Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Educação geográfica e pedagogização visual nas fotografias da National Geographic Magazine: três discussões postas em diálogo

 

 

Camila Benatti Policastro[i]

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis – SC, Brasil   

lattes.cnpq.br/1778453961955109  

orcid.org/0000-0003-0647-8024 image  

camilabpolicastro@gmail.com

    

 

 

Ana Paula Nunes Chaves[ii]

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis – SC, Brasil   

lattes.cnpq.br/8170914582096600      

imageorcid.org/0000-0002-5754-3001       

ana.chaves@udesc.br      

 

 

      

 

 

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Educação geográfica e pedagogização visual nas fotografias da National Geographic Magazine: três discussões postas em diálogo

 

Resumo

O presente artigo aborda a educação geográfica circunscrita à ideia de pedagogização visual em fotografias divulgadas pela revista National Geographic Magazine, a partir de três discussões teóricas provenientes de diferentes linguagens (audiovisual, livro e artigo) que se debruçaram sobre as imagens fotográficas da revista que, aqui, é tratada como potencial suporte no qual podemos encontrar imagens fotográficas que educam uma sociedade sedenta por aprendizado. Como premissa, a partir dos trabalhos de Daniel Tröhler, Julio Groppa Aquino, Dora Lilia Marín-Díaz e Carlos Ernesto Noguera-Ramírez, parte-se da ideia de que há atualmente uma proliferação e dispersão de ambientes, artefatos e tecnologias educativas para além dos ambientes formais de educação. Neste sentido, as fotografias na revista são tratadas não só como recurso de infoentretenimento científico a um seleto público interessado, mas, principalmente, como agente criador de geografias, modos de mirar e habitar o espaço geográfico por meio de uma pedagogização do visual. As questões sobrevoadas são: como as imagens educam geografias? Como as fotografias da revista transformam o espaço? Esta pesquisa qualitativa, de cunho documental, coloca em diálogo a discussão realizada por três pesquisadores sobre imagens fotográficas da revista: as imagens da primatologista Jane Goodall analisadas por um programa de TV, a capa icônica da garota afegã discutida em um livro, e os povos do Oriente Médio em um artigo científico. Como resultado, compreendemos que a revista produz uma noção de verdade em suas imagens fotográficas, educa modos de ver e o que ser visto, estabelecendo uma pedagogização visual que cria geografias sobre lugares, povos e culturas.

 

 

Palavras-chave: imagens fotográficas; regimes de visibilidade; aprendizagem ao longo da vida.

 

 

Geographical education and visual pedagogy in the photographs of National Geographic Magazine: three discussions placed in dialogue

 

Abstract

This article addresses geographical education focused on the idea of visual pedagogy through photographs published in National Geographic Magazine, based on three theoretical discussions from different mediums (audiovisual, book, and article) that have focused on the photographic images in the magazine. The magazine is treated here as a potential platform where we can find photographic images that educate a society thirsty for learning. Drawing on the works of Daniel Tröhler, Julio Groppa Aquino, Dora Lilia Marín-Díaz, and Carlos Ernesto Noguera-Ramírez, the premise is that there is currently a proliferation and dispersion of educational environments, artifacts, and technologies beyond formal educational settings. In this sense, the photographs in the magazine are considered not only as a resource for scientific info-entertainment for a select interested audience but primarily as agents that create geographies, ways of looking at and inhabiting geographical space through visual pedagogy. The overarching questions are: How do images educate about geographies? How do the photographs in the magazine transform space? This qualitative documentary research engages in a dialogue about the photographic images in the magazine conducted by three researchers: the images of primatologist Jane Goodall analyzed in a TV program, the iconic cover of the Afghan girl discussed in a book, and the peoples of the Middle East in a scientific article. As a result, we understand that the magazine creates a notion of truth through its photographic images, educates ways of seeing and what should be seen, and establishes a visual pedagogy that creates geographies about places, peoples, and cultures.

 

Keywords: photographic images; visibility regimes; lifelong learning.

1 Apresentação

Ao problematizar a tríade imagens, geografias e educação, almejamos neste trabalho analisar três discussões teóricas que se debruçaram sobre as imagens fotográficas da revista National Geographic Magazine (NGM), sendo: um audiovisual produzido por um programa de TV apresentado por Donna Haraway (2010), o livro American Iconography: National Geographic, Global Culture, and the Visual Imagination, de Stephanie L. Hawkins (2010) e o artigo publicado por Daniel Rodrigo Meirinho de Souza (2010), intitulado A Fotografia Enquanto Representação do Real: A identidade visual criada pelas imagens dos povos do Médio-Oriente publicadas na National Geographic.

Partimos do pressuposto que as páginas da revista são um profícuo arquivo que nos conta como imagens (fotografias, ilustrações, mapas etc.) operam ao longo do tempo, fazendo visível e, assim, educando determinadas geografias. Tal qual os cartões postais para Oliveira Jr. (2019), o cinema para Policastro (2020) ou, ainda, artefatos mais pretéritos, como as cabines panorâmicas que viajavam de cidade em cidade mostrando o mundo distante e desconhecido (Della Dora, 2007; 2009), sugere-se que a revista NGM desempenha a função de propor, instruir, ensinar e apresentar geografias.

