Cartografia Social
como linguagem para a Educação geográfica[i]
Larícia Gomes Soares[ii]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Natal – RN, Brasil
lattes.cnpq.br/3746719015783117
Gabriella Cristina Araujo de Lima[iii]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Natal – RN, Brasil
lattes.cnpq.br/8006298489893767
gabriella.lima.078@ufrn.edu.br
Juliana Felipe Farias[iv]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Natal – RN, Brasil
lattes.cnpq.br/3431876696268959
Cartografia Social como linguagem para a Educação geográfica
Resumo
Este artigo investiga o uso do sensoriamento remoto nos livros didáticos do Novo Ensino Médio, focando nas coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) para a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHSA). O objetivo principal foi analisar como esse tema é abordado e como contribui para uma compreensão crítica do espaço geográfico, promovendo a interdisciplinaridade. A pesquisa bibliográfica e documental analisou 14 coleções (84 livros), utilizando critérios quantitativos (número de menções) e qualitativos (abordagem interdisciplinar, teórica e metodológica sobre sensoriamento remoto e cartografia básica). As coleções foram classificadas em três categorias: não recomendada, parcialmente recomendada e recomendada, conforme alinhamento à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os resultados mostraram que, embora imagens de satélite estejam presentes em todas as coleções, o sensoriamento remoto como tema específico é pouco explorado, aparecendo em apenas 47,62% das obras. A análise revelou uma falta de embasamento teórico aprofundado e uma utilização superficial das imagens de satélite, sem um desenvolvimento significativo de seu potencial interdisciplinar. Também foi observada uma deficiência nos conteúdos relacionados à cartografia básica. Conclui-se que a abordagem do sensoriamento remoto nos livros didáticos é limitada, o que exige que os professores busquem recursos complementares para promover um aprendizado mais efetivo sobre geotecnologias no Ensino Médio.
Palavras-chave: cartografia social; ensino de geografia; educação geográfica; interdisciplinaridade.
Social Cartography as a Language for Geographical Education
Abstract
This article addresses the role of Social Cartography (CS) as a methodology that brings students closer to their reality, allowing them to construct a cartographic language that reflects their experiences and perspectives. The objective is to present CS as a language tool for geographic education, aimed at students of basic education, of the 4th year of elementary school and 1st year of high school, in the municipality of Baía Formosa/RN. The study follows the methodological path of CS, with different phases and procedures, resulting in the realization of two workshops at different times. The workshops culminated in the elaboration of participatory maps that reflect the vision of the participants, highlighting the role of the student as the protagonist of their own geographical experience. Therefore, the importance of CS as a pedagogical approach that promotes contextualized and meaningful learning is highlighted, enabling students and teachers to understand and represent the space in which they live in an authentic and reflective way, supported by pre-existing and well-known geographical contents.
Keywords: social cartography; geography teaching; geographic education; interdisciplinarity.
1 Introdução
Advinda de rompimentos teóricos, metodológicos e hegemônicos, a Geografia enquanto ciência emerge diante de um contexto em que as interpretações sobre o espaço passaram a ser objeto de reflexões mais sistemáticas. Dentro desse contexto, a observação e descrição dos arranjos espaciais buscaram uma padronização, permitindo o desenvolvimento de interpretações mais complexas embasadas nos conhecimentos teórico-conceituais e metodológicos. Além disso, a educação formal procurou integrar o conhecimento mais intuitivo e perceptivo das pessoas com o conhecimento conceitual e abstrato da ciência, promovendo uma abordagem mais abrangente e integradora.
Nesse ensejo, apesar da necessidade de integração conceitual, Cavalcanti (2016) aponta a existência de três Geografias: a Geografia cotidiana, a Geografia acadêmica e a Geografia escolar. A Geografia acadêmica, caracterizada por sua abordagem teórica e metodológica mais complexa, muitas vezes apresenta uma distância considerável em relação à vivência diária dos alunos. Esta desconexão pode dificultar a compreensão e o engajamento dos estudantes com os conteúdos geográficos apresentados em sala de aula, uma vez que a aplicação prática e contextualizada desses conceitos nem sempre é claramente estabelecida.
