e-ISSN 1984-7246
Renato
Gonçalves Ferreira Filho
Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM)
São Paulo, SP – Brasil
lattes.cnpq.br/3919121648225973
Os “corpos em aliança” nas intersecções entre o coletivo musical Teto
Preto e o contexto da festa Mamba Negra
Resumo
O presente artigo visa analisar como os “corpos em
aliança” se dão nas intersecções entre o texto do grupo musical Teto Preto e o
contexto da festa Mamba Negra. Após uma breve apresentação do objeto de
análise, apresentamos aspectos principais da “teoria performativa de
assembleia”, de Judith Butler, que formam nosso repertório crítico. Na
sequência, sob a perspectiva metodológica dos estudos da performance, realizamos
uma análise de materiais selecionados da performance do Teto Preto
articulando-os às condições performativas da Mamba Negra. Como resultados,
destacamos como o grupo vocaliza o contexto da festa, sobretudo, no que diz
respeito à união de corpos vulneráveis na luta por reconhecimento político.
Além disso, destacamos a estratégia política de construção de espaços
destinados ao aparecimento desses corpos que, em coalizão, estabelecem laços de
reconhecimento recíproco que os fortalecem na busca por vidas menos
precarizadas. A Mamba Negra e o Teto Preto, assim, são um exemplo de uma ação
política a partir de estruturas coletivamente construídas e interdependentes,
como no formato butleriano de “assembleia”, que ocorre não só nas manifestações
de rua e de suas reivindicações políticas, mas também em espaços como o da
festa e demais expressões do entretenimento, como a música popular, a dança e
os produtos audiovisuais.
Palavras-chave: estudos da
performance; música popular; política; Teto Preto; Mamba Negra.
The “bodies in alliance” at
the intersections of the musical collective Teto Preto and the context of the
party Mamba Negra
Abstract
The present article aims to
analyze how “bodies in alliance” occur at the intersections between the text of
the musical collective Teto Preto and the context of the party Mamba Negra.
After a brief presentation of the object of analysis, we present the main
aspects of Judith Butler’s “performative theory of assembly”, which constitute
our critical repertoire. Subsequently, from the methodological perspective of
performance studies, we conduct an analysis of selected materials from Teto
Preto’s performance, articulating them with the performative conditions of
Mamba Negra. As a result, we highlight how the group vocalizes the context of
the party, particularly regarding the union of vulnerable bodies in the
struggle for political recognition. Furthermore, we highlight the political
strategy of creating spaces aimed at the emergence of these bodies which, in
coalition, establish bons of mutual recognition that strengthen them in the
pursuit of less precarious lives. Mamba Negro and Teto Preto, thus, exemplify a
political action stemming from collectively built and interdependent
structures, akin to the “assembly” format discussed by Butler, which occurs not
only in the street protests and their political demands, but also in spaces
such as parties and other forms of entertainment like popular music, dance, and
audiovisual products.
Keywords: performance studies; popular music; politics; Teto Preto;
Mamba Negra.
1 Introdução
No cenário
brasileiro recente, os cruzamentos entre cultura e política têm sido
importantes espaços para a compreensão de movimentações e lutas sociais
contemporâneas. Nesse contexto, o trabalho musical do grupo Teto Preto, nascido
em meio às festas da Mamba Negra, pode ser um relevante objeto para se
compreender novas formas de atuação em torno da “assembleia”, termo empregado
por Judith Butler (2019a) para designar os “corpos em aliança”, aqueles dos “ilegíveis”,
como mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+, na busca por reconhecimento político.
Neste artigo, buscamos enxergar, pelo prisma butleriano, como esses corpos
vulneráveis se mobilizam no texto e no contexto do Teto Preto e da Mamba Negra,
tendo como vias de acesso, para a nossa análise, a performance e as condições
performativas.
Apresentando
brevemente os objetos de análise, a Mamba Negra é uma festa independente de
música eletrônica produzida, desde 2013, por Laura Diaz e Cashu, caracterizada
pela autogestão e ocupação de espaços públicos esquecidos pelo poder público,
como galpões e armazéns abandonados localizados majoritariamente na cidade de
São Paulo. Os line ups de suas edições, ocorridas trimestralmente, se
dividem entre os sets de DJs e a apresentação de bandas, cantoras e
cantores, tendo contado com a participação de nomes já estabelecidos dentro da
cena underground como Jup do Bairro, Linn da Quebrada e Karol Conká, bem
como de artistas emergentes, como Roupaspreta, Pavuna Kid e Bruxa Cósmica. Para
a sua realização, a festa tem como premissa básica a mobilização de uma rede de
produtores e artistas majoritariamente LGBTQIA+ e negros. Quando observamos o
contexto histórico-político da Mamba Negra, podemos aproximá-la de iniciativas
como a festa Batekoo e o centro cultural Aparelha Luzia, que igualmente vem
promovendo, na última década, espaços de fomento à circulação de renda e
entretenimento para populações inivisibilizadas.
