e-ISSN 1984-7246
Patrícia
de Souza[ii]
Prefeitura Municipal de Florianópolis
(PMF)
Florianópolis, SC - Brasil
lattes.cnpq.br/6007339195517174
Rafael
Affonso Gaspar[iii]
Prefeitura Municipal de Florianópolis
(PMF)
Florianópolis, SC - Brasil
lattes.cnpq.br/5823856156845716
Mariléia
Maria da Silva[iv]
Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC)
Florianópolis, SC - Brasil
lattes.cnpq.br/0216250252557428
O espontaneísmo da pedagogia da infância versus a diretividade e
criticidade da escola unitária: as contribuições de Gramsci para pensar a
educação infantil na Rede Municipal de Florianópolis
Resumo
O presente artigo recupera a formulação de Gramsci
(1891-1937) sobre a Escola Unitária para problematizar os limites das
pedagogias ativas, das quais a Pedagogia da Infância é tributária. Tem como
objeto de análise os principais documentos para a primeira etapa da educação
básica, que orientam o trabalho pedagógico das professoras e professores da
Rede Municipal de Educação (RME) em Florianópolis: Diretrizes Educativas
Pedagógicas para a Educação Infantil (2010); Orientações Curriculares para a
Educação Infantil Municipal (2012); Currículo da Educação Infantil da Rede
Municipal de Ensino de Florianópolis (2015). A análise desses documentos é
realizada à luz das contribuições de Gramsci, essencial revolucionário
comunista, que pensou a necessidade da superação da sociedade de classes.
Examinou-se a concepção de educação e formação para a educação infantil e os
limites da espontaneidade da criança como critério prioritário na organização
curricular, em contraposição à diretividade como elemento tático no processo de
elevação cultural das massas. Considera-se que o espontaneísmo da criança, por
mais sedutor que pareça, não pode
prescindir de uma diretividade ancorada no professor, como aquele que reúne as
condições necessárias para socializar o conhecimento científico - via de regra,
negado às classes trabalhadoras-, e confrontar o conhecimento espontâneo,
folclórico, circunscrito ao senso comum, com vista a promover uma formação
crítica à sociedade de classes e que proporcione as condições de formar
dirigentes que disputarão a hegemonia por um projeto de sociedade sem classes.
Palavras-chave: escola unitária;
Gramsci; pedagogia da infância; currículo; Florianópolis.
The spontaneism of childhood
pedagogy versus the directiveness and criticality of the unitary school:
Gramsci's contributions to think about early childhood education in the
Florianópolis Municipal Education Network
Abstract
This article recovers
Gramsci's (1891-1937) formulation about the Unitary School to problematize the
limits of active pedagogies, of which Childhood Pedagogy is a tributary. The object of analysis is the main documents
for the first stage of basic education, which guides the pedagogical work of
the teachers in the Florianópolis Municipal Education Network: Pedagogical
Educational Guidelines for Early Childhood Education (2010); Curricular
Guidelines for Municipal Early Childhood Education (2012); Early Childhood
Education Curriculum of the Florianópolis Municipal Education Network (2015).
The analysis of these documents was carried with the contributions of Gramsci’s
work, an essential communist revolutionary, who considered the need to overcome
class society. The concepts of education
and training for early childhood education and the limits of the child's
spontaneity were examined as a priority criterion in curricular organization,
as opposed to directiveness as a tactical element in the process of cultural
elevation of the masses. It is considered that the child's spontaneity, however
seductive it may seem, cannot prescind a directiveness anchored in the teacher,
as the one who has the necessary conditions to socialize scientific knowledge -
as a rule, denied to the working classes -, and confront spontaneous, folkloric
knowledge, limited to common sense, in order to promoting critical formation in
class society and providing the conditions to form leaders who will dispute hegemony for a classless society
project.
Keywords: unitary school; Gramsci; childhood pedagogy;
curriculum; Florianópolis.
1 Introdução
O presente artigo tem como objeto de análise,
à luz das contribuições de Antonio Gramsci[1]
(1891-1937), os principais documentos que orientam o trabalho pedagógico dos
Professores da Rede Municipal de Educação (RME) em Florianópolis, na primeira
etapa da educação básica, quais sejam: Diretrizes Educativas Pedagógicas para a
Educação Infantil (2010); Orientações Curriculares para a Educação Infantil
Municipal (2012); Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis (2015). O propósito do artigo é problematizar a concepção de
educação para a educação infantil, presente nesses documentos, fundada na assim
chamada “Pedagogia da Infância”, contrapondo-a à escola Unitária de Gramsci,
esta pautada no princípio de uma educação revolucionária.
No campo educacional, Gramsci presencia uma
crise da chamada escola “tradicional”[2].
No final do século XIX e início do século XX ganha força um movimento
internacional de renovação da escola, que ficou conhecido como Escola (ou
Educação) Nova (também conhecida como Escola Progressiva e Escola Ativa). Esse
movimento surgiu a partir de experiências ocorridas principalmente na Europa e
nos EUA, por intermédio de estudiosos que buscaram compreender melhor a
psicologia infantil e questionavam a concepção predominante de escola,
caraterizada por estes como disciplinadora, repressiva, “conteúdista”,
repetitiva (Manacorda, 2010; Saviani, 2022).
A crítica desferida pelos escolanovistas a
esse modelo de educação, pensada no liberalismo clássico, recebeu a alcunha de
“modelo Tradicional”, na qual o caráter policialesco, repressor, impedia o
desenvolvimento da autonomia do estudante. Conforme problematiza Dore (1996),
estabeleceu-se, a partir de então, as bases para uma “pedagogia da vontade”,
que estimulasse os alunos a acolherem as regras do convívio social, porém
abolindo os mecanismos coercitivos e, em direção oposta, estimulando-os a
autoatividade. Os escolanovistas buscavam um papel mais ativo e livre dos
estudantes ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem, com a primazia
de experiências práticas, muitas vezes ancoradas na natureza, com forte
influência das teses de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Apesar dos já citados objetivos em comum, os
participantes da Liga Internacional para a Educação Nova (LIEN)[3]
não compartilhavam dos mesmos pressupostos políticos, filosóficos, religiosos e
didáticos, pelo contrário, existia uma pluralidade de concepções pedagógicas
dentro da liga, em alguns casos contraditórias (Gutierrez, 2021). Vale destacar, por exemplo, que no início do movimento
escolanovista existiam tanto autores que defendiam uma educação nos
limites da sociedade burguesa quanto socialistas. Estes, ainda que com viés
idealista, vislumbravam na educação o meio de superação da sociedade
capitalista. Importante destacar que quem conquistou hegemonia no movimento foi
o primeiro grupo, inclusive utilizando como estratégia a incorporação de
reivindicações do segundo grupo em um processo de “transformismo” (Dore, 1996,
2003)[4].
Guardadas as devidas considerações em torno
dos distanciamentos dos tempos históricos e as particularidades que constituem
cada realidade educacional no cenário de crise da ideologia liberal do início
do século XX, no presente artigo busca-se trazer à tona os desdobramentos do
movimento escolanovista na atualidade, entendendo-o como a perspectiva
hegemônica que vem contribuindo no processo de apaziguamento da realidade
educacional, ainda que não obliterando o seu importante papel na crítica ao
modelo repressor da Escola Tradicional.