Desse modo, a Geografia escolar/cotidiana não pode ser vista ou interpretada simplesmente como uma simplificação da Geografia acadêmica para a educação básica, uma vez que possui características próprias. Embora não representem uma cisão completa com a Geografia acadêmica, tampouco se subordinam totalmente a ela, conforme apontado por Batista (2021). Por conseguinte, a compreensão e valorização da Geografia escolar/cotidiana são fundamentais, pois ela desempenha um papel essencial na formação dos alunos, proporcionando-lhes ferramentas para entender e interpretar o mundo ao seu redor de maneira crítica e contextualizada.
Na incessante busca pela compreensão do mundo ao nosso redor, é crucial reconhecer que para os alunos se integrarem plenamente em um contexto conceitual, é essencial cultivar neles a habilidade de interpretar o pensamento geográfico. Isso não apenas lhes permite reconhecer sua própria realidade, mas também os capacita a se situar dentro do espaço geográfico, percebendo-o como uma parte essencial de suas vidas e compreendendo-o em sua totalidade vivenciada.
Nesse sentido, Callai (2013) destaca que a Educação Geográfica visa tornar os conteúdos significativos para a compreensão da espacialidade. Isso é alcançado por meio da análise geográfica, que requer o desenvolvimento de raciocínios espaciais (Callai, 2013, p. 44). Para contextualizar os fenômenos geográficos, é crucial destacar as diversas formas de representação do espaço, através da cartografia, tanto a convencional quanto a cartografia social.
No ambiente escolar, é crucial que a leitura e produção de mapas sejam habilidades desenvolvidas em todas as fases do ensino básico (Brasil, 2018). Essa prática objetiva a capacitação dos estudantes a reconhecer e compreender o ambiente no qual estão inseridos, permitindo-lhes uma apropriação mais eficaz do espaço ao seu redor. Portanto, torna-se necessário percorrer caminhos com técnicas e escuta ativa da realidade para que os discentes desenvolvam o olhar aguçado sobre o todo.
Nesse contexto, a Cartografia Social (CS) se destaca como uma ferramenta que não só facilita o ensino da linguagem cartográfica, mas também promove o empoderamento social (Neves; Gonçalves, 2023). De acordo com Tetamanti Diez (2012, p. 14), a CS é entendida como um método participativo e horizontal de construção, caracterizado por uma produção coletiva na qual todos os participantes têm importância. Assim, ao envolver os indivíduos de forma igualitária no processo de mapeamento e representação do espaço, a CS não apenas fortalece o entendimento do ambiente local, mas também capacita as comunidades a se expressarem e a defenderem seus interesses com base em suas próprias apropriações sociais.
Logo, as potencialidades formativas e educacionais da CS contribuem para a transformação do aluno em protagonista de sua própria realidade, fornecendo conhecimentos essenciais para a resolução de problemas identificados. Isso promove o desenvolvimento da criticidade do indivíduo como membro da sociedade e cidadão ativo.
Portanto, a CS emerge como uma metodologia capaz de aproximar os alunos de sua própria realidade por meio de uma linguagem construída por eles mesmos, integrando conceitos teóricos, vivências coletivas (cidadania) e representações do espaço cotidiano.
Nesse contexto, o objetivo deste artigo é apresentar a cartografia social como ferramenta de linguagem para educação geográfica, direcionada aos alunos da educação básica, do 4º ano do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio, no município de Baía Formosa/RN.
