e-ISSN 1984-7246  

Táticas de escuta de música nos serviços de streaming: uma etnografia digital multissituada[i]

 

 

 

 

 

Leonardo Gabriel De Marchi[ii]

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Rio de Janeiro, RJ – Brasil 

lattes.cnpq.br/0657867646808573

orcid.org/0000-0001-5654-8938

leonardo.demarchi@eco.ufrj.br

 

 

Marlon Câmara Leal Figueiredo[iii]

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Rio de Janeiro, RJ – Brasil 

lattes.cnpq.br/1649713966183921

orcid.org/0009-0000-5305-7236     

marlonclf@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Táticas de escuta de música nos serviços de streaming: uma etnografia digital multissituada

 

Resumo

Reconhecendo a centralidade que os serviços de streaming adquiriram na economia da música digital, este artigo se propõe analisar as práticas de escuta de música que se operam através dessas plataformas digitais. Ao realizar uma etnografia digital multissituada, seguiram-se as práticas de escuta de música de ouvintes situados em diferentes países. Valendo-se da ferramenta audioscrobbler e mantendo conversas com os analisados por e-mail e/ou WhatsApp, buscou-se entender como os indivíduos se apropriam da interface dos serviços de streaming para ouvir música, assim como lidam com os sistemas de recomendação automática de música no dia a dia. O intuito da pesquisa era saber se os indivíduos continuam a criar, o que aqui se classifica de táticas de escuta de música no cotidiano, mesmo diante do uso intensivo de sistemas de recomendação automática de conteúdos digitais.

 

 

Palavras-chave: estratégias e táticas; práticas de escuta de música; serviços de streaming; sistemas de recomendação automática de música; etnografia multissituada.

 

 

 

 

 

 

Music listening tactics on streaming services: a multi-sited digital ethnography  

 

 

Abstract

Due to the centrality streaming services in the digital music economy, the article observes the music listening practices that operate through the digital platforms. Adopting a multi-sited digital ethnography, we followed listeners located in different countries. Using the audioscrobbler tool and maintaining conversations whether by email or WhatsApp, we sought to understand how individuals use the interface of streaming services to listen to music, as well as how they deal with automatic music recommendation systems in in their daily life. The goal is to find out if individuals still create what are labeled here as music listening tactics ven in the face of automatic recommendation systems.

 

 

Keywords: strategies and tactics; music listening practices; streaming services; automatic music recommendation systems; multi-sited ethnography.

 

 

 

 

1 Introdução

O início do século XXI foi marcado por uma transformação estrutural da economia da música. Seu mais dinâmico setor, a indústria fonográfica, experimentou uma verdadeira destruição criadora (Schumpeter, 2010), que se iniciou com o livre fluxo de arquivos digitais compactados (MPEG Audio Layer 3 ou MP3) através dos programas de compartilhamento entre pares (peer-to-peer ou P2P), nos anos 2000. Foi somente na década de 2020 que essa economia alcançou uma metaestabilidade a partir da consolidação dos serviços de streaming de música (De Marchi, 2023). Desde então, esses agentes passaram a organizar a economia da música digital, restituindo lucratividade à indústria fonográfica. Os dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, acrônimo em inglês) revelam que desde 2015 o negócio de música gravada tem se recuperado sistematicamente. No ano fiscal de 2022, por exemplo, a arrecadação dessa indústria foi de US$ 26.2 bilhões, sendo que 67% dessa cifra proveio dos serviços de streaming (IFPI, 2023).

Os serviços de streaming foram desenvolvidos para espelhar os P2P a fim de superá-los. Isso é, buscou-se desenvolver uma infraestrutura tecnológica que possibilitasse, por um lado, manter o fluxo contínuo de milhões de arquivos de música sem permitir, por outro, o controle desse fluxo pelos usuários do sistema (De Marchi, 2023). Tal demanda dos agentes dominantes da indústria fonográfica exigiu tempo para se tornar um modelo de negócio. Em um primeiro momento, achou-se que bastava oferecer o acesso à discoteca digital de milhões de arquivos para que os usuários se dispusessem a se engajar no sistema. Essa concepção de uma economia do acesso se mostrou, contudo, insuficiente. À medida que as pessoas encontravam as músicas que desejavam, elas saíam das plataformas.

Gradualmente, os administradores dessas empresas entenderam que as práticas de escuta de música na era digital tinham de lidar com o excesso de informação e a conseguinte desorientação que os ouvintes sentiam diante da magnitude das possibilidades de escuta. Assim, em um segundo momento de seu desenvolvimento, os serviços de streaming passaram a incorporar sistemas de recomendação automática de conteúdos digitais (SRA) para prescrever músicas aos usuários, isto é, a utilizar de forma intensiva Inteligência Artificial (IA) para acionar a interação entre usuários e o sistema. A partir da associação entre metadados inscritos nos arquivos e os rastros digitais deixados pelos usuários na memória do sistema, os SRA foram programados para oferecem mais e mais arquivos de música para cada ouvinte, baseando-se no que ele ou ela já havia escutado e, o que era mais importante, na promessa de encontrar novidades desconhecidas para cada ouvinte. Com isso, o negócio principal do streaming deixou de ser a oferta de acesso aos arquivos, passando a se basear na oferta de um serviço personalizado de prescrição musical contínua.

A centralidade dos SRA gera, porém, um paradoxo nas práticas de escuta de música. Por um lado, promete-se acesso à música infinita (milhões de arquivos de música), com liberdade total para cada usuário ouvir o quanto quiser, quando e onde quiser. Por outro, o acesso aos arquivos nessas plataformas é controlado pelos SRA, pois a grande quantidade de arquivos torna impraticável navegar entre tanta informação sem o auxílio de uma IA. Quanto mais interagem com as práticas de escuta de cada usuário, mais os SRA adequam a dieta de músicas prescritas para cada grupo de usuários, restringindo outras possibilidades que, talvez, eles gostassem de experimentar. Ao mesmo tempo, porém, os usuários são convidados a adaptarem a interface do sistema às suas práticas de escuta musical através de mecanismos distintos ou affordances (botões para repetir, compartilhar, aleatório, mecanismo de busca, entre outras funcionalidades). Estes lhes permitem realizar uma fabricação de sua escuta musical através desses dispositivos, concedendo-lhe certa liberdade em relação ao modus operandi do sistema. Sendo assim, até que ponto vai realmente a prometida liberdade do ouvinte nessas plataformas digitais? Como os usuários lidam com as restrições e potencialidades de escolha que os SRA lhes oferecem? Como se escuta música, enfim, nos serviços de streaming?

Para tentar responder tais questões, realizou-se uma pesquisa qualitativa sobre os usuários de serviços de streaming de música. Para tanto, decidiu-se realizar uma etnografia digital (Hine, 2000) multissituada (Marcus, 1995). Precisamente, procurou-se seguir as práticas de escuta de música online de indivíduos em diferentes países a fim de observar o grau de dependência/ independência em face dos SRA. Seguindo a proposta de Michel de Certeau (2014) sobre as maneiras de fazer no cotidiano, quis-se saber se tais pessoas apenas seguiam as estratégias estipuladas pelos serviços de streaming para acessar a música infinita e/ou se elas desenvolviam suas próprias táticas para lidar com as indicações automáticas dessas plataformas digitais.