O artigo divide-se em duas seções, além desta
introdução. Na primeira seção, “Breves notas sobre os fundamentos da Escola
Unitária e os limites da Escola Nova”, apresentam-se,
de forma sumária, os princípios basilares do pensamento de Gramsci no que tange
à Escola Unitária, única capaz de garantir à classe trabalhadora sua elevação
cultural e a superação do senso comum em detrimento da Escola Nova e suas
pedagogias ativas. Na segunda seção, “Currículo da educação infantil de
Florianópolis: um retorno ao passado, o velho travestido de novo”, recuperam-se
alguns dos principais debates e embates em torno da chamada “Pedagogia da
Infância”, trazendo como fonte empírica os documentos orientadores da Educação
Infantil da rede municipal de educação de Florianópolis. Nas considerações
finais, destacamos os limites da Pedagogia da Infância, à luz da Escola
Unitária de Gramsci, que almeja uma educação revolucionária que extrapole os
limites da sociabilidade burguesa e forme dirigentes na busca da superação da
sociedade de classes.
2 Breves notas sobre os fundamentos da Escola Unitária de
Gramsci e os limites da Escola Nova
Considera-se que a burguesia, ao
elaborar o projeto da Escola Nova, anuncia-se como aquela capaz de retomar os
valores democrático-liberais da época de sua ascensão como grupo social
dominante, conforme aponta Dore (1996), incorporando em seu projeto parte das
reivindicações identificadas com os movimentos socialistas,
sem, contudo, universalizar o acesso à educação escolar, tampouco radicalizar a
noção de democracia, pelos próprios limites colocados por uma sociedade de
classes antagônicas. Nessa direção é que se pode recuperar o conceito de
transformismo de Gramsci no processo de revolução passiva, ou seja, a classe
dominante, para evitar uma revolução violenta, absorve algumas pautas e
lideranças da classe dominada na busca de construir um consenso e apaziguamento
(ao menos momentâneo) da luta de classes na sociedade civil (Gramsci, 2002).
Gramsci é contemporâneo do movimento
escolanovista, e como revolucionário comunista está interessado em conhecê-lo
para analisar seus avanços e limites. A questão educacional foi algo que
perpassou toda sua vida, a começar pela própria formação acadêmica marcada por
muitas dificuldades e questionamentos. Quando aprisionado pelo regime fascista
em 1926, submetido às agruras do confinamento, tem nos estudos, nas cartas, nos
escritos, uma forma de se ocupar e aprofundar temáticas de seu interesse.
Durante a prisão continuou a refletir sobre o tema da educação ao acompanhar,
do cárcere, os relatos das experiências escolanovistas e a vida escolar dos
filhos, que frequentavam a escola soviética no período pós-revolução, e dos
sobrinhos, estudantes em escolas na Sardenha, na Itália atravessada pelo
fascismo. Assim suas elaborações mais aprofundadas sobre educação vão aparecer
nos seus escritos a partir de 1930, após estudos aos materiais a que tinha
acesso, e as cartas acompanhando a educação das crianças da família.
Coerente com os fundamentos do Materialismo
Histórico Dialético, Gramsci parte do pressuposto de que para compreender uma
sociedade é preciso analisar a estrutura material e a superestrutura, que por
aquela é determinada e que, ao mesmo tempo, atua de forma determinante ao
reforçar e atuar sobre a própria estrutura. Nesse prisma, o autor desenvolve a
categoria de bloco histórico, que se constitui mediante a relação dialética
entre estrutura e superestrutura, em que a classe dirigente da sociedade (que é
economicamente dominante), também se torna política e ideologicamente
dominante. Nas palavras do filósofo,
[...] as forças materiais são o
conteúdo e as ideologias são a forma, [a] distinção entre forma e conteúdo [é]
puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente
concebíveis sem forma, e as ideologias seriam fantasias individuais sem as
forças materiais (Gramsci, 1999, p. 238).
Esse equilíbrio é mantido na
medida em que a classe dominante consegue construir sua hegemonia por meio do Estado Integral[5],
seja mediante o convencimento ou, quando este não é suficiente, através da
força. Em resumo, “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é,
hegemonia couraçada de coerção” (Gramsci, 2007, p. 244). Porém, existem
momentos em que ocorre uma crise de hegemonia, quando a classe dirigente não
consegue manter a coesão do bloco histórico nem pelo consenso e nem pela força
(Gramsci, 2007).
Nessa direção, para Gramsci, a crise da
Escola Tradicional é reflexo de duas outras: a crise orgânica que levou à
revolução burguesa; e uma crise de hegemonia da classe burguesa no início do
século XX. A primeira se deu na medida em que a base material e a
superestrutura já não estavam mais em harmonia, levando à revolução burguesa e à
destruição do bloco histórico monarquista-feudalista. A escola humanista
clássica, com sua base nas filosofias greco-romanas, que serviu durante séculos
para a formação dos dirigentes da sociedade, já não era mais adequada quando os
ideais iluministas e positivistas proclamam a massificação da escola, ou seja,
agora não só as elites deveriam estudar, mas também a classe trabalhadora e,
consequentemente, se fez necessária uma formação para o trabalho. Na prática,
formaram-se duas escolas, uma humanista clássica para os dirigentes, e outra
profissionalizante para os dirigidos. Essa contradição dos próprios ideais da
revolução burguesa levou à segunda crise, de hegemonia, da classe dirigente no
que se refere à formação escolar dos dirigidos, quando setores ligados à classe
trabalhadora, principalmente socialistas e comunistas, começam a questionar e
formular propostas para a Escola (Gramsci, 2001).
A questão da formação da classe trabalhadora
para Gramsci sempre foi elemento crucial, considerando que sua preocupação
central sempre esteve vinculada ao processo de superação da hegemonia burguesa
e à constituição da hegemonia camponesa e proletária, garantindo a estas
últimas a passagem de sua condição subalterna à de dirigente e dominante de uma
nova ordem intelectual e moral. Portanto, Gramsci esteve muito atendo ao
nascedouro das pedagogias ativas a ponto de reconhecer nelas certos avanços em
relação ao modelo tradicional, mas não se furtou às críticas, ressaltando limites
na elevação dessa formação intelectual e moral, tão necessária à classe
trabalhadora. Assim se expressa:
A Suíça deu uma grande
contribuição à pedagogia moderna (Pestalozzi, etc.), graças à tradição
genebrina de Rousseau; na realidade, esta pedagogia é uma forma confusa de
filosofia ligada a uma série de regras empíricas. Não se levou em conta que as
idéias de Rousseau são uma violenta reação contra a escola e os métodos
pedagógicos dos jesuítas e, enquanto tal, representam um progresso: mas, posteriormente,
formou-se uma espécie de igreja, que paralisou os estudos pedagógicos e deu
lugar a curiosas involuções [...]. A “ espontaneidade” é uma destas involuções:
quase se chega a imaginar que o cérebro do menino é um novelo que o professor
ajuda a desenovelar. Na realidade, toda geração educa a nova geração, isto é,
forma-a; e a educação é uma luta contra os instintos ligados às funções
biológicas elementares, uma luta contra a natureza, a fim de dominá-la e de
criar o homem “atual” à sua época (Gramsci, 2001, p. 62-63).
Aqui vê-se uma crítica contundente à
espontaneidade de muitas propostas escolanovistas. Os autores que costumam
defender uma suposta “cultura infantil”, que deveria ser a base do trabalho
pedagógico na escola, parecem esquecer que aquela criança está inserida em uma
determinada sociedade e em determinado momento histórico, o que vai condicionar
o seu pensamento; portanto, a espontaneidade é marcada pelo repertório cultural
a que aquela criança teve acesso. Afinal, “os homens fazem a sua própria
história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx, 2011, p. 25). Ademais,
não seria o papel de uma escola, justamente, ampliar o repertório cultural da
criança com o que a sociedade tem de mais avançado?