Por sua vez, o
Teto Preto é um coletivo musical fundado e liderado por Laura Diaz em meio à
Mamba Negra, como veremos a seguir, com foco na música eletrônica e nas
improvisações vocais durante a performance de sets ao vivo, cuja
formação foi se modificando desde a sua estreia em 2016. No repertório, estão
canções autorais, como “Gasolina” (Laura Diaz) e “Bate mais” (Laura Diaz), além
de regravações do cancioneiro da MPB, como composições de João Bosco, Itamar
Assumpção e Caetano Veloso. Em relação ao cenário da música popular
contemporânea, podemos situar o Teto Preto ao lado de outros coletivos musicais
independentes, como o Metá Metá e o Passo Torto, ainda que seu contexto de
produção seja distinto. Além disso, destaca-se uma certa reverberação do
trabalho do grupo em outros produtos culturais contemporâneos, como o sample
de “Gasolina” na canção “Mãe Gentil”, de Marina Lima, em 2018, a
instalação audiovisual “Gasolina neles” (2021), no Museu de Arte de São Paulo
(MASP), e a trilha sonora do filme Corpo
elétrico (2017).
Neste artigo,
inicialmente, sublinhamos as relações entre o coletivo musical e a festa, cujas
raízes são profundas e têm em Laura Diaz, que é tanto produtora da festa quanto
líder do grupo musical, um ponto de conexão. Na sequência, expomos os aspectos
fundantes da “teoria performativa de assembleia” de Butler (2019a), na
tentativa de desenharmos um repertório crítico que servirá como ponto de
convergência para a nossa leitura.
Após a exposição
das bases metodológicas dos estudos da performance, apoiadas nas discussões já
bem empreendidas por Paul Zumthor (2018), Renato Cohen (2013) e Lilo Neil
(2014), debruçamo-nos sobre materiais e registros da performance do Teto Preto
e das dinâmicas da Mamba Negra, buscando realizar pontes que nos elucidem como
os “corpos em aliança” se fazem representar. Em linhas gerais, este artigo é um
exercício de interpretação da performance do grupo Teto Preto à luz do contexto
da Mamba Negra, buscando trazer contribuições para o entendimento dos vetores
políticos que atravessam ambos na contemporaneidade.
2 As relações entre o coletivo musical Teto Preto e a festa
Mamba Negra
Ainda que a estreia do Teto Preto no mercado
fonográfico tenha se dado apenas em 2016, com o lançamento de um single
duplo, sua fundação caminha paralelamente ao desenvolvimento das festas da
Mamba Negra, produzidas, desde 2013, por Laura Diaz, cantora, performer e líder
do grupo musical, junto à Carolina Schutzer, conhecida como Cashu, que ocupa as
funções de produtora e DJ.
Como historigrafado anteriormente (Ferreira
Filho, 2020), a parceria entre Laura Diaz e Cashu começou quando elas se
conheceram na Universidade de São Paulo, onde eram, respectivamente, estudantes
de Audiovisual e Arquitetura e Urbanismo, em meio ao movimento estudantil e à
produção de festas universitárias. A primeira edição da Mamba Negra ocorreu em
maio de 2013, na ocasião do aniversário da dupla, e despretensiosamente recebeu
um público superior ao esperado – o que foi um indicativo da vocação das
produtoras.
No contexto cultural e político do primeiro
semestre de 2013, marcado pelas jornadas de junho (Gohn, 2014), a festa Mamba
Negra foi fundada como uma tentativa de ocupar espaços degradados na cidade de
São Paulo para a promoção de encontros que celebrassem a diversidade artística
que as fundadoras observavam de perto. Como ambas compartilham, o surgimento da
festa esteve sintonizado ao momento de grande expressão da cultura alternativa
na cidade:
A Mamba surge em maio de 2013, num
momento de efervescência cultural e política no centro de São Paulo. A música
eletrônica ganha força na cena underground fora do clube e nós nos conhecemos
trabalhando para criar esse contexto de festas de rua, em locações degradadas,
festivais autogeridos, ocupações estudantis e artísticas. Somos fruto destes
encontros e choques entre artistas e coletivos, mas sobretudo da necessidade de
criar meios de produzir e circular a nossa produção, sem ficar refém da
proposta limitada do mercado do entretenimento e da relação de público-cliente
(Cashu; Diaz, 2016).
Àquela altura, a cidade de São Paulo estava em
um momento de expansão e crescimento da sua vida urbana e cultural, ao passo
que, como pauta inicial das manifestações de 2013, a mobilidade urbana fez com
que os usos e sentidos da urbe ganhassem destaque no debate público (Gohn,
2014, p. 19). Porém, ao mesmo tempo, a especulação imobiliária, a gentrificação
em bairros centrais e o avanço da iniciativa privada a monopolizar as ofertas
de entretenimento surgiam como projetos a serem combatidos por ocupações,
produções independentes e coletivos, reflexos de uma nova forma de fazer
política na cidade, que a Mamba Negra também exercia: “[...] eu vejo um papel
central das ocupações do centro, das intervenções artísticas, de toda uma
mudança de pensamento do uso do espaço público [...] a gente não era só festa,
a gente estava intervindo na cidade” (Diaz, 2018). Perseguindo esse ideal,
foram realizadas edições da festa em antigas fábricas e galpões, como a
Fabriketa, no Brás, espaços esvaziados pela maré especulativa dos grandes
empreendimentos imobiliários.
