Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246    “Ser mulher já é difícil.  Ser mulher na rua é ainda mais”: a violência contra mulheres em situação de rua/sem-abrigo no Brasil, Portugal e França [i]

 

 

 

 

 

Lidiane Maria Maciel[ii]

Universidade do Vale do Paraíba (UNVAP)

São José dos Campos - SP, Brasil

lattes.cnpq.br/8346883006355481      

orcid.org/0000-0002-5029-7645   image   

lidiane@univap.br        

 

 

Thamires Vieira Martins de Melo[iii]

Universidade do Vale do Paraíba (UNVAP)

São José dos Campos - SP, Brasil     

lattes.cnpq.br/5284372333169040          

imageorcid.org/0009-0004-9083-2747           

thamires.vmelo@gmail.com       

 

 

 

 

 

 

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“Ser mulher já é difícil.  Ser mulher na rua é ainda mais”: a violência contra mulheres em situação de rua/sem-abrigo no Brasil, Portugal e França

 

Resumo

O artigo tem como objetivo discutir a situação de mulheres em vulnerabilidade socioterritorial, com ênfase na exposição ao risco de violência nas ruas, considerando aspectos da interseccionalidade de raça, gênero e classe no contexto das jornadas migratórias/deslocamentos. Parte-se do pressuposto de que a acumulação capitalista, por meio da despossessão, tem gerado um contingente significativo de “indesejáveis” nos centros urbanos das cidades estratégicas do Norte e do Sul Global. Para lançar luz sobre esse processo, utilizam-se dados secundários disponíveis em diferentes relatórios nacionais e internacionais, além de um levantamento empírico por meio de pesquisa de campo e etnografia digital, com foco em três países: Brasil, Portugal e França. O modelo metodológico seguido é o do Estudo de Caso ampliado, aliado à etnografia multissituacional. Como resultados, identifica-se uma convergência no cenário analisado, em que a dimensão da violência contra o corpo feminino é um espectro sempre presente.

 

Palavras-chave: mulheres migrantes; vulnerabilidades socioterritoriais; intencionalidades; violência; cidades.

 

 

 

Being a woman is already hard. Being a woman on the street is even harder": violence against homeless women in Brazil, Portugal, and France

 

 

Abstract

The article aims to discuss the situation of women experiencing socio-territorial vulnerability, with an emphasis on their exposure to the risk of street violence, taking into account aspects of intersectionality of race, gender, and class in the context of migratory journeys and displacement. It is assumed that capitalist accumulation, through dispossession, has produced a significant contingent of “undesirables” in the urban centers of strategic cities in both the Global North and South. To shed light on this process, secondary data from various national and international reports are used, along with empirical data collected through field research and digital ethnography, focusing on three countries: Brazil, Portugal, and France. The methodological approach followed is that of an expanded case study, combined with multi-sited ethnography. The findings reveal a convergence in the analyzed scenario, in which violence against women’s bodies remains an ever-present specter.

 

Keywords: immigrant women; socioterritorial vulnerabilities; intentionalities; violence; cities.

 

 

 

1 Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir, de maneira panorâmica, a condição das mulheres em situação de rua em três realidades distintas, mas conectadas à questão do capitalismo e suas perversidades globais. Para o debate, selecionaram-se o Brasil, a França e Portugal. Na última década, considerando o impacto de uma pandemia cujos efeitos ainda não foram totalmente mensurados, bem como os conflitos no plano internacional, observa-se um aumento do empobrecimento em diferentes países. Esse cenário é caracterizado por milhares de deslocamentos e migrações, resultantes da precarização da classe trabalhadora, incluindo as mulheres, muitas vezes acompanhadas por crianças.

O relatório das Nações Unidas (McAuliffe; Oucho, 2024; OBMigra, 2024) aponta que o número de pessoas deslocadas foi de 120 milhões entre 2022 e 2024. No total, o mundo teria 281 milhões de pessoas em deslocamento, provenientes de diferentes países, como Venezuela, República Democrática do Congo, Síria, Ucrânia, Afeganistão, entre outros. Esses imigrantes, em suas jornadas migratórias (Knowles, 2014), tornam-se uma massa de indesejáveis para os países receptores, tanto do chamado Norte quanto do Sul Global.

Países como Portugal, França e Brasil enfrentam, além dos desafios relacionados à recepção de migrantes internacionais, questões locais da chamada “Questão Social”. Ou seja, ao lado dos que chegam, esses países também lidam com migrantes internos, muitos dos quais hoje compõem a população em situação de rua, em um cenário de acumulação capitalista urbana por despossessão (Harvey, 2013), e do avanço da especulação imobiliária, que coloca milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade socioterritorial. Essas pessoas se espalham atualmente em barracas, motorhomes, marquises e praças de nossas cidades.

 Verifica-se que os novos imigrantes pressionam o planejamento das cidades, e a gestão dos deslocados será um desafio para a política urbana em diferentes escalas, no entanto, observa-se que é no local/ municipal que verificamos os maiores desafios. Os migrantes hoje constituem a “nova/velha questão social”.  Nesse cenário de crise imigratória, as mulheres em situação de vulnerabilidade de moradia ou em situação de rua serão os corpos mais expostos a violência. Considerando esse aspecto, este artigo tenta demonstrar, por meio de dados secundários e empíricos, as questões emergentes na reprodução das desigualdades interseccionais de raça, classe e gênero no processo de deslocamento e situação de rua. 

O trabalho nasce das conexões entre dois trabalhos de campo, e a metodologia se inspira nas provocações feitas por Burawoy (2014) sobre o Estudo de Caso ampliado. Utilizando-se técnicas de etnografia presencial multissituacional (Marcus, 1995) e digital, realiza-se também o levantamento de dados secundários disponíveis em diferentes relatórios e planos destinados ao atendimento da população em situação de rua. Para apresentar as histórias, versões e faces dessas mulheres migrantes, atualmente em situação de rua, utilizaremos dados dos trabalhos de campo realizados em São Paulo e Paris, juntamente com relatos de brasileiras em Portugal, disponíveis em plataformas digitais.  No caso francês, também recorreremos a relatos que circulam na internet sobre a condição das mulheres em situação de rua. A análise dos relatos dialoga com a tradição de análise do discurso, tentando verificar quais ideologias são apresentadas por essas mulheres ao narrar seu cotidiano. O que nos interessa, considerando a metodologia do estudo de caso ampliado, é o encontro de percepções, independentemente do cenário, seguindo a hipótese de que ser mulher na rua é ter o corpo exposto a violências fundamentadas na desigualdade de gênero.

O artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução. Na primeira, intituladas “aspectos metodológicos” explicita-se questões pertinentes quanto ao método e técnica, em seguida debate-se os "Aspectos Globais do Debate sobre a População em Situação de Rua", apresentam-se os dados atualmente disponibilizados por diferentes agências sobre a problemática global e crescente da população em situação de rua, migrante e não migrante, motivada pelos ajustes da acumulação capitalista. Na terceira seção, lança-se um olhar sobre as questões do Planejamento Urbano e os desafios das cidades ao lidar com os corpos femininos. Por fim, na quarta seção, discutem-se os relatos das mulheres em situação de rua e migração, por meio de dados coletados nos últimos quatro anos sobre São Paulo, Paris e Lisboa, capitais da riqueza e da miserabilidade. Concluímos evidenciando as questões interseccionais que envolvem a problemática da população migrante e em situação de rua, com destaque para a vulnerabilidade emergente das mulheres. Como disse Daiane entrevistada pela ONG SP Invisível: ser mulher já é difícil; ser mulher na rua é ainda mais. Esta fala foi a disparadora deste processo de pesquisa que apresentamos neste artigo.

 

2 Aspectos metodológicos e desafios de uma pesquisa entre lugares

Conforme as normas da produção científica, realizou-se, inicialmente, um levantamento de dados secundários disponíveis em diferentes relatórios e planos voltados ao atendimento da população em situação de rua no Brasil, em Portugal e na França. O estudo concentra-se, em particular, nas cidades de São Paulo, Paris e Lisboa.

A escolha dessas capitais decorreu da formulação de uma hipótese de trabalho que relaciona a questão estrutural do capitalismo à produção de desigualdades e formas de miséria tanto no Sul quanto no Norte global. Trata-se, ainda, nos termos de Burawoy (2014), de um Estudo de Caso Ampliado.

O Brasil e a vulnerabilidade social urbana já constituíam, desde 2017, um contexto de pesquisa para as autoras. A França foi incorporada ao debate em 2022, pois, assim como o Brasil, apresenta taxas significativas de população em situação de rua, além de políticas públicas que avançam no campo do direito à cidade. Já em Portugal, uma reportagem sobre brasileiras em situação de vulnerabilidade social vivendo em praças despertou novas possibilidades de reflexão e questionamentos investigativos.

A partir de 2023, as pesquisadoras iniciaram uma investigação articulada, analisando as três cidades. O trabalho de campo em São Paulo e Paris foi realizado entre 2022 e 2024. No caso de Lisboa, os dados qualitativos foram coletados por meio de uma etnografia digital em redes sociais e portais de notícias, com destaque para informações publicadas pelo G1 e pelo projeto Lisboa Invisível. Embora a etapa de campo em Portugal ainda não esteja concluída, optou-se por incluir o país na análise, visto que se consolidou como um território circulatório de brasileiros nos últimos anos.

As estratégias de etnografia presencial e digital integram o processo de acompanhamento do público selecionado em São Paulo, Paris e Lisboa, buscando capturar situações e sentidos do “estar nas ruas” para as mulheres, sem estabelecer hierarquias entre os contextos. A partir de 2022, a situacionalidade e os discursos passaram a ser expostos com maior frequência em redes sociais, mídias oficiais, livros-relato e documentários produzidos pela sociedade civil engajada no acolhimento de mulheres em situação de rua.

Os espaços digitais revelam dados valiosos para a pesquisa e acrescentam novas camadas ao olhar etnográfico. Para a apresentação das histórias, versões e experiências dessas mulheres migrantes em situação de rua, realizou-se um levantamento em redes sociais, livros-relato (como os da ONG São Paulo Invisível) e plataformas de vídeo, considerando os últimos cinco anos, a seleção considerou a densidade das informações. No caso brasileiro, utilizaram-se as palavras-chave: “população em situação de rua”, “pessoas em situação de rua” e “mulheres em situação de rua”. Para a França, os termos: “Sans abris”, “S.D.F.” e “Femmes Sans Abris”. Por fim, em Portugal: “pessoas sem-abrigo” e “mulheres nas ruas”.

Após a coleta do material, aplicaram-se estratégias de análise compreensiva e articulada, considerando que o objetivo, neste Estudo de Caso Ampliado, é promover o encontro de percepções, independentemente do cenário. Parte-se da hipótese de que ser mulher em situação de rua implica ter o corpo exposto a violências estruturadas na desigualdade de gênero.

 

3 O aspecto global do debate da população em situação de rua

Dados publicados em 2023 pelos Comitê de Oxford para Alívio da Fome (Oxfam), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) expõem o acirramento das desigualdades sociais no mundo.

De acordo com relatório publicado pela Oxfam (2023), a desigualdade cresceu aceleradamente desde 2020. O 1% mais rico deteve 2/3 da riqueza gerada mundialmente, isso equivale a 6 vezes mais que 90% da população global obteve no mesmo período. E ressalta, que, pela primeira vez em 25 anos, tivemos o aumento da pobreza, ao passo que a acumulação de patrimônio aumentou em um grau nunca visto anteriormente. A aceleração da riqueza de 2020 para 2021 foi de 63% de ganhos para o 1% mais rico, enquanto 99% da riqueza restante ficaram com 37% da população global, sendo que, destes, apenas 10% foram ganhos pelos 90% mais pobres. De modo que “...para cada dólar de nova riqueza global ganho por alguém situado nos 90% mais pobres, um dos bilionários do mundo ganhou 1,7 milhão” (Oxfam, 2023, p. 7).

O relatório de desenvolvimento humano regional de 2021, publicado pelo PNUD, revela que a região da América Latina e Caribe (ALC) é a segunda mais desigual do mundo (em comparação com países em situação semelhante de desenvolvimento). São 22 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, enquanto o quintil mais rico é responsável por 56% da renda nacional. O Brasil figura entre os países com maior concentração de renda na região: a proporção de 10% dos mais ricos deteve 57% da renda nacional, e o 1% no topo dos mais ricos deteve 28% dos ganhos em 2019 (PNUD, 2021).

Entre os fatores que corroboram para a desigualdade na ALC, que são multidimensionais, estão a desigualdade de renda, de gênero na participação feminina no mercado de trabalho e no trabalho de cuidado não remunerado, na discriminação de pessoas LGBTQI+ e de minorias étnicas, resultando em diminuição no poder econômico, menor acesso ao mercado de trabalho, à educação e à saúde, e a um crescimento da violência (PNUD, 2021).

No relatório publicado pela World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) em 2022, o Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo, em que os 10% mais ricos detiveram 58,6% da renda nacional e os 1% mais ricos com 26,6% dos ganhos, enquanto a metade da população mais pobre deteve apenas 10% da renda nacional. Em relação às desigualdades patrimoniais, estas acentuam-se, pois os 10% mais ricos detiveram 80% do patrimônio privado (ativos financeiros como ações e títulos, e não financeiros, como imóveis), em comparação aos 50% mais pobres que detiveram 0,4% desses ganhos (Chancel et al., 2022).