A NGM promove o acesso de pessoas a um mundo e a uma determinada geografia que opera modos de mirar, compreender e habitar os espaços para além das páginas, fotografias e reportagens (Chaves; Xavier, 2024; Dallagnoli, 2023; Policastro, 2022; Xavier e Chaves, 2023). A partir desse argumento, temos como hipótese que as fotografias ali promovem geografias imaginárias que modulam as maneiras como concebemos os lugares, povos e culturas.

Advogamos que a revista promove uma pedagogização visual, ou seja, por meio das imagens que divulga em suas páginas, nos educa a ver e o que ser visto em uma sociedade em que a potência para o aprendizado está por toda parte. Para respaldar essa afirmação, partimos do entendimento de que a educação sofre um espraiamento para além dos muros da educação formal — ou seja, das escolas — para todos e quaisquer espaços (Aquino, 2012). Esse movimento acontece em conformidade com a disposição e tendência do aprendizado ao longo da vida que se intensifica na modernidade (Tröhler, 2014; 2016).

Neste cenário, estamos nós: sujeitos aptos e ávidos a aprender, ou, como definiu Dora Lilia Marín-Díaz e Carlos Ernesto Noguera-Ramírez (2014), os Homo discens, indivíduos aprendentes que já não devem só aprender, mas, também, aprender a aprender. O imperativo do aprender, em todas as idades, para desempenhar qualquer atividade, em qualquer lugar, justifica e dá razão de existência às mais diversas práticas socioculturais. Já não se vai ao museu para apreciar arte, mas para aprender sobre ela (Chaves, 2020; Gomes, 2020; Prates, 2020). Ou, ainda, não se lê um livro apenas pelo gosto à ficção, ou se assiste a um programa televisivo somente para se distrair. O imperativo do aprender transforma tudo em ato educativo, em qualquer tempo e espaço, e, talvez, a constatação mais importante desta lógica vigente é que tudo deve desempenhar função educativa para a sua própria validade.

Tais exemplos e referências sustentam o pressuposto de que somos atravessados por um desejo instaurado pelo aprendizado, e como querem nos educar a todo momento. Neste sentido, compreende-se um movimento que transforma as coisas do mundo em educativas e que “a aquisição contínua de informações/saberes, sustentada por expedientes de feições escolarizantes, desponta como um princípio incondicionado da organização dos modos de vida na atualidade” (Aquino, 2015, p. 122).

Neste artigo discorreremos, então, a respeito de uma pedagogização de modos de ver, conceber, imaginar e criar geografias a partir de imagens fotográficas. Em suma, sustentamos que ocorre uma pedagogização visual na e pela revista de infoentretenimento NGM. A questão persuadida neste horizonte é: como ocorre essa educação do olhar e que mundos são criados com e pelas imagens da revista. Para tanto, levamos em consideração que a visibilidade de imagens, e/ou a ausência destas, colaboram para um regime visual que propõe determinada geografia, um entendimento espacial e, por isso, geram  uma relação específica com o mundo não só recluso à imaginação e aos imaginários, mas materializado no espaço através de nossas ações. Pois, assim como a geógrafa Doreen Massey aponta “Muito de nossa ‘geografia’ está em nossa mente” (Massey, 2017, p. 37).

Desta forma, a seguir, apresentamos contribuições teóricas de trabalhos que abordaram a questão da imagem e da geografia. Em seguida, adentramos à questão da imagem fotográfica na revista NGM, com o objetivo de problematizar geograficamente três discussões teóricas provenientes de diferentes linguagens (um livro, um audiovisual e um artigo), as quais abordaram as imagens fotográficas no periódico.

 

2 A educação pelas imagens e suas geografias: algumas contribuições

A pergunta “as imagens nos educam?” parece dispensável nos dias de hoje, já que a todo momento somos atravessados por imagens que nos dizem da vida, do mundo, do presente, passado e futuro, educando não só aquilo que é visto, mas os gestos de ver, isto é, como ver e ser visto, como fazer imagens ou consumi-las. Exemplos não faltam: Apps de celulares com ícones intuitivos, redes sociais que utilizam fotografias e suas edições como chamarizes para seu uso, a reprodução de imagens até a exaustão em memes, sites de compras e suas publicidades decorrentes de altos investimentos em design gráfico e, até mesmo, um mundo virtual, o chamado metaverso.

A vida está envolta por imagens, o que nos faz refletir sobre os processos imagéticos e o que eles fazem com a vida no espaço geográfico. As imagens, cada vez mais, não só participam de nossas vidas, mas parecem vivas. Neste âmbito, Byung-Chul Han (2018, p. 53) enfatiza que atualmente “a mídia digital realiza uma inversão icônica, que faz com que as imagens pareçam vivas, mais bonitas e melhores do que a realidade deficiente percebida.” Segundo ele, as imagens tais como as recebemos hoje, apresentam uma realidade otimizada e são feitas de reféns pelo real. Ir a qualquer cidade turística e se frustrar com o que se vê baseado nas imagens que circulam sobre esse lugar é um exemplo desse aprisionamento, em que fotos perfeitamente belas, como imagens ideais, protegem-nos da realidade suja. O autor, assim, conclui que as imagens garantem uma proteção e fuga do real.