Sobre a questão da autonomia, Gramsci não cai
no equívoco escolanovista de acreditar na livre escolha e autodisciplina para o
estudo de crianças pequenas. Para ele, por mais que seja importante levar em
consideração o interesse da criança, o professor precisa ter um papel diretivo
na etapa, que hoje chamamos de Educação Básica, por ser o representante do
conhecimento científico que irá contrapor o conhecimento folclórico trazido
pelos estudantes. Somente após fundamentar uma base sólida de conhecimentos
científicos, noções de direitos e deveres, ao mesmo tempo em que se desenvolve
um coletivismo nos estudantes, é que se pode partir para a última fase da Escola
Unitária, (que corresponderia hoje ao Ensino Médio), essa sim, baseada na
autonomia, autodisciplina e criatividade do estudante (Gramsci, 2001).
Gramsci leva em consideração, para chegar
nessa conclusão, o próprio desenvolvimento biológico e psicológico do
indivíduo, inclusive suas transformações hormonais típicas da adolescência.
Nessa fase seria o momento do professor atuar como orientador dos estudos (ou
guia amigável) de uma forma menos diretiva, estimulando a autonomia e a
criatividade dos estudantes, que já possuem as ferramentas para tanto (Gramsci,
2001). Diferentemente do que os adeptos das pedagogias ativas acreditam, isto
é, o “fetiche” da autossuficiência do estudante desde a educação infantil.
Gramsci, ao avaliar os equívocos e limites do
movimento escolanovista, corrobora a necessidade de uma escola mais ativa,
porém aponta que é preciso que haja uma relação indissolúvel entre teoria e
prática, no sentido da práxis, em vez da simples atividade pela atividade. Uma
escola que tenha como princípio educativo o trabalho em seu sentido ontológico,
ou seja, um trabalho que transforme e liberte, em vez de formar para o trabalho
alienado da sociedade capitalista. Uma escola que não só se posicione de forma
crítica na luta de classes, mas que auxilie no processo de transformação e
superação dessa sociedade. Defende a passagem da fase romântica da escola ativa
para a sua fase clássica, racional, cabendo esse papel à Escola Unitária
(também chamada por ele de escola criadora). Na letra do autor,
Toda a escola unitária é escola
ativa, embora seja necessário limitar as ideologias libertárias neste campo e
reivindicar com certa energia o dever das gerações adultas, isto é, do Estado,
de “conformar” as novas gerações. Ainda se está na fase romântica da escola
ativa, na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se
dilataram morbidamente por razões de contraste e de polêmica: é necessário
entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte
natural para elaborar os métodos e as formas. A escola criadora é o coroamento
da escola ativa: na primeira fase, tende-se a disciplinar e, portanto, também a
nivelar, a obter uma certa espécie de “conformismo” que pode ser chamado de
“dinâmico”; na fase criadora, sobre a base já atingida de “coletivização” do
tipo social, tende-se a expandir a personalidade, tornada autônoma e
responsável, mas com uma consciência moral e social sólida e homogênea
(Gramsci, 2001, p. 39).
Gramsci, com seus estudos, indica o caminho
para a superação da crise da Escola Tradicional com sua forma dualista
(humanista clássica para a classe dirigente e profissional para os dirigidos).
Assim ele resume em seu caderno 12 a saída da crise:
escola única inicial de cultura
geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da
capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o
desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola
única, através de repetidas experiências de orientação profissional,
passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo [...] a
escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, “humanismo”, em
sentido amplo e não apenas em sentido tradicional), ou de cultura geral,
deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de
tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação
intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa
(Gramsci, 2001, p. 33-36).
Gramsci deixa claro que a saída da crise da
Escola só acontecerá quando existir um grande investimento Estatal no espaço
físico, com materiais, corpo docente bem formado e em quantidade suficiente,
diminuição da proporção de alunos por professor, ampliação da jornada em tempo
integral, escolas com dormitórios, refeitórios e laboratórios diversos.
Precisaria deixar de ser privada e torna-se pública para que toda a população
tivesse acesso.
Gramsci chama a atenção para a diferença
entre um estudante que cresce em uma casa onde a família possui formação
escolar e outra em que a família não saiba ler. A primeira terá um contato
maior com a cultura letrada e outros saberes que auxiliam e complementam a
formação escolar. Por isso, o revolucionário sardo defende que todas as
crianças tenham a possibilidade de ficar o máximo de tempo possível na escola
para terem acesso ao conhecimento científico[6].
É nesse sentido que ele defende um sistema de
educação infantil para que as “crianças se habituem a uma certa disciplina
coletiva e adquiram noções e aptidões pré-escolares” (Gramsci, 2001, p. 38).
Importante destacar que há quase cem anos, esse autor não limitou creches a um
caráter assistencialista, ou seja, simplesmente um lugar para os pais e mães
deixarem suas crianças para irem trabalhar, mas ressaltou a importância desse
espaço para a formação das crianças e aproximação das rotinas e da cultura
escolar, entendida aqui como conhecimento científico.
Os primeiros anos da educação básica são
essenciais, e Gramsci (2010) já demonstra essa preocupação por meio das cartas
em que discute a formação dos filhos, conforme já referido. Compreende como é
difícil para a criança se habituar a uma certa disciplina, contudo necessária,
posto que processo de se tornar humano não pode ser feito sem disciplina. Nessa
direção, a criança não define o conteúdo, elas interagem dinamicamente com o
professor e o conhecimento, porém é o professor quem dirige o processo, neste
primeiro momento. Liberdade e disciplina se inter-relacionam dialeticamente,
não há a primeira sem a segunda e vice-versa.
A escola unitária tem como finalidade a
elevação cultural das massas, tendo a práxis social como eixo e o trabalho
ontológico como princípio educativo que, aliado a outros espaços formativos, se
apresenta com o objetivo de superação da escola dualista burguesa. Busca, ao
mesmo tempo, formar dirigentes, vinculados ao papel de intelectuais que atuam
na cultura e na conquista de espaços na sociedade civil rumo à superação da
sociedade de classes.
Gramsci considera todo homem um intelectual,
pois não separa atividade teórica e prática. Contudo, afirma que nem todos os
homens exercem uma função de intelectual orgânico na sociedade de classes[7].
Segundo o autor, as principais funções da escola devem ser socializar as
verdades já descobertas, confrontar o conhecimento folclórico com o científico
e formar de quadros dirigentes (intelectuais orgânicos) para disputar a
hegemonia por um projeto de sociedade sem classes. Por essas razões é tão
importante para Gramsci uma formação humanística de cultura geral, pois, não há
como mudar as relações sociais sem mudar a si mesmo, num processo dialético.
Não estamos afirmando com isso que Gramsci propunha, por meio da educação,
mudar a base social de produção, mas como um homem filósofo, rigoroso com o
método, compreende a importância da elevação cultural das massas para atingir
esse objetivo.
Partindo do entendimento que a escola
burguesa é uma escola capitalista, fica evidente que a construção da Escola
Unitária se dará na medida em que classe trabalhadora avance na tática da
guerra de posições[8]
nos diversos campos da sociedade, e consiga impor, paulatinamente, sua
concepção de mundo, sendo esse processo plenamente concluído após a revolução e
a superação da sociedade de classes, quando será possível, de fato, concluir o
processo de forja de uma escola que proporcione uma formação omnilateral[9].