Paralelamente, a capital paulista contava com
um circuito de festas eletrônicas organizadas por clubes economicamente bem
estruturados, como, por exemplo, a D-Edge, a Clash Club e a The Week, que se
estabeleceram em regiões centrais e que acompanhavam os processos de
transformação que esses bairros vinham sofrendo. Em uma direção oposta, a Mamba
Negra apostou em alternativas de produção visando a democratização do acesso ao
entretenimento que passa sobretudo pela questão orçamentária, ponto sensível
para a produção autossuficiente: “muitas vezes ficamos sem lucro, priorizando o
artístico e os visuais, o que sempre acaba apertando o orçamento”, como disse
Cashu (2021).
A iniciativa, até os dias atuais, baseia-se
em estruturas enxutas, moldadas de acordo com os recursos disponíveis no
momento e um orçamento reduzido, mesmo que, mais recentemente, grandes marcas
tenham surgido com apoio financeiro em troca de exposição de marca. Articulando
espaços, artistas (DJs, performers, músicos, videomakers etc.) e
público, cada nova edição da festa, ocorrida, em média, bimestralmente, é
produzida de maneira totalmente independente de grandes produtoras de eventos,
com um modelo de autogestão: “não começamos colocando uma grana própria e
falando: ‘é um investimento, vamos abrir um negócio’. Fomos fazendo festas que
se autofinanciavam [sic]”, como afirma uma de suas fundadoras (Cashu, 2018).
No contexto das festas, como rememora Diaz, o
seu projeto musical foi tomando corpo: “o Teto [Preto] começou em uma das
edições da Mamba, às 5h da manhã, quando eu perguntei pro L_cio o que ele
achava de eu chamar uns amigos e fazer umas improvisações ao vivo no set dele”
(Diaz, 2017). Ao longo dos meses, Diaz passou a experimentar alguns momentos de
improvisação em meio aos sets eletrônicos de colegas DJs, apresentando
canções autorais e interpretando composições oriundas do cancioneiro popular da
música brasileira. Do início até 2023, o Teto Preto já passou por diversas
configurações, tendo diferentes artistas que orbitaram ao redor de Diaz, a
saber, por ordem de entrada no grupo: L_cio, Pedro Zopelar, William Bica, Savio
Queiroz, Loïc Koutana, Matheus Câmara e Mari Hezner.
Em termos estéticos, o Teto Preto se baseou,
inicialmente, em performances ao vivo em formato de sets eletrônicos,
nos quais bases pré-gravadas são mixadas em tempo real, com a inserção de
elementos musicais no momento (como teclados, pads, linhas de trombone e
percussão), enquanto Laura Diaz, sua vocalista, faz interpretações de canções
autorais e de outros compositores, sendo acompanhada por um dançarino solo.
Embora haja uma prévia programação do setlist a ser executado, o formato
é marcado também pelo improviso, sendo comuns as intervenções e as interações
do público e a livre performance de seus integrantes[1].
Posteriormente, o coletivo viria a lançar o
single Gasolina, em 2016, e o disco PEDRAPRETA, em 2018, além de
participar em faixas de outros artistas, como Pabllo Vittar (no remix de “Vai
embora”, 2019), Deize Tigrona (“Sobrevivente de Rave”, 2022) e Duda Beat (no remix
de “Meu pisêro”, 2023). As apresentações, que se davam majoritariamente nas
edições da Mamba Negra, também foram realizadas em outros espaços, como
festivais de música eletrônica nacionais e internacionais (Ferreira Filho,
2022b).
Dado o contexto paralelo e interligado entre
a formação da Mamba Negra e o trabalho musical do Teto Preto, e tendo como
pontos de convergência os ímpetos políticos e artísticos entrelaçados,
trabalhamos com a hipótese de que, nessas intersecções entre festa e trabalho
musical, há a construção de alianças sob a égide da “teoria performativa de
assembleia” (Butler, 2019a), cujas bases exporemos a seguir.
3 As bases de Judith Butler para uma “teoria performativa de
assembleia”
Usualmente, no Brasil, a filósofa
norte-americana Judith Butler é reconhecida como uma das pensadoras
fundamentais para se pensar a teoria queer. Contudo, desde a virada do
século XX para o XXI, Butler (2020; 2022) vem trabalhando com questões que
dizem respeito à vulnerabilidade de uma vida precária, à violência e suas
estratégias de controle e às formas de resistência, trazendo contribuições às
ciências políticas ao propor a dimensão performativa, “aquela característica
dos enunciados linguísticos que, no momento da enunciação, faz alguma coisa
acontecer ou traz algum fenômeno à existência” (Butler, 2019a, p. 35)
Dando sequência aos seus estudos políticos, a
autora começou a esboçar o que chamou de “teoria performativa de assembleia”,
estimulada pelas manifestações ocorridas em diferentes regiões do mundo, como a
Primavera Árabe e o movimento Occupy Wall Street, por ela enxergadas como um
levante contra os abusos e as violências cotidianas. Em face dessas
movimentações políticas contemporâneas, a autora persegue a tese de “que agir
em concordância pode ser uma forma corporizada de colocar em questão as
dimensões incipientes e poderosas das noções reinantes da política” (Butler,
2019a, p. 15).
