e-ISSN 1984-7246  

 


Programas habitacionais e serviço social: uma análise bibliográfica das produções teóricas acerca do trabalho social no período de 2012 a 2022[i]

 

 

Edna Márcia Teixeira Monteiro da Silva Valente[ii]

Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social  

do Pará (SEGUP-PA)

Belém, PA – Brasil

 lattes.cnpq.br/5137097811398332  

 orcid.org/0009-0009-8901-5965   

ednamarciamonteirovalente@gmail.com  

 

 

Roselene de Souza Portela[iii]

Universidade Federal do Pará (UFPA)

Belém, PA – Brasil

 lattes.cnpq.br/6438556520914699  

orcid.org/0000-0003-3339-3528  

       roselene@ufpa.br  

 

 

 

 

Programas habitacionais e serviço social: uma análise bibliográfica das produções teóricas acerca do trabalho social no período de 2012 a 2022

 

Resumo

O presente artigo é parte constitutiva da Dissertação de Mestrado defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UFPA que teve como objetivo realizar uma análise das produções acadêmicas (dissertações e teses) publicadas no período de 2012 a 2022, que trataram da temática da habitação, tendo como principal enfoque os programas habitacionais, em especial o “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV). Esta pesquisa bibliográfica demonstrou que, os moradores desses empreendimentos, buscam preservar o valor de uso da casa e o fato de não voltar a morar em acampamentos e ocupações; e que o direito de morar, construído no cotidiano da pobreza, expressa o modo de viver e de ser dessas famílias; que as famílias dos residenciais convivem com a baixa infraestrutura e qualidade arquitetônica das unidades habitacionais e com a difícil localização dos empreendimentos. Para o alcance destes resultados foram utilizados como procedimentos metodológicos, os levantamentos no catálogo da CAPES, seguido de análise dos discursos em diálogo com os autores referenciados, em especial os pensadores clássicos do materialismo histórico dialético.

 

 

Palavras-chave: serviço social; política habitacional; programas habitacionais; PMCMV; trabalho social.

 

 

 

Housing programs and social service: a bibliographical analysis of theoretical productions about social work in te period from 2012 to 2022

 

Abstract

This article is a constituent part of the Master's Dissertation defended within the scope of the Postgraduate Program in Social Service/UFPA, which aimed to carry out an analysis of academic productions (dissertations and theses) published in the period from 2012 to 2022, which dealt with the theme housing, with the main focus being housing programs, especially “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV). This bibliographical research demonstrated that the residents of these projects seek to preserve the use value of the house and the fact of not returning to live in camps and occupations; and that the right to live, built in the daily life of poverty, expresses the way of living and being of these families; that residential families live with the low infrastructure and architectural quality of the housing units and the difficult location of the projects. To achieve these results, surveys in the CAPES catalog were used as methodological procedures, followed by analysis of speeches in dialogue with the referenced authors, especially the classic thinkers of dialectical historical materialism.

 

 

Keywords: social service; housing policy; housing programs; PMCMV; social work.

 

 

 

 

 

1 Introdução 

A sociedade brasileira, para Maricato (2000), produziu-se de forma predatória e desigual, tanto na área rural quanto na urbana, passando por um processo de transformação que aponta que a sua realidade é composta de problemas de ordem territorial, social e ambiental, as quais se agravam pela grande desigualdade socioeconômica presente nas cidades.

Destarte, as áreas periféricas, tanto das regiões metropolitanas quanto das grandes cidades, retratam a precariedade e vulnerabilidade da vida urbana de muitos. Isso é demonstrado na fragilidade da prestação dos serviços, na falta de acesso ao saneamento básico das ocupações de áreas de riscos (encostas, mananciais, habitações inadequadas) e outras expressões da falta de segurança.

A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 6º, fala que a moradia é direito social, assim como a educação, o transporte, a segurança, entre outros, e reforça que é por meio da política urbana, prevista no capítulo II, artigos 182 e 183, que o direito à moradia se viabiliza. Tal princípio trata da função da política urbana que é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (Brasil, 1988, p. 112).

Mas, apesar de estar previsto na Lei Magna, o direito à moradia e à habitação enquanto direito social, na prática, não é concretizado de modo universal, ou seja, o direito à cidade não é acessível a todos os cidadãos. Enquanto alguns grupos sociais possuem acesso aos direitos e aos bens econômicos, outros ficam à margem do processo.

A complexidade das cidades contemporâneas é resultado da interação entre diferentes agentes. Elas são lugares de encontro e de sociabilidades, mas, ao mesmo tempo, locais em que se manifestam os mais diversos conflitos humanos.

Sobre o processo de urbanização das cidades, incluindo-se, aqui, as brasileiras, o autor, também, diz que o mesmo está vinculado ao modo de produção capitalista, que consiste, entre outros fatores, que os trabalhadores residam nas proximidades de seus locais de trabalho, facilitando a lógica produtiva e diminuindo riscos e perdas, ressaltando que, alguma das antigas funções de controle da classe trabalhadora, se dava por meio da moradia.

Durante muito tempo, o que se via eram trabalhadores de fábricas, residindo em cortiços, pensões e vilas operárias, que eram conjuntos de casas oferecidas aos empregados, descontando de seus salários o aluguel, e assim, os operários da época, moravam próximos aos seus locais de trabalho, na região central da cidade, pois até então, ainda não existiam as áreas periféricas (Bonduki, 2017).

Mesmo as cidades apresentando singularidades que são localizadas historicamente, e por esse motivo não se reproduzem igualmente em todos os lugares, seguem as tendências das sociedades capitalistas.