Para tanto, conjugamos o diálogo com usuários dos serviços de streaming localizados em diferentes países através de contas de WhatsApp e/ou troca de e-mails ao rastreamento das práticas de escuta musical através do mecanismo da plataforma Last.fm, o audioscrobler. O objetivo dessa metodologia foi (1) entender como os indivíduos utilizam uma mesma tecnologia em diferentes contextos culturais e (2) como justificam suas atitudes, ao mesmo tempo em que se procurou saber (3) como a materialidade de tal nova mídia molda as práticas de escuta de música.

O texto está estruturado em duas partes. Na primeira, abordamos a indústria fonográfica digital, detendo-nos na importância dos SRA para o modelo de negócio dos serviços de streaming. Na segunda parte, apresentamos os dados da etnografia digital multissituada, através de perfis de usuários que participaram da pesquisa de campo. Por fim, tecemos considerações sobre as práticas de escuta de música pelas plataformas digitais, equacionando a relação entre estratégias e táticas de escuta contemporâneas.

 

2 A indústria fonográfica digital e a ideologia da música infinita e os sistemas de recomendação automática de música

A década de 2020 marca a conclusão da destruição criadora da economia fonográfica, consagrando os serviços de streaming como principal modelo de negócio da música digital. Resultado de uma longa disputa entre agentes da indústria da música e os da indústria de informática, os serviços de streaming são um resultado possível de embates de interesses sobre o que deveria ser (ou, melhor, do que não deveria ser) a indústria fonográfica digital (De Marchi, 2023).

É decisivo ter em conta que os serviços de streaming foram tecnicamente desenvolvidos em resposta à força disjuntiva liberada no início dos anos 2000 pela combinação aleatória de três distintas tecnologias: o arquivo digital compacto Mpeg-Layer 3 (MP3), os softwares reprodutores de música no computador (como o Winamp) e os programas de compartilhamento de arquivos digitais entre pares (peer-to-peer, P2P). Essas três tecnologias produziram uma inovação, no sentido que Schumpeter (2010) concede ao termo, isto é, elas apresentaram um novo método de distribuição de música que suspendeu imediatamente todo o conhecimento acumulado (know-how) sobre como vender fonogramas inscritos sobre suportes materiais. A partir de então, houve uma intensa disputa para se construir outras formas de gerar dinheiro com fonogramas digitais.

Em busca de um novo modelo de negócio, os atores dominantes da indústria fonográfica se voltaram contra os programas P2P. Para competir com esses entrantes no mercado, fazia-se necessário desenvolver um modelo de distribuição de música digital que espelhasse as novidades do intercâmbio de arquivos ao mesmo tempo em que circunscrevesse o poder que os usuários do sistema tinham de controlar o fluxo dos arquivos a partir de seus dispositivos de comunicação pessoal. Em outros termos, era preciso oferecer acesso à música infinita (ao fluxo contínuo de milhões de arquivos de música), sem que os usuários trocassem entre si tais arquivos, decidindo, pois, para qual direção tal fluxo iria correr.

Conforme Eriksson et al. (2019) lembram, mesmo o Spotify começou suas atividades como uma startup de P2P. À medida que a empresa passou a negociar com os players da indústria da música, contudo, ela começou a adotar outra tecnologia que permitiu a ela controlar o fluxo de arquivos de música digital. Em 2014, o Spotify implementou servidores centrais para administrar seu catálogo, substituindo a tecnologia P2P pelo streaming[1] (Eriksson et al., 2019). Esse movimento foi decisivo, pois (a) a empresa não poderia mais dividir os custos da administração do catálogo com seus usuários e (b) teria de desenvolver algum mecanismo próprio para atrair os usuários em larga escala.

Esse contexto apresentou um novo desafio aos serviços de streaming: como atrair (e manter conectada) uma enorme quantidade de usuários, uma vez que eles próprios não poderiam compartilhar os arquivos a partir de seu próprio interesse?

Em um primeiro momento, achou-se que o acesso à música infinita bastaria para atrair e fidelizar os usuários. Tal concepção ficava evidenciada nas primeiras peças publicitárias dos serviços de streaming, em que se anunciava como vantagem o acesso a milhões de músicas (De Marchi, 2014). Uma detida consideração sobre esse tipo de reclame causaria imediato estranhamento: que pessoa escutaria milhões de músicas diferentes? Por que um indivíduo pagaria uma mensalidade ou, no mínimo, cederia seus dados gratuitamente para um serviço de streaming se, em geral, escutam-se apenas dezenas de músicas distintas ao longo de um mês? O que os serviços de logo perceberam foi que o mero acesso à música infinita não era suficiente para fidelizar clientes, pois eles se desconectavam do sistema em um curto período.

Gradualmente, notou-se que as experiências que demonstraram obter uma boa recepção entre os consumidores foram as criadas por empresas que desenvolveram sistemas de recomendação de música. Neste sentido, dois casos merecem menção. Um deles é a rádio web Last.fm. Startup inglesa criada em 2002, a Last.fm desenvolveu um sistema de recomendação de música conhecido como audioscrobbler. Tal mecanismo se destacava por registrar sistematicamente o que os usuários ouviam e, a partir dos registros, oferecer outras possibilidades de escuta de músicas similares.

Outro exemplo notável foi a rádio Pandora. Startup criada em 2000, nos Estados Unidos, a Pandora se destacou pelo intento de desenvolver um sofisticado sistema de recomendação musical baseado na catalogação dos gêneros musicais a partir de sua redução a atributos[2] e sua reunião dinâmica baseada em algoritmos que formariam um sistema automático, interativo e não linear. Posteriormente, esse projeto seria conhecido como Projeto Genoma da Música (Genome Music Project).

A novidade de ambos os serviços residia em fundamentar seu modelo de negócio no sistema de recomendação inteligente que poderia especular com o gosto do usuário, ou seja, apresentar-lhes não apenas aquilo de que já gostavam de ouvir como também oferecer aquilo de que poderiam vir a gostar. Nos termos dos nativos do mercado de TI, isso se chama serendipidade[3]. Criava-se, assim, certa expectativa entre os usuários sobre a potência do sistema, ao mesmo tempo em que permitiria a mineração de dados, que poderiam ser vendidos em mercados secundários. Conforme Maria Eriksson et al. (2019) formulam, deu-se, então, uma virada curatorial nos serviços de streaming, o que significa dizer que estes deixaram de se caracterizar como um portal de acesso ao fluxo de música digital para se tornarem empresas que oferecem um serviço especializado, qual seja, a prescrição de música digital para cada usuário.

Uma vez mais, o caso do Spotify é exemplar. Como o Spotify ingressou no mercado de música digital depois de concorrentes que já estavam desenvolvendo IA para recomendação automática de conteúdos, a decisão da empresa foi adquirir startups especializadas no desenvolvimento desse tipo de funcionalidade. Em 2013, o Spotify adquire a Tunigo, uma pequena empresa especializada na organização de playlists baseadas tanto nas características formais sobre gêneros musicais quanto em atividades ou humores (moods) específicos (como música para relaxar, música para dias tristes), um movimento que tentava relacionar a escuta de música às práticas cotidianas (Eriksson et al., 2019, p. 73). No ano seguinte, a empresa adquiriu a Echo Nest, uma startup de análise de dados para recomendação automática de conteúdos digitais. Após a aquisição de outras companhias similares, o Spotify passou a desenvolver um sistema de recomendação que conseguisse ler e antecipar as atividades de seus usuários. Em 2015, finalmente, o Spotify apresentou ao mercado o grande resultado de seus investimentos: Descobertas da Semana (Discorver Weekly), a primeira playlist da empresa totalmente baseada nos hábitos de escuta dos usuários (Ciocca, 2017; Eriksson et al., 2019). A apresentação causou furor no mercado de tecnologia uma vez que a empresa prometia analisar e prever as atividades de cada um de seus usuários, baseando em probabilidades retiradas dos traços digitais deixados pelos próprios. A serendipidade passava a ser mercantilizada.