Sempre com um estilo reflexivo “em aberto”,
na tentativa de evitar resoluções absolutas, que, em sua visão, forjariam um
pensamento autoritário (Salih, 2013, p. 13), Butler (2019a, p. 17), ao observar
a movimentação de agrupamentos, sugere que:
quando corpos se juntam na rua, na
praça ou em outras formas de espaço público (incluindo os virtuais), eles estão
exercitando um direito plural e performativo de aparecer, um direito que afirma
e instaura o corpo no meio do campo político e que, em sua função expressiva e
significativa, transmite a exigência corpórea por um conjunto mais suportável
de condições econômicas, sociais e políticas, não mais afetadas pelas formas
induzidas de condição precária.
Tópicos como “visibilidade” e “coletividade”,
signos das manifestações políticas que passaram a usar as redes sociais como
uma nova ágora (Castells, 2017) e as ruas como espaços para tornar visíveis as
reivindicações sob a lógica do espetáculo (Bucci, 2016), são qualificados por
Butler quando estão atravessados pelas ideias de “performatividade” e
“assembleia”, perspectivas que colocam o corpo como um vetor político cujas
mobilidade, mobilização e presença são tomadas como atos de luta, contestação e
exercício democrático.
Mais do que tornar-se visível para as mídias
e a imprensa, meios relevantes para a construção da realidade no contexto da
sociedade do espetáculo (Debord, 1997), é preciso reconhecer que, na
assembleia, “a reivindicação da igualdade não é apenas falada ou escrita, mas é
feita precisamente quando os corpos aparecem juntos, ou melhor, quando por meio
da sua ação eles fazem o espaço de aparecimento surgir” (Butler, 2019a, p. 98).
Os “corpos em aliança” operariam como uma coalizão entre vidas precárias que,
juntas, reivindicam seu espaço no jogo político por meio do seu aparecimento em
coletivo: “por um lado, contestações são representadas por assembleias, greves,
vigílias e ocupação de espaços públicos; por outro, esses corpos são o objeto
de muitas das manifestações que tomam a condição precária como sua condição
estimulante” (Butler, 2019a, p. 15).
Interessada nos movimentos protagonizados por
minorias sociais, a autora (Butler, 2019a, p. 45) destaca a necessidade da
movimentação em coletivo, na tentativa não apenas de dar expressividade
numérica ou volumétrica à massa dos invisibilizados que assim chamariam a
atenção, mas também como uma possibilidade de reconhecimento recíproco e
resistência: “os ‘ilegíveis’ podem se constituir como um grupo, desenvolvendo
formas de se tornar legíveis uns para os outros [...] e como essa exposição [a
violências] comum pode se tornar a base para a resistência”.
Uma das principais contribuições de Butler
para as ciências políticas diz respeito ao olhar acurado para o corpo como um
espaço de exercício político. Levando adiante as discussões promovidas por
Michel Foucault sobre o biopoder e Hannah Arendt sobre a privação de direitos,
a filósofa norte-americana apontará a vulnerabilidade corporal como um tópico a
ser explorado pela política, pois é a partir da percepção da vulnerabilidade
compartilhada com outros sujeitos que a luta pode se dar por meio das coalizões
em busca de vidas menos precarizadas.
Em um olhar retrospectivo, podemos destacar
que o corpo foi ganhando protagonismo na perspectiva butleriana a partir de
seus estudos sobre os efeitos discursivos na materialidade, enxergando a
performatividade, da ordem do enunciado, como um agente a emoldurar o real do
“sexo” (Butler, 2019b). Se o gênero é inscrito por meio de discursos
institucionalizados que coercitivamente nos conduzem para um gênero ou outro,
podemos também, conscientes disso, criar “modos de corporificação” que “podem
se provar formas de contestar essas normas ou até mesmo rompê-las” (Butler,
2019a, p. 37). Trata-se de um olhar emancipatório na medida em que nos faz
perceber não apenas a sujeição, mas igualmente as possibilidades de levante.
Longe de esgotarmos a perspectiva butleriana,
cujas bases aqui apresentamos resumidamente para fins de fundamentação teórica
e futura reflexão metodológica, podemos dizer que a “assembleia” é um formato
que a autora emprega como representação de formas coletivas de agrupamento que
visam o aparecer político.
