e-ISSN 1984-7246  

O espontaneísmo da pedagogia da infância versus a diretividade e criticidade da escola unitária: as contribuições de Gramsci para pensar a educação infantil na Rede Municipal de Florianópolis[i]

 

Patrícia de Souza[ii]

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis, SC - Brasil

lattes.cnpq.br/6007339195517174

orcid.org/0000-0002-4402-9994

patty_souza17@yahoo.com.br

 

Rafael Affonso Gaspar[iii]

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis, SC - Brasil

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orcid.org/0000-0002-9489-6180

rafaelufsc@yahoo.com.br

 

Mariléia Maria da Silva[iv]

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis, SC - Brasil

lattes.cnpq.br/0216250252557428

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marileia.silva@udesc.br

 

 

O espontaneísmo da pedagogia da infância versus a diretividade e criticidade da escola unitária: as contribuições de Gramsci para pensar a educação infantil na Rede Municipal de Florianópolis

 

Resumo

O presente artigo recupera a formulação de Gramsci (1891-1937) sobre a Escola Unitária para problematizar os limites das pedagogias ativas, das quais a Pedagogia da Infância é tributária. Tem como objeto de análise os principais documentos para a primeira etapa da educação básica, que orientam o trabalho pedagógico das professoras e professores da Rede Municipal de Educação (RME) em Florianópolis: Diretrizes Educativas Pedagógicas para a Educação Infantil (2010); Orientações Curriculares para a Educação Infantil Municipal (2012); Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2015). A análise desses documentos é realizada à luz das contribuições de Gramsci, essencial revolucionário comunista, que pensou a necessidade da superação da sociedade de classes. Examinou-se a concepção de educação e formação para a educação infantil e os limites da espontaneidade da criança como critério prioritário na organização curricular, em contraposição à diretividade como elemento tático no processo de elevação cultural das massas. Considera-se que o espontaneísmo da criança, por mais sedutor que  pareça, não pode prescindir de uma diretividade ancorada no professor, como aquele que reúne as condições necessárias para socializar o conhecimento científico - via de regra, negado às classes trabalhadoras-, e confrontar o conhecimento espontâneo, folclórico, circunscrito ao senso comum, com vista a promover uma formação crítica à sociedade de classes e que proporcione as condições de formar dirigentes que disputarão a hegemonia por um projeto de sociedade sem classes.

 

Palavras-chave: escola unitária; Gramsci; pedagogia da infância; currículo; Florianópolis.

 

 

The spontaneism of childhood pedagogy versus the directiveness and criticality of the unitary school: Gramsci's contributions to think about early childhood education in the Florianópolis Municipal Education Network

 

 

Abstract

This article recovers Gramsci's (1891-1937) formulation about the Unitary School to problematize the limits of active pedagogies, of which Childhood Pedagogy is a tributary.  The object of analysis is the main documents for the first stage of basic education, which guides the pedagogical work of the teachers in the Florianópolis Municipal Education Network: Pedagogical Educational Guidelines for Early Childhood Education (2010); Curricular Guidelines for Municipal Early Childhood Education (2012); Early Childhood Education Curriculum of the Florianópolis Municipal Education Network (2015). The analysis of these documents was carried with the contributions of Gramsci’s work, an essential communist revolutionary, who considered the need to overcome class society. The  concepts of education and training for early childhood education and the limits of the child's spontaneity were examined as a priority criterion in curricular organization, as opposed to directiveness as a tactical element in the process of cultural elevation of the masses. It is considered that the child's spontaneity, however seductive it may seem, cannot prescind a directiveness anchored in the teacher, as the one who has the necessary conditions to socialize scientific knowledge - as a rule, denied to the working classes -, and confront spontaneous, folkloric knowledge, limited to common sense, in order to promoting critical formation in class society and providing the conditions to form leaders who will  dispute hegemony for a classless society project.

 

Keywords: unitary school; Gramsci; childhood pedagogy; curriculum; Florianópolis.

1 Introdução

O presente artigo tem como objeto de análise, à luz das contribuições de Antonio Gramsci[1] (1891-1937), os principais documentos que orientam o trabalho pedagógico dos Professores da Rede Municipal de Educação (RME) em Florianópolis, na primeira etapa da educação básica, quais sejam: Diretrizes Educativas Pedagógicas para a Educação Infantil (2010); Orientações Curriculares para a Educação Infantil Municipal (2012); Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2015). O propósito do artigo é problematizar a concepção de educação para a educação infantil, presente nesses documentos, fundada na assim chamada “Pedagogia da Infância”, contrapondo-a à escola Unitária de Gramsci, esta pautada no princípio de uma educação revolucionária.

