Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Resenha do livro

Citizens and rulers of the world: the American child and the cartographic pedagogies of Empire[i]

 

MAYAR, Mahshid. Citizens and rulers of the world: the American child and the cartographic pedagogies of Empire. 1. ed. North Carolina: University of North Carolina Press, 2022. 256 p.

 

Citizens and Rulers of the World

 

Cassio Expedito Galdino Pereira

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Pau dos Ferros, RN – Brasil 

lattes.cnpq.br/1713601175264330       

imageorcid.org/0000-0002-0987-6258       

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Compreender as metodologias e linguagens usadas no processo de ensino e aprendizagem das crianças tem sido um tema crescente em estudos e pesquisas no âmbito da Educação Geográfica. Esse interesse decorre, em parte, da discussão sobre o papel das atividades recreativas como ferramentas para revelar expressões e ideias que promovam a criatividade e a imaginação espacial. Nesse sentido, as crianças passaram a ser entendidas como sujeitos que articulam, estruturam e produzem geografias a partir de suas vivências espaciais. Assim, é necessário observar sua espacialização "em muitos cantos, em muitas frestas e lugares apertados. Tantas geografias esquecidas. [...] e, junto com esses lugares, estão palavras narradas, os enunciados da vivência” (Lopes, 2024, p. 18).

É nesse contexto que Mahshid Mayar, pesquisadora de História, Infância e Literatura, escreveu o livro Citizens and Rulers of the World: The American Child and the Cartographic Pedagogies of Empire, vencedor do prêmio Shelley Fisher Fishkin da American Studies Association (ASA) em 2022. A autora possui uma série de publicações dedicadas aos estudos transnacionais americanos, estudos asiático-americanos, cultura, império, história da geografia e grupos marginalizados, com ênfase em povos racializados e crianças. Neste livro, Mayar analisa como a identidade nacional foi moldada em crianças por meio de livros didáticos e práticas educacionais que utilizavam representações cartográficas para construir um ideário de nação.

Mayar explora como o discurso geográfico moldou novos cidadãos e governantes para a dominação imperial. Conforme argumenta Marcelo Escolar (1996), a representação patriótica, baseada na construção de uma representação subjetiva e gradual do imaginário coletivo, cria um senso de pertencimento geográfico, produzindo ideologias que transcendem comunidades locais para formar uma nação. Nesse sentido, estudiosos têm se dedicado a entender as relações entre Geografia, linguagem cartográfica e vida social. Sobre isso, Martin Brückner (2017, p. 6, tradução própria) destaca que, para os americanos, “[mapas] foram cúmplices altamente eficazes na criação de impérios e Estados-nação”[1]. Essas construções imperiais envolveram diversas instituições, incluindo aquelas relacionadas ao processo escolar. A Educação Geográfica nos Estados Unidos, alinhada ao projeto imperial, buscou integrar a política expansionista e o comércio, fornecendo às crianças ferramentas para explorar e organizar as maravilhas do mundo, como já apontou Susan Schulten (2001).

Mayar aprofunda o debate ao examinar a evolução da Educação Geográfica e como a geopolítica imperial influenciou os ensinamentos para a infância. Ao longo do livro, ela discute o papel dos livros didáticos, cartilhas, jogos e brincadeiras com mapas na construção de uma identidade nacional. Dessa forma, gerações de americanos, após a Guerra da Independência, foram educadas a compreender o ordenamento espacial, formando uma consciência planetária. A autora evidencia como essas ferramentas pedagógicas se transformaram, refletindo o papel dos Estados Unidos no século XX, de uma nação periférica a um ator geopolítico central com capacidade de moldar decisões globais.

Segundo Mayar, o objetivo do livro é “ler as maneiras pelas quais o império dos EUA se encontrava no mundo contra, mas também alinhado com, as maneiras pelas quais as crianças americanas olhavam ao redor para encontrar seu caminho nos mapas”[2] (Mayar, 2022, p. 4, tradução própria). Nesse contexto, as crianças aprenderam sobre o território dos Estados Unidos e o mundo tanto em aspectos físicos quanto simbólicos, consolidando uma identidade nacional e formando cidadãos ideais. Mayar destaca que a iniciação à linguagem cartográfica não era “apenas em seu sentido matemático e científico. Os americanos, tanto as crianças quanto os adultos, foram empurrados a (re)mapear o mundo subjetivamente por meio de viagens reais ou imaginárias e a se localizarem nele como americanos”[3] (Mayar, 2022, p. 16, tradução própria).

O processo educativo das crianças era feito entre o lar, as salas de aulas e os parques infantis (playgrounds), trazendo uma racialização, política expansionista e patriotismo e criando uma semiótica negligenciada nos agenciamentos feitos com o mapear. Essa semiótica negligenciada presente em práticas e representações cotidianas de crianças e adultos, cidadãos e governantes do mundo, produziu construções de significado centrais para o projeto nacional do país.