Já o relatório de “Políticas e Programa direcionadas à População em situação de rua” das Nações Unidas (2015) demonstra que a situação de moradia precária ou de rua é presente em todos os continentes, com manifestações variadas, no entanto, em síntese, está interligada a desigualdades sociais, falta de emprego, especulação imobiliária, dificuldade no acesso a moradia, privatizações dos serviços públicos, violência doméstica.  A pandemia de Covid-19 agravou ainda mais a situação entre os vulneráveis dos países ocidentais, e é importante destacar que ainda vivenciamos um cenário de guerras, que geram milhares de refugiados.

Segundo o Relatório da ONU para Refugiados publicado em 2024:

 

Além dos conflitos na Ucrânia e em Gaza, [...], milhões de pessoas foram deslocadas devido a conflitos, como os ocorridos dentro e/ou provenientes da Síria, Iémen, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Etiópia e Mianmar. Também houve deslocamentos em larga escala desencadeados por desastres climáticos e relacionados ao tempo em várias partes do mundo em 2022 e 2023, incluindo no Paquistão, Filipinas, China, Índia, Bangladesh, Brasil e Colômbia. Além disso, em fevereiro de 2023, o sudeste da Turquia e o norte da Síria sofreram poderosos terremotos, resultando em mais de 50.000 mortes. Em março, estimava-se que 2,7 milhões de pessoas haviam sido deslocadas na Turquia e muitas haviam ficado desabrigadas na República Árabe Síria (ONU, 2024, p. 3, tradução nossa).[1]

 

Os dados oficiais indicam, para os Países da OCDE (Organização para a cooperação e Desenvolvimento econômico), o seguinte cenário, apontado pelo gráfico 1, considerando as formas de sobrevivência: 

 

 

 

 

 

 

Gráfico 1 - Número de pessoas em situação de rua, 2023, por 100.000 pessoas - Países da OCDE - destaque para França e Portugal

Fonte: Herre;  Arrigada. 2024; Our World Data, 2021.

 

 Portugal enfrenta uma severa crise habitacional, com a pior relação entre rendimentos e preços habitacionais desde 1995, sendo o caso que mais se agravou na OCDE na última década. A situação é intensificada pelo país ter um dos menores parques de habitação pública e social da OCDE e que não se expandiu na última década. A área metropolitana de Lisboa está entre as mais afetadas, com o preço de compra de imóveis mais que duplicando nos últimos dez anos (Rodrigues, 2024).

No contexto migratório português, a comunidade brasileira é a mais numerosa da última década. Notavelmente, essa é também a nacionalidade com maior proporção do sexo feminino, que representava 56,9% do total de residentes brasileiros em 2019, segundo o Observatório das Migrações (Oliveira, 2021).

A interseção entre gênero, migração e a situação de sem-abrigo é evidente nos dados. Em 2023, 28% da população sem-abrigo era composta por mulheres, e 36% eram imigrantes. Na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a proporção de imigrantes nesta condição sobe para 50%, embora a de mulheres seja menor (20%) (Portugal, 2023). Um relatório de 2013 já apontava que os brasileiros representavam 6% do total de pessoas em situação de sem-abrigo (Monteiro, 2013).

Segundo os dados do Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo 2024-2030 (Câmara Municipal de Lisboa, 2024), no caso português, até 2023, o total de pessoas em situação de rua era de 10.773. Dessas pessoas, cerca de 29% (3.138) estavam na cidade de Lisboa. Em relação à condição de sem-teto, a nível nacional, os dados apontam para 5.975 pessoas, sendo que cerca de 7% (394) estavam na cidade de Lisboa. Já na condição de sem-casa, a nível nacional, os dados indicam um total de 4.798 pessoas, das quais 57% (2.744) recebem algum tipo de suporte habitacional na cidade de Lisboa (Câmara Municipal de Lisboa, 2024).  No gráfico 1, no caso da França e Portugal, países de interesse imediato, observa-se que no primeiro destacam-se os serviços de atendimentos às pessoas em situação de rua, enquanto no segundo não há qualquer referência a tais ações. O número mais expressivo de população sem abrigo no caso português se encontra em Lisboa. Em 2024, foi lançado o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo 2024-2030 (PMPSSA 2024-2030), que visa ampliar o número de vagas de alojamento de 1.050 para 1.700.

 A França em 2022 possuía mais de 500 mil refugiados, e uma população de rua de mais de 330 mil pessoas. Paris, concentrava mais de 100 mil pessoas nessa situação. No caso francês, o destaque maior é dado à política de abrigamento “lugares temporários” e, nos últimos anos, à política pública que prioriza a alocação das pessoas em uma casa ( Ministère de la transition écologique, 2024).

          No que se refere à questão de sexo (Gráfico 2), considerando que as categorias utilizadas são binárias, observa-se que, em todos os países membro da OCDE, o número de mulheres em situação de rua maior que de homens é no Reino Unido. Nos outros países, os homens são maioria, e nos casos da França e de Portugal não seria diferente.

 

 

Gráfico 2 - Número de pessoas em situação de rua quanto ao Gênero/sexo - Países da OCDE - (%)

Fonte:  Herre; Arriagada, 2024.

 

Os dados apresentados no gráfico 2 permitem refletir sobre a realidade das mulheres em situação de rua, evidenciando que países considerados desenvolvidos também se destacam nesse cenário. Essas mulheres compartilham uma condição semelhante, marcada por seus corpos generificados e sujeitos a diferentes formas de violência, sobretudo a violência sexual, constantemente mencionada quando a questão é analisada sob uma perspectiva qualitativa.

Contudo, os dados gerais apresentados em diferentes relatórios consultados, incluindo o estudo da OCDE citado anteriormente, raramente fazem o cruzamento entre dados de migração e a população em situação de rua, e em particular das mulheres. Nos estudos é comum que a identidade de gênero seja pouco considerada nas análises.

Sabe-se que a situação das mulheres migrantes nas ruas é dramática.  Acumulam-se matérias jornalísticas que relatam essa problemática, como trataremos em outra seção. Sabe-se dos riscos humanitários quando se cruzam os dados de migração com as informações acerca da população em situação de rua, pois há uma forte tentativa por parte dos governos de transferir as responsabilidades para outros países, sem reconhecer as dinâmicas históricas e de acumulação de capital que aprofundaram a crise migratória em seus territórios. Diante de tal cenário, considera-se de grande necessidade a retomada da análise das sobreposições das situações detectadas, de forma mais profunda e abrangente.