No campo educacional, Gramsci presencia uma crise da chamada escola “tradicional”[2]. No final do século XIX e início do século XX ganha força um movimento internacional de renovação da escola, que ficou conhecido como Escola (ou Educação) Nova (também conhecida como Escola Progressiva e Escola Ativa). Esse movimento surgiu a partir de experiências ocorridas principalmente na Europa e nos EUA, por intermédio de estudiosos que buscaram compreender melhor a psicologia infantil e questionavam a concepção predominante de escola, caraterizada por estes como disciplinadora, repressiva, “conteúdista”, repetitiva (Manacorda, 2010; Saviani, 2022).

A crítica desferida pelos escolanovistas a esse modelo de educação, pensada no liberalismo clássico, recebeu a alcunha de “modelo Tradicional”, na qual o caráter policialesco, repressor, impedia o desenvolvimento da autonomia do estudante. Conforme problematiza Dore (1996), estabeleceu-se, a partir de então, as bases para uma “pedagogia da vontade”, que estimulasse os alunos a acolherem as regras do convívio social, porém abolindo os mecanismos coercitivos e, em direção oposta, estimulando-os a autoatividade. Os escolanovistas buscavam um papel mais ativo e livre dos estudantes ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem, com a primazia de experiências práticas, muitas vezes ancoradas na natureza, com forte influência das teses de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). 

Apesar dos já citados objetivos em comum, os participantes da Liga Internacional para a Educação Nova (LIEN)[3] não compartilhavam dos mesmos pressupostos políticos, filosóficos, religiosos e didáticos, pelo contrário, existia uma pluralidade de concepções pedagógicas dentro da liga, em alguns casos contraditórias (Gutierrez, 2021). Vale destacar, por exemplo, que no início do movimento escolanovista existiam tanto autores que defendiam uma educação nos limites da sociedade burguesa quanto socialistas. Estes, ainda que com viés idealista, vislumbravam na educação o meio de superação da sociedade capitalista. Importante destacar que quem conquistou hegemonia no movimento foi o primeiro grupo, inclusive utilizando como estratégia a incorporação de reivindicações do segundo grupo em um processo de “transformismo” (Dore, 1996, 2003)[4].

Guardadas as devidas considerações em torno dos distanciamentos dos tempos históricos e as particularidades que constituem cada realidade educacional no cenário de crise da ideologia liberal do início do século XX, no presente artigo busca-se trazer à tona os desdobramentos do movimento escolanovista na atualidade, entendendo-o como a perspectiva hegemônica que vem contribuindo no processo de apaziguamento da realidade educacional, ainda que não obliterando o seu importante papel na crítica ao modelo repressor da Escola Tradicional.

O artigo divide-se em duas seções, além desta introdução. Na primeira seção, “Breves notas sobre os fundamentos da Escola Unitária e os limites da Escola Nova”, apresentam-se, de forma sumária, os princípios basilares do pensamento de Gramsci no que tange à Escola Unitária, única capaz de garantir à classe trabalhadora sua elevação cultural e a superação do senso comum em detrimento da Escola Nova e suas pedagogias ativas. Na segunda seção, “Currículo da educação infantil de Florianópolis: um retorno ao passado, o velho travestido de novo”, recuperam-se alguns dos principais debates e embates em torno da chamada “Pedagogia da Infância”, trazendo como fonte empírica os documentos orientadores da Educação Infantil da rede municipal de educação de Florianópolis. Nas considerações finais, destacamos os limites da Pedagogia da Infância, à luz da Escola Unitária de Gramsci, que almeja uma educação revolucionária que extrapole os limites da sociabilidade burguesa e forme dirigentes na busca da superação da sociedade de classes.

 

2 Breves notas sobre os fundamentos da Escola Unitária de Gramsci e os limites da Escola Nova

Considera-se que a burguesia, ao elaborar o projeto da Escola Nova, anuncia-se como aquela capaz de retomar os valores democrático-liberais da época de sua ascensão como grupo social dominante, conforme aponta Dore (1996), incorporando em seu projeto parte das reivindicações identificadas com os movimentos socialistas, sem, contudo, universalizar o acesso à educação escolar, tampouco radicalizar a noção de democracia, pelos próprios limites colocados por uma sociedade de classes antagônicas. Nessa direção é que se pode recuperar o conceito de transformismo de Gramsci no processo de revolução passiva, ou seja, a classe dominante, para evitar uma revolução violenta, absorve algumas pautas e lideranças da classe dominada na busca de construir um consenso e apaziguamento (ao menos momentâneo) da luta de classes na sociedade civil (Gramsci, 2002).