O presente artigo foi dividido em quatro tópicos, em que, o primeiro diz respeito a uma breve consideração sobre a construção do espaço urbano e a questão habitacional em cidades capitalistas, o segundo passa pela questão habitacional e o direito à moradia; o terceiro, busca tratar mais especificamente da Política Habitacional no Brasil e sua trajetória histórica, fazendo um recorte entre os programas habitacionais anteriores ao ano 2004 e os de 2004 até os dias atuais; e o último, onde constam as análises de produções teóricas de 2012 a 2022, que tratam sobre o Trabalho Social atrelado aos Programas Habitacionais, enfocando principalmente o “Minha Casa, Minha Vida”.

 

2 A (re) produção do espaço urbano e as contradições sócio-espaciais: reflexões para se pensar o direito à cidade

Pensar no processo de produção do espaço, de um determinado território, num dado momento social, seja ele rural ou urbano, é um exercício de resgate de muitas características que compõem essa lógica, que vai muito além da construção de moradias, mas também é composta de elementos necessários à organização social de uma cidade e, principalmente, sobre o lugar das pessoas dentro desse cenário.

A formação do espaço urbano brasileiro historicamente se baseou na posse da terra e na transição da economia rural para a economia urbana, que gerou intensos conflitos, que continuaram ligados na mesma fonte, que são a propriedade da terra, as mudanças nos meios rurais e urbanos e o papel do Estado na regulação da terra.

O espaço é a expressão da sociedade que o produz, os espaços produzidos pela sociedade capitalista moderna vão contribuir, então, para a manutenção de toda a desigualdade existente nela, todos os conflitos e contradições, reflexos das relações de produção e da luta de classes.

O processo de reprodução do espaço urbano foi, portanto, marcado pela diferença na implantação de infraestrutura e na modernização dos equipamentos urbanos, que alteram o valor do solo e produzem melhorias nas moradias já valorizadas, tornando o solo cada vez mais inacessível para uma camada cada vez maior da população.

Se num primeiro momento o crescimento do espaço urbano nas grandes cidades ocorria de forma horizontal, ultimamente o que se tem visto é um processo de verticalização da cidade, no sentido de que o espaço não pode mais ser considerado apenas como um espaço absoluto, mas sim um espaço relativo, que esteja contido num conjunto de relações que estabelece com os demais espaços.   

Em uma sociedade capitalista, o espaço geográfico é constituído de modo diferente, obedecendo à lógica do seu modo de produção de maneira que auxilie em sua reprodução social. É o que defende Harvey quando diz que:

 

O capitalismo apenas consegue escapar de sua própria contradição por meio da expansão. A expansão é, simultaneamente, intensificação (de desejos e necessidades sociais, de populações totais e assim por diante) e expansão geográfica. Para o capitalismo sobreviver, deverá existir ou ser criado espaço novo para a acumulação. Se o modo capitalista de produção prevalecer em todos os aspectos, em todas as esferas e em todas as partes do mundo, haverá pouco ou nenhum espaço para a acumulação adicional (o crescimento populacional e a criação de novos desejos e necessidades seriam as únicas opções). Muito antes que se atinja tal situação o processo de acumulação fica mais lento. A estagnação se imporia, acompanhada por toda uma gama de problemas econômicos e sociais. Começariam a ser sentidos freios internos dentro do modo capitalista de produção, especialmente na esfera da competição (Harvey, 2005, p. 64).

 

O Brasil, por se encaixar dentro desse mesmo modelo capitalista de produção do espaço urbano, também apresentou as mesmas características, como o rápido aumento da população urbana, que foi responsável por agravar a questão urbana no país. A regulamentação do trabalho urbano, como incentivo à industrialização, a construção da infraestrutura industrial, entre outras medidas, incentivou a população a migrar para as cidades (Maricato, 2003).

Dessa forma, o direito à cidade ultrapassa a elaboração jurídica e se refere à vida em sociedade, a democratização do espaço urbano, à ação participativa, mesmo que haja tensões e conflitos. Igualmente, nesse processo surgem novas concepções de cidade que percorrem a elaboração do conteúdo político dos movimentos sociais (Lefebvre, 2001).

A cidade que se divide através das práticas espaciais e das representações que são feitas em relação a ela, não existe mais, a não ser enquanto resíduo que o morador-usador-cidadão busca recuperar, quando rejeita os rótulos de simples habitante-usuário-consumidor. É essa forma urbana que se impõe, trazendo consigo um modo de vida e uma nova urbanidade, que pressupõe a existência da cidade dispersa, repleta de contradições e que comporta práticas e representações necessárias à sua existência (Trindade Jr., 1999).

 

3 A questão habitacional e o direito à moradia

De acordo com Buonfiglio (2002), a habitação é uma das políticas urbanas mais importantes para a sociedade e uma necessidade humana básica para a reprodução social das pessoas enquanto moradores, sejam eles ricos ou pobres, ou morem em uma pequena cidade ou na metrópole.

Para Engels (1979), o conceito de habitação é o espaço físico que serve como abrigo de um indivíduo, de uma família ou de um grupo de pessoas e, embora seja fundamental em toda a história da humanidade, está em permanente revisitação, devido ao seu papel central no contexto das funções sociais e urbanas.