3 Currículo na educação infantil de
Florianópolis: um retorno ao passado, o velho travestido de novo
Os principais documentos que norteiam o
trabalho pedagógico dos Professores da Rede Municipal de Educação (RME) em
Florianópolis, na primeira etapa da educação básica, são as Diretrizes
Educativas Pedagógicas para a Educação Infantil (2010), Orientações
Curriculares para a Educação Infantil Municipal (2012), e o Currículo da
Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2015). Esse
último documento como síntese aprofundada dos anteriores, formando assim, um
conjunto de literaturas que buscam definir e estruturar as bases curriculares.
As diretrizes curriculares (Florianópolis,
2010) foram elaboradas pela Professora Doutora Eloísa A. C. Rocha, responsável
pela apresentação, definição dos princípios pedagógicos para a educação
infantil e suas especificidades, na defesa da urgência da consolidação de uma
pedagogia da infância que se contraponha às pedagogias liberais. As diretrizes,
primeiramente, buscam cumprir as legislações federais e municipais, como a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional da Educação,
Financiamento e Manutenção do Sistema Municipal de Ensino e o Plano Municipal
de Educação, contudo, busca responder aos anseios dos profissionais que fazem
parte dessa rede de ensino, ao estabelecer diretrizes para o pensar e fazer
pedagógico. Significa dizer que esse documento é fruto de debates, formações
dentro da própria rede e acúmulo de experiências.
Após a elaboração do texto base das
Diretrizes (Florianópolis, 2010), realizada pela Professora Drª Eloísa A. C.
Rocha, por intermédio da diretoria da educação infantil da Rede Municipal de
Florianópolis, ele foi apresentado aos professores conferencistas, assim
denominados, para que pudessem fazer suas contribuições teóricas a partir dos
indicativos gerais das Diretrizes ampliando conceitualmente o documento. Assim
sendo, as diretrizes são compostas por duas partes, a primeira com os textos
dos conferencistas[10] e
a segunda apresenta os relatos de experiência dos/as professores/as da Rede
Municipal de Florianópolis .
Os debates acerca das diretrizes continuaram
a ser fomentados por professores da RME em um amplo processo de formação.
Conforme se avançava na discussão do documento, emergiram “demandas teórico –
práticas e, consequentemente, passaram a exigir um aprofundamento e
desdobramento das diretrizes municipais” (Florianópolis, 2012, p. 7). Dessas
demandas, dando continuidade ao documento de 2010, com intuito de orientar a
ação pedagógica e contribuir com a formação dos professores em serviço, foram
elaboradas as Orientações Curriculares (Florianópolis, 2012).
As Orientações
Curriculares (Florianópolis, 2012) estão estruturadas em quatro partes; a
primeira retoma os princípios pedagógicos para a Educação Infantil presente nas
diretrizes (Florianópolis, 2010), texto da Professora Drª Eloísa A. C. Rocha,
reafirmando a necessidade da constituição de uma “Pedagogia da Infância”. A
segunda parte trata da brincadeira, definindo-a como atividade central na vida
das crianças. A referência principal conta com a contribuição da Psicologia
Histórico-Cultural de Vigotsky, autor que tem seus fundamentos no método
materialista histórico dialético.
Contudo, observa-se uma miscelânea teórica,
com forte influência da perspectiva escolanovista e suas ramificações, tal qual
a experiência Reggio Emília e Montessori, compondo o corpo teórico sobre a
discussão de brincadeira. Essa segunda parte das Orientações (Florianópolis,
2012), finaliza com algumas indicações sobre como professoras/profissionais
podem atuar na brincadeira, com ênfase na preparação do espaço, observação de
como as crianças se apropriam dos objetos/brinquedos com o mínimo de
intervenção e destinação de “tempo livre” para que elas interajam entre si e
possam criar.
Na terceira parte do documento são apresentados
os núcleos da ação pedagógica e as dimensões do conhecimento que devem ser
trabalhadas com as crianças, são elas: relações sociais e culturais; linguagem
oral e escrita; linguagens visuais; linguagens corporais e sonoras; relações
com a natureza: manifestações, dimensões, elementos, fenômenos e seres vivos. Já
a quarta e última parte das Orientações (Florianópolis, 2012) é dedicada à
construção da documentação pedagógica, ou seja, registro, planejamento e
avaliação, com alguns apontamentos de como concretizá-las.
O último documento que compõe a tríade que
norteia a Educação Infantil da RME, é Currículo da Educação Infantil da Rede
Municipal de Ensino de Florianópolis (Florianópolis, 2015) que está organizado
em duas partes; a primeira trata da brincadeira, e a segunda versa sobre os
núcleos da ação pedagógica. Apresenta a sistematização das Orientações
Curriculares (Florianopolis, 2012) em síntese com a documentação produzida
pelas profissionais das instituições de educação infantil.
É reiterada a preocupação com o
desenvolvimento integral das crianças, que deverá ocorrer por meio de vivências
significativas, considerando suas necessidades e interesses, elegendo o educar
e cuidar como base. Para isso, as propostas a serem desenvolvidas, segundo o
Currículo (Florianópolis, 2015), devem tomar as crianças como sujeitos principais
do planejamento, na defesa de que estas vivem diversas infâncias. O dia a dia
da educação infantil deve partir, segundo esse entendimento, das variadas
vivências intencionalmente organizadas pelas profissionais, compreendendo
“[...] vivência como o que é vivido no âmbito dos sentidos da percepção”
(Florianópolis, 2015, p. 10).
Ainda segundo o Currículo, muitas propostas
desenvolvidas na educação infantil estão no âmbito das vivências e o desafio
seria torná-las experiência, isto é, aquilo que fica na memória e pode ser
narrado. Nesse sentido, indica-se que se considere as experiências anteriores e
consolidem novas, por meio de vivências organizadas (Florianópolis, 2015).
A brincadeira, já presente nas Orientações
(Florianópolis, 2012), é reafirmada como eixo estruturante e estruturador do
currículo, tratando a brincadeira de faz-de-conta como atividade guia, pois,
“[...] em certa idade, vai guiar o desenvolvimento psicológico da criança,
gerando neoformações” (Florianópolis, 2015, p. 11).
A segunda parte do documento sistematizada
por idades[11]
apresenta indicações de propostas de acordo com cada núcleo da ação pedagógica,
conforme apresentado anteriormente nas Orientações (2012). Por fim, é reiterado
que não se trata de um novo currículo, mas da sistematização do que já estava
anunciado em outros documentos (Florianópolis, 2015).
Compreende-se que esses três documentos
apresentados se completam mutuamente, pois expressam a materialização
sistematizada em torno da preocupação com o trabalho pedagógico a ser
desenvolvido na educação infantil na RME. No entanto, a justificativa em
analisar o documento Currículo (Florianópolis, 2015) se dá pela sua natureza de
síntese, contribuindo para que este se torne a principal referência de estudos
para os/as professores/as da RME. Contudo, não há como apreender o Currículo
(Florianópolis, 2015) que se apresenta de forma pragmática, sem recorrer às
Diretrizes e Orientações; por esta razão apresentamos ao leitor brevemente o
histórico e caracterização de cada um.
Identifica-se que o primeiro documento,
Diretrizes Educacionais pedagógicas (Florianópolis, 2010), é o que possui um
adensamento teórico maior, no qual consta um conjunto de estudiosos de
diferentes vertentes teóricas, ainda que, submetidos à uma lógica de organização
pensada por Rocha (Florianopolis, 2010), principal expoente da discussão do que
veio ao longo dos anos se configurando por “pedagogia da infância” por meio de
sua tese de doutorado defendida em 1999.