Não se faz necessário detalhar, aqui, o funcionamento dos SRA[4]. O que interessa sublinhar é que estes criam um paradoxo no que concerne à escuta de música digital. Por um lado, a oferta de milhões de música para se ouvir quando e onde quiser remete a uma liberdade absoluta do ouvinte como indivíduo racional, o consumidor. Por outro, o acesso a essa música é forçosamente mediado pelos SRA: não é possível acessar o fluxo de música sem eles. Seu poder é de tal ordem que até mesmo o que é aleatório (serendipidade) se torna calculável. O ouvinte se encontra restrito, portanto, em suas possibilidades de navegação pelo sistema. Assim, cabe perguntar: como os usuários lidam com esse paradoxo? Eles ficam complemente submetidos à lógica dos SRA? Ou seria possível criar linhas de fuga dentro dos sistemas dos serviços de streaming?

 

3 Táticas de escuta nos serviços de streaming

Para resolvermos o que parece ser um paradoxo, resgatamos o enquadramento teórico proposto por Michel de Certeau (2014) para pensar as práticas cotidianas. Em sua obra sobre a invenção do cotidiano, o autor contrapôs o termo estratégia à tática para analisar o que chamou de práticas de fazer. Por estratégia, Certeau arrola relações de forças sociais que isolam sujeitos de saber e de poder. Ao produzirem discursos totalizantes, as estratégias produzem lugares, que se caracterizam por “uma ordem de distribuição que configura posições instantâneas e estabilidade”. Elas produzem enquadramentos que se dedicam a cercear os atos dos indivíduos. Por seu turno, as táticas seriam as maneiras de fazer que os indivíduos aplicariam em suas vidas cotidianas e que não são racionalizadas pelas estratégias.

Admitimos que ambos os termos são abertos a interpretações. Porém, neste artigo, assumimos que os serviços de streaming impõem estratégias para a escuta de música a partir da ideologia da personalização, a qual dá norte à programação de seus SRA. Ao mesmo tempo, formulamos a hipótese de que os ouvintes interagem de maneira dinâmica com essa IA, aplicando táticas de escuta de música. Isto é, os usuários desenvolvem formas próprias de audição de música digital que tanto se valem do potencial dos SRA, quanto burlam suas restrições técnicas de acesso à música infinita.

Uma das maneiras de investigar a problemática colocada acima é ir a campo em busca das práticas de escuta de música dos indivíduos nos serviços de streaming. É preciso admitir, no entanto, que há algumas possibilidades metodológicas para tanto. A mais evidente é a etnografia tradicional. Seria instigante replicar o trabalho referencial de Tia DeNora (2004) e seguir fisicamente as práticas de escuta dos indivíduos, observando e perguntando sobre elas. No entanto, a materialidade dos serviços de streaming não apenas abre outras possibilidades de técnicas de pesquisa; ela exige técnicas complementares. Pois não basta mais analisar apenas o sentido que os indivíduos dão às suas práticas de ouvir música. Diante da IA, torna-se imperativo investigar o funcionamento da própria máquina, observar como ela opera e afeta a própria audição da música. É forçoso considerar, portanto, a materialidade dos SRA sobre as práticas de escuta musical, isto é, entender como a tecnologia opera e como os indivíduos agem com e contra ela.

Dessa forma, decidiu-se realizar uma etnografia digital de tipo multissituada. Isso significa dizer, por um lado, que se optou por compreender as práticas de escuta de música nos serviços de streaming a partir do diálogo com indivíduos através de entrevistas e conversas via e-mail e/ou aplicativos de conversa pessoal, como o WhatsApp, caracterizando, pois, uma etnografia digital (Hine, 2000). Ao mesmo tempo, a fim de acompanhar a rotina de escuta de música dos voluntários selecionados, foi usada como ferramenta a plataforma Last.fm, que possui uma função chamada scrobble, utilizada para registrar “os hábitos musicais de seus ouvintes e permite o acesso aos dados sobre as práticas culturais de toda a rede de usuários a qualquer interessado cadastrado no sistema” (Santini, 2020, p. 166). Ou seja, o usuário que conecta a conta do seu serviço de streaming e possibilita o rastreamento dos arquivos acessados. Assim, torna-se possível ao etnógrafo acompanhar quais músicas foram ouvidas, o horário em que foram reproduzidas, quais foram os estilos musicais mais acessados, os dias e horários de maior registro de músicas tocadas, entre outras informações técnicas que escapam à consciência dos atores sociais. Isso nos permitiu fazer uma acareação entre o que os traços digitais forneciam e sobre como os indivíduos refletiam e justificavam suas práticas de escuta de música.

Estamos cientes de que, hoje em dia, uma divisão nítida entre a etnografia virtual e a da vida concreta não apenas pode como deve ser superada (Hine, 2015; Miller; Slater, 2004). Não obstante, se manter na esfera digital nos permitiu fazer dessa pesquisa de campo também uma etnografia multissituada. Conforme definiu George Marcus (1995), a aplicação desse método é adequada para fenômenos que exigem do pesquisador estar em diferentes lugares para examinar a circulação de significados, objetos e identidades em uma escala de tempo-espaço mais ampla. Neste artigo, utilizamos a etnografia multissituada para seguir as práticas de indivíduos que utilizam uma mesma tecnologia (lembremos que os serviços de streaming são empresas globais e virtuais, ou seja, que atendem seus usuários desde o espaço virtual), mas que estão situados em diferentes países, isto é, em diferentes contextos culturais e geográficos. Isso nos permitiu fugir de argumentos sobre as especificidades de cultura X ou Y, atendo-nos às características comuns da escuta musical na era das plataformas digitais.

A primeira etapa da pesquisa foi a seleção de informantes. Para tanto, foi criado um formulário digital, requisitando nome, idade, e-mail, local em que habita, etnia, serviço de streaming que utiliza, frequência com que ouve música e como costuma ouvir música no dia a dia. O formulário foi distribuído pela rede social Reddit, que funciona como uma rede de fóruns. Após ficar disponível online por duas semanas, 47 usuários se disponibilizaram a participar. Os voluntários foram pessoas dos mais diferentes tipos, incluindo tanto jovens quanto adultos, homens e mulheres, pessoas de variadas etnias e nacionalidades, como Alemanha, Argentina, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Malásia, Rússia, dentre outros. O passo seguinte foi fazer uma filtragem para poder selecionar os participantes que seriam acompanhados ao longo dos meses. Nessa etapa, retomamos os contatos iniciais a fim de saber quem, de fato, interessava-se em compartilhar seus dados e dar acesso às suas práticas de escuta de música. Muitos dos voluntários iniciais não demonstraram real interesse em participar da pesquisa de campo ou simplesmente não retornaram nossas mensagens[5]. Por conseguinte, passamos a seguir 15 participantes que aceitaram manter estreito contato com os pesquisadores e nos permitiram acessar seus traços digitais na internet[6] – mesmo que, ao longo da pesquisa de campo, alguns tenham simplesmente deixado de manter contato conosco, como observaremos posteriormente. O acompanhamento desses voluntários foi realizado entre junho e agosto de 2023, sendo os dados registrados semanalmente no caderno de campo.  