Dessa mudança surgem os novos conceitos e mudam-se os sentidos da política de habitação, deixando de lado seu aspecto sociocultural, para se transformar, de elemento de distribuição de riqueza, em elemento de acúmulo de riquezas, uma vez que a moradia se torna meio de acesso a valores econômicos e gera uma expectativa de aumento de preços dos  imóveis em curto prazo de tempo e, com isso, criando obstáculos consideráveis às famílias, que, por sua vez, não conseguem mais permanecer residindo em áreas que estão aos poucos sendo mais valorizadas.

Quando começamos a discutir a respeito das principais causas do problema da habitação, encontramos inicialmente o fator crescimento da população urbana e rural brasileira como um forte determinante social, pois impulsionou a expansão das cidades. Esse crescimento está aliado a um forte movimento de urbanização, devido ao fluxo migratório rural-urbano e tendência à aglomeração populacional na área urbana, causando a ampliação da rede urbana de modo geral.

Todos esses fatores, somados à ausência de políticas públicas voltadas ao campo, forçaram a saída das pessoas para as cidades, em busca de emprego e de melhor qualidade de vida. Essa mão de obra que veio do campo se colocou como suporte do processo de industrialização de baixo custo, processo esse que estava ocorrendo em algumas cidades brasileiras, todavia, a indústria não conseguiu absorver todo esse contingente.

Esses deslocamentos da população pobre que deixa o campo em busca de oportunidades nas cidades é também um importante ponto sobre a questão habitacional no que diz respeito às desigualdades territoriais urbanas, consequências desse deslocamento.

Tal cenário é fruto da falta de um planejamento adequado, afetando assim toda a sociedade, pois além de onerar os custos dos transportes para aqueles que mais precisam, ainda encarecem a infraestrutura e a mobilidade urbana, congestiona o trânsito e sobrecarrega os serviços públicos, entre outras.  

O processo acelerado de industrialização nacional impactou negativamente o cenário da habitação no Brasil, provocando inadequadas condições de moradia enfrentadas pelas populações mais pobres. Nesse contexto, a busca pelo enfrentamento das desigualdades e problemáticas que surgem dentro do espaço urbano é projetada nas políticas públicas e nas intervenções urbanas, no intuito de minimizar a problemática resultante desse crescimento urbano desordenado.

Pensar no processo de produção social da moradia é não somente pensar na construção de casas, sejam elas construídas pelos próprios moradores, como é o caso das ocupações, ou construídas pelo poder público, através de convênios ou outros instrumentos de acesso, como é o caso dos residenciais construídos através dos programas habitacionais, mas, principalmente da construção de um ambiente social, dotado de valores que permeiam a sociedade onde a moradia está organizada. Aqui estamos falando do lugar das pessoas dentro desse cenário habitacional.

É dentro dessa lógica que, segundo Rolnik (2015), ocorre a colonização dos territórios pelas finanças, explícita na forma de construção de casas populares em terrenos periféricos, distantes dos equipamentos públicos, comercializados por valores muito abaixo do custo de mercado, em transações realizadas pelas prefeituras e pelas construtoras.

 

4 Os programas habitacionais

Ao longo da história, as políticas habitacionais passaram por vários momentos de avanços e retrocessos, mesclando períodos em que houve uma tentativa de enfrentamento do déficit de forma mais incisiva, e outros de esvaziamento de programas habitacionais, principalmente aqueles destinados às classes de menor poder aquisitivo.

Nesse sentido, as políticas públicas de habitação social, asseguradas pelo direito à habitação, previsto na Carta Magna dos Direitos Humanos e na Constituição Federal do Brasil de 1988, visavam garantir o acesso à moradia pelas famílias de baixa renda, além de tentar diminuir ou até mesmo eliminar a questão do déficit habitacional.

4.1 Os programas habitacionais até 2004

A problemática que envolve a questão da luta pela moradia no Brasil tem seu início ainda no século XIX, mais precisamente em 1850, quando do surgimento da Lei de Terras, que se configurou como uma alternativa para o declínio do então sistema que normatizava a distribuição de terras no Brasil Colônia, que eram as Sesmarias.[1]

Daí pra frente, o Brasil inicia experimentos de como prover moradia urbana, nas mais possíveis configurações, sempre caracterizadas pelo momento político, econômico e social vigente, passando pelo Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), em 1963, discutindo a questão da habitação integrada, buscando construir uma política de planejamento urbano que culminou, ao final do Seminário, a uma série de orientações para a elaboração de uma Política Nacional de Habitação e Reforma Urbana (Bonduki, 2017), que culminou na criação do BNH em 1964.

O BNH até a sua extinção em 1986, foi administrador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), passando, a partir de então, a ter a sua gestão operacional efetuada pela Caixa Econômica Federal (CEF). Esse sistema funcionou a contento durante cerca de 15 (quinze) anos e entrou em crise no início dos anos 1980, e figurou como o primeiro programa habitacional brasileiro, objetivando solucionar, ou pelo menos amenizar, o problema da falta de moradia no país.

 Ainda no século XX, por volta da década de 1970, com a participação dos movimentos sociais urbanos, cuja principal expressão foi o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Dentre as mais importantes reivindicações do FNRU, estavam, a defesa do direito à cidade e à moradia dos habitantes de assentamentos precários, como forma de promover um meio ambiente urbano saudável para os moradores da cidade. Sendo assim, as conquistas legislativas, no que tange ao direito social à moradia, estão associadas à luta destes movimentos, uma vez que foram responsáveis pela inclusão do capítulo da política urbana na Constituição Federativa de 1988 e pela elaboração do conteúdo de leis federais relacionadas ao tema em âmbito nacional.