Assim, figura-se um ecletismo teórico,
contendo perspectiva de influência escolanovista, contribuições da
psicologia-histórico cultural e do método materialista histórico e dialético,
contudo o documento expressa a defesa da “pedagogia da infância”, posição teórica a ser reafirmada nos
três documentos apresentados.
Sob a influência da sociologia infantil e dos
estudos culturais, a “Pedagogia da infância” surge nos anos de 1990 com a
importante contribuição ao campo da educação infantil em desenvolvimento e traz
como proposta o direito de ser criança contrapondo-se ao modelo escolarizante,
pautado nas práticas preparatórias e antecipatórias das escolas primárias da
década de 1970. Estas tinham como base os exercícios mecânicos, repetitivos e
com o propósito principal de garantir a entrada no ensino fundamental. Esses
modelos fundamentaram-se na ausência de um sistema nacional de ensino para a
educação infantil (Pasqualini; Lazaretti, 2022). É em busca de uma identidade e
especificidade para essa etapa da educação básica que Rocha (1999), propõe uma
pedagogia da infância:
esse enfoque preconiza que a educação
infantil se afaste do modelo escola formal, recusando: a identidade de escola para as
instituições de educação infantil, a denominação aluno para as crianças atendidas, o ato de ensinar como eixo do trabalho
pedagógico, a adoção do currículo como dispositivo mediador da atuação
pedagógica, a ênfase nos conteúdos
disciplinares. Propõe que as instituições de educação infantil se configurem
como espaços de convívio coletivo,
nos quais se travem relações educativo-pedagógicas,
pautada pelo princípio que se deva seguir os interesses das crianças, do modo que prevaleça o ponto de vista
infantil e se alce a criança à condição de protagonista (Pasqualini; Lazaretti,
2022, p. 18).
Ainda que a necessidade de negar a escola
tradicional, com seus métodos mecânicos como modelo de educação, fosse legítima
e necessária, colocando em evidência a criança e suas especificidades, a
pedagogia da infância trouxe, como consequência, a negação de elementos que, em
alguma medida, são constitutivos daquilo que se entende por escola, como o
ensino, o professor, o aluno, a aula, o conteúdo, o currículo, cujos
desdobramentos incidem na concepção de educação infantil e de formação docente.
Fortemente influenciada pela concepção de criança
de Rousseau e pelas experiências educacionais italianas, tal como a abordagem
Reggio Emília de Loris Malaguzzi, a pedagogia da infância tem ênfase na
aprendizagem com base no protagonismo infantil, na qual o papel do professor na
organização do ensino é substituído pela organização dos espaços com vistas a
torná-los instigantes e provocativos. Nessa perspectiva, há o apagamento do
ensino, ele é substituído pelas vivências e experiências, dado que a criança
aprenderia interagindo com o ambiente, com outros adultos e crianças, por meio
de resolução de problemas, construindo gradativamente seu conhecimento (Arce,
2004).
A
auscultação das crianças torna-se primordial [...] a aproximação às crianças e
às infâncias concretiza um encontro entre adultos e a alteridade da infância e
exige que eduquemos o nosso olhar, para rompermos com uma relação
verticalizada, de subordinação, passando a constituir relações nas quais
adultos e crianças compartilham amplamente suas experiências nos espaços
coletivos de educação, ainda que com patamares inevitavelmente diferenciados
[...] (Florianópolis, 2010, p. 15).
O conhecimento, dessa forma, é viabilizado
pela troca de experiência entre os pares, por isso, o ambiente concebido como
terceiro educador ganha relevância uma vez que potencializa as interações. São
essas interações que colocam professores e alunos numa relação horizontalizada,
segundo as Diretrizes, pois, ambos partem do mesmo ponto, qual seja:
compartilham saberes e ignorâncias de que todos são portadores.
Através das trocas sociais, isto é,
através das relações que progressivamente se entrelaçam e se aperfeiçoam entre
a criança sozinha e os adultos – e entre as crianças no grupo de jogo- cria-se
um conjunto de significados compartilhados, uma espécie de história social que
é típica de uma determinada creche (Bandioli; Mantovani, apud Florianópolis, 2010, p. 16).
Como
podemos perceber, o conhecimento histórico produzido pela humanidade que nos
torna humanos por meio da educação cede lugar às trocas espontaneístas que
surgem dessas relações e que a partir daí deve ser problematizada pelo
professor. Os sujeitos reais e concretos dessa relação de ensino/aprendizagem
desaparecem, dando lugar a sujeitos idealizados que criam a sua própria
história social dentro daquele ambiente particular, isento das contradições,
das formas como produzem e reproduzem sua existência.
Pensado
por esse prisma, quando o ensino não vem em primeiro plano, caberia perguntar
como se configuraria o currículo: Ao negar o modelo escolarizante, desprezando,
com isso, o que é próprio da escola, ou seja, transmissão dos conhecimentos
acumulados e sistematizados pela humanidade ao longo do tempo, o que restaria
para a formação dos filhos da classe trabalhadora? Arce (2004, p. 156) faz
algumas provocações:
Mas é possível haver educação sem
ensino? Se as instituições de educação infantil não tiverem por objetivo último
o ensino e a aquisição de conteúdos por parte das crianças, o que
caracterizaria a especificidades dessas instituições perante outras como, por
exemplo, um clube onde a criança também brinca e interage? Uma pedagogia da
infância que tenha como objeto de preocupação a própria criança, não seria a
própria negação do princípio educativo básico
que é a humanização da criança fazendo com que ela cresça e se transforme em um
ser humano adulto?
Rocha (Florianópolis, 2010) ao fazer a defesa
de uma pedagogia da infância para educação infantil, afirma que esta se opõe às
pedagogias liberais, preocupadas em desenvolver habilidades e competências para
o mundo do trabalho. Contudo, ao analisar as proposições da pedagogia da
infância, Arce (2004, 2010) as vincula aos movimentos construtivistas e
pós-modernos, que têm se configurado na prática como uma pedagogia antiescolar, centrada no lema “aprender a
aprender”, em que o que importa é o processo, ou seja, como a criança aprende
na interação com seus pares.
Essa crítica é também compartilhada por
Duarte (2010); Lazaretti e Arrais (2018); Pasqualini e Lazaretti (2022) e
Lamare (2022). Esses estudiosos da educação infantil tendem a realçar a conexão
presente entre a pedagogia da Infância com as proposições presentes nos
documentos dos Organismos Multilaterais (OMs) para a educação, como Banco
Mundial (BM) e Unesco, compreendido aqui, com base em Gramsci, como
intelectuais orgânicos do capital.
Segundo o BM (2019), investir na primeira
infância é fundamental para que o sujeito adquira as habilidades e os valores
que lhe permitirão levar uma vida plena e saudável no futuro. Assim, garantidas
as aprendizagens necessárias, jovens e adultos estarão aptos a conseguir um bom
emprego. O conceito de “aprendizagem”, segundo Pronko (2014), já aparece com
destaque no documento Estratégia 2020 para Educação: Aprendizagem para todos
(Banco Mundial, 2011). Anuncia essa mudança pela substituição do conceito
de “educação para todos” pelo de “aprendizagem”, contemplando os conhecimentos
e habilidades necessários para o mercado de trabalho, obtidos dentro e fora da
escola. O que importa, na concepção defendida pelos OMs, são as oportunidades
de aprendizagens que estarão disponíveis para as pessoas ao longo da vida.