2 Enquadramento teórico
A Cartografia Social, enquanto ferramenta de ensino na educação geográfica, é compreendida aqui como uma prática metodológica ativa e dialógica, que vai além da simples representação espacial. Ela se constitui como um instrumento de participação crítica e cidadã, capaz de engajar os estudantes na construção do conhecimento sobre o território em que vivem. Nessa perspectiva, propõe-se uma abordagem que integra diferentes etapas de desenvolvimento, desde a sensibilização dos sujeitos envolvidos até a produção e socialização dos mapas.
Com base em Gorayeb, Meireles e Silva (2015), entende-se que a Cartografia Social valoriza a expressão simbólica, afetiva e cultural dos espaços vivenciados, permitindo que os alunos construam representações que articulam memória, identidade e pertencimento. Ao criar mapas a partir de suas próprias vivências, os estudantes não apenas exercitam habilidades de localização e espacialização, mas também desenvolvem uma consciência crítica sobre as questões sociais e ambientais que atravessam seu cotidiano. Essa prática contribui para uma formação cidadã, conforme defendem Nogueira e Carneiro (2009), ao estimular uma atitude reflexiva sobre o "eu" em relação ao outro e ao meio sociocultural.
Nesse processo metodológico, a integração interdisciplinar constitui um elemento essencial. A Cartografia Social, por sua natureza abrangente, exige o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, o que amplia as possibilidades de interpretação dos fenômenos geográficos. Como afirmam Thiesen (2008) superar o pensamento fragmentado e promover o trabalho colaborativo são desafios que precisam ser enfrentados na prática escolar. A construção coletiva de mapas, a partir de diferentes perspectivas e saberes, favorece uma compreensão mais ampla e inclusiva do espaço, rompendo com abordagens tradicionais centradas apenas em dados objetivos e quantitativos.
Outro ponto fundamental no desenvolvimento metodológico da Cartografia Social diz respeito ao papel do professor como mediador do processo educativo. Segundo Cavalcanti (2012), a Geografia escolar é constantemente ressignificada pelos docentes, que reinterpretam seus saberes teóricos e dialogam com as experiências pedagógicas já consolidadas. Assim, a efetiva implementação da Cartografia Social requer investimento na formação docente, com foco na capacitação para lidar com práticas participativas, leitura crítica do território e uso de linguagens gráficas e simbólicas.
No tocante à educação cartográfica, a Cartografia Social apresenta-se como estratégia de ensino que fortalece os processos de alfabetização cartográfica desde os anos iniciais. Conforme Simielli (1999), é fundamental que os estudantes compreendam os elementos básicos da linguagem cartográfica, construindo gradativamente suas próprias representações espaciais. Exemplos práticos como os apresentados por Carvalho et al. (2017) demonstram como a inserção da CS nas séries iniciais, por meio de atividades baseadas no cotidiano dos alunos, favorece o desenvolvimento de noções espaciais como localização, observação e identificação.
A participação ativa dos estudantes na produção de mapas e outras formas de representação, como defendem Nascimento e Ludwig (2015), também estimula a leitura crítica dos fenômenos espaciais. Um exemplo significativo é o trabalho de Cardoso et al. (2019), que promoveu o debate étnico-racial entre alunos do ensino médio na Amazônia a partir do mapeamento de seus territórios, evidenciando conflitos como a expansão agrícola e a remoção de populações tradicionais. Outro exemplo relevante é a abordagem de Evangelista, Cabral e Cezário (2014), que destacam o uso da Cartografia Social como ferramenta para a educação ambiental e o desenvolvimento de uma consciência ecológica voltada à sustentabilidade.
Dessa forma, os procedimentos metodológicos aqui adotados consideram a Cartografia Social não apenas como uma técnica, mas como uma linguagem educativa rica em potencialidades. Ao incorporar oralidade, textualidade e representação gráfica por meio de croquis e mapas situacionais (Gomes, 2017), essa metodologia transforma os mapas em instrumentos expressivos, que refletem as vozes, histórias e aspirações dos estudantes, promovendo uma aprendizagem mais significativa, contextualizada e transformadora.