Já dentro de um processo de redemocratização que se deu no fim da década de 1980, vimos que os movimentos sociais continuam em cena, demonstrando sua importância na luta pelos direitos sociais, especialmente no que se refere ao Direito à moradia, que na Constituição Federal de 1988 passa a ser considerado como Direito fundamental.

Devido sua importância como fator de inclusão social, o direito à moradia ficou previsto no no art.1º, III, CF/8, como um importante fundamento do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fazendo parte do rol dos direitos sociais, visto se tratar de uma das necessidades mais básicas dos seres humanos e estabelecendo uma direta ligação com o direito humano indispensável para a efetivação de outros direitos.

De acordo com Cardoso (2013, p. 23), durante esse período foram instituídos diversos mecanismos de acesso à moradia, como: as Cartas de Crédito – tanto para o FGTS quanto para o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE);   a instituição das Companhias Habitacionais Estaduais (COHAB’s); o Programa “Pró-Moradia”, que naquela época se configurava como o principal programa para apoio à atuação dos governos locais no setor habitacional; Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que consistiu em uma operação de aquisição de empreendimentos novos, a serem construídos, em construção ou a recuperar/reformar;  o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), composto de recursos provenientes de fundos e programas governamentais em extinção e de recursos obtidos por meio de empréstimo, dentre outros.

No período do governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi de 1995 a 1998, e de 1999 a 2002, a Secretaria Nacional de Habitação (SNH) fazia parte do Ministério de Planejamento e Orçamento e, naquele período, a responsabilidade por articular as instituições ligadas à política habitacional era da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, vinculada à Presidência da República. Isso ocorreu até 2003, quando houve a criação do Ministério das Cidades, em que se alocou a Secretaria Nacional de Habitação, dando vida a programas como o Crédito Solidário, atendendo a uma solicitação dos movimentos sociais. A criação foi voltada para o atendimento de necessidades habitacionais da população de baixa renda que estavam organizadas em cooperativas e/ou associações. Os recursos utilizados pelo programa eram oriundos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), criado em 1993, para financiar programas sociais locais e que naquele momento estava praticamente inoperante (Cardoso, 2013).

Para Rolnik (2015), as políticas públicas de habitação abdicaram do papel de distribuição de riqueza e passaram a praticar a extração de renda, ganho financeiro e acumulação de riqueza através do financiamento da moradia, tendo assim o “endividamento”, que transforma o direito à moradia em um mercado que visa a exploração das classes populares.

Diante desse contexto, a habitação se expressa com suas manifestas desigualdades, escancaradas de diferentes formas, principalmente, na forma de habitar o espaço urbano. Maricato (2009) ressalta no trecho abaixo, que isso pode ter relação com a falta de articulação do programa com a política urbana:

 

O combate ao déficit não pode se resumir apenas aos números. E desde os tempos do Banco Nacional da Habitação, o BNH, que foi criado pelos militares na década de 1960, a questão habitacional no Brasil foi quase sempre tratada como meramente quantitativa, e o sucesso ou fracasso dos programas é medido pelo número de unidades construídas. É óbvio que haveria outros fatores envolvidos, como por exemplo, a maior articulação deles com políticas urbanas e sociais (Maricato, 2009).

 

Apesar de o Governo Federal ter criado vários programas e projetos habitacionais e tê-los implantados em diversas cidades brasileiras, por meio da construção dos conjuntos habitacionais, os problemas relacionados à falta de moradia ainda não foram solucionados, haja vista, que a cidade capitalista é excludente, com cenários totalmente diferentes e com classes antagônicas.

Dito isso, o que podemos compreender é que, o problema do acesso à moradia digna no Brasil é uma questão que tem suas origens ainda no século XIX e vem desde então passando por modificações na sua estrutura e formas de condução política, porém sem ser, até o presente momento, solucionado de fato.

Em resumo, os programas habitacionais do governo se apresentam como uma, ou talvez a única alternativa para as famílias que lutam pelo direito à moradia, especialmente em um país como o Brasil, em que as disparidades sociais são acentuadas, e a insegurança habitacional é latente, continuando a gerar e desencadear diversos outros problemas que violam outros direitos sociais e consequentemente, a dignidade humana.

4.2 De 2004 aos dias atuais

No ano de 2004, elaborou-se a Política Nacional de Habitação (PNH), a partir de ciclos de debates e seminários que ocorreram no Conselho das Cidades. O objetivo principal da PNH “retomar o processo de planejamento do setor habitacional e garantir novas condições institucionais para promover o acesso à moradia digna a todos os segmentos da população” (Ribeiro, 2013). 

Seguindo nessa cronologia, Maricato (2005) aponta que no momento da criação da nova PNH, acontece a inserção do Projeto Moradia, que previa também a construção do Ministério das Cidades e a elaboração de uma política urbana com propostas setoriais de saneamento, transporte, planejamento territorial e, também, da habitação.

Em 2005 foi aprovado um Projeto de Lei que deu base à criação de um fundo de moradia, que recebeu o nome de Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).  A mencionada lei estabelecia que, elementos institucionais básicos para a criação do Sistema Nacional de Habitação (SNH) era baseado em uma distribuição das atribuições entre os 3 (três) níveis de governo e que, com isso, estabelecia um papel fundamental para os municípios na implementação da política de habitação (Bonduki, 2017).

Em 2006, o fundo foi então instalado, trazendo consigo um diferencial, que foi a mudança no que diz respeito à possibilidade de que a política habitacional passasse a contar com subsídios diretos, viabilizando assim o atendimento à habitação de baixa renda.

