sociais – no sentido da participação dos migrantes ao estado-providência graças ao sistema universal de imposição tributária e ao uso dos serviços sociais e dos bens comuns.

Em outras palavras, os intensos fluxos de migração internacional que afetaram toda a Europa após a Segunda Guerra Mundial mudaram a ênfase no exercício prático dos direitos de cidadania, movendo-a da qualidade passiva à condição ativa. Quero dizer que o primeiro problema de um migrante que chega a Europa não é o de ser formalmente incluído como cidadão nacional, mas poder participar, mesmo informalmente, às dinâmicas da sociedade de acolhimento. Neste caso, "participar" significa viver: trabalhar, comer, utilizar os serviços, independentemente de ser ou não cidadão do estado nacional. Consequentemente, mudou também a dinâmica social que gira em torno da aquisição da cidadania: o problema prioritário não é mais definir o mecanismo legal que transmite a qualidade passiva (ser incluídos formalmente ao estado para participar formalmente das relações que se desenvolvem entre os indivíduos e o estado). Ao contrário, a prioridade é dar peso à condição ativa do migrante, isto é, às relações informais, ou parcialmente formais, que se definem mesmo na ausência do status formal da cidadania nacional. A participação dos migrantes às relações econômicas, culturais, sociais de uma sociedade se dá de facto a partir de sua simples presença no território: esta é a forma de cidadania real que se realiza, independente de possuir o passaporte nacional do país de acolhida. Assim, o acento deve ser posto na identificação de espaços de cidadania participativa, entendidos como espaços onde se concretizam o exercício compreensivo das três dimensões da cidadania, legal, identitária e participativa, articulado na dimensão territorial onde o migrante está instalado.

Para avançarmos na realização de sociedades multiculturais e multiétnica, portanto, não devemos discutir em quais das versões do estado moderno o exercício da cidadania tem sido mais bem sucedido – se enquanto autogoverno na versão republicana e social, ou no exercício do controle sobre o governo na versão liberal. O que parece ser mais útil é definir os melhores mecanismos institucionais pelos quais o cidadão possa exercitar formas de cidadania participativa em sociedades plurais. 

Cidadania e migração: da “integração nacional” à “participação local”

A partir desta conclusão, creio que a afirmação segundo a qual “não podemos negar aos rapazes que se sentem orgulhosamente italianos o direito à cidadania, pois o conceito de pátria tem que ser repensado hoje numa lógica multicultural e multiétnica” propõe em si grandes desafios políticos que não podem ser deixados de lado. Proponho algumas reflexões: em primeiro lugar, tentar cometer a imprudência de imaginar a tradição do pensamento social comouma cultura política maiormente capaz de elaborar propostas plurais e inclusivas no enfrentamento dos desafios descritos até aqui. Não afirmo isso em prol de este ou aquele partido político, mas, em última análise, pela capacidade de algumas culturas políticas projetarem melhor os interesses da coletividade num plano de valores universalmente válidos, de antepor os interesses da coletividade aos interesses de um grupo de indivíduos, de usar a miscigenação cultural como método de confronto, obtendo assim inclusão e integração social mesmo no interior dos dramáticos processos de globalização[2].

A miscigenação de influências político-culturais causadas pelas migrações e os fluxos ideológicos que as antecedem, acompanham, estimulam, trazem para o agente público (o político, o administrador, o agente social) a necessidade de identificar competências para a tradução entre culturas, através da apropriação do valor universal da aliança, da solidariedade intergrupal e do respeito dos equilíbrios entre o local e o global.

Isto significa, em segundo lugar, refletir sobre o tema do contato cultural promovido e mediado por grupos étnicos a partir de sua condição de migrantes ou mestiços. Com efeito, o surgimento de novas identidades, a partir da experiência do contato, passa por uma leitura mediada da cultura secundária (a do país de "chegada") e, ao mesmo tempo, por uma releitura modificada da cultura primária (a do país de "partida"). Trata-se de um complicado paradoxo entre a impossível manutenção dos traços identitários da cultura original e sua transformação na nova cultura mediante instrumentos analíticos próprios do país de partida. Analisando estas experiências, é possível questionar  quanto, e de qual maneira, estas sejam fontes inspiradoras de novas ações comunitárias conduzidas por agentes políticos que operam no contexto da sociedade pós-moderna e pós-colonial.

Nestas situações, será preciso tratar das dinâmicas de modificação, surgimento e extinção de identidades étno-políticas veiculadas por fluxos culturais. A partir daí será possível compreender que conceitos como pluri-identidade, lar, memória, comunidade, pátria, etnia, tradição cultural, contato, viagem, estrangeiro, tradução e alteridade devem ser rediscutidos na tentativa de aprofundar as pesquisas sobre a metamorfose e a precarização da cultura (Baumann, 2005, p. VIII).

Creio que esta abordagem permita compreender como a intensificação das trocas culturais condiciona as dinâmicas e o surgimento de agentes políticos mutantes, isto é, de pautas de reivindicação políticas inéditas que apresentam demandas advindas do contexto da relação interétnica, patentemente característica do mundo pós-moderno. Neste, a etnicidade – paradoxalmente – cresce na medida em que aumentam os contatos intergrupais, confundidos como ameaça à sobrevivência de tradições culturais específicas.