No contexto da Mamba Negra, como veremos, a
assembleia é uma condição performativa que congrega corpos vulneráveis,
atravessados por marcadores sociais da diferença como gênero, raça, classe e
sexualidade, não apenas para o entretenimento (embora essa seja, certamente,
uma das frentes principais da festa), mas também para o estabelecimento de
alianças políticas, que se fazem presentes por meio das estruturas
coletivamente construídas e interdependentes entre os muitos agentes que
propiciam um espaço de reconhecimento recíproco e cooperação. Por sua vez, o
Teto Preto parece vocalizar e explicitar, pelo texto e pela performance, essa
assembleia de “corpos em aliança” que se catalisa na Mamba Negra.
4 O texto e o contexto na performance: perspectivas
metodológicas
Para realizarmos uma interpretação nas
intersecções entre o Teto Preto e a Mamba Negra, lendo-as a partir do
repertório crítico anteriormente apresentado, estabelecemos parâmetros
metodológicos a partir dos estudos da performance (Cohen, 2013; Nein, 2014;
Zumthor, 2018). Em linhas gerais, essa perspectiva nos permite uma compreensão
dos elementos formais e contextuais da performance (Zumthor, 2018, p. 27-30),
visando circunstanciar o objeto de análise pelo enquadramento de uma expressão
que se dá sob certas configurações performativas, que vão desde as
configurações de espaço até as dinâmicas entre audiência e performer, entre outros aspectos.
Se “a performance realiza, concretiza, faz
passar algo que eu reconheço, da virtualidade à atualidade” (Zumthor, 2018, p.
29), os rastros da performance do Teto Preto em relação à festa Mamba Negra são
registros das relações sincrônicas entre tempo e espaço que atravessam a
performance (Cohen, 2013). Seguindo a ideia de que “a performance é então um
momento da recepção: momento privilegiado, em que um enunciado é realmente
recebido” (Zumthor, 2018, p. 47), o ato enunciativo do Teto Preto tem na Mamba
Negra o seu lugar privilegiado de escuta.
Apostando-se nas relações intertextuais da
performance (Nein, 2014), buscamos estabelecer uma leitura do “texto”, termo
aqui empregado em seu sentido semiológico, “isto é, um conjunto de signos que
podem ser simbólicos (verbais), icônicos (imagéticos) ou mesmo indiciais”
(Cohen, 2013, p. 19), e do “contexto”, enxergado a partir das relações
produtivas e performáticas. Como ponto de convergência, a “teoria performativa
de assembleia” nos serve como um repertório crítico com o qual dialogaremos.
Nesse recorte, certamente, reside uma certa arbitrariedade, que busca antes
ampliar os olhares sobre o objeto do que realizar uma leitura estanque e
totalizadora.
Dado que a performance é um “fenômeno
heterogêneo, ao qual é impossível dar uma definição geral simples” (Zumthor,
2018, p. 33), estabelecemos como material de análise objetos pertinentes aos
universos criativo do Teto Preto e produtivo da Mamba Negra, a saber:
composições, fonogramas, videoclipes e indumentária. Essa seleção se deu, nos
termos de Paul Zumthor (Zumthor, 2018, p. 83-99), por meio da “imaginação
crítica” do pesquisador, contando com a sua sensibilidade de leitura, sendo
também possíveis outras leituras e diferentes recortes futuros.
5 Os “corpos em aliança” nas intersecções entre o Teto Preto e a
Mamba Negra
Inicialmente, pensando o que de “forma”
existe na “performance” (Zumthor, 2018), podemos sublinhar que as marcas mais
evidentes das intersecções entre o Teto Preto e a Mamba Negra estão nos
registros audiovisuais de “Bate mais” e “Gasolina”. No vídeo de “Bate mais”[2], a
referência à festa é literal: simulando a apresentação do Teto Preto durante a
Mamba Negra, o videoclipe, que utiliza como cenário um galpão aberto e
rudimentar, reproduz a ambientação do palco em que se apresentam os DJs e
demais performers da festa. Em cena, vemos uma típica apresentação ao
vivo do grupo em uma noite da festa eletrônica: em meio a luzes de neon
estroboscópicas, Laura Diaz se alterna entre os vocais e a manipulação da mesa
de som e o dançarino Loïc Koutana realiza passos de dança em primeiro plano, enquanto
ao fundo, vemos a presença dos músicos Zopelar, Sávio de Queiroz e William
Bica.
Por sua vez, o clipe de “Gasolina”[3],
ao intercalar cenas da contenção policial em uma manifestação na Avenida
Paulista, um galpão vazio e uma edição da Mamba Negra, materializa o imaginário
urbano, político e cultural comum ao coletivo musical e à festa, em que o
Estado, monopolizador da violência, está de um lado, e a união coletiva de
outro, caminhando por uma direção simbólica de representação. Como um eixo da
narrativa visual que se cria nesses três cenários diferentes, o corpo negro de
Loïc Koutana sintetiza esse corpo vulnerabilizado e ao mesmo tempo contestador
que se ergue em frente ao paredão de policiais em fila (Figura 1) ou que
constrói um coquetel Molotov – uma das insígnias das assembleias da década de
2010.