Enquanto isso, os Conselhos Gestores desses fundos locais promoviam a participação da sociedade civil em relação no que se refere à alocação e ao uso dos recursos direcionados para a HIS. Daí verificou-se a necessidade de criação de um novo mecanismo institucional para ações de política urbana e habitacional, que resultou no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O PAC foi lançado durante o Governo do então presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003 - 2010/PT) no início do ano de 2007, para investir em diversas ações de infraestruturas nas cidades brasileiras, tais como construção de rodovias, saneamento, portos e habitação. Porém, em meados de 2008, a partir da crise econômica mundial, forçaram o governo a reagir, incentivando investimentos no setor privado, entre eles principalmente o setor imobiliário e o da construção civil, o que resultou, posteriormente, na criação do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (Bonduki, 2017).

Em 07 de julho de 2009, através da Lei nº. 11.977, o Programa “Minha Casa, Minha Vida” foi implementado e lançado pelo Governo Lula, tendo como objetivo, articular agentes públicos e privados, beneficiando o setor imobiliário e acomodar atores e interesses na busca pelo capital político, e fomentar a produção habitacional e assegurar o crescimento econômico, por meio da construção de casas populares, geração de emprego e renda. Dentre as principais finalidades estavam “[...] reduzir o déficit habitacional com a concessão de incentivos à produção e compra de novas unidades habitacionais” (Brasil, 2009).

O programa foi formulado para atender três faixas de renda distintas: Faixa 1 – atende famílias com renda mensal de 1 a 3 salários-mínimos, Faixa 2 – famílias com renda mensal entre 3 e 6 salários-mínimos e Faixa 3 – atende famílias com renda mensal entre 6 e 10 salários-mínimos (Rolnik et al., 2015, p. 129).

De acordo com dados do site da Caixa Econômica Federal (2009), o Programa se caracterizava pela construção de imóveis populares, com financiamento de até 96% do valor da residência, que se encontravam m principalmente na faixa I, ou seja, que recebem mensalmente até R$ 1.600,00 (com subsídio quase total); a segunda faixa de renda que ia de R$ 1.600,00 até R$ 3.100,00 (com subsídio e R$ 23 mil); e a terceira faixa que ia até R$ 5 mil reais. Além do financiamento direto, as famílias beneficiadas também recebiam algumas facilidades, como descontos, subsídios e redução do valor de seguros habitacionais.

O modelo estabelecido pelo PMCMV determinava, principalmente, que cabe ao setor imobiliário (empresas construtoras e incorporadoras) o papel de promotor dos empreendimentos. Segundo o fluxo de procedimentos, é atribuição deste, projetar os empreendimentos que, por sua vez, devem ser elaborados de acordo com as exigências mínimas estabelecidas pelo Ministério das Cidades, de forma a se enquadrarem no perfil financiado (Cardoso, 2013).

Neste processo, cabe ainda à CEF, o papel de operadora e principal financiadora, atuando em interlocução com o Ministério das Cidades, a fim de aprovar os empreendimentos a serem enquadrados no PMCMV.

Em meio a tudo isso, diversos empreendimentos que já estavam em fase de construção foram sendo entregues pelo país, incluindo a capital paraense, onde em 2013, a Prefeitura de Belém, durante a gestão do então prefeito Zenaldo Coutinho (2013 – 2020/PSDB) assinou a Lei Nº 9.014/2013, que criou o “Programa Viver Belém Minha Casa Minha Vida”, para funcionar como parceiro e viabilizador do PMCMV a nível regional, representado pela atuação da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) e de empreendedores, para a viabilização de habitações populares no âmbito do município de Belém (Belém, 2013).

Os beneficiários do “Viver Belém” eram selecionados de acordo com os critérios nacionais instituídos pelo Ministério das Cidades: famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas, comprovado por declaração de ente público; famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar, comprovado por autodeclaração; e famílias de que façam parte pessoa (s) com deficiência, comprovado com a apresentação de atestado médico. E critérios municipais adicionais aprovados no Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social, baseados no decreto nº. 85.996-PMB de 23 de junho de 2016 (Belém, 2020).

Em 2017 durante o Governo Michel Temer (2016-2019/MDB), alguns valores do “Minha Casa, Minha Vida” passaram por alterações, segundo dados da CEF (2017), onde houve uma adesão da faixa 1,5, que ficava entre a faixa 1 e a 2. A principal mudança ocorreu na renda máxima das faixas 1,5 e 2, que aumentou para até R$2.600,00 na Faixa 1,5 e até R$4.000,00 na faixa 2.

Em 25 de agosto de 2020, o Governo Federal na gestão do Presidente Jair Bolsonaro (2019-2022/PL) substituiria o Programa “Minha Casa, Minha Vida” pelo Programa “Casa Verde e Amarela”, cuja proposta era de reduzir a falta de moradia no país, buscando diversificar alternativas para diminuir o déficit habitacional[2] e a quantidade de assentamentos precários nas cidades brasileiras, porém há uma grande discrepância nessa relação.

Outra forte marca do Programa foi verificada no processo de endividamento das famílias contempladas com as unidades, que se dava através de financiamentos de longa duração, traduzido em uma nova versão de servidão financeira, na forma de parcelas, cujas inadimplências poderiam levar ao despejo das famílias do imóvel (Guerreiro, 2020).