Mais recentemente, o conceito de aprendizagem
é também guia para a Agenda 2030 da educação (Unesco, 2015). Nesse
documento, o espaço escolar é reduzido a mais um, entre tantos outros nos quais
o desenvolvimento das “aprendizagens relevantes” poderia ocorrer. Essa noção de
aprendizagem sem ensino, além de pulverizar a função social da escola, infunde,
estrategicamente, a compreensão de que é preciso ter oportunidades para
aprender, e o modelo educativo formal não responde a todas essas necessidades,
principalmente na aquisição das “[...] competências que os indivíduos precisam
desenvolver para contribuir com o crescimento econômico dos seus países”
(Pronko, 2014, p. 106).
Nessa direção, ao tentar
pensar uma pedagogia da infância que se distancie de pedagogias liberais, temos
na verdade, uma aproximação, visto que, ao proceder o esvaziamento da função
social da escola como espaço de ensino na educação infantil, acaba por promover
a negação do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, organizado
nas diferentes áreas do saber. Essa pauta reducionista é recorrente nas
contrarreformas da educação em todos os níveis.
Se as instituições de
educação infantil, para se contraporem às formas mecânicas já identificadas na
pedagogia tradicional, crítica a qual temos total acordo, precisa, por isso,
negar acesso ao ensino sistematizado, aos conteúdos, nos perguntamos qual seria
função do professor para essa etapa da educação básica?
Nos três documentos
analisados da Rede Municipal de Educação de Florianópolis, a palavra professora
encontra-se diluída. Não por acaso a própria função do professor fica
secundarizada, pois o que encontramos ao longo do Currículo (Florianópolis,
2015) como propostas de cada núcleo da ação pedagógica, baseado nas diferentes
linguagens, são ações que giram basicamente em torno de organizar espaços,
objetos, brinquedos, brincadeiras, com a maior pluralidade possível de
elementos.
Planejar espaço
semiestruturados que possibilitem às crianças organizar diferentes cenários
para as brincadeiras, [...] organização de espaços estruturados para
brincadeiras de faz de conta [...], disponibilizar materiais para a
investigação e manipulação de diferentes elementos da natureza [...], montar
estruturas que ofereçam experiências com diferentes sonoridades [...],
disponibilizar materiais que inspirem as crianças a representarem papéis
conhecidos nas histórias [...] (Florianópolis, p. 21-23).
Ao professor é relegado o
papel de escuta, observação e registro, tendo em vista que a sua intervenção no
processo educativo da criança é pouco desejada nas perspectivas pautadas no
espontaneísmo infantil, cabendo, portanto, tão somente ao professor observar e
registrar a forma como as crianças constroem seus conhecimentos. Nesse sentido,
se o professor somente intervém quando for necessário, como se o conhecimento
pudesse acontecer numa relação direta das crianças entre si com os elementos da
cultura, qual o lugar do currículo nesse modelo educacional?
Se a aprendizagem ocorre com
base nos interesses infantis e as crianças estão em processo de desenvolvimento
das suas capacidades psicológicas e cognoscitivas, quem define o que deverá
constituir os conteúdos dessa etapa educacional? Qual função social do
professor nesse contexto? Prado e Azevedo (2012) ao analisarem os trabalhos
sobre a formação de professores tratadas nos trabalhos da Anped[12],
no período de 2000 a 2009, identificam o perfil de um professor reflexivo,
sustentado na articulação entre teoria e prática, sendo a prática, por ela
mesma, o elemento propulsor de uma reflexão. Nesses termos, caberia ao
professor o exercício de um protagonismo alicerçado nas múltiplas linguagens
das crianças.
Identificamos que a
prática pedagógica e o ambiente têm sido por excelência considerados formadores
de identidade do professor de educação infantil. É no ambiente no qual trabalha
e mediante a observação das crianças em sua prática que esse professor terá a
oportunidade de construir sua especificidade docente, a saber: de um professor
reflexivo, observador e mediador de diálogos em um espaço de convivência
complementar ao da família (Prado; Azevedo, 2012, p. 38).
Não há dúvidas de que nossas
atenções devam estar voltadas para esse ser humano real e concreto, presente
nas instituições de educação infantil, isto é, a criança com suas vontades, os
conhecimentos que trazem consigo, entre outros, contudo, em uma relação de
ensino – aprendizagem deve-se ter clareza da diferença entre o ponto de partida
e o de chegada. Se ambos coincidissem não haveria necessidade de ensino e nem
de professor (Saviani, 2022). Lazaretti e Mello (2018) assim se manifestam:
No bojo de defesas que secundarizam o
ensino, explicitando
alguns elementos em detrimento de outros, identificamos uma prática pedagógica
que se limita a preparar espaços, disponibilizar materiais, em que as tarefas e
ou projetos de trabalho se originam de sugestões, preferencialmente, das
crianças, tendo como fonte algum evento, situação ou qualquer coisa inesperada.
Com isso, é desnecessário ter objetivos e metas a serem alcançados, primando,
assim, pelo espontâneo e o cotidiano, no qual valoriza–se mais os conteúdos
oriundos das manifestações e experiências infantis, das interações entre pares,
daquilo que a criança é capaz de aprender sozinha, tendo como referência o que
gosta, as suas vivências lúdicas expressas em atividades livres, espontâneas e
de recreação, colocando o professor num patamar de parceiro e facilitador
(Lazaretti; Mello, 2018, p. 117).
Em síntese, infere-se que a
organização do que foi denominado Currículo (Florianópolis, 2015) para a rede
municipal de Florianópolis, reserva às professoras a funções de “organizar e
disponibilizar brinquedos”, “criar coleções com materiais diversos”, “oferecer
instrumentos”, “organizar tempos e espaço”, “prever ambientes de encontro para
diferentes faixas etária”, “dar visibilidade às diferentes manifestações
culturais”, “realizar e compartilhar registros fotográficos”, “disponibilizar
elementos da natureza”, “possibilitar o acesso aos diferentes gêneros
textuais”.
Não temos dúvida de que
todas essas ações, assim como as demais, que compõem o currículo, são
estratégias importantes para aprendizagem – desenvolvimento da criança. São elementos
da cultura que passam a ser inseridos em sua realidade, contudo é necessário
que o professor assuma seu papel, não daquele que acompanha a apropriação que a
criança faz do objeto, mas daquele que lhe ensine o uso social de determinado
objeto. Conforme Duarte
se o conhecimento mais valorizado na escola passa a ser o
conhecimento tácito, cotidiano, pessoal, então o trabalho do professor deixa de
ser o de transmitir os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos que a
humanidade venha construindo ao longo de sua história. O professor deixa de ser
um mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da
humanidade, para ser um organizador de atividades que promovam o que alguns
chamam de negociação de significados construídos no cotidiano dos alunos
(Duarte, 2010, p. 37).
A forma como conhecemos a realidade não está
dada imediatamente aos sentidos, esse conhecimento é histórico, não é absoluto,
é dinâmico, passível de ser refutado. A criança, no que lhe concerne, é refém
dos seus sentidos imediatos, percebe a realidade de forma aparente. Não
obstante, o ensino pode e deve conduzir a superação do imediato desde que
organizado e intencionado. A internalização dos conhecimentos produzidos
coletivamente não é um processo individual; o ser humano necessita que outro
ser humano lhe desvele aquilo que lhe aparece de forma imediata. O grande
desafio, principalmente na educação infantil, é tornar interessante aquilo que,
no primeiro momento, não é atrativo ao olhar da criança, e por isso não se
manifesta nela como vontade.