Figura 1 – Frame do videoclipe “Gasolina”
Fonte: TETO
PRETO – GASOLINA, [S. l.: s. n.], 2016. 1 vídeo (7 min). Publicado pelo
canal Mamba Negra. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k0XzDN-Gv3A
. Acesso em: 13 jul. 2024.
Ainda no campo das expressões audiovisuais do
Teto Preto, os sentidos de “ocupação”, quando “o espaço público existente é
tomado por aqueles que não têm nenhum direito existente de se reunir nele”
(Butler, 2019a, p. 92), são traduzidos na locação e no casting do
videoclipe de “Pedra Preta”[4].
Ambientadas na Casa do Povo, “centro cultural que revisita e reinventa as
noções de cultura, comunidade e memória” (Casa do Povo, 2023) localizado no
bairro do Bom Retiro, em São Paulo, as imagens apresentam corpos diversos que
preenchem o espaço arquitetônico (Figura 2) e que trazem indumentárias e
posturas que poderiam ser lidas dentro de uma estética queer e camp,
desestabilizando os estereótipos de gênero (Salih, 2013) e a sisudez do que se
forja como sério (Sontag, 2020). Como uma “orgia da semântica” ou ainda um
“desacato à semiótica”, como cantados em “Bate mais”, novas formas de
existência são postas em cena.
Figura 2 – Frame do videoclipe “Pedra Preta”
Fonte: TETO
PRETO – PEDRA PRETA, [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo (8 min). Publicado
pelo canal Mamba Negra. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5nflC6GkQ8Q.
Acesso em: 13 jul. 2024.
A união das personagens do clipe de “Pedra
Preta”, composta por corpos de diferentes etnias e expressões de gênero e
sexualidade, ocorre sob a insígnia da diversidade, representando grande parte
do público congregado nas festas da Mamba Negra. Fomentando o interesse das
minorias, o respeito institucional da festa é declarado, como foi exemplificado
na comunicação da edição de julho de 2022[5]
voltada aos seus frequentadores:
Lembrando as novas kokobras que a
Mamba Negra é uma festa realizada por mulheres y lgbtqia+. Devido a isso
respeitem todas as pessoas ao redor y principalmente se atentem aos pronomes,
perguntando antes de se referir ao staff, artistas e ao nosso querido público.
Não será tolerada nenhuma forma de abuso, assédio, discriminação e violência
com qualquer pessoa que seja! Sujeito à expulsão imediata do rolê! Qualquer
problema procure a produção da festa! [sic] (MAMBA Negra, 2022).
Esse texto, veiculado às informações oficiais
da festa, evidencia o cuidado com o estabelecimento de um ambiente seguro e
acolhedor para mulheres e pessoas LGBTQIA+, além de ser um indício do esforço
pedagógico em educar novos frequentadores para o respeito às múltiplas
identidades de gênero e sexualidade. Nesse ponto, retomamos Judith Butler
(2019a) para destacar a necessidade de se criar as bases materiais para que o
aparecimento das minorias possa se dar. Nessa direção, também são repensadas as
noções de acesso do público, com a criação de políticas de passe livre a
pessoas transgênero, não binárias e drags (queen e king).
Se, para Butler (Butler, 2019a, p. 94), “uma
aliança começa a representar a ordem social que busca fazer surgir ou
estabelecer seus próprios modos de sociabilidade”, é interessante destacarmos
as posturas antipunitivista e antimoralista que a Mamba Negra assume com
respeito ao uso recreativo de substâncias psicoativas e à vida sexual e
psíquica de seu público, que Laura Diaz expõe em versos do remix de “Meu
pisêro”, de Duda Beat: “por isso mesmo, eu vou te esperar sentando/ corre pras
amigas, acende um baseado” (Meu pisêro..., 2023). Em diversas edições, houve
espaços voltados à disseminação de práticas de redução de danos, ao atendimento
psicológico e à testagem rápida para infecções sexualmente transmissíveis. Podemos
ler esse gesto como mais uma frente de atuação política da assembleia proposta
pela Mamba Negra: ao dar oportunidade a essas ações sociais, a festa reforça o
compromisso com a construção de alianças e o exercício coletivo da cidadania.
A diversidade de expressões identitárias,
dada como uma condição básica para o estabelecimento do corpo coletivo da Mamba
Negra, é refletida nos palcos. Como exemplos significativos do que queremos
destacar, podemos sublinhar alguns dos artistas que se apresentaram na edição
de julho de 2022, com suas respectivas identidades[6]:
Mia Badgyal, multiartista travesti; Trindade, performer transmasculino;
Lua Negra, multiartista transgênero; Carol Mattos, integrante do coletivo
Master Plano, de Belo Horizonte; Joy, DJ maranhese; e Mother Cunanny, travesti
negra. Em participação na faixa “Sobrevivente de rave”, do disco Foi eu que
fiz (2022) da funkeira negra Deize Tigrona, os versos falados por Laura
Diaz explicitam essa parceria entre minorias: “passagem com as preta, viado,
boyceta, nb [não-binário], travesti [...] só fecho com as maravilhosa” [sic]
(Sobrevivente de rave, 2022).