Para a apresentação dos dados do trabalho de campo, optamos por apresentar perfis de alguns dos indivíduos analisados. Diante do excesso de informação obtido, o formato de perfil permite destacar as especificidades encontradas na análise dos indivíduos. Afinal, as táticas emergem das dobras do cotidiano, naqueles gestos que parecem ordinários, mas que acabam revelando as artes do fazer.

 

4 Marie: a biblioteca digital como coleção particular

Marie[7] tinha 19 anos, era estudante e moradora da cidade de Jena, na Alemanha. Fã principalmente de k-pop (gênero musical da Coreia do Sul), ela deixou sempre bem clara a relação de diferença entre os momentos de estudo e os de ouvir música. Normalmente, disse a jovem, ela não ouve música para estudar, mas gosta de escutar a Apple Music o máximo possível, quando está longe dos livros:

 

Eu ouço música cerca de 4 horas por dia, mais quando não estou ocupada. Costumo fazer tudo enquanto ouço música de fundo: me arrumar de manhã, pegar o bonde, caminhar para qualquer lugar, limpar meu apartamento, jogar. Então, basicamente, sempre que não estou estudando, ou não estou com outras pessoas, ou assistindo a um filme etc. (Marie, 2023).[8]

 

As conversas com Marie começaram no dia 05 de junho de 2023, pelo WhatsApp. Um dos pontos positivos da observação foi ela já ter uma conta na Last.fm desde junho de 2020. Logo, seu histórico de músicas nesta plataforma já estava bastante avançado, com mais de 80.000 músicas computadas, uma média de 67 arquivos acessados por dia.

O que mais chamou atenção foi a frequência com que ela ouve sempre as mesmas músicas, artistas e álbuns ao longo do tempo. Durante o período que a acompanhamos, Marie manteve uma média de apenas 1% de músicas e artistas inéditos ouvidos semanalmente. Ou seja, a cada sete dias, das cerca de 500 músicas que ela ouvia, apenas cinco não estavam anteriormente na sua lista de reprodução. Por curiosidade, a única semana em que essa média subiu para 4% foi logo após conversarmos sobre esse seu comportamento. Provavelmente atenta depois de ter sido questionada sobre esse hábito, ela parece ter explorado artistas e álbuns que não conhecia. A partir da semana seguinte, porém, ela retomou seu comportamento habitual.

O porquê deste hábito ficou claro durante as conversas: Marie contou que usa o Apple Music de uma forma que inicialmente nos pareceu pouco usual. Ela não passa muito tempo explorando recomendações do algoritmo, nem buscando músicas novas. Ela usa o serviço de streaming como um canal que permite a ela colecionar suas músicas preferidas. Ela deixa claro que a música é uma trilha sonora para suas atividades cotidianas. Em outros termos, ela usa a plataforma para fazer a seleção de músicas que vai ouvir no dia a dia, e as utiliza como trilha sonora para seu cotidiano.

Durante seu dia a dia, ela revelou que salva as músicas de que mais gosta por meio do recurso Adicionar à Biblioteca. É essa Biblioteca que ela mais utiliza, tanto em ordem aleatória como começando por algum álbum ou música específica. Ela abre a Biblioteca no aplicativo, escolhe a opção Músicas ou Álbuns e coloca para tocar:

 

Eu tenho uma lista de músicas e álbuns que quero ouvir e adiciono sempre que um artista do qual gosto lança algo novo ou gosto de uma pequena parte de uma música e quero ouvir mais. [...] nas noites em que não tenho nada para fazer, gosto de ouvir as coisas dessa lista com meus fones de ouvido e curtir a música ou o álbum como um todo (Marie, 2023).[9]

 

Ela revelou que costuma fazer o download das suas músicas preferidas para poder ouvir offline, tendo cerca de 1.000 músicas da sua biblioteca salvas em seu celular. Assim, muitas vezes, ela não só acessa suas músicas preferidas pela Biblioteca, mas vai direto à seleção das músicas baixadas, que é praticamente outra etapa classificatória. “Obviamente, gosto de ouvir as músicas que aprovei no passado. É bom raramente ter que pular e apenas saber que a próxima música será boa”[10], conta ela. Aliás, Marie diz que não ouve playlists na maior parte do tempo, pois se concentra nessas músicas que foram baixadas em seu dispositivo de comunicação.

Um ponto muito interessante desse comportamento é como ele se assemelha à maneira de escolher e reproduzir comum a uma coleção de discos. Mesmo tendo opção de ouvir a milhões de faixas disponíveis, Marie faz questão de classificar apenas as suas preferidas, para ouvir sempre essas que já escolheu como a sua própria coleção de músicas. E ainda faz questão de filtrar ainda mais essas músicas, tendo as preferidas entre as baixadas no celular, o que diminui ainda mais suas opções quando quer ouvir música. Marie, porém, nunca teve uma coleção de discos físicos – embora conheça algumas pessoas que tiveram, como seus pais e outros parentes. Ainda assim, ela reconhece sua forma de escolha e filtragem como algo parecido e importante para ela, e acredita que se utilizando dos serviços de streaming de tal maneira, ela consegue chegar a um objetivo semelhante a uma coleção pessoal, mas sem todo o trabalho e gastos de ter esses objetos físicos:

 

 

 

Não é como se eu tivesse tentado recriar algo assim de propósito, mas gosto da ideia da coleção de discos, então talvez tenha sido isso que fiz inconscientemente. [...] se fosse uma coleção de discos, eu teria que comprar um disco novo toda hora, então acredito que seja definitivamente menos conveniente. Eu não gostaria de perder todas as vantagens de um serviço de streaming, mas você pode dizer que para mim é mais importante ter todas as músicas que eu gosto em um só lugar, assim como é uma coleção de discos (Marie, 2023).[11]

 

É importante notar que das 25 músicas mais ouvidas por ela (que ela tocou ao todo 570 vezes, ou seja, representam 9% de todas as 6275 reproduções que ela fez no período), 19 já estavam na sua Biblioteca. Não conseguimos conferir, porém, quantas eram baixadas em seu dispositivo. Dessa maneira, podemos até assumir – algo com que a própria Marie concorda – que o entendimento do gosto da ouvinte pelo algoritmo do Apple Music para recomendação de músicas não é algo tão valioso na escolha do que ela ouve no dia a dia. Afinal, ela faz questão de ter guardado em uma espécie de memória artificial aquelas que foram suas músicas preferidas e que ela quer tornar a ouvir.

Chama a atenção quando ampliamos a análise sobre as músicas que ela escuta. Embora, ao analisar as mais ouvidas, todas estejam guardadas na sua memória artificial, ao todo, Marie tocou 1.135 faixas diferentes no período. E, dessas, apenas 50% de fato estavam em sua Biblioteca. Ou seja, embora ela reconheça que seu principal traço de escuta de música seja o acesso à Biblioteca do serviço de streaming, a verdade é que ela ainda reproduz muitas faixas que não estão salvas. Assim, embora não pareça, o algoritmo de recomendação do Apple Music parece ter, sim, utilidade para a ouvinte em outra etapa do seu hábito de escuta. Inclusive, Marie confessa que, apesar de não ser algo tão comum, nos últimos tempos tem se utilizado das seleções que a inteligência artificial recomenda a ela, principalmente para descobrir músicas lançadas recentemente ou algum artista e álbum novo: “recentemente eu tenho me encontrado rolando o aplicativo pelas playlists na área ‘Ouça Agora’ do Apple Music, como a Chill Mix, New Music Mix etc.”[12], ela explica.