3 Procedimentos metodológicos
Dando ênfase, ao aspecto procedimental e metodológico, conforme Popayan (2005, p. 6 apud Costa, 2021, p. 28), a “Cartografia Social possui fundamentos na tríade investigação-ação-participação”, que orientou o desenvolvimento das ações práticas apresentadas nesse estudo. No processo de investigação, busca-se investir na inquietação no que diz respeito aos cenários atuais de determinada localidade. Os alunos participam ativamente, apresentando seus conhecimentos e experiências, ao mesmo tempo que há troca de conhecimento com o professor.
A ação, por sua vez, significa que o conhecimento advindo da investigação de uma realidade permite atuar sobre ela. Assim, trata-se de conhecer a realidade. Já a participação, apresenta-se como processo permanente de construção em torno das experiências. A participação é o momento em que os alunos se sentem mais pertencentes ao polo ativo no processo de ensino-aprendizagem.
Dessa forma, o ato de mapear coletivamente vai além de produzir mapas participativos, transforma a Cartografia Social em instrumento a ser utilizado no ensino de Geografia. Conforme apresentado por Soares (2024) a CS vem se desenvolvendo metodologicamente apresentando uma sequência de fases (Figura 1) que acarretam mapas construídos a partir de várias mãos e perspectivas.
Figura 1 - Percurso metodológico da Cartografia Social
Fonte: Adaptado de Soares (2024).
Sob essa ótica metodológica, realizaram-se duas ações de Cartografia Social em duas escolas no município de Baía Formosa, envolvendo uma turma do 1° ano do ensino médio, com 25 jovens de idades entre 15 e 17 anos e outra do 4° ano do Ensino Fundamental I - Anos Iniciais, contemplando 25 crianças com a faixa etária de 9 a 11 anos. Essas ações enfatizaram o potencial de uso da Cartografia Social como uma ferramenta de linguagem para a educação geográfica.
Na primeira fase, ocorreu o contato direto com os participantes dos mapeamentos, nas respectivas escolas do município. Essa interação inicial foi facilitada pela gestão das duas instituições de ensino envolvidas. Na escola de ensino médio, os encontros foram organizados como parte de um projeto de extensão. Estes ocorreram em um sábado, com atividades programadas para o período diurno. É válido ressaltar que, tanto a professora de Geografia, quanto as gestoras da escola estiveram presentes.
Na escola de ensino fundamental, a oficina e o mapeamento foram realizados também no diurno, das 10h às 14h. Este horário a escola reservou especialmente para capacitações focadas em atividades de Geografia, contando com significativo apoio da gestão escolar. As atividades foram desenhadas para estimular a participação ativa dos estudantes, promovendo uma interação efetiva e construtiva entre os alunos.
Por meio da segunda fase, foi dado início à identificação dos conhecimentos prévios dos alunos por meio de momentos expositivos em sala de aula, nos quais foram direcionadas perguntas sobre conceitos correlatos da Geografia, como Paisagem, Lugar, Território, Espaço, entre outros. Além disso, essa etapa possibilitou a clarificação do conceito de mapa, sua finalidade e a forma como pode ser elaborado de maneira colaborativa.
A terceira fase, por sua vez, deu início ao processo de mapeamento participativo propriamente dito, utilizando a técnica de mapeamento analógico — um método tradicional de criação de mapas, no qual os dados geográficos são representados manualmente em papel ou outros suportes, contemplando as próprias visões dos participantes sobre o que vislumbravam a partir do exposto na imagem. Na quarta e última fase, ocorreu a apresentação dos mapas construídos, através da exposição dos produtos obtidos nas fases anteriores com vistas à socialização e ao diálogo entre os participantes.
Diante disso, para materialização das fases supracitadas, empregou-se como recursos didáticos: papel vegetal, cartolina, folhas de papel ofício, lápis grafite, canetas diversas, tesoura, réguas, borrachas, quadro branco, imagens de satélite do município e recursos audiovisuais (projetor, computador e slides).