Mas, e se pudermos reivindicar um direito a olhar, ou seja, um direito ao real (Mirzoeff, 2016)? Direito esse que requer uma autonomia, tempo para a mirada e que recusa ser tomado como refém das imagens. É necessário apontar que esse direito ao olhar não tem como seu oposto a censura, mas, sim, a própria força das visualidades que suturam nossas vistas com aquilo que é a todo tempo exposto. Visualidades que cegam e moldam uma hegemonia que exclui, segrega e ordena as possibilidades do visível (Mirzoeff, 2016). Um exemplo disso é que nos dias de hoje não somos influenciados tão somente pela mera falta de perspectivas, imagens e pontos de vista, ou seja, pela censura que impede narrativas plurais de nos alcançarem as vistas. Ao contrário, somos afetados pela intensa exposição e propagação de visualidades que educam as miradas. Pois, se em um período sofremos com ditaduras ou monopólios midiáticos que cerceavam realidades e as impediam de serem partilhadas, hoje, observamos uma abundante exposição de imagens como as fakenews, que saturam a mirada nos fazendo sucumbir a algumas farsas ou a duvidar de tudo que vemos. Dessa maneira, reivindicar um direito a olhar, mais que nunca, requer autonomia e tempo de observação.

Para dar um passo nesse sentido, primeiramente, é necessário perceber que as imagens propõem visões sobre o mundo, teorias que nos levam a conceber o espaço. Essa reflexão nos mobiliza a pensar as relações entre imagens e geografias. Uma referência que não pode ser esquecida é Doreen Massey (2017), quando nos apresenta que compomos nossas imaginações com o mundo material, ao criar teorias de como o mundo é. Além da autora, Denis Cosgrove (2012), geógrafo cultural, atesta a importância daquilo concebido em nossa mente ao gerar significação para o mundo e, para além da produção de significados, afirma que “as metamorfoses do mundo da imaginação podem gerar transformações materiais na natureza: drenando pântanos, conservando espécies ou abrindo caminhos em regiões inóspitas” (Cosgrove, 2012, p. 108). Desse modo, lugares-comuns e narrativas homogeneizantes advindas de compreensões espaciais veiculadas em diversos suportes nos educariam uma forma de se relacionar com o mundo, compondo as nossas geografias imaginárias, nossas teorias sobre os lugares.

As investigações de Gillian Rose (2013) corroboram o argumento de que a geografia é uma disciplina que recorre ao visual para legitimar o seu saber. Segundo ela, a importância de pensar as imagens para a disciplina está na investigação de como certas visualidades estruturam determinados formatos de conhecimentos e as relações de poder intrínsecas a eles. Isso nos leva a questionar quais formatos de conhecimentos e relações de poder envolvem as imagens fotográficas em uma revista de entretenimento científico, como a NGM proposta aqui para o estudo.

Neste sentido, Verónica Hollman (2014) também nos dá pistas quando demonstra como as imagens, em conjunto com entornos linguísticos e as composições feitas com uma série de imagens, nos influenciam as percepções sobre aquilo que vemos. Ou seja, ver a imagem de um iceberg se rompendo em um filme romântico, como o Titanic, produz uma relação de conhecimento diferente de uma imagem de iceberg em uma revista de entretenimento científico, ou em um livro didático. Enquanto uma pode significar um evento trágico que impactou as vidas e relacionamentos de pessoas em um navio, as outras podem conceber um planeta que sofre ameaças climáticas. Assim, o suporte onde está publicada a imagem, os títulos e textos que a acompanham e a composição com outras imagens nos levam a criar diferentes verdades, visões, imaginações e conhecimentos sobre os lugares.

Para além da tríade de suporte, entorno linguístico e composição das imagens, podemos nos debruçar a respeito do tipo de visualidade tratada, sejam mapas, ilustrações, gráficos ou, no caso deste artigo, fotografias. A linguagem fotográfica, segundo Oliveira Jr., respaldado por Susan Sontag, é uma visualidade

 

que melhor se dispõe a realizar o real enquanto imagem em nosso tempo. A fotografia partilha este real sintetizado em uma única imagem, pronto para ser guardado como lembrança de tal fato ou lugar, para compor nossas vidas ávidas de mais e mais informações fáceis de serem memorizadas e catalogadas em nosso conhecimento do mundo-real no qual vivemos (Oliveira Jr., 2019, p. 5).

 

Em consonância, Dussel (2018) aponta que a fotografia, enquanto imagem advinda de uma proposta realista de representação mecânica e objetiva da realidade, se sustentou, por muito tempo, como uma tecnologia em serviço da verdade. Desse modo, as imagens fotográficas além de apresentarem uma educação sobre o que é visto, sugerem um poder veridictivo dessas imagens, garantindo uma pedagogia visual a respeito das geografias apresentadas nas imagens. Argumento esse já explorado por Ana Francisca de Azevedo (2014), quando nos lembra que os aparatos de produção da imagem se configuram como aparatos de produção de verdade científica, ao citar que a partir das imagens obtidas de microscópios e telescópios podemos conceber saberes e, inclusive, respaldá-los.