Na perspectiva do PCVA, a sociedade civil não se fez tão representada, nem tão pouco houve presença dos movimentos sociais e demais organizações da sociedade, que sempre tiveram lugar nas lutas por moradia, principalmente após o fim da modalidade que garantia o atendimento das demandas de entidades como as associações, as cooperativas, os sindicatos e etc...

Por outro lado, o setor da construção civil e outras entidades privadas sem fins lucrativos ganham espaço no Programa, cujos objetivos englobam o estímulo à inserção de microempresas, de pequenas empresas e de microempreendedores individuais nas ações do Programa.

Tais aspectos aqui considerados são claramente identificados como expressões do processo de financeirização, não somente da moradia, mas da produção, da cidade, e da vida, cuja tendência era o aprofundamento nos próximos períodos através do PCVA, em especial na vida urbana da população de baixa renda. 

No entendimento de Rolnik (2015) não houve a real “criação” de um novo programa habitacional, no caso do PCVA, mas sim, apenas aconteceu o lançamento de um novo formato do Programa “Minha Casa, Minha Vida” que passou a ser denominado de Programa “Casa Verde e Amarela”.

Nessa perspectiva de comparação entre os Programas “Minha Casa, Minha Vida” e “Casa Verde e Amarela”, vemos que ambos possibilitaram uma maior interferência do mercado financeiro na organização das cidades brasileiras, retirando em grande parte a participação da gestão municipal, principalmente no que tange ao financiamento de habitações sociais, ficando deslocada das realidades municipais, deixando a disputa cada vez mais desleal com as famílias de baixa renda que não possuem locais dignos de viver. A própria extinção do Programa “Minha Casa, Minha Vida” e a criação do novo Programa, que recebeu o nome de “Casa Verde e Amarela”, por si só já significou um profundo retrocesso em relação com tudo o que já tinha sido avançado em termos de acessos e direitos, o que se confirmou a partir do afastamento gradativo dos movimentos sociais.

Em junho de 2023, o Presidente Lula sancionou, no Palácio do Planalto, a lei que cria o programa Minha Casa, Minha Vida. O Ministro das Cidades, Jader Filho, e sua equipe técnica participaram da cerimônia como representante da gestão do programa. A sanção ocorreu após a aprovação pelo Congresso Nacional no dia 13 de junho da Medida Provisória (MP) 1162/2023 na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 14/2023 e que já estava em vigor desde fevereiro, quando foi publicada (Brasil, 2023).

Portanto, se a proposta inicial do PMCMV na sua primeira fase (2009) era de mascarar os interesses privados na construção e distribuição das habitações, o que se vê a partir dessa nova “roupagem” é de que ele continuará criando mercado de habitações.               Nesse sentido, Rolnik (2015) e Kopper (2016) expressam a ideia de que as políticas públicas de habitação renunciaram ao papel de distribuição de riqueza e passaram a atuar a partir da extração de renda, ganho financeiro e acumulação de riqueza através do financiamento da moradia, logo “endividamento”, transformando o direito à moradia em um mercado visando a exploração das classes populares.

 

5 Atuação profissional do Asistente Social a política urbana e o trabalho social nos programas habitacionais

No campo da habitação, muitos são os parâmetros e regras que constroem o significado da atuação do profissional de Serviço Social. Todas essas regras são determinadas, tendo por base, documentos institucionais do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal, que são os órgãos formuladores e fiscalizadores dos programas habitacionais. Esses e outros aspectos foram considerados durante a fase de análise, e foram elementos presentes nos estudos selecionados para leitura.

O Serviço Social brasileiro, de acordo com Iamamoto (1999, 2008), dentre outras características, tem na luta pela na ampliação do acesso à terra para a produção de meios de vida da população, um de seus pilares históricos e, por esse motivo, a intervenção do Assistente Social é uma luta constante por garantia do direito à moradia, e que suas ações estão alinhadas aos interesses da população.

Entre os principais programas e projetos na área mencionada, estão os programas de reassentamento, regularização fundiária e PMCMV, entre outros, que a partir da inserção da PHIS estão tomando formas cada vez mais sociais e por esse motivo mais atrelados aos Assistentes Sociais, que assumem esse protagonismo, em consonância com o Projeto Ético-político profissional vigente.

Essas “pressões” aconteceram (e até hoje acontecem) em virtude da necessidade de se refazer o cenário de garantias da população que mais necessita da moradia, nesse caso, a urgente questão da efetivação da Reforma Urbana, observando seus marcos regulatórios (Maricato, 2013), enfatizando os avanços que esses marcos (leis) proporcionam aos beneficiários.

Sabendo que o exercício profissional do Assistente Social na habitação encontra-se pautado em legislações federais e municipais e na resolução explicitada no Código de Ética do\a Assistente Social e vigente mediante Resolução do CFESS nº 273, de 13 março de 1993, e na Lei de Regulamentação da Profissão n° 8.662, de 7/6/1993, o TS torna-se imprescindível na atuação dentro da Política Nacional de Habitação de Interesse Social (PNHIS), cujo objetivo é de universalizar o acesso à moradia digna para todo o cidadão brasileiro.

Em análise das Teses e Dissertações do Catálogo da CAPES, tendo como período 2012 a 2022, diversos trabalhos acadêmicos trataram da temática habitacional envolvendo o TS e o MCMV.

Santos (2013) discutiu a questão do TS na área habitacional, que no Estado do Pará foi implementado pela COHAB-PA, a partir do que preconiza o MICidades. A pesquisa, que envolveu análise de dados coletados em campo, revelou que, no referido órgão, o trabalho social é entrelaçado por determinadas categorias previamente definidas, reproduzindo o que determina tanto o Governo Federal quanto o Governo do Estado. 