No caso europeu, os dados sobre população migrante em situação de rua estão cada vez mais sendo articulados. Nos estudos referentes à França, feitos pela Fundação Abbé Pierre (2022), os migrantes são representativos em meio à população sem domicílio fixo. Nessa pesquisa se atestou que 56% eram estrangeiros; destes, 37% de países francófono e 19% de países de outras línguas. No grupo dos francófonos, destacam-se os migrantes de origem africana (Besozzi, 2021).

É importante destacar que, na França, a população em situação de rua — a Population Sans Domicile Fixe (S.D.F.) — está subdividida em pelo menos oito categorias: os jovens errantes, os “Zonards” (pessoas que reivindicam um modo de vida alternativo), os “routards” (migrantes sazonais altamente móveis), os “clochards” (pessoas mais velhas que estão há muito tempo na rua), os “Pys” (pessoas com doenças mentais), os “pontuels” (pessoas que ficam na rua pontualmente, mas estão no circuito de assistência), os “estáveis” (aqueles abrigados em algum serviço, que trabalham precariamente, mas permanecem por longo tempo na rua) e, por fim, os “étrangers” (migrantes que normalmente se organizam por meio de aspectos culturais) (Besozzi, 2021). Essas categorias demonstram a grande diversidade de situações, em todas as quais encontramos mulheres. A condição mais precária ocorre no grupo dos imigrantes, especialmente aqueles que não dominam os símbolos culturais/linguísticos franceses.

No debate internacional, o enfrentamento à questão social vem sendo pensado pela implementação das políticas públicas interseccionais abrangendo habitação, saúde e proteção social e jurídica. O modelo “Housing First”, uma abordagem integrada, que garante a moradia, bem como outros serviços, na qualidade de direito humano, e ofertados de maneira contínua aos indivíduos, têm sido testados no Canadá, em alguns países da Europa (França e Portugal) e no Chile na América Latina. No entanto, a situação da população imigrante vem acompanhada por uma série de intervenientes legais, das quais as políticas públicas pouco abrem mão.  A situação da “regularidade” nos territórios nacionais é priorizada, de modo que os “sans papier”/ ilegais em solo francês assumem historicamente uma problemática de difícil solução. 

No que diz respeito ao Sul Global, no caso brasileiro, o número de pessoas em situação de rua (PSR) tem aumentado de forma expressiva. Em última estimativa realizada pelo IPEA (2023), evidencia-se que na década de 2012 a 2022 houve o crescimento de 211%, em 2012 eram 90.480 pessoas nessa condição, e o número saltou para 281.472 em 2022. A análise destaca o aumento acelerado da PSR, que supera sobremaneira o crescimento vegetativo da população, de 11% apenas, em levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2011 e 2021.   Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) registram que, em 2023, 77.193 pessoas foram reconhecidas como refugiadas (Brasil, c2024). “Os homens correspondiam a 51,7% desse total e as mulheres, a 47,6%. No ano de 2023, o Brasil recebeu 58.62810 solicitações [...], somadas àquelas registradas a partir do ano de 2011 (348.067), totalizaram 406.695 solicitações” (Junger da Silva et. al, 2024, p. 11). Destaca-se no mesmo relatório a presença majoritária de três nacionalidades entre os requerentes Venezuela, Cuba e Angola.

O Plano Nacional Ruas Visível (Brasil, 2024) trouxe um dado interessante para a composição da pesquisa: qualitativamente, já identificávamos em nossos trabalhos de campo a presença de imigrantes junto à população em situação de rua. Os dados do Cadastro Único levantados pelos Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania mostram que: 

 

Quanto ao local de nascimento, 38% nasceram no município em que se encontram atualmente, 57% em outro município e 5% em outro país (10.069 pessoas). Do total de imigrantes internacionais, 54% são provenientes da América do Sul, dos quais 43% são de origem venezuelana. Na sequência, estão os angolanos, representando 23%; e os afegãos, com 11% (Brasil, 2024, p. 22, grifo nosso). 

 

Na pesquisa realizada na cidade de São Paulo, foram identificadas angolanas, filipinas, venezuelanas e paraguaias em situação de extrema vulnerabilidade.  A situação de rua era articulada com condições precárias de moradia no centro de São Paulo, entre ocupações e hotéis/pensões da região central.  Nesse sentido, é necessário ressaltar que a questão da população de rua, incluindo a imigrante, é uma questão de política de acolhimento e política pública urbana, atrelada à acumulação capitalista.

As pesquisadoras Neves et al. (2016) apontam que as migrações femininas podem estar correlacionadas à feminização da pobreza e do trabalho; assim, mulheres que anteriormente migravam com o objetivo de reunificação familiar, hoje, buscam melhores condições de vida diante das situações de desigualdade, discriminações, preconceito e opressão vivenciadas em seu país de origem. No entanto, as desigualdades e as condições econômicas de origem dessas migrações e de acolhimento nos países de destino tendem a facilitar o acesso das mulheres imigrantes aos contextos domésticos de trabalho, um papel social marcado pela invisibilidade.

 

4 Planejamento Urbano e espaço público visto pelos corpos femininos

A desigualdade social no espaço urbano se traduz na ausência de acesso às oportunidades produzidas no território, tanto de bens e serviços, quanto nas interações e atividades que nele ocorrem, de forma que essa condição desigual é um produto do capitalismo. Esse fenômeno se apresenta como uma questão social do nosso tempo, em razão da qual aqueles que sofre de uma inclusão marginal, que estão inseridos no mercado de trabalho precário, estão situados em um território indefinido, como afirma Véras (2018, p. 32), “uma zona cinzenta”; e, devido à falta de uma “cidadania salarial” que garanta a sua proteção social, estes estão incluídos perversamente na informalidade, quando não, à margem, num processo de invisibilidade.

A fábula do mundo globalizado, conforme observa Santos (2002, p. 19) a qual possibilitaria proporcionar a “cidadania universal” e condições igualitárias, se mostra em sua condição perversa quando o contexto de existência não permitem uma qualidade de vida, ocasionando o aumento do desemprego, da fome e do desabrigo e resultam num processo de globalização perversa, isto é, a necessidade de produção e consumo gera relações sociais de competitividade, diminuindo o senso de solidariedade e de regulação estatal, e corroborando a desigualdade e violência estrutural.

Assim, o fenômeno da desigualdade social se relaciona ao território que ocupa — as habitações (territórios fixos) e as relações, espaços de interação e trocas cotidianas (territórios móveis) — compreensão que permite um olhar ampliado para a segregação socioespacial, para além da moradia fixa, mas, também, como um espaço de disputa na aquisição de bens, recursos e poder dos atores que circulam no território, na qual se  incluem as pessoas em situação de rua, caracterizada pela ausência de moradia regular e constante circulação nos espaços públicos (Brasil, 2008; Véras, 2018).