O encantamento, o prazer, a descoberta devem
fazer parte da apropriação do conhecimento científico como explicação da
realidade e isso coloca professor e criança em movimento. Professor organiza o
processo didático do ensino pautado nas peculiaridades do desenvolvimento
infantil, dirige, problematiza, estimula o levantamento de hipóteses; conduz o
desenvolvimento infantil para patamares superiores, nos quais ela não
conseguiria chegar sem a mediação desse outro mais experiente.
É legítimo reconhecer que as proposições e
metodologias inspiradas nas pedagogias ativas exercem forte influência na
pedagogia da infância. Todavia, é preciso evidenciar a intencionalidade, o que
nos coloca à frente da defesa de ensino e conteúdo para educação infantil,
garantindo, desse modo, que o processo que leva do ponto de partida ao ponto de
chegada, traga o desafio do novo.
Para finalizar a reflexão, registra-se as
aproximações do Currículo (2015) da educação infantil de Florianópolis com as
propostas da base nacional comum curricular (BNCC). Em 2021 foi apresentada aos
professores um novo documento intitulado, Base
Nacional Comum Curricular e os documentos curriculares municipais da educação
infantil de Florianópolis recontextualização curricular (Florianópolis,
2021). Nele se reafirmam a proximidade entre tais documentos, trazendo a
comparação com o que propõe a BNCC com os Campos de Experiências, e o que se
tem definido com o Currículo (2015) com os Núcleos da Ação Pedagógica. Ambos,
campos de experiências e Núcleos da Ação Pedagógica,
São termos que indicam
uma organização curricular da educação infantil que transcendem a ideia
transmissiva, disciplinar e conteudista para o currículo da Educação Infantil
[...] tanto os NAP quanto os Campos de Experiências compreendem que as crianças
aprendem a partir das relações sociais e brincadeiras, das experiências
concretas e de forma própria (Florianópolis, 2021, p. 17).
O propósito, segundo o documento Base Nacional Comum Curricular e os
documentos curriculares municipais da educação infantil de Florianópolis
recontextualização curricular (Florianópolis, 2021), seria o de fomentar as
discussões e os processos formativos, além de atender um princípio legal de
readequação dos documentos orientadores do município aos princípios da BNCC;
para finalizar afirma que os documentos da rede municipal de Florianópolis se
adequam e alargam a concepção de educação traçada na BNCC (Florianópolis,
2021).
Sabe-se que todo o processo de implementação
da BNCC nos diferentes níveis de educação não se deu de forma harmônica, houve
resistência, manifestações em várias regiões do país, justamente pelo
rebaixamento ainda maior em relação aos conteúdos que tínhamos até então.
Conforme recuperam Lazzaretti e Arrais (2018, p. 37)
A BNCC não evidencia, com clareza,
quais elementos do patrimônio histórico da humanidade serão selecionados como
essenciais para o processo de apropriação das crianças. Nela, enfatiza-se que
experiências e vivências significativas emergem de situações cotidianas e espontâneas,
mas não há apontamentos ou direcionamentos sobre a importância, também, das
situações não cotidianas que envolvem conteúdos da cultura humana
sistematizados nas áreas do conhecimento que permitem compreender, ampliar,
diversificar e enriquecer fenômenos e objetos do mundo real e humano. Nessa
direção, corre-se o risco de criar uma redundância de experiências sem critério
e sem prioridade nas escolhas que nortearão as ações educativas na Educação
Infantil. Além disso, a função do professor pode ser negligenciada e até ficar
suprimida nesse processo educativo, quando se enaltecem, sobremaneira, o
protagonismo e o ativismo infantis, já que as experiências e os saberes serão
centrais na organização curricular por campos de experiências.
Assumindo uma postura crítica em relação ao
esvaziamento que traz a BNCC, cabe a pergunta ou mesmo um ponto para reflexão:
não é estranho que as propostas para a educação de Florianópolis estejam
contempladas na BNCC? Que educação, então, tem por finalidade a documentação da
RME? Que formação é pretendida para os filhos da classe trabalhadora, uma vez
que estamos falando de documentos que norteiam a prática pedagógica de uma rede
pública? Não pretendemos apresentar respostas a todos os questionamentos, mas a
partir do que viemos discutindo ao longo do texto, pretendemos abrir espaços
para discussão de que educação queremos e o que temos formalizado na prática.
O essencial na escola de Educação
Infantil é o ensino de conteúdos escolares, que ao serem transmitidos pelo professor
e apropriados pelas crianças, numa relação ativa e mediada, tenham dupla função
na aprendizagem infantil: ampliar a compreensão de mundo, dos fenômenos e
objetos humanos e da realidade circundante e, concomitantemente, promover a
formação de funções psíquicas a patamares superiores e, assim, proporcionar que
esses conteúdos se convertam em propriedade individual e definitiva dos alunos
como instrumentos simbólicos (Lazzaretti; Arrais, 2018, p. 43).
Aceitando
a provocação de Arce e Martins (2021) perguntamos: quem tem medo de ensinar na
educação infantil? Você tem? Nós, não!
4 Considerações finais
Pelo presente artigo procurou-se evidenciar a
contribuição de Gramsci para pensar a educação da classe trabalhadora quando
propõe a Escola Unitária. Menos como um modelo a ser transposto, mas como
inspiração para problematizar o que se quer com a educação, particularmente, em
um cenário de constantes contrarreformas nessa área, cujo cerne tem sido a
transformação da educação pública em nichos de mercado pari passu ao processo de esvaziamento da formação escolar, a
começar pela primeira etapa da formação básica, a educação infantil.
Gramsci, em diálogo crítico com as pedagogias
ativas de sua época, mesmo reconhecendo seus avanços em relação ao modelo
tradicional, pondera sobre a necessidade de se reestabelecer a diretividade no
processo educacional, obviamente, não no sentido do autoritarismo, próprio de
uma educação que visa a cristalização entre uma formação para dirigentes e
outra para dirigidos. Mas ao contrário, uma escola unitária, que tenha como
propósito a elevação cultural das massas como condição necessária para a
formação de um “homem de novo tipo”, atuante e que ocupe a função de
intelectual, capaz de se postar como organizador das atividades humanas,
rumando para a superação da sociedade de classes.
Portanto, fica patente que o espontaneísmo da
criança, por mais sedutor que nos pareça, não pode prescindir de uma
diretividade ancorada no professor, como aquele que deve reunir as condições
necessárias para socializar o conhecimento científico - via de regra, negado às
classes trabalhadoras -, e confrontar o conhecimento espontâneo, folclórico,
circunscrito ao senso comum.
Assim, os limites que Gramsci constata nas
pedagogias ativas, durante o período em que esteve no cárcere, devem servir
para se estabelecer uma relação com os limites que se encontram, atualmente, no
currículo da educação infantil da PMF, quando se observa, a prevalência do
espontaneísmo em detrimento de uma organização curricular pautada nos saberes
sistematizados pela humanidade. Não se pode confundir a espontaneidade da
criança, algo salutar, com o espontaneísmo do currículo.
A criança, na sua espontaneidade, que é
sempre expressão das condições concretas de sua materialidade, logo, forjada na
dureza da desigualdade da sociedade de classes, precisa ter a garantia de um
currículo, este sim, direcionado, que lhe garanta uma formação intelectual
moral que permita, nas palavras de Gramsci, às classes subalternas tornarem-se
dirigentes, uma educação que permita a esse homem filósofo, abandonar o
conhecimento folclórico e acessar o conhecimento científico elaborado e
sistematizado pela humanidade. Um novo homem para uma nova sociedade, que se
forja nessa sociabilidade, mas que ascende a uma outra, em que as relações
entre os homens não se deem por venda e troca de mercadoria.