Oliveira (2016) apontou que, se nos anos 1980, o TS era mais audacioso e mais próximo dos movimentos populares organizados, nos anos 2000, a nova PNH o coloca de forma mais institucionalizada, fazendo com que seu papel seja mais de moderador do que de mobilizador, considerando que o TS no período de Ditadura Militar era mais mobilizador do que nos dias atuais, pois dava suporte aos movimentos reivindicatórios, na luta pelo direito à cidade e nas formas de organização social e que o TS instituído pela CEF adota um papel socioeducativo cuja atuação se baseia na perspectiva de adaptação/integração social da classe trabalhadora.

Passos (2017), ao estudar o TS em dois nos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no município de Teresina (PI), Região Nordeste do Brasil, desde a sua implantação (2012), considerando que o TS tem por base as variáveis de implantação, execução, sociabilidade, participação e organização comunitária e inserção social, descobriu que, nos empreendimentos pesquisados as normativas vigentes, não foram obedecidas, pois o TS iniciava apenas quando as famílias beneficiárias já residiam nos Residenciais; não houve efetiva participação dos moradores, prejudicada pelo atraso no TS; e na área de inserção social, está também ficou comprometida, considerando a ausência e/ou deficiência de equipamentos e serviços públicos existentes nos Residenciais e as limitações postas às equipes do trabalho técnico social nesse campo.

Veiga (2018) contribuiu observando que é preciso acenar mais para o processo de formação e participação continuada por parte dos assistentes sociais com vistas a intervir com competência teórica, técnica e política, pois os limites e as possibilidades da intervenção profissional, bem como as respostas e enfrentamentos não se apresentam como prontas ou acabadas, mas são construídas na luta política, na correlação de forças presentes no cotidiano profissional e no contexto social mais amplo.

Nessa perspectiva, o estudo também observou que os Assistentes Sociais passaram a ocupar cada vez mais os espaços do BNH, COHAB’s, SEHAB’s (a partir da municipalização da habitação) e demais órgãos e entidades públicas e privadas (incluindo cooperativas) ligadas à área habitacional, e que a partir da década de 1980 os movimentos sociais se fazem presentes nesse circuito Habitação – Intervenção Social – Trabalho do Assistente Social, enfatizando a importância da descentralização da questão habitacional, que deixa de ser exclusividade do Governo Federal, e passa a ser desmembrada pelos Estados e Municípios.

Silva (2020) mergulhou no universo da habitação e conseguiu tirar, de dentro da Companhia de Habitação do Estado do Pará (COHAB), elementos para explicar como se dá o trabalho do Assistente Social na PHIS, utilizando-se de entrevistas e outras técnicas presentes na pesquisa de campo, tendo cuidado para não reduzir a questão da instrumentalidade a somente instrumentos e técnicas.

Silva (2022) pesquisou o trabalho do Assistente Social no PMCMV, no que se refere a Consultoria e Assessoria realizada em Manaus/AM, baseada em dispositivos legais, como a Lei de Regulamentação da Profissão. Segundo a autora, essa prática profissional que ainda é pouco conhecida e pouco praticada pelos profissionais de nossa área é bastante desafiadora. O estudo ressaltou ainda que, possivelmente, uma maior participação dos Conselhos Profissionais no sentido de fortalecer e desenvolver o Serviço Social, fortaleceria a sua importância nas mais variadas frentes de trabalho e espaços ocupacionais.

As experiências de TS presentes em todas as esferas revelaram que, a maioria dos programas, projetos, ações, e serviços sociais no âmbito habitacional, são voltados para a população de menor renda. Dito isto, pudemos compreender que todas essas intervenções são construídas e pensadas para atendimento das necessidades dessas pessoas.

Ainda pegando o exemplo do desmonte, o PMCMV foi um dos que foram eliminados do cenário habitacional, deixando uma lacuna na prática profissional do Serviço Social, pois o novo cenário político não vislumbrava lugar para esse tipo de atuação, mais voltada para a mobilização e participação popular. Pelo contrário, o momento era antidemocrático, e as decisões não eram compartilhadas com os interessados, elas eram verticalizadas.

A motivação para a mobilização surge quando se deseja agregar à ocupação do espaço urbano, a consciência do estar e pertencer local, como um estímulo ao espírito público e ao fortalecimento dos laços entre as famílias, instigando os princípios de associativismo, a participação comunitária e o empoderamento da comunidade.

Vale ressaltar, que desde 2003, todas as obras de renovação urbanística já preconizavam o TS, ou seja, bem antes de 2009, quando foi lançado o Programa “Minha Casa, Minha Vida” e posteriormente o Programa “Casa Verde e Amarela”, que continuaram, portanto, a englobar o TS como elemento necessário à execução das políticas habitacionais previstas legalmente.

 

6 Resultados obtidos

Como principais resultados, destacam-se fatores negativos como: as condições precárias de trabalho rebatem diretamente em questões como, o sigilo, a educação continuada, os desvio de funções, etc., bem como outras áreas das Ciências Sociais, possui uma posição importante no planejamento, implementação, execução e avaliação de projetos sociais no âmbito das políticas urbana e habitacional, o trabalho de assistentes sociais tem demonstrado ser um instrumento indispensável na execução de políticas públicas no âmbito urbano.