4 Resultados e discussão
O município de Baía Formosa, localizado no estado do Rio Grande do Norte e a cerca de 98 km de Natal, capital do estado, foi o cenário para o estudo sobre cartografia social destacado neste artigo. A primeira, a Escola Estadual Professor Paulo Freire, envolveu alunos do ensino médio, enquanto a segunda, a Escola João Anacleto Filho, contou com a participação de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental I. Neste contexto, os alunos dessas escolas participaram ativamente do processo de mapeamento participativo, contribuindo com suas perspectivas e conhecimentos locais.
4.1 Compartilhando saberes locais: mapeamento participativo da sede urbana de Baía Formosa com os alunos da Escola Estadual Professor Paulo Freire
Na Escola Estadual Professor Paulo Freire, localizada em Baía Formosa/RN, foi desenvolvido um projeto de extensão que envolveu os alunos do 1º ano do ensino médio. O projeto focou nas áreas de Cartografia Social e Educação Ambiental, enfatizando o potencial interdisciplinar da Cartografia Social como ferramenta na educação geográfica. O objetivo principal foi integrar conhecimentos científicos e não científicos, incentivando a participação dos alunos em mapeamentos coletivos, importantes para a compreensão das dinâmicas locais.
O início da ação foi marcado por uma atividade de integração que incluiu uma dinâmica de apresentação entre alunos e professores. Esta fase inicial serviu não apenas para estabelecer um ambiente de colaboração, mas também para permitir que os alunos compartilhassem seus conhecimentos prévios sobre as características ambientais e sociais de Baía Formosa. Discutir as potencialidades e limitações de diversas áreas proporcionou uma base para que os alunos pudessem aplicar conceitos geográficos de forma prática.
Com base em uma imagem de satélite da sede urbana municipal, os estudantes foram divididos em grupos e escolheram pontos de interesse para mapear, utilizando suas experiências pessoais e percepções do ambiente como guias. Esta escolha por parte dos alunos reflete o desenvolvimento de um raciocínio geográfico crítico, pois eles tiveram que considerar aspectos como variabilidade espacial e a inter-relação entre diferentes elementos do ambiente.
No decorrer do projeto, os símbolos e formas criados para as legendas dos mapas foram digitalizados, dando origem a um acervo visual que documenta a cultura local. Este passo foi integrado a um segundo projeto interdisciplinar, que explorou a interseção entre Design e Geografia, com o tema "Fontes Dingbats como ferramenta para a documentação da cultura local: uma proposta a partir de ações de cartografia social no município de Baía Formosa/RN".
O uso desses símbolos, desenvolvidos pelos alunos, como fontes Dingbats, não apenas reforçou a habilidade dos estudantes em representar graficamente características locais, mas também sublinhou a importância da visão espacial e da capacidade de interpretar e sintetizar informações geográficas de maneira criativa e significativa.
Através das ações do projeto, os estudantes puderam perceber como conceitos geográficos como lugar e paisagem se aplicam à realidade que vivenciam, fortalecendo a compreensão de como fenômenos sociais, culturais e ambientais são distribuídos pelo território e como esses elementos interagem no espaço em que vivem.
Adicionalmente, proporcionou uma oportunidade para os alunos explorarem princípios geográficos importantes, tais como localização, que envolve entender onde as coisas acontecem. No processo de mapeamento, esse entendimento foi explorado por meio da escolha de cada ponto e local representado, evidenciando também a noção de diferenciação espacial — isto é, como e por que determinados lugares se destacam em relação a outros, permitindo a compreensão dos elementos que tornam a paisagem de Baía Formosa única em sua totalidade. Destacou-se também o princípio da conexão, que examina as relações entre diferentes locais, e ainda o princípio da extensão, que considera a escala e o impacto das interações espaciais. Essa abordagem não apenas tem potencial para enriquecer conhecimentos teóricos dos alunos, mas também para desenvolver e aprimorar habilidades analíticas para observar e interpretar o mundo ao seu redor, de forma mais crítica e informada.