Gramsci é contemporâneo do movimento escolanovista, e como revolucionário comunista está interessado em conhecê-lo para analisar seus avanços e limites. A questão educacional foi algo que perpassou toda sua vida, a começar pela própria formação acadêmica marcada por muitas dificuldades e questionamentos. Quando aprisionado pelo regime fascista em 1926, submetido às agruras do confinamento, tem nos estudos, nas cartas, nos escritos, uma forma de se ocupar e aprofundar temáticas de seu interesse. Durante a prisão continuou a refletir sobre o tema da educação ao acompanhar, do cárcere, os relatos das experiências escolanovistas e a vida escolar dos filhos, que frequentavam a escola soviética no período pós-revolução, e dos sobrinhos, estudantes em escolas na Sardenha, na Itália atravessada pelo fascismo. Assim suas elaborações mais aprofundadas sobre educação vão aparecer nos seus escritos a partir de 1930, após estudos aos materiais a que tinha acesso, e as cartas acompanhando a educação das crianças da família.

Coerente com os fundamentos do Materialismo Histórico Dialético, Gramsci parte do pressuposto de que para compreender uma sociedade é preciso analisar a estrutura material e a superestrutura, que por aquela é determinada e que, ao mesmo tempo, atua de forma determinante ao reforçar e atuar sobre a própria estrutura. Nesse prisma, o autor desenvolve a categoria de bloco histórico, que se constitui mediante a relação dialética entre estrutura e superestrutura, em que a classe dirigente da sociedade (que é economicamente dominante), também se torna política e ideologicamente dominante. Nas palavras do filósofo,

 

[...] as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, [a] distinção entre forma e conteúdo [é] puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma, e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais (Gramsci, 1999, p. 238).

 

Esse equilíbrio é mantido na medida em que a classe dominante consegue construir sua hegemonia por meio  do Estado Integral[5], seja mediante o convencimento ou, quando este não é suficiente, através da força. Em resumo, “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (Gramsci, 2007, p. 244). Porém, existem momentos em que ocorre uma crise de hegemonia, quando a classe dirigente não consegue manter a coesão do bloco histórico nem pelo consenso e nem pela força (Gramsci, 2007).

Nessa direção, para Gramsci, a crise da Escola Tradicional é reflexo de duas outras: a crise orgânica que levou à revolução burguesa; e uma crise de hegemonia da classe burguesa no início do século XX. A primeira se deu na medida em que a base material e a superestrutura já não estavam mais em harmonia, levando à revolução burguesa e à destruição do bloco histórico monarquista-feudalista. A escola humanista clássica, com sua base nas filosofias greco-romanas, que serviu durante séculos para a formação dos dirigentes da sociedade, já não era mais adequada quando os ideais iluministas e positivistas proclamam a massificação da escola, ou seja, agora não só as elites deveriam estudar, mas também a classe trabalhadora e, consequentemente, se fez necessária uma formação para o trabalho. Na prática, formaram-se duas escolas, uma humanista clássica para os dirigentes, e outra profissionalizante para os dirigidos. Essa contradição dos próprios ideais da revolução burguesa levou à segunda crise, de hegemonia, da classe dirigente no que se refere à formação escolar dos dirigidos, quando setores ligados à classe trabalhadora, principalmente socialistas e comunistas, começam a questionar e formular propostas para a Escola (Gramsci, 2001).

A questão da formação da classe trabalhadora para Gramsci sempre foi elemento crucial, considerando que sua preocupação central sempre esteve vinculada ao processo de superação da hegemonia burguesa e à constituição da hegemonia camponesa e proletária, garantindo a estas últimas a passagem de sua condição subalterna à de dirigente e dominante de uma nova ordem intelectual e moral. Portanto, Gramsci esteve muito atendo ao nascedouro das pedagogias ativas a ponto de reconhecer nelas certos avanços em relação ao modelo tradicional, mas não se furtou às críticas, ressaltando limites na elevação dessa formação intelectual e moral, tão necessária à classe trabalhadora. Assim se expressa:

 