Também nesses estudos pudemos verificar que a partir do desempenho destas funções, pontos negativos e positivos se mostraram evidentes. São eles: Como pontos negativos, o texto refere que a falta de reconhecimento do trabalho do Assistente Social como assessor e/ou consultor pela categoria profissional; Como pontos positivos identificaram-se uma busca dos sujeitos da pesquisa pela ampliação deste espaço profissional, buscando que este campo seja reconhecido pela própria categoria; há necessidade de realização de debates sobre a atuação dos assistentes sociais na área de consultoria/assessoria, pois ainda se verificam lacunas no aprofundamento e entendimento real do sentido desse processo pela categoria.

Durante o levantamento percebemos que, embora existam muitos trabalhos que tratam sobre algumas das temáticas pesquisadas, ainda há muitos que não pertencem à área do Serviço Social, e estes eram, num segundo momento, descartados. Mas apesar disso, foi possível perceber, que a temática da Habitação consegue se fazer presente em muitas áreas.

Outro aspecto também observado foi que, dos trabalhos selecionados do universo da pesquisa, os anos iniciais do período estudado (2012-2016) tiveram maior índice de produção, diferente do segundo período (2017-2022), em que as produções tiveram uma significativa queda, o que podemos atribuir às questões relacionadas ao cenário político vigente na época.

Apesar de muitas pessoas terem alcançado “o sonho” da casa própria por meio desses programas, a construção e a entrega de mais de 4 (quatro) milhões de moradias durante o “Minha Casa, Minha Vida”, entre os anos de 2009 e 2015, o déficit habitacional seguiu aumentando seu índice.

Observa-se também que todo o contexto político no qual o Brasil está inserido no presente, não é somente na questão da habitação, mas nos vários aspectos que contribuem para ampliação da oferta/imposição de serviços financeirizados à população.

Ainda assim, verificamos que o Serviço Social vem avançando com estudos e pesquisas que objetivam contribuir com a produção do conhecimento acerca da realidade urbana, partindo da perspectiva crítica que compreende que o direito à cidade e à moradia digna, não podem ser seletivos e restritos a uma elite burguesa que exerce o poder sobre o uso da cidade e seus recursos e serviços urbanísticos, e por isso se faz necessário indicar caminhos e estratégias que viabilizem a transformação do espaço urbano para usufruto democrático de todas as classes sociais.

Diante, portanto, dos resultados obtidos através desse estudo, temos a expectativa de que esta dissertação possa contribuir com os estudos acerca da questão habitacional que envolve o processo de produção de moradia digna e acesso a elas, pela fatia da população que realmente mais precisa.

 

7 Considerações Finais

Em sua gênese, a atuação do Assistente Social tinha sido orientada para trabalhar sob uma perspectiva conservadora e higienista, caracterizado por ações disciplinadoras e educadoras. Com o passar dos anos, esse trabalho passou a exercer um importante papel na organização dos movimentos de moradias, incentivando e capacitando a população para as ações de reivindicação.

A partir da implementação da PNHIS, tais ações adquirem um caráter mais abrangente, sendo que se iniciam antes da obra e continuam após a mudança dos moradores. Nesse contexto, o TS consiste em preparar os beneficiários para apropriação do ambiente construído, estimulando a organização da população e a sua permanência no imóvel.

O presente artigo verificou, a partir das análises, que, de acordo com a realidade estudada, o TS está vinculado, principalmente, às ações de mobilização, participação social, execução do cadastro social para finalidade de identificação da gratuidade na titulação e parecer social, especialmente em se tratando de trabalhadores em pequenos municípios paraenses, situação que revela a alta precariedade habitacional em que vivem.

Para os autores estudados, o Trabalho Social teve várias fases, passou por momentos de avanço, sofreu diversas influências, atravessou o processo de ruptura, até chegar à fase atual, em que o trabalho se encontra em nível mais técnico, o que os torna mais habilitados para o exercício profissional na área da habitação.

O trabalho profissional aqui relatado é orientado pela perspectiva do método dialético marxiano, que vislumbra uma perspectiva de totalidade, através desse contato direto do/a assistente social com a população e as diversas facetas da questão social, porém, historicamente verifica-se que os/as profissionais de Serviço Social têm sido demandados para atuar na reprodução das relações sociais capitalistas.

Em se tratando do “Minha Casa, Minha Vida” (considerado o maior programa habitacional com disponibilidade de recursos financeiros e de maior abrangência, no que se refere à produção habitacional no país), o TS acontece tanto por meio de intervenções diretas através da prática profissional, no caso dos projetos e programas de apoio a reforma urbana, quanto pelas construções teóricas e debates acerca do tema.

 

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[1] território disponível para colonização de terceiros, com anuência governamental. Neves, E. F. Sesmarias em Portugal e no Brasil. Politeia - História e Sociedade, [s. l.], v. 1, n. 1, 2010. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/politeia/article/view/3969.

 

[2] A estimativa é que o Brasil tenha, atualmente, um déficit habitacional quantitativo, que é medido pela falta de Unidades Habitacionais, é de cerca de 6,35 milhões de unidades, segundo o site do governo federal. (Brasil, 2021). Já o déficit habitacional qualitativo, que é verificado a partir do índice de inadequação das moradias, esse número sobe para 24,9 milhões, de acordo com informações da Fundação João Pinheiro.

 



[i] Artigo recebido em 21/05/2024

 Artigo aprovado em 25/10/2024

 

[ii] Contribuições da autora: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; recursos; software; validação; visualização; escrita - rascunho original e escrita – análise e edição.

[iii] Contribuições da autora: análise formal; metodologia; administração do projeto; supervisão e escrita – análise e edição.