Um exemplo atual desse movimento de compreender as imagens como prova do real ocorreu durante a recente pandemia da Covid-19, quando notícias sobre a doença acompanhavam a ilustração do vírus SARS-CoV-2, imagem essa que ficou amplamente conhecida. Se atualmente a ilustração de um vírus pode comunicar uma verdade científica, que dirá imagens fotográficas propagadas em uma revista de informações geográficas?

Sim, as imagens nos educam geograficamente. Oliveira Jr. (2011, p. 252) também demonstrou como as fotografias no catálogo Megacidades, do jornal O Estado de São Paulo, podem dizer sobre determinadas cidades do Sul Global em contraponto com cidades como Londres, Nova Iorque e Tóquio. Registrar, por exemplo, uma fotografia de Lagos, na Nigéria, com uma imagem de ângulo alto, que segundo o autor “nos impede de levantar os olhos,” somada à ausência de edifícios, ruas e avenidas, e acompanhada da legenda que diz de milhões de habitantes viverem em pântano, reverbera naquele que vê uma imaginação espacial específica. No mesmo conjunto de imagens do catálogo consta uma imagem de Londres que, ao contrário, se coloca como uma capital rica e moderna, repleta de edifícios com arquitetura futurista. Na fotografia de Londres há predominância de cores frias como azul e branco, remetendo, segundo o autor, a uma ideia de limpeza e não poluição. Ou seja, as imagens veiculam geografias também pela sua forma de representação.

 

3 Sobre uma pedagogização visual na National Geographic Magazine

A revista National Geographic Magazine deu início às suas publicações em 1888, nos Estados Unidos, junto com a fundação National Geographic Society. A fundação, sem fins lucrativos, era composta por membros que, apesar de não serem considerados oficialmente vinculados aos interesses do Estado, se compreendiam como amistosos agentes dele. Para Jansson (2003), a sociedade era composta por influentes personalidades e tinha como interesse criar uma visão nacional norte-americana que facilitaria conceber o papel do país como líder mundial.

Em 1898, Alexander Graham Bell se torna o editor-chefe da revista e a transforma não somente em um veículo de informação ao público estritamente científico, mas em uma potente difusora de conhecimentos geográficos à população geral. Anos depois, em 1905, as imagens fotográficas passam a compor as páginas da revista, tornando-se uma das principais atrações ao público. Para Vasconcellos e Goldchmit (2019), o uso de fotografias na revista permitiu transformar algumas delas em icônicas, como é o caso da fotografia de Sharbat Gula, garota afegã, publicada como capa da revista em 1985.

Desde então, diversos pesquisadores se dedicaram a analisar o conteúdo, as imagens, as edições, os efeitos na sociedade, entre outras investigações (Bortree; Ahern; Dou; Smith, 2012; Hawkins, 2010; Lutz; Collins, 1993). Tendo em vista que a revista se autoproclamava como a maior difusora de conhecimento geográfico e tinha na classe média estadunidense a grande consumidora do material, segundo Jansson (2003) e Hawkins (2010), sua visão implicitamente transmitia aos leitores as políticas estatais, a cultura do consumo e uma ideologia norte-americana. Para Hawkins (2010, p. 7, tradução nossa), a

 

National Geographic não apenas catalisou o sentimento público em torno de poderosas narrativas cívicas nacionais, mas também ajudou seus leitores a negociarem as correntes rápidas e mutáveis de uma cultura global emergente.

 

Podemos, então, considerar a revista como um potente arquivo que traz vestígios do mundo em imagens e artigos desempenhando a função de educar geografias? As imagens da revista educariam formas de ver e habitar o mundo? 

Persuadindo essas questões a respeito da pedagogização visual na NGM, analisaremos três discussões teóricas de autores apresentadas em diferentes linguagens que abordaram as imagens fotográficas da revista. A primeira, um audiovisual produzido por um programa de TV apresentado por Donna Haraway (The paper [...], 2010), com a divulgação de análises de fotografias da capa da revista em que primatas figuravam uma aproximação às atitudes humanas. A segunda, o livro American Iconography: National Geographic, Global Culture, and the Visual Imagination, no qual Stephanie L. Hawkins (2010) debateu o poder iconográfico de fotografias da revista. A terceira discussão está em formato de artigo publicado por Daniel Rodrigo Meirinho de Souza (2010), intitulado A Fotografia Enquanto Representação do Real: A identidade visual criada pelas imagens dos povos do Médio-Oriente publicadas na National Geographic. Tais contribuições foram selecionadas por debaterem as imagens fotográficas da revista em diferentes suportes (audiovisual, livro e artigo) para públicos distintos e, devido a essa pluralidade de resultados veiculados em diferentes meios, despertaram o interesse de criar um diálogo entre as discussões levando em consideração a ideia de pedagogização visual para a educação geográfica.

A partir da seleção das três fontes empíricas de dados, realizamos a pesquisa, de cunho documental, tomando como referência metodológica o trabalho de Hollman (2014), quando nos permite indagar as imagens pela tríade suporte, entorno linguístico e composição. Neste caso, tendo como: 1. Suporte: as imagens fotográficas nas páginas da revista de infoentretenimento científico discutidas por três teóricos; 2. Entorno linguístico: as próprias análises comunicadas por essas três fontes (programa de TV, livro e artigo científico); e 3. Composição: o diálogo entre essas três discussões propostas como objetivo deste trabalho.