Dessa forma, nas cidades, o território é distribuído de acordo com os interesses econômicos, a sua infraestrutura é acessível de acordo com o modelo produtivo, e seus centros urbanos, por exemplo, são destinados à circulação de mercadorias e não para outras atividades humanas. A cidade divide-se pelas classes sociais e as políticas públicas não são distribuídas igualmente, descortinando uma “cidade real” marcada pela precariedade de suas habitações irregulares (cortiços, ocupações e favelas) e a presença da população de rua (Véras, 2018, p. 30).

Nesse sentido, Santos (2002, p. 85) fala sobre uma “solidariedade vertical” em que os interesses globais se sobrepõem aos interesses locais, ocasionando a fragmentação do território. Nessa perspectiva, as empresas atuam individualmente no território, desconsiderando as realidades locais, agindo em prol de interesses globais que resultam em ações excludentes e que retiram a autonomia dos atores locais. O território, segundo a percepção do autor, possui uma dinâmica própria, nele a “vida está representada” e a negação desse contexto se dá na visão totalizante, a qual produz discursos “nacionais-regionais” que alienam a vida local (Santos, 2002, p. 87).

Para Madariaga (2002), o planejamento urbano visto sob a perspectiva do gênero propicia a inclusão de vozes pouco ouvidas: as das mulheres. E contribui para as questões de igualdade, coesão social, segurança e inclusão, como, por exemplo, o trabalho de cuidado não remunerado e o envelhecimento.

A feminização da pobreza está atrelada a práticas discriminatórias no mercado de trabalho em que mulheres tendem a ocupar cargos tipicamente femininos, a serem mal remuneradas e não ocuparem posições de liderança. Como também, mulheres que se divorciam tendem a diminuir sua renda e estarem mais vulneráveis economicamente. E, quando envelhecem, podem receber pensões mais baixas por terem contribuído menos com a previdência, ao dedicarem parte de sua vida ao cuidado de outras pessoas (Madariaga, 2002).

Logo, mulheres que possuem menor capacidade econômica apresentam limitações importantes no acesso a políticas públicas, pois o rendimento influencia no acesso à habitação, ao transporte, ao emprego e aos serviços públicos. Cabe mencionar especialmente mulheres idosas, que possuem maior expectativa de vida, e necessitam de uma cidade acessível que facilite a sua mobilidade, serviços de assistência e saúde e segurança nos espaços públicos (Madariaga, 2002).

No Brasil, em relação à violência contra a mulher, o estudo aponta a subnotificação de casos de violência sexual sofrida por mulheres e a ausência de pesquisas específicas sobre a violência doméstica. Outro fator é que o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde não tipifica feminicídios, registra apenas homicídios e indica o local da ocorrência, que, no caso de mortes de mulheres em âmbito doméstico, poderia ser um indicador de feminicídio. Nesse sentido, os dados mostram que há maior taxa de homicídios em que as vítimas são mulheres pretas e pardas, em comparação com as mesmas taxas referentes a mulheres brancas, estando estas no domicílio ou fora dele; são 34,8% maior que mulheres brancas no domicílio e 121,7% maior fora do domicílio (IBGE, 2021).

Em Portugal, no quarto trimestre de 2024, a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica registrou 1.420 pessoas em situação de violência, sendo 51,2% mulheres, 47,1% crianças e 1,7% homens (CIG, 2025). Na França, os dados também são preocupantes: em 2024, foram contabilizadas mais de 122 mil vítimas de crimes e delitos relacionados à violência doméstica, das quais 85% eram mulheres (DILA, 2025).

Em diferentes espacialidades verificamos, então, que a violência contra a mulher está indissociada das estruturas sociais produtoras de desigualdades de gênero, do mesmo modo, as desigualdades são inerentes às estruturas de classe e raça/etnia (Saffioti, 2015).  No caso das mulheres em situação de rua são mais vulneráveis a sofrerem violências pela intersecção da classe, raça, gênero, e em contextos urbanos internacionalizados a questão das origens também devem ser consideradas. Em suas trajetórias de vida, há mulheres que se encontram em situação de rua devido ao histórico de violência doméstica e intrafamiliar. Relatam agressões físicas, violência psicológica e sexual, e que buscam nesse território da rua a saída para as violências que sofriam em casa (Rosa; Brêtas, 2015; Rosário, 2015; Tiene, 2004).

No território da rua, as mulheres experienciam, em diferentes graus, a ausência de estruturas urbanas adequadas ao acolhimento. O planejamento urbano é majoritariamente concebido para uma vida em que ruas e espaços públicos funcionam como locais de circulação de pessoas e mercadorias, sendo raras as discussões sobre a criação de infraestruturas básicas para permanência, como banheiros públicos e acesso à água potável, especialmente nas centralidades onde a população em situação de rua se concentra.

Nas cidades de Paris, Lisboa e São Paulo, observa-se que as mulheres em situação de rua utilizam as mínimas estruturas disponíveis, como banheiros públicos e bancos de praças; contudo, a insuficiência dessas estruturas evidencia a precariedade de sua condição cotidiana. A oferta de abrigos destinados a mulheres é frequentemente frágil, apresentando capacidade limitada para atender à demanda existente. Além disso, muitas dessas mulheres estão acompanhadas de crianças, o que demanda uma atenção especial e evidencia ainda mais as lacunas do planejamento urbano e das políticas públicas de acolhimento.

 

5 Vidas cruzadas de mulheres entre Brasil, Portugal e França

A pesquisa de Rosario (2015) mostra que a realidade de mulheres em situação de rua não se diferencia da de outras mulheres, pois, assim como no espaço da casa, as relações de poder estão presentes em outros espaços. E, para as mulheres em situação de rua, a violência se intensifica para além do gênero. Pelo fato de a mulher buscar a rua para a sua sobrevivência, e ao estar neste território, diferentes estratégias, resistências, violências e preconceitos são enfrentados.

Brasil, Portugal e França ocupam um lugar de destaque em nossas reflexões. Primeiramente, porque a pesquisa, realizada por meio da metodologia de estudo de casos ampliados (Burawoy, 2015), buscava aproximar diferentes realidades, testando a hipótese de que há uma sobreposição de processos sociais na formação da condição de migrante vulnerável. Em segundo lugar, a pesquisa investiga a hipótese de que a condição feminina no mundo contemporâneo está intimamente relacionada a situações de violência extrema contra seus corpos, especialmente em contextos de vulnerabilidade, entendendo esses “corpos como públicos”.