Apesar de a forma de escutar música de Marie ter muitas semelhanças com uma coleção particular de discos, ao se utilizar do Apple Music, ela não consegue se desligar totalmente da existência de sugestões que trazem novidades sobre as músicas de que gosta, além de playlists que “conversam” com seus hábitos de consumo. Podemos dizer que a presença do algoritmo de recomendação e a maneira como o aplicativo disponibiliza isso para a usuária a convence, de alguma forma, a ouvir músicas fora da sua Biblioteca, embora essa seja acessada com frequência. A influência do algoritmo é curiosa no caso de Marie, que de alguma forma se enxerga como “independente” da atuação da recomendação na sua forma de preparar sua escuta de música.

 

5 Nipuna: a simulação das antigas rádios

Nipuna tinha 33 anos e vivia na cidade de Colombo, no Sri Lanka[13]. Ele tem o hábito de escutar música, segundo o próprio, principalmente enquanto se locomove para o trabalho, e quando está fazendo atividades domésticas. Por esse motivo, provavelmente, seus horários de pico de escuta são bem demarcados, como pudemos perceber durante o período que acompanhamos sua escuta pelo Last.fm: por volta das 8h e das 18h durante a maior parte das semanas, e em alguns dias em torno de 15h. Ele gosta de gêneros musicais variados, prevalecendo principalmente o indie rock e a música pop, mas com frequência escuta também folk music, soul music, rock, heavy metal e outros estilos.

O que chamou a atenção inicialmente foi como a escuta de Nipuna aparenta certa aleatoriedade. Por mais que ele tenha certos gêneros musicais preferidos, as músicas parecem não seguir um fluxo específico e nem conversar entre si, como seria na audição de um álbum ou da página de um único artista, por exemplo. Assim, uma música soul pode ser seguida de um heavy metal, que pode ser seguido de um hit da música pop dos anos 1990, terminando em alguma house music. Outro ponto que pudemos notar foi a baixa frequência com que o informante repete as mesmas músicas semanalmente, além do alto índice de descobertas de músicas e artistas novos toda semana (cerca de 18% de novos artistas e 50% de novas músicas).

Diante desse perfil, decidimos nos concentrar nessa característica da escuta sem uma ordem específica. Na própria análise de Nipuna sobre tal comportamento, ele deixou claro como se vale do algoritmo e das playlists do Spotify para fazer o que mais gosta, descobrir músicas, artistas e até gêneros musicais novos:

 

Adoro descobrir novas músicas, particularmente artistas/gêneros novos e obscuros dos quais nunca ouvi falar. Alguns recursos do Spotify são bastante úteis para isso. O Discover Weekly [playlist automática do Spotify, publicada semanalmente, que é criada por IA com recomendações a partir do histórico do usuário] é ótimo para recomendar coisas para mim com base no meu gosto típico. Eu uso Discovered On [ranking de playlists que tenham a ver com o artista, baseado nos ouvintes dos últimos 28 dias] nas páginas do artista para encontrar listas de reprodução que contenham músicas semelhantes a um determinado artista. De vez em quando, uso o Every Noise [site com diversas listas de reprodução organizadas de maneiras diferentes do Spotify, sem vínculo com a plataforma] para encontrar gêneros dos quais nunca ouvi falar (Nipuna, 2023).[14]

 

Aparentemente, o uso intensivo dos mecanismos de IA que o Spotify disponibiliza, sobretudo os de recomendação de novos conteúdos, torna-se uma diversão para Nipuna. Não obstante, é preciso notar que a presença do algoritmo de recomendação incomoda o entrevistado:

 

[...] quando você realmente quer experimentar novos estilos de música, o Spotify pode atrapalhar, porque eles personalizam tudo demais hoje em dia. Por exemplo, com o recurso Song Radio [que possibilita criar uma lista de músicas por inteligência artificial baseada em qualquer outra música, artista ou álbum que você esteja ouvindo], você costumava obter uma lista de músicas bastante semelhantes ao original, mas uma parte significativa das músicas de rádio vem de sua própria biblioteca. O mesmo acontece com muitas das próprias playlists do Spotify. [...] eu gostaria que houvesse uma maneira de saber quais listas de reprodução são personalizadas e quais não são. Um botão para ativar ou desativar a personalização também seria fantástico (Nipuna, 2023).[15]

 

É curioso perceber como ele faz uso de uma propriedade tão marcante das plataformas de streaming, as playlists recomendadas pelo sistema, mas se incomoda com a suposta personalização que o algoritmo do serviço proporciona. Essa característica de Nipuna, porém, fica bem mais fácil de entender quando soubemos que, na realidade, a escuta de música por meio dos serviços de streaming é, para ele, a simulação de um outro meio de escuta: o rádio.

Ao longo de nossas conversas, ele contou que era um ouvinte ferrenho do rádio no início dos anos 2000, e que esse meio o ajudou a descobrir muitas músicas, fazendo parte da formação de seu gosto musical. Porém, há anos ele não ouve mais rádio, principalmente porque as emissoras se “tornaram muito previsíveis e avessas ao risco. Além disso, sinto que os apresentadores de rádio daquela época eram muito apaixonados por música e não soavam muito roteirizados, como fazem hoje em dia” (Nipuna, 2023). Fica claro que a escuta do ouvinte conta realmente com a imprevisibilidade do meio pelo qual está ouvindo: a “roteirização” das estações de rádio e a personalização das playlists lhe dão a impressão de que está ouvindo algo óbvio, programado – o que parece lhe incomodar profundamente.

Ao conversar com o observado sobre isso, ele conta exatamente qual é sua maneira preferida de ouvir música: “Gosto de tocar música de forma aleatória e imprevisível. Talvez seja um hábito que adquiri ao ouvir estações de rádio que não se limitavam a um gênero musical. Portanto, isso funciona muito bem para mim[16]”. Para tanto, além de ter uma preferência por ouvir playlists, o entrevistado ainda se utiliza da função Aleatório (Random), presente em qualquer lista de música do Spotify: com apenas um toque é possível escolher que uma lista de reprodução ou um álbum se comporte de modo aleatório, definindo as músicas presentes na lista, sem que o usuário saiba qual será a próxima.