O livro está dividido em quatro capítulos, seguindo um roteiro de apresentar como a cultura imperial foi construída pela linguagem cartográfica e geográfica em metodologias postas por educadores(as) desde o fim da guerra da independência. No primeiro capítulo, Mayar apresenta diferentes formas, sejam pragmáticas ou ideológicas, que as cartilhas e livros didáticos de geografia americana desenvolveram para unificar a nação e trazer noções da ciência moderna para compreender a territorialidade dos Estados Unidos e mundo. Para isso, foi essencial mudar livros didáticos, evoluir a forma das representações cartográficas nos manuais escolares e tratar o conteúdo de Geografia na infância por ser exigência na admissão em algumas universidades, levando a geografia a ser ensinada por revistas especializadas. A educação americana culminou na geografia doméstica, que buscava trazer propostas pedagógicas para as crianças terem compreensão do local ao global e aprender as geografias do seu lar até as periferias do mundo.

No capítulo dois é apresentado como essa prática feita no cotidiano como diversão trouxe diferentes maneiras de construir uma autoridade e autenticidade geográfica. Tratando dos mapas dissecados, que eram quebra-cabeças que seriam montados em papelão, nos é revelado que desde a sua importação da Europa até sua fabricação nos Estados Unidos, esse jogo serviu para ensinar sobre as fronteiras e domínios territoriais. Ao ser fabricado nos Estados Unidos, os mapas dissecados reinscreviam o ideal geográfico possibilitando interferências no aprendizado do conteúdo que deveria ter sido ensinado em sala de aula. A autora nos mostra que esses jogos traziam as visões nacionalistas, imperialistas, racializadas e com construções de gêneros que os adultos tinham sobre o mundo, fazendo com que as crianças (brancas) tivessem impostas essas orientações geopolíticas, que adentraram o currículo escolar.

No capítulo três, a autora traz os mapas dissecados que algumas crianças enviaram para a revista juvenil Harper’s Young People, mostrando como estes variavam entre crianças. Alguns desses quebra-cabeças tinham micronarrativas, mas todos traziam as vivências espaciais embaralhadas na atividade lúdica de montar as peças corretamente. Com esse arquivo em mãos, Mayar busca traçar as importantes associações e dissociações de paisagens e civilizações feitas ao longo da história. Nesse ponto, mostrou-se como esses jogos corroboraram em criar mapas cognitivos internalizados em suas cabeças e repassados em pedaços menores de mapas-mundi, criando padrões geopolíticos marcantes. Essa prática não fez serventia apenas para o projeto imperial, pois crianças se valiam para ter sua visão do mundo, não seguindo a visão do adulto. Criava-se um processo de curiosidade, fazendo as crianças se engajarem para relacionar, criando o que é a nação americana e seus símbolos.

No último capítulo, a autora nos traz que as crianças participaram desse imperialismo dos Estados Unidos sobre o mundo por meio de produção de cartas enviadas para as revistas religiosas e liberais Harper’s Young People: An Illustrated Weekly (1879–1899) e St. Nicholas: Scribner’s Illustrated Magazine for Girls and Boys (1873–1943). A juventude escritora, como a garota Maude, trazem suas percepções sobre os aprendizados e noções do mundo, expressando sua visão do papel da nação nessas geografias. Além disso, mostrou-se o privilégio que as crianças brancas e ricas tinham ao comunicar sua forma de ver o mundo, não observando a diferenciação e as desigualdades socioespacial, econômica e racial marcantes na paisagem do país.

Em resumo, o livro traz formas de ver como a linguagem cartográfica foi tomada para criar crianças como cidadãos e governantes do mundo. Porém, não podemos vê-las como seres inertes. As crianças são colocadas em políticas, práticas e métodos para os interesses adultocêntricos e geopolíticos, mas elas constroem suas lógicas autorais ao consumirem e reproduzirem essas pedagogias cartográficas do império.

 

Referências

BRÜCKNER, Martin. The social life of maps in America, 1750-1860. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2017.

 

ESCOLAR, Marcelo. Crítica do discurso geográfico. São Paulo: Hucitec, 1996.

 

LOPES, Jader Janer Moreira. Atrás da porta: Vivências espaciais esquecidas pelas geografias dos adultos para [con]viver e [co]existir com as geografias das infâncias de bebês e crianças. São Carlos: Pedro & João Editores, 2024.

 

SCHULTEN, Susan. The geographical imagination in America: 1880-1950. Chicago: University of Chicago Press, 2001.



[1] No original: “were highly effective accomplices in the creation of empires and nation-states”.

[2] No original: “read the ways in which the U.S. empire found itself in the world against, but also aligned with, the ways American children looked around to find their way in maps”.

[3] No original: “only in its mathematical, scientific sense.  Americans, both children and adults, were pushed to (re)map the world subjectively through real or imaginary travels and to locate themselves in it as Americans”.



[i] Resenha recebida em 11/4/2025

  Resenha aprovada em 13/08/2025