Na cidade de São Paulo (Figura 1), uma pesquisa de campo realizada desde 2017, pelas pesquisadoras que assinam este artigo, tem mostrado a inter-relação entre a situação de rua e o abrigamento precário de imigrantes no centro, em ocupações geridas ou não por movimentos sociais. Essas ocupações são, em sua maioria, habitadas por trabalhadores e trabalhadoras que atuam no centro da capital em diferentes áreas e, devido à insuficiência das políticas públicas de moradia, encontram-se nessa condição. Nesses anos da pesquisa, foram inúmeros os relatos de conflitos com homens nos espaços de habitabilidade: as queixam iam de ameaças físicas na disputa de objetos, lugares de trabalho a assédios e risco de estupro.

 

Figura 1 - mulheres em situação de rua em São Paulo. 2018

Uma imagem contendo mesa, criança, comida, itens

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pela autora, 2024.

 

A ONG São Paulo Invisível entrevistou dez mulheres, na faixa etária que variava de 23 a 71 anos de idade, sendo que cinco delas estavam na faixa de 23-31 anos, uma delas com 59 anos e outra com 71 anos, além de três mulheres que não informaram a idade.  E apresentou as falas dessas mulheres no livro “A cidade que ninguém vê” (Lima, 2016), que reúne 91 histórias de pessoas em situação de rua, e destas, dez histórias são de mulheres que foram escolhidas para serem abordadas nesta seção. Nas falas dessas mulheres, é perceptível a preocupação com emprego/desemprego, a situação de migração, os estigmas da prostituição e uso de drogas, da violência de gênero e doméstica, moradia precária, invisibilidade nas ruas.

As origens são citadas pelas mulheres entrevistadas no livro “A cidade que ninguém vê” (Lima, 2016), por exemplo,  Daiane relata que migrou do Mato Grosso do Sul devido a conflitos familiares; Maria de Fátima migrou do interior de São Paulo, da cidade de Avaré, em busca de emprego; Rosinha migrou do Maranhão, onde já estava em situação de rua, em busca de melhorar a sua condição de vida; Taís migrou do interior do Pará para o Rio de Janeiro e posteriormente para São Paulo em busca de emprego; e Tamara migrou do Piauí, em busca de um serviço especializado de saúde estética. Os relatos de Daiane, Maria de Fátima, Priscila e Simone abordam a violência sofrida dentro de casa.

– Daiane: “...ele batia em mim e até abusou da minha irmã.” (violência sofrida pelo padrasto) (Lima, 2016, p. 47).

– Maria de Fátima: “Ele saía de casa de manhã e voltava de noite bêbado pra me bater e me machucar.” (violência praticada pelo marido) (Lima, 2016 p. 123).

– Priscila: “Ele não bebia, só que às vezes tinha uns surtos e me batia.” (violência praticada pelo marido) (Lima, 2016, p. 147).

– Simone: “Quando a gente morava junto ele já me empurrou da escada do nono andar…” (violência praticada pelo marido) (Lima, 2016, p. 175).

Quanto à violência de gênero, fora do contexto doméstico, fica evidenciada no relato de Daiane, Maria de Fátima, Priscila, Simone e Tamara, que abordam a exposição à violência do corpo feminino na rua.

– Daiane: “Ser mulher na rua é mais difícil ainda. Eu nunca fui abusada porque tenho meus parceiros e tenho moral na rua, mas umas amigas minha já foram, é muito perigoso” (Lima, 2016, p. 47).

– Maria de Fátima: “Graças a Deus, nunca fui abusada e nem agredida, mesmo sendo mulher.” (Lima, 2016 p. 123).

– Priscila: “Ser mulher na rua é muito difícil, o mais difícil é ter que aturar umas papagaiadas dos homens, da rua e de fora. Os de fora mexem mais que os da rua, mas não é fácil. A rua é um pouco machista” (Lima, 2016, p. 147).

–Tamara: “Eu dou conselhos sobre os clientes, falo pra não confiar muito [...] eles tentam até matar a gente às vezes” (Lima, 2016, p. 181).

Percebe-se, por meio das narrativas dessas mulheres, a complexidade do fenômeno da população em situação de rua, em que a identidade humana é sempre questionada pelos olhos alheios. Nas histórias, destacam-se ainda os múltiplos fatores que levam uma pessoa a estar nessa condição, tais como a questão da migração e do trabalho, na busca por melhores condições de vida; o desemprego e a perda da moradia; o uso de álcool e outras drogas, que pode ser causa para a situação de rua, como também, consequência de se estar nessa condição. Sobre a relação com os homens, é sempre marcada pelo dualismo da proteção e do medo/risco.

Considerando o caso português, encontramos situações que nos chamam atenção para o processo de emigração de brasileiros para Portugal. Destacamos um tipo de violência habitual no cenário citadino, da expropriação socioterritorial, que também favorece o exercer violência sobre o corpo feminino, na forma de doenças de diferentes tipos, e do empobrecimento e sofrimento da classe trabalhadora, que não consegue pagar por sua moradia. A reportagem da emissora veiculada à Globo informa que “Com dificuldades para pagar aluguel em Portugal, brasileiras moram em barracas” e complementa que o país com “pouco mais de 10 milhões de habitantes, quase 10% são moradores de fora” (Com dificuldades [...], 2023). São 400 mil brasileiros imigrantes, número que corresponde a quase metade do total de imigrantes em Portugal. Fernandes, Peixoto e Oltramari (2021) destacam que estaríamos vivendo uma quarta onda da imigração de Brasileiros para Portugal, após a pandemia de Covid-19. Na reportagem, as mulheres entrevistadas relatam sobre a sua condição (Com dificuldades [...], 2023, grifo nosso):

 

O salário-mínimo aqui é 760 euros, se eu não me engano. Aí eu pagava 400 euros no quarto. Então, imagina você receber 760 euros e pagar 400 euros? Mas a gente se vira. Eu tomo banho na praia quando está sol ou tomo banho nas minhas clientes que eu faço as limpezas — Andreia Costa, carpinteira.

Eu vim para aqui por causa das necessidades, né. Porque lá eu estava pagando absurdamente em um quarto compartilhado e não estava havendo vantagem, porque meu dinheiro estava só saindo — Márcia Álvaro, empregada doméstica.

 

As entrevistadas estavam acampadas em uma área nobre da região metropolitana de Lisboa. A Quinta dos Ingleses é uma área verde de 54 hectares, localizada a menos de 300 metros da praia de Carcavelos. O local é alvo de disputa judicial devido ao projeto de reestruturação urbanística, que prevê a criação de um parque urbano de 8 hectares e a construção de um megaempreendimento com condomínio de luxo, hotel, espaços comerciais e de serviços. As associações de ambientalistas e de moradores, em um movimento denominado SOS Quinta dos Ingleses, contestam o plano de urbanização (Lusa, 2024).