Assim, a primeira discussão acerca das imagens fotográficas na revista que trazemos é de Donna Haraway, comunicada no programa de TV Donna Haraway reads ‘National Geographic’ on Primates, gravado em 1987 (The paper [...], 2010). Esse programa de TV foi criado para um público interessado em arte, ativismos e séries analíticas de diferentes pesquisadores traduzidas em linguagem audiovisual. O episódio investigado tem a duração de uma hora e foi apresentado por Dona Haraway, bióloga e feminista que expõe seu trabalho Primate Visions: Gender, Race, and Nature in the World of Modern Science (1989). O programa se inicia com a discussão de fotografias de capas da NGM em que o gorila Koko se apresenta aculturado ao demonstrar conhecimento quando aprende a linguagem de sinais humana: porta uma câmera fotográfica e tira fotos, cuida de um gato como seu animal de estimação e compreende a leitura e a moral de um livro, tudo sob tutoria de uma estudante de psicologia. Assim, a apresentadora indaga como o animal se tornou um representante do Homem Universal na voz da revista naquele período. O movimento explicitado por Haraway no programa foi o de investigar qual ideia de Natureza é apresentada pela revista e o que significa produzir essa determinada noção para um dado grupo de pessoas, num certo momento da história.

Em seguida, após analisar uma série de reportagens e fotografias da revista, Haraway dá início a análises de imagens de Jane Goodall. Jane Goodall é uma primatologista americana mundialmente reconhecida pela imersão em florestas povoadas por chimpanzés na Tanzânia, e que teve sua experiência de pesquisa largamente difundida pela NGM. Haraway sugere no programa de TV que a figura feminina da cientista passa a representar o Homem Ocidental em um momento em que há a retirada dos colonizadores na África. Essa representação do feminino cientista como ser humano aceito pela Natureza acontece nas imagens fotográficas da revista quando, dentre outros exemplos apresentados no programa, a mão de um chimpanzé toca a de Jane Goodall, cientista que se declara como autossuficiente na natureza selvagem (Figura 1).

 

Figura 1 - Donna Haraway analisa toque de mãos entre Jane Goodall e chimpanzé

Fonte: Captura de tela, 15’40” (The paper [...], 2010).

 

Haraway, então, apresenta a ideia de que há recodificações nas imagens fotográficas da NGM. Em um primeiro momento, primatas que se transformam em representantes do Homem ao demonstrarem capacidade de afeto, aprendizagem e aculturamento são apresentados para o público da revista criando um desarranjo da noção de espécie. Posteriormente, em outra série de imagens analisadas no programa, a imagem de Jane Goodall, uma jovem mulher, é oportunamente apresentada na revista como uma representante do Homem Moderno que adentra a vida selvagem.

A imagem de Jane Goodall é explorada estrategicamente pela revista, pois, segundo Haraway, é aceita como imagem triunfante e recodifica as noções de representante do ser humano, normalmente vinculada ao gênero masculino, mas que, naquele momento histórico, estava enfraquecida com a expulsão dos colonizadores. Desse modo, Haraway, convoca-nos a tomar tempo de mirada para essas imagens, permitindo observar confrontos nas narrativas sobre natureza/homem e problematizando, assim, a solidez de categorias científicas da biologia como as espécies, famílias, gênero, raça etc. Neste sentido, ao pôr em xeque as fronteiras de Natureza e Sociedade, as discussões trazidas por Haraway nos permitem reverberar desarranjos com categorias caras não só à biologia como também à geografia, já que a educação geográfica comumente se define como a ciência que investiga a relação entre Sociedade e Natureza.

Assim, com as conclusões da autora, podemos, agora, mirar a escolha da fotografia da mão humana que recebe o toque do animal, impressa em zoom de tamanho das mãos quase que em proporções reais, com cores e sombras nítidas e vivas, a fim de interpretar as formas de representação ali postas. A fotografia, nesse sentido, se aproxima com aquilo que Han (2018) enfatiza como característica das imagens atuais, que parecem querer estar vivas.

A magia da imagem que nos apresenta como viva, nos comunica não simplesmente uma narrativa da nobre aprovação da Natureza (chimpanzé) à Sociedade (humana) como um fato, mas como uma visibilidade que nos seduz e que reafirma as ideias de oposição entre Natureza e Sociedade. Ou seja, apesar de haver um fecundo encontro entre humano e o animal pelo toque, a imagem nos impõe de antemão a narrativa hegemônica de que haveria uma indiscutível separação do que é Natureza e do que é Sociedade, tendo a imagem como prova.

Diante disso, podemos problematizar que esse tipo de compreensão dos limites entre Natureza e Sociedade educados pela revista podem favorecer as relações de dominação do Humano sobre a Natureza, há muito tempo praticadas pelo Homem Ocidental. E, retomando a relevância para nossas análises no campo da educação de geografias, reiteramos a percepção de Cosgrove (2012), ao dizer que esse tipo de imaginação geográfica nos permite compreender a Sociedade como exterior à Natureza. Uma sociedade que drena pântanos, devasta ecossistemas, desmata florestas, entre outras transformações que se materializam no espaço e produzem geografias.