Nesse contexto de reciprocidade e
reconhecimento, a indumentária desenhada por Fábia Bercsek para Laura Diaz,
como já exposto em outra oportunidade (Ferreira Filho, 2022a), emoldura a nudez
da vocalista, destacando os seios e a região da vagina, e pode se dar sem
censura – diferentemente do que ocorre em situações como apresentações em
outros espaços ou registros, em que ou a roupa utilizada não expõe tanto a
nudez ou se recorre ao borramento censório dela, como no caso de vídeos
oficiais no YouTube.
Tanto na Mamba Negra quanto no trabalho do
Teto Preto, as alianças entre corpos vulneráveis se organizam na direção do
estabelecimento de um “nós” contra “eles”, como nos seguintes versos: “eu vou
tirar a sua paz” (“Bate mais”); “no fim do jogo, a conta é tua” (“Pedra
Preta”); e “gasolina neles!” (“Gasolina”). Na canção “Em dí+vidas”, há ainda a
sugestão à ideia de “dívida histórica”: “vocês estão perdidos/ perdidos,
corroídos, sufocados/ em dívidas, em dívidas, em dívidas/ divididas” (EM
dí+vidas, 2018). Posicionado nesse lugar simbólico e real de inimigo em comum,
há uma aglutinação das representações do autoritarismo, do conservadorismo, do
sexismo, do racismo, da homofobia e de tantas outras vertentes que
estruturalmente embasam o Estado e o poder homogêneo, contra os quais se erguem
as assembleias contemporâneas na perspectiva butleriana.
Diante do contexto de abusos e violações,
parafraseando a canção “Bate mais”, a “violência é cerne-signo” na performance
do Teto Preto, como resposta ativa de resistência. Na citada composição, são
nominalmente citadas as mortes de Marielle Franco, vereadora de esquerda do Rio
de Janeiro, militante e ativista dos movimentos negro e LGBTQIA; de Matheusa,
artista não binária negra; e do rio Doce, pós-crime ambiental cometido pela
mineradora Samarco em 2015. Em diálogo com discussões contemporâneas como a
necropolítica (Mbembe, 2018), o lugar de fala (Ribeiro, 2017) e as posições do
subalterno (Spivak, 2010), Teto Preto reflete uma espécie de reconhecimento de
fraturas sociais ao mesmo tempo em que busca um levante: “e são tantos os
assédios/ que o primeiro ato não é poder falar/ porque não se pode ainda que se
diga [...] Matheusa, Marielle, vivemos!” (Bate mais, 2018).
Para se proteger, a linguagem é bélica, como
a “bomba”, o “estilhaço” e a “fumaça”, citadas em sequência na canção “Em
dí+vidas”. Ou ainda o imaginário é materializado no videoclipe de “Gasolina”,
que representa o preparo de coquetéis Molotov em um cenário de ruínas. Estando
preparado para o confronto, como o corpo travesti que muitas vezes se arma com
giletes e canivetes para a sobrevivência nas ruas quando em situação de
prostituição (Kulick, 2008, p. 50), não apenas a linguagem, mas também o
próprio corpo é bélico, como no verso “tu cuerpo es una armada”, de canção
homônima do Teto Preto, de 2020, ou na referência a uma das mais letais
serpentes, a Dendroaspis polylepis, vulgarmente “mamba-negra”, que dá
nome à festa.
Nos limites de uma corporeidade coletiva
composta por alianças entre os “ilegíveis”, termo de Judith Butler, a questão
da autoria, tão cara ao exercício criativo, é tensionada em diversas passagens
do Teto Preto. Em um procedimento de captura de textos de terceiros, Laura Diaz
compõe canções que juntam referências diversas, como ocorre em “Gasolina”,
composto por trechos do Novo Testamento, do filme Terra em Transe, de
Glauber Rocha, e de dois versos de Roberto Piva (Ferreira Filho, 2024) – ainda
que nos créditos registrados nos circuitos de comercialização do disco, esteja
somente creditada a Laura Diaz. Ao se apropriar de tais fragmentos, operação
que é comum aos sets ao vivo do Teto Preto, que igualmente costuram
canções como “Joia” (Caetano Veloso) e “Já deu pra sentir” (Itamar Assumpção)
sob bases eletrônicas, o texto ressignifica referências e as deglute em um
procedimento que parece buscar, em última instância, a destituição de qualquer
discurso homogêneo.
6 Considerações finais
Como pudemos observar, os “corpos em aliança”
se estabelecem nas intersecções entre a Mamba Negra e o Teto Preto, sendo o
trabalho do coletivo musical a passagem ao ato, nos termos de Paul Zumthor, das
condições performativas da festa. Em suma, o contexto da Mamba Negra não apenas
permite a presença de uma coletividade de minorias, como também fomenta esse
“aparecimento” como uma práxis a ser multiplicada, pois, como Judith Butler
(2019a, p. 83) afirma, “os suportes materiais para a ação não são apenas parte
da ação, mas são também aquilo pelo que lutamos”. Ao se propor a realizar uma
festa de música eletrônica que seja protagonizada por sujeitos à margem dos
discursos hegemônicos em aliança, a Mamba Negra cria uma cultura de produção
que transforma a realidade política daquelas e daqueles que fazem parte da
festa, seja como público, produção ou artista.