Desse modo, ao visualizarem como os conceitos geográficos se manifestam em seu ambiente, os alunos ganharam uma nova perspectiva sobre a Geografia não como um campo de estudo distante, mas como uma parte integrante de suas vidas e de sua comunidade. As ações do projeto, portanto, não apenas vislumbraram alcançar seu objetivo educacional, mas também se tornar instrumento de conscientização e valorização da própria cultura e ambiente local.
Após a finalização dos mapas, cada grupo apresentou o material elaborado, socializando suas produções com os demais participantes. Durante essa etapa, foram enfatizados os locais específicos escolhidos para representar nos mapas, bem como os símbolos criados para compor as legendas. Muitos dos pontos destacados correspondiam a áreas com problemas socioambientais, zonas de conflito ou lugares com os quais os alunos demonstraram uma conexão afetiva e um forte senso de pertencimento. A atividade culminou em uma discussão rica e produtiva, na qual a análise das questões locais evidenciadas nos mapas serviu como base para reflexões sobre possíveis estratégias de intervenção.
Assim, iniciou-se um diálogo construtivo sobre maneiras práticas pelas quais a comunidade escolar poderia contribuir para um futuro mais sustentável no município.
Este processo não apenas aprofundou o conhecimento geográfico dos alunos, mas também serviu como uma ponte para a iniciação de práticas cidadãs. Os estudantes foram incentivados a pensar além dos aspectos teóricos da Geografia, engajando-se em uma aprendizagem que enfatiza a responsabilidade e a ação comunitária. A experiência reforçou a importância de se utilizar o conhecimento acadêmico, escolar e cotidiano, como uma ferramenta para a transformação social e ambiental, instigando nos jovens uma consciência crítica sobre como eles podem efetivamente fazer a diferença em sua comunidade.
Portanto, o projeto não só proporcionou uma experiência educacional em termos de aprendizado técnico e conceitual sobre cartografia, mas também promoveu um envolvimento ativo dos alunos com as questões que afetam diretamente suas vidas. Essa abordagem prática e integrada ajuda a preparar os estudantes para serem cidadãos conscientes e ativos, equipados com o conhecimento e as habilidades necessárias para liderar esforços de melhoria em seus próprios contextos sociais e ambientais. A figura 2, apresenta um mosaico com os momentos dessa ação.
4.2 Mapeamento participativo com a interfaces de jogos digitais: explorando o didático e a interdisciplinaridade
Atualmente, verifica-se que as pessoas que vivem em um ambiente cercado por tecnologia estão constantemente expostas a uma multiplicidade de questões. O uso apropriado da tecnologia pode expandir significativamente a abrangência e os métodos aplicados na educação. No entanto, surge um desafio crucial: como tornar o uso de jogos digitais, além de atrativos, de fato, educativos? É essencial compreender e integrar essa ferramenta no ambiente educacional de maneira a otimizar sua eficácia e eficiência.
Os jogos digitais, conhecidos por sua habilidade em capturar a atenção e despertar o interesse, oferecem uma plataforma dinâmica e atrativa. Por meio dessa interface, conceitos complexos podem ser explorados de forma interativa e visualmente estimulante. Essa capacidade dos jogos de engajar os usuários apresenta um potencial inexplorado para o ensino e a aprendizagem, onde os alunos podem absorver conhecimentos de forma lúdica e envolvente.
Neste contexto, no estudo realizado na Escola Municipal João Anacleto Filho, em Baía Formosa/RN, exploramos o uso de interfaces de jogos digitais como ferramentas educacionais. Os personagens dos jogos percorrem caminhos que se assemelham a croquis e mapas, proporcionando uma oportunidade única para introduzir técnicas de mapeamento participativo com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental I.