Nesse diálogo de análises das imagens fotográficas da revista, a segunda discussão que trazemos à baila é o livro de Stephanie L. Hawkins (2010), American Iconographic: National Geographic, Global Culture, and the Visual Imagination. Nele, a autora, a partir da iconografia, discorreu a respeito da influência das imagens da revista para a cultura visual norte-americana, expondo uma ideia de cultura global. O livro apresenta a NGM como responsável pela divulgação da agenda política e cultural estadunidense amplamente difundida por inúmeros críticos da revista ao longo dos anos, ponto em que a autora pondera, pois, segundo ela, os efeitos causados no público que observa as imagens não podem ser previstos. No entanto, argumenta que a revista tem poder midiático de produzir ícones (Hawkins, 2010). A exemplo, nos apresenta como fotografias de pessoas ordinárias são transformadas em icônicas, como no caso de Sharbat Gula (Figura 2).

 

Figura 2 - Fotografia de Sharbat Gula, a garota afegã, em capa da revista (1985)

Pessoa na frente de uma placa

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: CAPA. National Geographic Magazine, [s. l.], n. 6, v. 167, 1985.

 

Para Hawkins (2010), nesta fotografia icônica, a garota afegã induz uma resposta empática, uma certa política da compaixão, em que a simpatia do espectador e a tribulação daquele/daquilo fotografado se tornam substitutos de uma justiça social. Assim, analisa essa imagem como derivada da fusão de estilo fotográfico documental e de moda com a estética de pinturas renascentistas: o véu e o semblante assustado clamam pelos sofrimentos capturados em fotografias da Grande Depressão, marcadas pela forte recessão econômica do ano de 1929; os lábios e sobrancelhas grossas e expressivas lembram a aparência de personalidades estadunidenses em revistas de moda nos auges dos anos 80, como Madonna e Brooke Shields; e seu olhar e rostos inclinados lembram as imagens renascentistas da Virgem Maria. No entanto, segundo a autora, é o realismo fotográfico que retrata uma influência peculiar, sendo a fusão de realismo com uma estética fantástica, enquadradas pelas tradicionais margens amarelas da revista, criando um cenário que mescla a fantasia da aura do desconhecido com toques de realismo. Por fim, as típicas margens amarelas da revista também são discutidas pela autora, compreendendo as capas como janelas que intentam representar o Oriente Médio.

Podemos destacar a partir das discussões de Hawkins, que a imagem da garota afegã aparece como representação de um Oriente entrelaçado pelo sofrimento causado pela guerra vista em sua face suja e semblante dramático, aliciados às camadas de exotismo e fantasia dos tons terrosos e pose que nos remetem às pinturas renascentistas. Assim, compreendemos que essa imagem, apesar de não apresentar uma paisagem do Afeganistão, nos clama por geografias de um espaço tanto precário, o Oriente, que é visível por tons terrosos, tal qual o clichê das cores quentes do subdesenvolvimento africano tratado por Oliveira Jr. (2011). Uma imaginação geográfica do Oriente reforçada como violento e dramático pela poeira no rosto e aspereza do semblante, que nos fazem enxergar a guerra, mesmo sem estar acompanhada da imagem de espaços com destroços de bombas. A imagem da garota afegã, portanto, evoca estereótipos de uma geografia de sofrimento, de terra destruída, de espaço exótico, ao passo que também nos coloca, complacentes observadores da imagem, como modelos de sociedade e civilidade.

A terceira discussão sobre as imagens fotográficas da revista elencadas para a análise é o artigo de Daniel Rodrigo Meirinho de Souza (2010), intitulado A Fotografia Enquanto Representação do Real: A identidade visual criada pelas imagens dos povos do Médio-Oriente publicadas na National Geographic. O autor explora os personagens e rostos do Oriente Médio que, a partir da década de 1970, tomaram força nas páginas da NGM. Segundo o autor, nas décadas que se sucederam, houve uma espetacularização de conflitos da região de maneira “violenta, irracional, primitiva e carregada de preconceitos e fanatismos religiosos e políticos” (Souza, 2010). O autor, então, realiza um recorte de imagens fotográficas da revista após o ataque de 11 de setembro de 2001, evento que novamente fez aflorar o interesse em relação aos povos do Oriente Médio.

Ao analisar 151 fotografias em 227 páginas que retratavam o cotidiano, temas e assuntos derivados de reportagens sobre os povos do Oriente Médio, Souza compreende que a revista utiliza de imagens de mulheres submissas na sociedade do Oriente Médio, geralmente, subalternas aos homens que são dominantes nesta cultura:

 

Nestas imagens, o observador é convidado a desenvolver um olhar comparativo entre o mundo das tradições e um novo universo, impregnado de valores de desenvolvimento e contacto com um mundo global e civilizado. As imagens melancólicas retratam um povo sofrido e que vive em contacto frequente com a violência. A apreensão dos olhares permite uma sugestão simbólica de expressão do dramático e de uma dor que parece merecer ser contada ao mundo. As fotografias que retratam o fanatismo religioso quase sempre fazem uma análise reflexiva e simbólica de tradição que empata o desenvolvimento social destes povos (Souza, 2010, p. 13).