A autogestão das festas, por sua vez, não
apaga a necessidade de alianças para a construção coletiva. Na direção
contrária à “racionalidade neoliberal [que] exige a autossuficiência como uma
ideia moral” (Butler, 2019a, p. 20), a Mamba Negra não mascara os vínculos de
interdependência para a realização da festa. Há antes um senso de coletividade
que se sustenta, se alimenta e se reproduz sob a comunhão de vivências de uma
vida precária, de desrespeito e, sobretudo, luta. A festa, nessa direção, é um
espaço de reconhecimento, acolhimento e atuação política, como ocorre na
assembleia: “os corpos reunidos ‘dizem’ não somos descartáveis, mesmo quando
permanecem em silêncio” (Butler, 2019a, p. 24).
Vocalizando os ideais, o imaginário e as
dinâmicas da Mamba Negra, o Teto Preto sintetiza a intencionalidade política de
formação de alianças, catalisando pautas em comum a vidas em risco, ameaçadas
ou precarizadas. Como pudemos observar, o texto do grupo musical, no sentido
que o termo adquire para os estudos da performance, parece refletir alguns dos
sentidos principais do contexto de sua produção e enunciação.
Para futuros desdobramentos, outras leituras
poderão ainda ser realizadas de acordo com o horizonte crítico mobilizado
durante a interpretação, como quando, por exemplo, outrora foram analisados o
fonograma “Gasolina” pelo prisma da historiografia brasileira recente
pós-jornadas 2013 (Ferreira Filho, 2024) e a indumentária de Laura Diaz pela
via da teologia da nudez e da filosofia da moda (Ferreira Filho, 2022a).
Pensando-se no repertório crítico mobilizado
no presente artigo, também cabe apontarmos suas limitações, pois a “teoria
performativa de assembleia”, estabelecida por Judith Butler no calor dos
acontecimentos das mobilizações em nível mundial na década de 2010, também pode
ser reavaliada, problematizada e repensada a partir dos desdobramentos que
observamos a posteriori, como
tentativas de golpe de Estado, a ascensão da extrema-direita ou ainda a perda
de garantias democráticas, o que desanuviou em grande medida o imaginário de
potência de transformação social outrora observado e pontuado pela autora.
Por ora, podemos reconhecer que a metodologia
aqui aplicada, de análise de texto e contexto, sob a perspectiva dos estudos da
performance, poderá ser útil para a compreensão de fenômenos similares às
relações entre a Mamba Negra e o Teto Preto, como, por exemplo, no caso da
festa Batekoo e do centro cultural Aparelha Luzia, criados sob o mesmo desejo
de ocupação da cidade e afirmação política de populações vulnerabilizadas
(Batista, 2019; Pereira, 2019). O que as performances que ocorrem nesses
espaços têm a nos dizer sobre o que esses espaços vêm significando para os
“corpos em aliança”?
Sobre essa última questão, a princípio,
podemos especular que, se de um lado os espaços dão as bases materiais para a
performance em aliança de corpos vulneráveis, por outro, seus textos, isto é,
as performances que neles se realizam fazem passar ao ato as cooperações, os
reconhecimentos recíprocos e a luta por reconhecimento que resultam desse
aparecimento. Para além das manifestações de rua, as festas e outras expressões
do entretenimento, tais como a música, a dança e os produtos audiovisuais, se
apresentam como importantes espaços de resistência e articulação política na
contemporaneidade.
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[1] À título de
exemplificação, um dos melhores registros audiovisuais do formato se encontra
em TETO Preto Live Show (2018). Disponível em: https://youtu.be/SbPmnFaNgCE. Acesso em: 16 ago. 2021.
[2] O videoclipe
de “Bate mais” pode ser acessado em:
https://www.youtube.com/watch?v=HpP66_dykhA. Acesso em: 13 fev. 2024.
[3] O videoclipe
de “Gasolina” pode ser acessado em:
https://www.youtube.com/watch?v=k0XzDN-Gv3A. Acesso em: 13 fev. 2024.
[4] O videoclipe
de “Pedra preta” pode ser acessado em:
https://www.youtube.com/watch?v=5nflC6GkQ8Q. Acesso em: 13 fev. 2024.
[5] O tweet pode ser
acessado em: https://twitter.com/MAMBANEGRAHHHH/status/1548349838617501696. Acesso em: 14 fev. 2023.
[6] As identidades aqui postas foram retiradas diretamente da postagem oficial da festa. A postagem no Instagram pode ser acessada em: <https://instagram.com/mamba.n?igshid=YmMyMTA2M2Y=>. Acesso em: 13 fev. 2023.