É preciso pensar, como nos ensina Gramsci,
para qual finalidade e para qual conformismo estamos formando. A falta de
clareza sobre o que ensinar, ou melhor, sobre o que as crianças devem aprender,
organizada por meio dos núcleos de ação pedagógica no Currículo da educação
infantil (Florianópolis, 2015) em que as mais
de cem linguagens que possuem as crianças precisam ser contempladas, sem
especificar quais conteúdos principais e secundários (Saviani, 2022), acarreta
um esvaziamento do próprio currículo, para qual o professor é apenas convidado
a observar, deixando a critério de uma ação espontânea da criança, o que ela
deve aprender, segundo seus interesses.
Por fim, volta-se às contribuições de Gramsci
(2001) sobre a importância da diretividade, da criação de um novo senso comum,
ao socializar conhecimentos já descobertos, para a disputa da consciência
formada em outros espaços da vida, e esse processo se contrapõe ao entendimento
de deixar a educação das crianças pequenas atreladas ao espontaneísmo de seus
interesses imediatos, como se estes, per
se, adquirissem o status de conhecimento. “A superação do espontaneísmo não
se dá sem disciplina. O professor, porém, deve ter essas condições, e,
portanto, deve encaminhar o processo de ensino de modo a garantir que os
interesses do aluno concreto sejam satisfeitos, ainda que esses interesses não
coincidam correntemente com os interesses do aluno empírico” (Saviani, 2017, p.
43).
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SAVIANI,
D. História das ideias pedagógicas no
Brasil. 3. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2010.
[1] Antonio Gramsci,
italiano da região da Sardenha, na Itália, viveu em um período de intensos
acontecimentos mundiais. Foi contemporâneo da Primeira Guerra Mundial, do fim
da Segunda Internacional Socialista, da revolução bolchevique da Rússia, da
fundação da Terceira Internacional Comunista e da ascensão do nazifacismo. Em
seu país atuou com grande destaque no Partido Socialista Italiano, fez parte da
fundação do Partido Comunista da Itália e presenciou a ascensão do fascismo
italiano, inclusive sendo perseguido, preso, falecendo pelo agravamento de suas
condições de saúde durante o cárcere, poucos dias depois de sua soltura.
[2] Essa pedagogia surge
nas bases do Iluminismo e do Positivismo, influenciada pelo método científico
indutivo de Francis Bacon (1561-1626) e pela didática de Johann Friedrich Herbart
(1776-1841). A Pedagogia Tradicional pode ser interpretada como a manifestação
da revolução burguesa na escola. Baseia-se na ideia de que a educação é direito
de todos e dever do Estado. Surgiu no século XIX, visando consolidar a
burguesia no poder. Seria necessário “transformar os súditos em cidadãos” pela
superação da barreira da ignorância, presente naquela época, e consolidar a
ideia de que “todos são iguais perante a lei”; portanto, as antigas relações
sociais entre servos e senhores feudais precisavam ser sepultadas. Essa
pedagogia, centrada no professor, organizou as escolas em formas de classes e a
base da educação seria o professor bem instruído e especializado em uma
determinada área do conhecimento. Caberia aos alunos a reprodução dos ensinamentos
advindos do professor. Nesse ponto, a disciplina adquire papel central na
execução da relação pedagógica (Dore, 1996; Netto, 2006; Saviani, 2010).
[3] A LIEN realizava
congressos internacionais (1921-1936) e teve seu auge no período entre o final
de Primeira Guerra Mundial e início da Segunda. Dentre seus principais
influenciadores, constam: Adolphe Ferrière, Beatrice Ensor, Hermann Lietz, Paul
Geheeb, Edmond Demolins, Célestin Freinet, John Dewey, Jean Piaget, Ovídio
Decroly, Maria Montessori, Francisco Ferrer y Guárdia, Henri Wallon, dentre
outros (Gutierrez, 2021).
[4] Vale lembrar que, ao
mesmo tempo em que ocorriam os congressos da LIEN, na União Soviética, onde os
trabalhadores haviam tomado o poder do Estado, também se desenvolvia uma
proposta nova de escola, a Escola do Trabalho, que foi influenciada e
influenciou os contemporâneos escolanovistas.
[5] Gramsci
conseguiu captar no desenvolvimento do Estado capitalista novos elementos de
dominação que ainda não existiam, ou estavam germinando, nos períodos dos
escritos de Marx, Engels e Lênin. O filósofo sardo observou o desenvolvimento
do que ele chamou de Aparelhos Privados de Hegemonia (APH). Estes, em sua
maioria, ligados à burguesia, cumprindo a função de naturalizar e reforçar a
ideologia burguesa e a consequente dominação de classe. Dessa forma, Gramsci
amplia o conceito de Estado, na filosofia marxista, ao agregar ao Estado, os
APHs, que elevam a outro nível a elaboração e construção de consenso na
sociedade, consolidando a hegemonia burguesa. Portanto, para compreender o
Estado de forma integral, é preciso considerar tanto os órgãos de repressão
quanto os construtores de consenso.
[6] Essa
diferença apontada pelo autor descontrói completamente as teorias pedagógicas
liberais, que defendem a meritocracia na escola.
[7] Sobre os
intelectuais orgânicos, assim se refere Gramsci: “Formam-se assim,
historicamente, categorias especializadas para o exercício da função
intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas sobretudo em
conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais
amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. Uma das
características mais marcantes de todo grupo que se desenvolve no sentido do
domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista “ideológica” dos
intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e
eficazes quanto mais o grupo em questão for capaz de elaborar simultaneamente
seus próprios intelectuais orgânicos” (Gramsci, 2001, p.18).
[8] Termo
utilizado por Gramsci que consiste na conquista de espaços da sociedade civil
pela classe trabalhadora com o objetivo de conquistar a hegemonia, rumo à
revolução socialista.
[9]
Definição marxista que defende a formação do Ser humano em todas as suas
dimensões, partindo do pressuposto da centralidade do trabalho para a formação
desse Ser e, portanto, da necessidade da superação do trabalho alienado para se
alcançar esse nível de formação.
[10] A confêrencia foi composta pelos seguintes textos: “Estratégias pertinentes à
ação pedagógica”, de autoria de Verena Wiggers;
“Ações com crianças de 0 a
3 anos em creche: o cuidado como ética”, de Daniela Guimarães; “Contribuições da educação
infantil para a formação do leitor e
produtor de texto”,
de Sueli Amaral Mello; “Educação
infantil, arte e criação: ensaios para transver o mundo”, de Luciana Esmeralda
Ostetto; “Sobre
o corpo em movimento na educação infantil: a cultura corporal e os
conteúdos/linguagens”,
de Maurício Roberto da Silva; “Supervisão
na educação infantil e a organização do trabalho educacional pedagógico”, de Ana Regina Ferreira
Barcelos.
[11] Bebês (até um ano e 11
meses; crianças bem pequenas (2 anos a 3 anos e 11 meses); crianças pequenas (3
anos e 11 meses a 5 anos e 11 meses).
[12] Associação Nacional de
Pós – Graduação e Pesquisa em Educação
[i] Artigo recebido em: 11/11/23
Artigo aprovado em: 24/05/24
[ii] Contribuições da autora: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.
[iii] Contribuições do autor: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.
[iv] Contribuições da autora: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; supervisão; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.