Nipuna faz uso das propriedades do streaming justamente para criar suas próprias “estações de rádio”, que fogem até mesmo daquelas que o Spotify busca emular por meio de listas personalizadas. Dessa forma, ele garante a “surpresa”, a serependidade, sobre qual música vem a seguir, mas mantendo certo fluxo de proximidade com seu gosto musical ou com as músicas que já descobriu. Por exemplo, ele conta que, logo pela manhã, gosta de ouvir música enquanto se arruma para o trabalho. A forma que ele encontrou de fazer com que essa música de fundo funcionasse como uma rádio foi através de um aplicativo externo ao Spotify:

 

Quanto ao que ouço durante esse tempo, é principalmente uma lista de reprodução Daily Blend, que criei usando o Goofy [programa que se utiliza do código do Spotify para gerar outras funções que a plataforma não possui]. Ele mistura aleatoriamente entre minha biblioteca de música existente, três listas de reprodução de música atuais que mantenho, e pega faixas de outras listas de reprodução do Spotify que sigo (Nipuna, 2023).[17]

 

Com isso, podemos considerar que Nipuna se utilizou de um ecossistema de mídia no qual o serviço de streaming está arraigado para simular um antigo hábito de escuta de música que praticava com o rádio. Sua busca por uma aleatoriedade nas faixas tocadas, mas que ao mesmo tempo traga um certo nível de correspondência com aquilo que espera ouvir (como as rádios, que muitas vezes trazem programas ou transmissões baseadas em estilos musicais ou fatores específicos), é algo que ele reconhece na sua escuta de rádio e busca trazer para sua escuta no streaming.

Porém, é possível perceber como a produção dos serviços de streaming marca a forma de escuta dos usuários. No caso de Nipuna, a presença do algoritmo de recomendação modifica toda sua maneira de escutar e permite que ele alcance aleatoriedade no que está ouvindo. As propriedades do streaming possibilitam de diversas maneiras que ele tente “burlar” o sistema de recomendação, criando playlists, ouvindo as músicas no aleatório e até se utilizando de serviços externos.

 

6 A repetição como controle do fluxo de música: Séamus, Solomon e Daniel

É interessante notar que algumas affordances não se mostraram, inicialmente, relevantes para os ouvintes que observamos. É o caso de Séamus. Morador da cidade de Edmonton, no Canadá, ele tinha 21 anos à época da pesquisa. Seu acompanhamento começou em 16 de junho de 2023, por meio do WhatsApp, mas ele deixou de responder nossas mensagens no dia 28 de julho do mesmo ano. Por conta disso, acabamos não conseguindo fazer nossa análise de forma totalmente satisfatória. Não obstante, pudemos perceber características intrigantes que nos permititram perceber uma tática de escuta.

Durante nossas conversas, Séamus admitiu sofrer de insônia e afirmou fazer uso de algumas propriedades do serviço de streaming que assina, a Apple Music, para conseguir ajudá-lo a pegar no sono. Em uma troca de mensagens, ele disse que precisava de concentração para dormir e utilizava o recurso Repetir (Repeat) para tentar alcançar um estado de consciência que lhe permitisse relaxar e, se possível, dormir.

 

À noite, ao dormir, tento ouvir músicas com as quais me sinto confortável (portanto, não ouço músicas que não conheço), isso ajuda a me acalmar no sono. Eu geralmente seleciono uma música e toco de forma repetida. Ultimamente, tenho adormecido com muita música não inglesa, pois não fico tentado analisar as letras, como Anita Mui (cantora chinesa) ou Loïc Nottet (cantor francês) (Séamus, 2023).[18]

 

Ao longo da observação, percebemos a prática de escutar músicas de madrugada, entre 1h e 4h da manhã. Como muitas vezes as músicas eram repetidas, havia a impressão de que ele estava acordando e selecionando as canções. Mas não era o caso: o ouvinte contou que programou o usou dessa função, que é ativada com apenas um toque, fazendo tocar em looping o mesmo álbum, seguidamente.

Esse comportamento é interessante por não ser uma propriedade óbvia da plataforma de streaming. Os serviços até costumam disponibilizar playlists desenhadas para ajudar os usuários a dormir. Na Apple Music existem, por exemplo, diversas listas com esse propósito: algumas são formadas apenas por ruídos e sons para ajudar o ouvinte a relaxar. É o caso da Música ambiente para dormir ou a Ruído Branco. Séamus não explora, porém, exatamente essas listas, mas se apropria de um recurso do serviço que não necessariamente foi desenvolvido com esse propósito, para criar sua própria maneira de embalar seu sono escutando músicas.

Considerando que esse recurso já existe, por exemplo, nos players de música muito usados para ouvir faixas em mp3 – como o Winamp, o iTunes, o Windows Media Player –, de alguma forma o usuário pode já estar acostumado a se valer dessa propriedade. Em algum nível, podemos até considerar que é a presença da materialidade desses programas, que foram tão amplamente utilizados principalmente a partir do final dos anos 1990, que influencia esse hábito do ouvinte.

Aqui, é possível fazermos um paralelo com outro ouvinte que acompanhamos, que tem um hábito curioso: ele costuma repetir as mesmas músicas seguidamente, diversas e diversas vezes. Trata-se de Solomon, de 19 anos, residente em Rockford, nos Estados Unidos, também usuário da Apple Music[19]. Nossos contatos ocorreram por e-mail entre os dias 18 de junho e 30 de julho de 2023, mas acabaram não tendo prosseguimento pela dificuldade do entrevistado de se expressar em inglês[20]. Ainda assim, pudemos entender o sentido de alguns de seus comportamentos durante esse período.

Pelo que pudemos observar, Solomon utiliza o botão “repetir” com frequência e, principalmente, por longos períodos. De acordo com os seus dados no Last.fm, o ouvinte passa horas e horas ouvindo apenas a mesma faixa em alguns dias – com músicas diferentes, mas sempre em longos tempos de repetição. Em um dos dias analisados, 12 de julho, ele repetiu a mesma faixa em uma manhã, por exemplo, 56 vezes – das 08h57 às 11h17.

O usuário explica que se vale dessa possibilidade para que possa se concentrar nas suas atividades, já que ouvir muitas músicas diferentes tira sua concentração:

 

Engraçado ver você me pegando repetindo músicas com frequência. [...] eu diria que o principal motivo para eu repetir faixas é que geralmente me concentro melhor em outras tarefas quando tenho apenas um ou dois sons consistentes sendo executados em plano de fundo. Minha biblioteca tem 30.000 músicas agora; por mais que eu goste de descobrir músicas diferentes e ouvir tantas ideias diferentes em um só lugar, às vezes é muito perturbador quando você está ocupado com muitas tarefas, [risos] (Solomon, 2023).[21]

 

O que é curioso, já que frequentemente colocamos como ponto marcante do streaming a extensa, virtualmente infinita, biblioteca de músicas. O ouvinte, em vez de estar em contato com diversas faixas diferentes a que ele tem acesso, toca por horas a mesma música, sem parar. Ao mesmo tempo, percebemos o quanto isso também é consequência da própria materialidade desses serviços.

A plataforma impacta frequentemente seus usuários com novidades, recomendações e personalizações para fazê-lo encontrar cada vez mais músicas (o que de fato Solomon diz que faz, com a citada biblioteca de 30.000 faixas), mas ao mesmo tempo proporciona, com um simples toque, a repetição, por horas, da mesma faixa (sem interrupções nem insinuações para alterar). As próprias características materiais do streaming permitem tanto a navegação personalizada por um sem-número de músicas diferentes como facilita que o ouvinte que queira ouvir apenas as mesmas coisas o faça com extrema facilidade.