Essa metodologia permite que os estudantes não apenas visualizem geograficamente os trajetos, mas também participem ativamente na criação de mapas que refletem suas percepções e aprendizagens. A utilização de jogos digitais no mapeamento participativo pode, também, encorajar uma abordagem interdisciplinar, conectando Geografia, tecnologia da informação, arte e design gráfico.
A ação teve início com uma avaliação do perfil da turma de 4º ano, que expressaram grande interesse por jogos digitais. Antes de darmos início às atividades práticas de mapeamento, conduzimos uma oficina com o objetivo de aprofundar os conhecimentos geográficos dos alunos e introduzir noções básicas de cartografia. Nessa fase inicial, a ênfase foi colocada especialmente na cartografia social e suas diversas aplicações em diferentes contextos, preparando os alunos para aplicar esses conceitos de maneira prática e contextualizada.
Como imagem base para os mapeamentos, utilizamos as interfaces e croquis contidos nos próprios jogos digitais. Durante a execução da atividade, notou-se que os alunos dedicaram os primeiros minutos para examinar atentamente as imagens, discutindo entre si suas experiências prévias com os jogos e explorando os caminhos representados nas interfaces. Esse momento foi crucial para que eles demonstrassem familiaridade com as áreas mapeadas, além de discutir curiosidades e características específicas de cada local apresentado.
Posteriormente, com o uso do papel vegetal e das canetas coloridas, os estudantes iniciaram o processo de delimitação da área a ser mapeada. Eles atuaram ativamente na identificação de pontos ou locais conhecidos dentro do espaço mapeado, atribuindo significados a cada um deles. Para cada ponto identificado, um símbolo correspondente foi criado e posteriormente incluído na legenda dos mapas. Essa fase do projeto não apenas reforçou o aprendizado teórico como também estimulou a criatividade e a capacidade analítica dos alunos.
Após a finalização dos mapas, cada grupo realizou a apresentação do material produzido para os demais colegas. Esta apresentação incluiu informações gerais sobre o jogo utilizado como base para o mapeamento e detalhes sobre o mapa construído, proporcionando um entendimento mais amplo das características e objetivos de cada mapa.
Durante as apresentações, os grupos explicaram as escolhas feitas em relação aos pontos de interesse no mapa, os desafios encontrados durante o processo de mapeamento e como esses desafios foram superados. A discussão também abordou as relações entre os elementos do jogo e suas representações geográficas, ajudando os alunos a construírem conexões entre o ambiente virtual e conceitos geográficos. A figura 3 apresenta um mosaico de registros desses momentos.
Legenda: A), B), C) e D) grupos realizando o mapeamento participativo. E), F), G) mapas participativos de interfaces de jogos digitais (Super Mario, Bomberman e Free Fire). |
É importante destacar que, durante a atividade, não utilizamos os jogos cujas interfaces foram mapeadas para jogar. O objetivo era exclusivamente imergir no universo de interesse dos estudantes e, a partir dessa imersão, introduzir conceitos geográficos relevantes. Por exemplo, ao analisar áreas de confronto nos jogos e regiões de extração de recursos, introduzimos o conceito de "território", explorando como este se configura não apenas como uma área física, mas também como um espaço de conflitos e negociações.
Adicionalmente, abordamos os conceitos de "paisagem" e "lugar", que são essenciais para entender como os seres humanos percebem e interagem com os ambientes ao seu redor. Ao associar esses conceitos com elementos dos jogos, facilitamos para que os alunos visualizassem e debatessem como diferentes ambientes são representados e qual a importância dessas representações para a compreensão do espaço geográfico.
Focamos também em elementos cruciais da cartografia, especialmente no que se refere às legendas dos mapeamentos. As legendas são essenciais para a leitura e compreensão dos mapas, pois fornecem informações necessárias para interpretar corretamente os símbolos e cores utilizados. Trabalhando esse aspecto, reforçamos a alfabetização cartográfica dos alunos.