 

Assim, ao explorar as fotografias de personagens do Oriente Médio na NGM, o autor percebe que a revista cria uma comparação de culturas, entre um mundo tido como civilizado e outro repleto de sofrimento, tradições e fanatismo religioso. Essa conclusão do autor reforça a presença de dualismos como efeitos das imagens também postas em diálogo anteriormente nas imagens que apresentam Natureza versus Sociedade e Exótico versus Normal. Isso é, ao nos apresentar que há uma posição de um mundo global e civilizado em contraponto com a violência e o sofrimento do povo do Oriente Médio, nos sugere o dualismo da Civilidade e Barbárie. Essa imaginação é geograficamente situada ao submeter toda uma cultura e tradição a adjetivos como sofrida e violenta, toda uma terra ultrapassada e destruída, ao passo que, por comparação, o ocidente passa a ser o modelo de civilidade e desenvolvimento a ser persuadido, mesmo que não se apresente na imagem.

Trazendo à baila essas três discussões que analisaram as imagens fotográficas da revista NGM: o programa de TV apresentado por Dona Haraway (The paper [...], 2010), o livro de Stephanie Hawkins (2010) e o artigo de Daniel Rodrigo Meirinho de Souza (2010), podemos perceber como a linguagem fotográfica foi adotada pela revista NGM como estratégia para a apresentação do mundo aos seus leitores. Na medida em que veicula geografias imaginárias, tais quais as fronteiras entre Sociedade e Natureza, entre Civilidade e Barbárie, além de estabelecer modelos culturais a partir do jogo entre culturas apresentadas como exóticas e a complacência do observador, a revista acaba por estabelecer lentes de interpretação para o espaço e as espacialidades.

Ademais, o uso da fotografia como imagem nesses três contextos de divulgação na revista induz a uma pedagogização visual pelo regime veridictivo da própria fotografia como representação mecânica e objetiva da realidade, assim como nos apontaram Dussel (2018) e Azevedo (2014). A escolha da imagem fotográfica pode ser percebida, a partir desses trabalhos, como forma de apresentação dos espaços garantindo um regime de verdade exposto na revista ao enunciar fatos científicos incontestáveis, tais quais a exoticidade da cultura do Oriente Médio, a inferior civilidade cultural que causa sofrimento e opressão feminina, além da própria noção de embate de categorias hegemônicas de Natureza e Sociedade. Ao mesmo tempo, a revista mobiliza visualidades que beiram o ficcional com uma direção de arte sedutora, como vimos nas análises de Hawkins a respeito da garota afegã, mas que também podemos visualizar no exemplo da imagem de Haraway, com o toque das mãos que nos remete a uma imagem intencionalmente fabricada, ao editar o zoom, recortes e exclusões do entorno da imagem, fazendo-a viva. Ou seja, a exposição do real, tanto respaldada pela linguagem fotográfica quanto pela autoridade da revista em apresentar esses fatos científicos, consegue articular realismo com uma estética fantástica, sem que haja prejuízo na compreensão da imagem como apresentação fidedigna do mundo.

Com as três análises dos autores aqui postas em diálogo, somadas às discussões dos regimes de verdade característicos da imagem fotográfica (Azevedo, 2014; Dussel, 2018) e à reivindicação do direito de olhar (Mirzoeff, 2016), almejamos contestar as geografias imaginárias difundidas pela revista. Ou seja, o espaço geográfico pode deixar de ser interpretado pela lente homogeneizante e colonizadora que promove de antemão uma geografia de dualismos como Natureza e Sociedade, Civilidade e Barbárie, Exótico e o Normal.

Vale ressaltar que não é de nosso interesse instaurar uma interpretação determinista de estratégias visuais da revista, e como transformam as relações de seus leitores com o mundo, os quais estariam vulneráveis às suas artimanhas. No entanto, somando à ideia de Hawkins (2010), podemos analisar como as imagens fotográficas são viabilizadoras de imaginários e estes, sim, educam pontos de vistas a partir dos efeitos que geram naquele que vê. Assim como argumentou Rose (2013), as visualidades estruturam nossas interpretações sobre os espaços geográficos ao passo que conhecimentos são promovidos e criam relações de poder, em que algo é posto como superior e hegemônico, seja na imagem do animal que toca o humano pela oposição de Natureza e Sociedade; da garota afegã que nos faz ver o sofrimento de um espaço de guerra e destruição sob a estética de tons quentes somados ao semblante sóbrio que carrega a imagem com noções de subalternidade exotismo frente ao observador, ou, igualmente, da opressão feminina causada por uma cultura exótica.

Além disso, vale indicar que o público consumidor da revista pode ser configurado na atualidade como de sujeitos aptos e ávidos a aprender, os Homo discens, como definido por Dora Lilia Marín-Díaz e Carlos Ernesto Noguera-Ramírez (2014). Assim, esse público estaria em contato com o suporte da revista, educando-se sobre os selvagens primatas africanos ou sobre a desafortunada população do Oriente Médio, por um desejo instaurado pela aprendizagem na sociedade aprendente. As fotografias da revista estariam, portanto, educando-nos sobre espaços, espacialidades, povos e culturas, como o mundo é categorizado e consequentemente hierarquizado, para além dos espaços educativos costumeiros a transmitir esse tipo de conhecimento.