Em reportagem realizada em abril de 2024, com o início das obras na Quinta dos Ingleses e a ordem de desocupação do local, as brasileiras imigrantes Andréia e Márcia (Figura 2) relatam ter um “plano B”, como explica Andréia (Laranjo, 2024):

 

Estamos a ver o arrendamento de um terreno, eu e mais cinco pessoas daqui. Vamos arrendar esse terreno. Estamos a ver uma renda entre 350 e 500 euros, para dividirmos entre todos. Dois dos terrenos, que temos andado a ver, ficam em Sintra; o outro é um pouco mais longe, em Odivelas. Não sei se vamos ficar com esse porque fica longe dos nossos trabalhos. — Andreia Costa, 50 anos, marceneira e funcionária de limpeza num alojamento local.

 

Outra brasileira entrevistada, Luzinete Lopes, de 58 anos, natural do litoral de São Paulo, no Brasil, conta que veio para Portugal em 2022 para morar no apartamento de uma amiga, e que teve que sair após o falecimento da mãe de sua amiga, levando-a a mudar-se para a Quinta, onde mora com seu filho de 31 anos: “Estou desesperada. O meu ‘plano B’ é voltar para o Brasil. Voltar e lamentar” (Laranjo, 2024). Luzinete aborda que é a segunda vez que tenta uma vida melhor em Portugal, sem sucesso: “A primeira vez que vim foi em 2018, mas fui atropelada e tive que voltar para o Brasil. Estava num quarto, com o meu filho, até que chegou uma altura em que nem tínhamos dinheiro para comer” (Laranjo, 2024).

 

Figura 2 - Brasileiras em situação de rua em Lisboa. 2023

Andréia Machado e Márcia Araújo

Fonte:  Andréia Machado e Márcia Araújo (Amato, 2023).

 

Às imigrantes brasileiras em Portugal são atribuídos estereótipos e generalizações que podem resultar em hostilidade e violências. A pesquisa de Correia e Neves (2010, 2011) investiga imigrantes brasileiras vítimas também de violência sexual no exercício do trabalho como empregadas domésticas. Padilha (2007) pesquisa sobre o rótulo de prostituta que é imputado à imigrantes. E Miranda (2009) aborda o assédio sexual e o preconceito sofrido por imigrantes brasileiras (Neves et al., 2016).

No caso francês, a pesquisa ainda não encontrou brasileiras em situação de rua, mas são inúmeras as imigrantes em situação de moradia precária ou de rua. Na pesquisa de campo, foi registrada a presença de mulheres vindas de diferentes partes da França, mas, sobretudo, de mulheres de países africanos.  Durante o trabalho de campo, encontrou-se o cartaz (Figura 3), que demonstra a expressividade da questão. O documento colado expõe concretamente o drama da imigrante em situação de rua.

 

Figura 3 - Cartaz próximo à estação do metrô Stalingrado – Paris. 2022

Texto, Carta

Descrição gerada automaticamente

 

 

Fonte:  Maciel, 2024.

 

Na Figura 3, um cartaz, encontramos os seguintes questionamentos. O primeiro faz referência e crítica ao Estado francês, ao questionar: “Por que a França deixa uma mulher refugiada dormir na rua?” A chamada nos remete a uma indignação que, à primeira vista, parece particular, mas carrega também um tom coletivo. A autora segue questionando: “Onde estão os trabalhadores do serviço social? As associações? E a própria prefeitura? Onde estão os africanos?” Por fim, pergunta-se em tom de crítica apurada sobre a própria humanidade. Também são encontradas nas ruas mulheres acompanhadas de suas crianças, próximas a prédios da administração pública, como destacado na figura 4. Maciel (2024) ressalta que, antes da pandemia, o trabalho de campo registrava um número maior de homens nas ruas de Paris, enquanto, após a crise sanitária, em 2022 e 2023, observou-se um aumento significativo de famílias em barracas pelas ruas da cidade luz. O trabalho ainda enfatiza a questão da estrutura do capitalismo, que expulsa populações de seus locais de origem, colocando milhares de pessoas em circulação em âmbito nacional e internacional.

 

Figura 4 - Grupo de imigrantes sentados – com destaque para mulheres e crianças – próximos à Maire de Paris, 2024

Pessoas andando na calçada

Descrição gerada automaticamente

 

 

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2024.

 

A condição de rua dessas pessoas faz com que elas incorporem determinadas posturas conforme afirmou Graeff, em extenso estudo de etnografia em Paris, ainda em 2012

 

Em possível afirmar que homens e mulheres que vivem em “situação de rua” incorporam as condições de existência nas quais eles se encontram [...] esse processo de incorporação pode ser afirmado não apenas pela relação íntima estabelecida com as condições precárias de existência, mas, sobretudo, através de situações de desrespeito social que atingem as esferas física, sociojurídicas e morais dos sujeitos pesquisados (Graeff, 2012, p. 770).

 

Inúmeras páginas de redes sociais e plataformas digitais de vídeo trazem relatos sobre essa situação.  Verifica-se que, em locais onde os movimentos sociais estão mais organizados, como na França, a exposição dessas questões é mais evidente. No contexto francês, os documentários Femmes SDF, l'enfer de la rue de François Delvaux  e Femmes sans domicile fixe, fragments de vie — “Mulheres em situação de não domicílio fixo: O inferno da rua” e “Mulheres sem domicílio fixo: Fragmentos de vida” — apresentam relatos ricos em elementos biográficos sobre a vida de mulheres em situação de rua na França. Os documentaristas destacam as vidas aparentemente normais que essas mulheres levavam até se encontrarem em situações de vulnerabilidade extrema, seja devido à violência familiar ou à perda de bens materiais.

Das mulheres entrevistadas no documentário Femmes SDF, l'enfer de la rue, destaca-se a história de violência de Anna, migrante interna, e que hoje se encontra abrigada: ela conta que foi estuprada mais de 50 vezes, e teve dois filhos dessas relações violentas. Anna ainda expõe que certa vez um homem disse a ela que era preferível e mais barato estuprá-la do que contratar uma “puta”, pois com ela “era de graça”. (Delvaux, 2019). A partir dessa fala, reafirmamos a posição de que na rua os corpos femininos são públicos.