Ainda aproveitando o uso específico da repetição nas formas de ouvir música, tivemos contato com outro ouvinte que costuma ouvir músicas repetidas com alguma frequência. É o caso de Daniel, de 27 anos, morador de Dortmund, na Alemanha, e assinante do Apple Music. Apesar de não ouvir a mesma faixa várias vezes seguidamente, ele costuma passar alguns dias repetindo as mesmas músicas por algum período, e depois diminui a frequência até parar. Infelizmente, o contato com Daniel também acabou sendo mais curto que os demais. Começamos as conversas no WhatsApp somente a partir do dia 31 de julho de 2023, mantendo o acompanhamento até o final de agosto. Apesar de poucos dados sobre o ouvinte, percebemos algumas características que se mostram interessantes para esta análise.

Ao conversar sobre esse hábito com o ouvinte, entendemos o porquê de repetir as mesmas faixas: faz parte da sua relação de afeto com as músicas sentir que ele conhece cada uma elas, ter uma proximidade: “Eu sinto que algumas músicas eu aprecio cada vez mais com o tempo e não consigo parar de ouvir. Depois de ouvir algumas vezes, fica familiar, conheço a letra e os interlúdios. Acho que gosto da familiaridade”[22], ele conta (Daniel, 2023).

Para praticar essa escuta com algumas das suas músicas preferidas do momento, porém, Daniel se apropria do streaming de maneira bem diferente de Solomon. Em vez de colocar a música para repetir seguidamente, ele prefere praticar sua escuta usando da classificação do Apple Music das músicas que salvou na biblioteca mais recentemente. Assim, quando salva uma música nova, ele já sabe que quer ouvi-la seguidamente pelos próximos dias. Ao acionar o filtro de últimas músicas adicionadas, lá estará ela, pelo menos até ser superada por outras que ele tenha salvado posteriormente. Por isso, o comportamento acontece dessa maneira: ele ouve por alguns dias as mesmas músicas, a frequência vai diminuindo, até que a faixa praticamente não aparece mais no seu histórico recente.

Os casos de Séamus, Solomon e Daniel são interessantes na medida em que revelam como os usuários se apropriam das funcionalidades dos serviços de streaming. Diante do excesso de informação disponível, eles se valem da restrição de opções que o botão “repetir” oferece. Essa é sua maneira de produzir certa segurança diante do fluxo da música infinita. Não é, portanto, o acesso à música infinita que lhes interessa, mas, pelo contrário, as limitações de possibilidades que o sistema lhes permite.

 

7 Considerações finais

A metodologia adotada neste artigo permitiu-nos entender como os indivíduos se apropriam das restrições técnicas que os serviços de streaming oferecem para criar suas próprias táticas de escuta de música. Pode-se argumentar que esta pesquisa não apresenta uma amostragem representativa em relação ao universo de milhões de usuários que, mundialmente, utilizam os serviços de streaming de música. Não obstante, o que se quis realizar aqui foi estabelecer conexões entre os sentidos produzidos pelos indivíduos sobre suas práticas cotidianas e o que seus traços digitais dizem sobre tais práticas. Trata-se, portanto, de dar ênfase a aspectos qualitativos da pesquisa para, em uma etapa posterior, atingirmos uma escala mais ampla de usuários, quantitativamente significativa. 

Associando as significações que os indivíduos produzem sobre seus atos às informações apresentadas pelo dispositivo scrobble, pudemos observar de que forma os serviços de streaming se tornam presentes nas práticas de escuta de música no dia a dia. Foi interessante notar, nesse sentido, como experiências pregressas de escuta de música (como a associação às discotecas ou ao rádio) são reformuladas a partir da apropriação das ferramentas disponibilizadas pelas plataformas digitais: o botão “repetir” ou “minha biblioteca”, entre outros mecanismos da interface. No entanto, foi igualmente importante observar como, justamente ao se adaptar às práticas de escuta de música desses indivíduos, os serviços de streaming se instalam na vida cotidiana dos usuários e passam a moldar sua escuta de música através de seus SRA. Isto é, à medida que os indivíduos adotam a plataforma digital como sua mídia para escutar música, a IA dessas empresas penetra em suas táticas de escuta e, de maneira furtiva, passa a interagir com tais práticas, direcionando o que se escuta.

Ao contrário das tecnologias de reprodução sonora analógicas, os dispositivos digitais são concebidos para apresentar um alto grau de maleabilidade às apropriações dos ouvintes. Muitas affordances na plataforma podem ser facilmente adaptadas aos usos correntes dos usuários. Isso é importante, pois indica o caminho pelo qual o grau de autonomia passa a ser sistematicamente diminuído, à medida que a IA passa a definir o que é “relevante para o usuário” e excluir o que não seria “relevante” (impedindo, pois, outras possibilidades de escuta). Nesse sentido, foi decisivo buscar fazer uma etnografia multissituada, pois nos permitiu perceber que não se trata de um fenômeno local (o uso de uma mídia dentro de um contexto cultural específico), mas, sim, de um fator próprio a uso global dessa tecnologia da informação.

É necessário sublinhar, por fim, que ao tratarmos de táticas de escuta, não quisemos enfatizar algum tipo de resistência ao sistema. Nossa pesquisa não nos deu dados suficientes que pudessem sustentar uma teoria social sobre a escuta de música hoje em dia. É verdade que tampouco podemos afirmar que a IA passa a controlar completamente as práticas de escuta de música. Estamos interessados em saber, antes, como de fato os indivíduos passam a se apropriar da materialidade dos serviços de streaming de música, sem nos satisfazer com a interpretação que eles dão às suas práticas de escuta. Esperamos ter apresentado, com esse esforço, pelo menos um insight sobre as novas práticas do consumo de música na era das plataformas digitais.

 

Referências

 

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DE MARCHI, Leonardo. Ouça sua banda preferida sem precisar ir atrás daquele Torrent: uma análise da publicidade das empresas eletrônicas de música. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo: ESPM-SP, v. 11, p. 163-183, 2014.

 

DE MARCHI, Leonardo; KISCHINHEVSKY, Marcelo; FERREIRA, Gustavo; SALDANHA, Rafael M. O gosto algorítmico: a lógica dos sistemas de recomendação automática de música em serviços de streaming. Revista Fronteiras, São Leopoldo, v. 23, n. 3, p. 16-26, set./dez. 2021.

 

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DENORA, Tia. Music in everyday life. Cambridge, MA: Cambridge University Press, 2000.

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MOREL, Leonardo. Inovações no consumo de produtos culturais: os serviços de streaming. In: TIGRE, Paulo Bastos; PINHEIRO, Alessandro Maia (coords.). Inovação em serviços na economia do compartilhamento. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 200-217.

 

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SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalism, socialism and democracy. London: Routledge, 2010.

 



[1] Leonardo Morel (2019, p. 202-203) define as características técnicas do streaming como “[...] uma cadeia de transmissão dividida em três partes: emissão, canal e recepção. Na emissão, o conteúdo passa por um processo de codificação e compressão para que possa ser propagado. Em seguida, os dados são transmitidos em forma de protocolos para que sejam decodificados pelo receptor, que pode ser um dispositivo eletrônico capaz de reconhecer conteúdo multimídia, como smartphones, ou softwares capazes de reproduzir esse conteúdo, como os serviços de streaming de música”.

[2] Pequenos pedaços que, supostamente, conteriam características fundamentais que poderiam ser categorizadas. Na perspectiva dos desenvolvedores do sistema, todo gênero musical deteria características formais que poderiam ser decompostas até se alcançar uma essência, o genoma. Assim, toda música conteria cerca de 450 genes (como os genes do organismo). A partir dessa categorização, a IA realizaria o cruzamento dos dados e prescreveria listas de música baseadas não nas relações musicais ou sociológicas dos gêneros musicais, mas na combinação dos atributos. Como analisaremos posteriormente, trata-se de uma aplicação, na indústria da música, da lógica social de derivativo. Sobre a lógica de derivativo aplicada pelas plataformas digitais, cf. Arvidsson, 2016; De Marchi, 2018.