Assim, defendemos que as imagens da revista educam por meio da linguagem fotográfica que se presume fatídica e aliciada à voz de um conhecimento científico. Outra questão que podemos enfatizar são os efeitos dos elementos das imagens (conteúdo, cores, ângulos, recortes etc.) que ressoam um determinado saber geográfico. Esse ponto leva em consideração Cosgrove (2012) e Massey (2017) ao compreenderem que as geografias imaginárias não estão dissociadas das materialidades do espaço, ou seja, é com e pelas visibilidades que se criam geografias, teorias sobre o mundo que não só participam de um imaginário, mas causam transformações materiais no espaço geográfico.

Desde os trabalhos de Edward Said (2007) e a exemplo de nossa pesquisa que problematizou a reverberação de uma ideia do que é Oriente Médio (por cores, tons, semblantes), do que é o modelo civilizatório e do que é o selvagem (oposição animal e humano), estabelecemos hierarquias espaciais e definimos posições de poder que influenciam as próprias materialidades do espaço geográfico. Fazemos isso ao perpetuar a admissibilidade das constantes guerras no Oriente Médio, apesar da foto da garota afegã já ser datada da década de 80 e, mesmo assim, ser uma problemática atual. Fazemos isso ao interpretar e aceitar a opressão feminina como um problema de uma cultura inferior que precisa se desenvolver e, ao fazê-lo, restringimos as possibilidades de outras soluções que não pela via do extermínio de culturas. Ou, ainda, transformamos as materialidades do espaço geográfico ao perenizar as fronteiras entre a Sociedade e a Natureza como sendo a única relação possível, sem levar em consideração que há outros modos de compreender o espaço geográfico, tais como os modos de vida indígenas que não preveem essa diferenciação.

A educação visual promovida pelas imagens da revista possibilita que o público espectador seja transformado ao tomar contato com as fotografias, mas, também, esse público pode vir a transformar o espaço geográfico material em que vive a partir da noção de verdade atribuída às imagens fotográficas vislumbradas e o aprendizado adquirido a partir delas. Desse modo, compreendemos a revista como uma ferramenta de pedagogização visual que institui uma educação do que ver, como ver e como agir no mundo.

Em suma, o uso de imagens para educar geografia, como o caso das fotografias da revista NGM, promove uma educação visual ao ensinar como olhamos para as realidades do mundo, e como estas criam saberes em seus leitores, que passam a olhar o mundo com um dado filtro e a perpetuar certas relações espaciais. Ou seja, a NGM educa modos de habitar, compreender, comparar paisagens, visualizar o espaço geográfico, e, ao fazê-lo, também cria e submete geografias. Pois, assim como mencionado por ilustres geógrafos — Cosgrove (2012) e Massey (2017) —, o mundo da imaginação não participa somente de nossas ideias de como o mundo é, mas provoca materialidades no espaço quando as geografias imaginárias são postas em prática, produzindo transformações no espaço geográfico.

 

4 Conclusão

Como as imagens educam geografias? Como as fotografias da revista National Geographic Magazine constroem mundos? Essas questões foram exploradas neste artigo ao traçarmos como objetivo o diálogo entre três discussões teóricas provenientes de diferentes linguagens (livro, audiovisual e artigo) que se debruçaram sobre as imagens fotográficas da revista.

A revista em questão divulga e promove saberes geográficos e é tida como um objeto que educa uma sociedade sedenta por aprendizado. Desse modo, ao investigar como as imagens fotográficas da revista foram debatidas por três trabalhos diferentes, compreendemos que ocorre uma pedagogização visual utilizando-se do caráter veridictivo próprio da linguagem fotográfica somado a uma sedução na estética fantástica, pela edição de Arte na escolha dos tons, escala e ângulo nas imagens.

Tais imagens, além de produzirem uma noção de realidade incontestável e seduzirem pela edição de Arte, educam geografias, modos de ver, de ser e de habitar o mundo. Compreendemos que assim o fazem, pois, ao difundir imaginários sobre os dualismos Natureza x Sociedade, Exótico x Normal e Barbárie x Civilidade, estabelecem lentes de interpretação do espaço geográfico, educando nossas miradas para uma visão hegemônica de como nos relacionarmos com o mundo. Isso é, pela hierarquização entre Natureza e Sociedade, assim como pela diferenciação da Cultura Ocidental e do Exótico.

A partir dessas geografias imaginárias visibilizadas pela revista, chamamos a atenção para como a educação geográfica reverberada nessas imagens não está reclusa ao plano das abstrações, do imaterial. Tais imagens, se não problematizadas, podem vir a reforçar ainda mais a fatídica ideia de aceitação das guerras no Oriente Médio, da extinção de culturas acompanhada da opressão às mulheres, tendo a violência e povo sofrido como pretexto, além de apregoar o domínio que o Homem Ocidental submete à Natureza ao se compreender como externo a ela. 

 

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[i] Contribuições da autora: Conceituação; Curadoria de dados; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Software; Supervisão; Validação; Visualização e Escrita- rascunho original.

 

[ii] Contribuições da autora: Conceituação; Análise formal; Aquisição de financiamento; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Software; Supervisão; Validação; Visualização e Escrita – análise e edição.