A Cartografia Social, que foi instrumento principal nessa ação, exigiu uma participação ativa e contínua dos envolvidos, tornando-se um processo coletivo de criação de mapas que refletem diversas realidades. Nesse contexto, tanto a técnica quanto a arte da cartografia são empregadas como formas de linguagem e representação, nesse caso, no ensino de Geografia.
Ademais, ao considerar a integração de jogos digitais no mapeamento participativo, estamos diante de uma oportunidade de trabalhar a maneira como a educação geográfica e interdisciplinar é concebida e entregue. Este enfoque não apenas desafia os educadores a repensar métodos tradicionais, mas também abre novas fronteiras no ensino e aprendizado, prometendo criar experiências educacionais mais envolventes para os alunos.
Portanto, essa abordagem visa não somente ensinar Geografia de forma didática, mas também engajar os alunos de maneira ativa e participativa, utilizando a parte da gamificação entrelaçada a cartografia social, para aumentar o interesse e a interatividade das aulas, corroborando para um processo de alfabetização cartográfica e ensino-aprendizagem mais significativo.
5 Considerações finais
A Cartografia Social apresenta-se como metodologia dinâmica e inclusiva. Tem alto potencial de uso dentro do contexto da educação geográfica, destacando sua aplicabilidade não apenas como ferramenta didática, mas também como uma forma de linguagem através da qual o conhecimento geográfico é produzido e transmitido. Uma vez que, enfoca a participação ativa de alunos na compreensão de diferentes fenômenos. Sua interdisciplinaridade promove criatividade, trabalho em equipe e pensamento crítico. Valoriza a diversidade e inclusão ao reconhecer múltiplas perspectivas e conhecimentos.
Ao longo da análise, tornou-se evidente que essa abordagem pode enriquecer o processo educativo por meio da integração de conhecimentos empíricos e científicos, de uma maneira significativa e contextualizada.
Os procedimentos metodológicos aplicados e os resultados obtidos nas escolas de Baía Formosa revelaram que os alunos não apenas adquiriram uma compreensão significativa de conceitos geográficos através do mapeamento participativo, mas também desenvolveram habilidades que permearam o raciocínio crítico e a alfabetização cartográfica. As experiências compartilhadas e os mapas criados coletivamente permitiram aos alunos expressarem suas visões e compreender a complexidade dos fenômenos ambientais, sociais, culturais e digitais.
Por fim, é importante ressaltar que a Cartografia Social não apenas atua como ferramenta para o ensino de Geografia, mas também como meio que promove a cidadania e a capacidade dos alunos de agir e pensar criticamente dentro de suas realidades. Este estudo reforça a importância de métodos educacionais que valorizem o conhecimento local e empoderem os alunos como participantes na construção de sua própria aprendizagem e como cidadãos ativos na sociedade.
Ao avançar, espera-se que a implementação da Cartografia Social continue a se expandir, oferecendo novas possibilidades para o enriquecimento da educação geográfica e para a formação de uma consciência espacial que seja tanto inclusiva quanto transformadora.
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TETAMANTI, J. M. D. Cartografía social: herramienta de intervenciona e investigación social compleja-el vertebramiento inercial como proceso mapeado. In: TETAMANTI diez, J. M. et al. (org.). Cartografía social: investigaciones e intervención desde las ciencias sociales: métodos y experiencias de aplicación. Comodoro Rivadavia: Universitaria de la Patagonia, 2012. p. 13-24.
THIESEN, J. S. A interdisciplinaridade como um movimento articulador do processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, [s. l.], v. 13, n. 39, p. 545-598, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/swDcnzst9SVpJvpx6tGYmFr. Acesso em: 12 mar. 2024.
[ii] Contribuições da autora: conceituação; investigação; escrita- rascunho original; e escrita – análise e edição.
[iii] Contribuições da autora: conceituação; escrita- rascunho original; e escrita – análise e edição.
[iv] Contribuições da autora: supervisão; visualização; e escrita – análise e edição.