A entrevistada relata que permaneceu 17 anos nas bordas do rio Sena, que passava as noites em claro e dormia de dia para não ser violentada, e que os primeiros abusos não foram denunciados em razão de se sentir envergonhada por ser uma mulher vivendo na rua. Ela relata uma série de táticas para fugir do olhar dos homens: a primeira delas foi cortar o cabelo, se vestir com roupas masculinas e vestimentas de camuflagem, como dos militares, e ficar com um odor forte, para impedir que o agressor se aproximasse. No entanto, todas essas estratégias pouco surtiram efeito, e Anna sofreu até mesmo estupros coletivos (Delvaux, 2019).

Além da região do rio Sena, é comum que muitas mulheres se abriguem próximas a parques ou áreas verdes distantes do centro da cidade, como atestado pela etnografia de Maciel (2024) e apresentado no documentário Femmes sans domicile fixe, fragments de vie. Nesses espaços, elas tentam manter discrição, e o apoio de outros moradores é uma condição fundamental para não serem violentadas. Segundo dados apresentados também no documentário, 95% das mulheres que vivem nas ruas na França já sofreram pelo menos uma agressão sexual durante suas estadas em situação de vulnerabilidade social e de moradia (Delvaux, 2019).

Nesse difícil cenário labiríntico, chama atenção a solidariedade entre mulheres imigrantes de diferentes localidades e histórias. O documentário "Femmes sans domicile fixe: fragments de vie" de schoendoerffer e dechantérac (2024) narra, por exemplo, a história de Alicia, que deixou a cidade francesa de Clermont-Ferrand, a 400 km de Paris, depois de ter sofrido violência. Ela passou a viver nas ruas de Saint-Denis, uma periferia próxima à capital. Quando o documentário foi gravado, Alicia já estava há três anos em situação de rua, tendo passado por vários centros de abrigo. Além disso, ela se envolveu com o tráfico de drogas em um período de sua vida. Livre desse mundo, vivia protegida por seus amigos, em condição de ilegalidade em Saint-Denis. O documentário relata sua volta a Clermont-Ferrand para uma audiência com seu agressor. Durante esse processo, ela é acolhida por uma amiga brasileira, “Lu”, que também vivia em situação de precariedade na França, assim como Alicia (Schoendoerffer, DeChantérac, 2024);

O que essas histórias de mulheres nos mostram são as dinâmicas extremamente perigosas da situação de rua. Os corpos dessas mulheres estão constantemente sendo questionados. Um corpo feminino deve estar “dentro de casa”; quando está “na rua”, em alto grau de vulnerabilidade, torna-se um corpo público, um alvo passível de qualquer tipo de tratamento. Nesse cenário, o Estado apresenta-se como incapaz de proteger as mulheres dos riscos de sua condição de vulnerabilidade, o que independe do território em que estão, pois essa estrutura é como se fosse uma linha que corta a condição feminina. 

 

6 Considerações finais

A existência de pessoas em situação de rua advém de uma trajetória de desamparo e vulnerabilidade, e de um processo relevante de desfiliação social, e a maneira como são tratadas nos informa sobre o projeto de desenvolvimento do país de “desresponsabilização pública por seu fracasso social” (Valencio et al., 2010, p. 56).

Em consonância, Dardot e Laval (2016) apontam para a “individualização radical”, em que todas as desigualdades são atribuídas à responsabilidade individual; assim, todas as crises sociais são percebidas como crises individuais, logo, o risco é transferido ao indivíduo, e é visto como escolha de vida.

A lógica capitalista converte bens e serviços essenciais à manutenção da vida em mercadoria, de modo que “não se impõe para integrar os agentes econômicos e sociais numa outra racionalidade, pautada nos direitos da pessoa humana”. Essa lógica geradora de processos de “desagregação social”, que podem ter como expressão as pessoas em situação de rua, deveria ser compreendida como um “drama coletivo”, ao invés da responsabilização individual (Valencio et al, 2010, p. 58).

A violência é um ponto de convergência nas trajetórias femininas em situação de rua. A motivação para que mulheres abandonem seu lar pode advir da violência doméstica e intrafamiliar que sofreram em casa. E, quando estão em situação de rua, a vivência de brasileiras nesta condição evidencia a dominação masculina do espaço público, em que há a assimetria de poder em suas sociabilidades e a objetificação de seus corpos. A sua circulação no território e o acesso aos espaços da cidade podem estar vinculados ao seu companheiro, um homem com quem se associa para garantir proteção. Diferentes estratégias de sobrevivência são desenvolvidas por elas, como, vestir-se de forma masculina na tentativa de evitar violências, buscar um companheiro homem para se proteger; no entanto, esse companheiro pode se tornar seu agressor, e o sexo pode ser uma “moeda de troca” para a sua proteção (Melo, 2024).

         Nas pesquisas, observou-se por diversas vezes a palavra “difícil” nas falas das seis brasileiras entrevistadas, que possuem trajetórias em situação de rua. Ao abordarem o que é “ser mulher/travesti” nessa condição, conclui-se que há um “cercamento masculino” e uma violência simbólica implícita no momento das entrevistas, o que dificultou a expressão livre das participantes. Percebe-se ainda que a intersecção de gênero é um marcador essencial para a compreensão das vivências femininas, suas vulnerabilidades e como os espaços públicos podem se configurar como territórios de violência para elas. As questões migratórias contemporâneas nos confrontam com essas problemáticas. Ao realizar um estudo articulado em vários territórios, estamos mais uma vez identificando marcadores que conectam a condição feminina. No caso, a violência parece se apresentar como uma condição de convergência nas experiências estudadas.

 

 

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[1] The last two years saw major migration and displacement events that have caused great hardship and trauma, as well as loss of life. In addition to the conflicts in Ukraine and Gaza, as mentioned above, millions of people have been displaced due to conflict, such as within and/or from the Syrian Arab Republic, Yemen, the Central African Republic, the Democratic Republic of the Congo, the Sudan, Ethiopia and Myanmar. There have also been large-scale displacements triggered by climate- and weather-related disasters in many parts of the world in 2022 and 2023, including in Pakistan, the Philippines, China, India, Bangladesh, Brazil and Colombia.16 Further, in February 2023, south-east Türkiye and northern Syrian Arab Republic experienced powerful earthquakes, resulting in more than 50,000 deaths.17 By March, an estimated 2.7 million people had been displaced in Türkiye and many had been left homeless in the Syrian Arab Republic.1



[i] Artigo recebido em 25/01/2025

  Artigo aprovado em 30/10/2025

 

O artigo é uma versão ampliada e revisada de artigo que autores apresenaram no “"VII Seminário de Desenvolvimento Regional, Estado e Sociedade”, que ocorreu em Florianópolis, no período de 25 a 28 de setembro de 2024.

 

 

[ii] Contribuições da autora: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; supervisão; escrita – rascunho original.

 

[iii] Contribuições do autor: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; escrita – rascunho original; e escrita – análise e edição