Nesta dimensão é importante subsumir o fenômeno migratório ao fluxo cultural que o antecede, o fundamenta, o realiza e o perpetua; verificar se e como um fluxo cultural pode subjazer a um fluxo migratório e assim constituir novos grupos étnicos e identitários; identificar nesta condição própria das relações interétnicas a emergência dos caracteres de um novo campo de elaboração política feita de mobilidade, precariedade e de histórias sem raízes; utilizar instrumentos da antropologia da política (Hannerz, 1997) para lançar mão de uma reflexão sobre a emergência de novas pautas que fogem da tradicional sistematização do campo baseada na estrutura de classes sociais e nos outros paradigmas da modernidade.

Enquanto herdeiro de uma cultura política liberal é ainda mais louvável que o Presidente Fini esteja preocupado com a discriminação sofrida pelas G2 na Itália. Minha crítica às suas palavras certamente não deseja ofuscar a importância e as boas intenções que as produziram.

Contudo não é aceitável tentar mesclar o conceito de pátria com a noção de multiculturalidade e multiétnicidade. O problema não é dizer (não sem um certo preconceito ideológico) que "acabou o Estado-nação" e, portanto, acabou também a noção de “pátria”. O problema é, em primeiro lugar, desenvolver propostas inclusivas para enfrentar os desafios decorrentes dos processos interculturais que interessam a Europa. Neste sentido, é importante considerar quais são as necessidades básicas dos novos atores sociais (aqui falamos de migrantes). É crível que essas prioridades estejam ligadas somente à questão da cidadania legal? Se para as G2 na Itália sim, este é o principal problema, embora não o único, isto não significa que o mesmo possa ser dito para todos os migrantes. Existem outras dimensões da cidadania que vêm antes da lei.

Obviamente Fini referia-se às G2, mas em seguida, utilizando o velho refrão do "patriotismo", escorregou no que acredito ser um viés problemático e enganoso. Ao contrário, se pensarmos numa sociedade multicultural e multiétnica devemos deixar de lado o corolário ideológico que caracteriza a ideia de "pátria". Ao fazer isso, seremos capazes de nos livrar dos pesos coloniais do século XIX e abrir espaços para perspectivas de mudança. Vamos dar apenas um exemplo: deslocar o debate geral sobre a integração dos migrantes por via legal para uma reflexão concreta sobre a relação entre migração e gestão sustentável do território. Vamos começar a promover mecanismos de participação democrática que sejam capazes de representar a pluralidade étnica e cultural dos discursos presentes nas nossas cidades multiétnicas e multiculturais. Em outras palavras, vamos promover um diálogo entre os atores locais (terceiro setor, empresas, administrações públicas, ong’s) para abordar e promover a inovação nos sistemas de gestão local a partir da participação democrática dos migrantes.

Para ser verdadeiramente multiculturais e multiétnicos não podemos dizer a um migrante que primeiro tem de se tornar cidadão europeu, mas desejar que esteja envolvido na construção da sociedade em que vive. Não reduzir sua presença em um fato econômico (ou, pior, folclórico), mas considerá-la um recurso endógeno do território, indispensável à realização de uma gestão local sustentável e dos processos de inovação participativa.

Caro Presidente, uma vez resolvido o problema das G2, se convença do fato que não pode haver uma "Pátria Multicultural". Avançamos na definição de outro (e novo) projeto (político) de desenvolvimento do território compartilhado com os migrantes, através de um novo pacto social. Promovemos a partilha de uma constelação de valores comuns, relacionando-a com a persecução de objetivos gerais e específicos que tenham como foco a resolução de problemas práticos, não ideológicos. Em muitos lugares da Europa, os governos locais estão trabalhando com esses pressupostos. Isto poderia ser feito também pelos governos centrais.

CITIZENSHIP AND MIGRATION: from “national integration” to “local participation”

Abstract
This article presents a brief discussion about the deep changes to the notion of citizenship in modernity and post-modernity, both in the light of post-colonial critique and the political challenges posed by these changes.  Critical emphasis is placed on the use of the mechanisms that grant citizenship as a mean of integrating migrants within Europe.

Key words: Citizenship and National State. Post-modernity and Post-colonialism. Migrant integration.

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[1] A palestra foi proferida no dia da apresentação do Rapporto Famiglia 2009 do Centro Internazionale Studi Famiglia, em Milão no dia 23 de Março de 2010. O texto foi extraído em 20 de fevereiro de 2010 na página web: www.stpauls.it/cisf/ (o grifo é meu).

[2] Peço licença para reenviar o leitor à discussão realizada em Mattiazzi, 2009. Neste texto, defini o “pensamento social” como a poliédrica e generalizada herança das culturas políticas republicanas, do catolicismo social e progressista, liberal-democrátas, socialistas, anarquistas, comunistas, internacionalistas, social-democratas, reformistas e trabalhistas que surgem na Europa, a partir do iluminismo francês. Nesta análise, contrapondo a herança do “pensamento liberal”, evidenciei como a tradição do pensamento social tem como seu maior objetivo o resgate das classes subalternas contra a afirmação da hegemonia burguesa, no contexto da consolidação da economia capitalista e do sistema de estados-nacionais. Neste sentido, e considerando a condição subalterna dos migrantes internacionais, tradição do pensamento social pode contribuir, mais do que a liberal, com seu projeto emancipatório.

Recebido em: 31/05/2011
Aprovado em: 07/11/2011

Revista Tempo e Argumento
Volume 03 - Número 02 - Ano 2011
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