[3] Conforme explica Rose Marie Santini (2020, p. 109), serendipity é um neologismo criado para designar “receber recomendações que não estavam sendo procuradas de forma ativa ou consciente”. A palavra serendipity tem sido traduzida para o português por serendipitidade, serendipidade e serendipite.

[4] Explicações sobre o funcionamento do SRA podem ser encontradas em De Marchi et al., 2021; Santini, 2020.

[5] Entre os participantes finais, 40% compartilharam seus números de telefone para serem contactados via WhatsApp ou Telegram, 25% divulgaram apenas suas redes sociais e outros 20% preferiram ser contactados apenas por e-mail. Os 15% restantes não se sentiram confortáveis em compartilhar qualquer informação ou participar da pesquisa além do formulário.

[6] É interessante notar que tal criteriologia nos entregou perfis muito distintos de indivíduos a serem acompanhados. Apenas no quesito idade talvez houvesse alguma similaridade – precisamente: não havia pessoas acima de 55 anos em nosso escopo de pesquisa. Vimos esse resultado, porém, como um fator positivo, uma vez que nos entregaria uma tal diversidade de contextos da qual poderíamos retirar os elementos mais estruturais para nossa pesquisa.

[7] Os nomes dos informantes utilizados neste artigo são reais. No entanto, a fim de evitar uma exposição completa dos informantes, decidimos nos deter apenas em seus primeiros nomes.

[8] Fala concedida aos autores em 10 de junho de 2023. Tradução nossa: “I listen to music about 4 hours a day, more when I‘m not busy. I usually do everything while playing music in the background: getting ready in the morning, taking the tram, walking anywhere, cleaning my apartment, playing games; so basically anytime I‘m not studying, with other people or watching a movie etc.”

[9] Entrevista concedida aos autores em 17 de julho de 2023. Tradução nossa: “I have a list of songs and albums that I wanna listen to that I always add on to whenever an artist I like releases something new or I enjoy a small part of a song and wanna listen to more of it. [...] On evenings when I got nothing to do, I like to then listen to the stuff on that list with my headphones on and enjoy the song or the album as a whole.”

[10] Entrevista concedida aos autores em 17 de julho de 2023. Tradução nossa: “Obviously I do enjoy listening to the songs that I approved in the past. It feels good to rarely have to skip and just know that the next song will be good.”

[11] Entrevista concedida aos autores em 05 de agosto de 2023. Tradução nossa: “It‘s not like I tried to recreate it on purpose but I like the idea of a record collection so maybe that‘s what I did subconsciously. […] If it was a record collection, I‘d have to go buy a new record every time so that‘s definitely less convenient. I wouldn‘t want to miss all the perks of a streaming service but you can kinda say that for me it‘s more important to have all the songs I like in one place, just like a record collection.”

[12] Entrevista concedida aos autores em 25 de agosto de 2023. Tradução nossa: “In recent times I have found myself scrolling through the playlists on the ‘Listen Now’ page of Apple Music like Chill Mix, New Music Mix, etc.”

[13] Nipuna foi um dos voluntários do estudo que se disponibilizou a ser contatado pelo WhatsApp, algo positivo para as nossas trocas. Ao longo de todo o período, ele sempre foi muito disponível, respondendo com poucos dias de atraso e sendo muito detalhista em suas análises sobre a própria escuta de música. Nosso primeiro contato se deu no dia 5 de julho de 2023, quando lhe foi explicado o método de acompanhamento e ele pôde nos enviar seu usuário no Last.fm, plataforma que ele já utilizava para acompanhar sua escuta desde 2014.

[14] Entrevista concedida aos autores em 05 de junho de 2023. Tradução nossa: “I love discovering new music, particularly new and obscure artists/genres I haven't heard from before. Some features of Spotify are pretty helpful for this. Discover Weekly is great for recommending stuff to me based on my typical taste. I use "Discovered on" in the artist pages to find playlists that contain music similar to a particular artist. Once in a while, I use "Every Noise" to find genres I haven't heard of before.”

[15] Entrevista concedida aos autores em 25 de junho de 2023. Tradução nossa: “On the other hand, when you really want to experiment with new styles of music, Spotify can get in the way because they personalize everything too much nowadays. For example, with the "song radio" feature, you used to be able to get a list of songs that were all quite similar to the original, but now a significant chunk of radio songs are from your own library. Same with many of Spotify's own playlists. [...] I wish there was a way to tell which playlists are personalized and which ones aren't. A button to toggle personalisation on or off would have been fantastic.”

 

[16] Entrevista concedida aos autores em 20 de julho de 2023. Tradução nossa: “I like to play music in a random, unpredictable way. Maybe it's a habit I picked up from listening to radio stations that didn't really stick to one genre of music. So this works quite well for me.”

[17] Entrevista concedida aos autores em 20 de junho de 2023. Tradução nossa: “As for what I listen to during this time, it's mostly a ‘Daily Blend’ playlist that I've created using Goofy. It mixes randomly between my existing music library, three current music playlists that I maintain, and also taking tracks from other Spotify playlists that I follow.”

 

[18] Entrevista concedida aos autores em 15 de julho de 2023. Tradução nossa: At night, when sleeping I try to listen to music that I am comfortable with (so no new music), this helps lull me into sleep. I generally select my music and play it in a repeating order. Lately, I've been falling asleep to a lot of non-English music as I am not tempted to analyze the lyrics, such as Anita Mui or Loïc Nottet.

[19] Neste ponto do artigo vela a pena sublinhar que a maioria dos usuários que acompanhamos utilizava a Apple Music como seu principal serviço de streaming e não o Spotify. O Spotify é, contudo, não apenas o líder de mercado no mundo como também a empresa de streaming de música que investe para formatar a indústria fonográfica digital, sendo, assim, o modelo a ser seguido por todos os seus concorrentes – incluindo a Apple Music. Em termos práticos, não há grandes diferenças nas affordances de ambas as plataformas digitais.

[20] O que revelou sua condição de imigrante (não soubemos se legal ou ilegal) nos Estados Unidos.

[21] Entrevista concedida aos autores em 01 de julho de 2023. Tradução nossa: “Funny to see you catching me repeating songs often. […] I would say the main reason for me repeating tracks is that I usually focus on other tasks better when I have just one or two consistent sounds running in my background. My library has 30.000 songs right now; as much as I love to discover different music & hear so many different ideas in one spot; sometimes it’s very distracting when multitasking, haha.”

[22] Entrevista concedida aos autores em 20 de agosto de 2023. Tradução nossa: “I feel like some songs I get to appreciate over time more and more and I cannot stop listening. After a few times of listening it gets familiar, I know the lyrics and the interludes. I think I like the familiarity.”

 



[i] Artigo recebido em 05/03/2024

  Artigo aprovado em 12/07/2024

 

[ii] Contribuições do autor: conceituação; metodologia; administração do projeto; escrita - rascunho original e escrita - análise e edição.

[iii] Contribuições do autor: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; software; validação; visualização; escrita - rascunho original e escrita - análise e edição.