A Suíça deu uma grande contribuição à pedagogia moderna (Pestalozzi, etc.), graças à tradição genebrina de Rousseau; na realidade, esta pedagogia é uma forma confusa de filosofia ligada a uma série de regras empíricas. Não se levou em conta que as idéias de Rousseau são uma violenta reação contra a escola e os métodos pedagógicos dos jesuítas e, enquanto tal, representam um progresso: mas, posteriormente, formou-se uma espécie de igreja, que paralisou os estudos pedagógicos e deu lugar a curiosas involuções [...]. A “ espontaneidade” é uma destas involuções: quase se chega a imaginar que o cérebro do menino é um novelo que o professor ajuda a desenovelar. Na realidade, toda geração educa a nova geração, isto é, forma-a; e a educação é uma luta contra os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, a fim de dominá-la e de criar o homem “atual” à sua época (Gramsci, 2001, p. 62-63).

 

Aqui vê-se uma crítica contundente à espontaneidade de muitas propostas escolanovistas. Os autores que costumam defender uma suposta “cultura infantil”, que deveria ser a base do trabalho pedagógico na escola, parecem esquecer que aquela criança está inserida em uma determinada sociedade e em determinado momento histórico, o que vai condicionar o seu pensamento; portanto, a espontaneidade é marcada pelo repertório cultural a que aquela criança teve acesso. Afinal, “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx, 2011, p. 25). Ademais, não seria o papel de uma escola, justamente, ampliar o repertório cultural da criança com o que a sociedade tem de mais avançado?

Sobre a questão da autonomia, Gramsci não cai no equívoco escolanovista de acreditar na livre escolha e autodisciplina para o estudo de crianças pequenas. Para ele, por mais que seja importante levar em consideração o interesse da criança, o professor precisa ter um papel diretivo na etapa, que hoje chamamos de Educação Básica, por ser o representante do conhecimento científico que irá contrapor o conhecimento folclórico trazido pelos estudantes. Somente após fundamentar uma base sólida de conhecimentos científicos, noções de direitos e deveres, ao mesmo tempo em que se desenvolve um coletivismo nos estudantes, é que se pode partir para a última fase da Escola Unitária, (que corresponderia hoje ao Ensino Médio), essa sim, baseada na autonomia, autodisciplina e criatividade do estudante (Gramsci, 2001).

Gramsci leva em consideração, para chegar nessa conclusão, o próprio desenvolvimento biológico e psicológico do indivíduo, inclusive suas transformações hormonais típicas da adolescência. Nessa fase seria o momento do professor atuar como orientador dos estudos (ou guia amigável) de uma forma menos diretiva, estimulando a autonomia e a criatividade dos estudantes, que já possuem as ferramentas para tanto (Gramsci, 2001). Diferentemente do que os adeptos das pedagogias ativas acreditam, isto é, o “fetiche” da autossuficiência do estudante desde a educação infantil.

Gramsci, ao avaliar os equívocos e limites do movimento escolanovista, corrobora a necessidade de uma escola mais ativa, porém aponta que é preciso que haja uma relação indissolúvel entre teoria e prática, no sentido da práxis, em vez da simples atividade pela atividade. Uma escola que tenha como princípio educativo o trabalho em seu sentido ontológico, ou seja, um trabalho que transforme e liberte, em vez de formar para o trabalho alienado da sociedade capitalista. Uma escola que não só se posicione de forma crítica na luta de classes, mas que auxilie no processo de transformação e superação dessa sociedade. Defende a passagem da fase romântica da escola ativa para a sua fase clássica, racional, cabendo esse papel à Escola Unitária (também chamada por ele de escola criadora). Na letra do autor,

 

Toda a escola unitária é escola ativa, embora seja necessário limitar as ideologias libertárias neste campo e reivindicar com certa energia o dever das gerações adultas, isto é, do Estado, de “conformar” as novas gerações. Ainda se está na fase romântica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se dilataram morbidamente por razões de contraste e de polêmica: é necessário entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas. A escola criadora é o coroamento da escola ativa: na primeira fase, tende-se a disciplinar e, portanto, também a nivelar, a obter uma certa espécie de “conformismo” que pode ser chamado de “dinâmico”; na fase criadora, sobre a base já atingida de “coletivização” do tipo social, tende-se a expandir a personalidade, tornada autônoma e responsável, mas com uma consciência moral e social sólida e homogênea (Gramsci, 2001, p. 39).

 

Gramsci, com seus estudos, indica o caminho para a superação da crise da Escola Tradicional com sua forma dualista (humanista clássica para a classe dirigente e profissional para os dirigidos). Assim ele resume em seu caderno 12 a saída da crise:

 

escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo [...] a escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, “humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional), ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa (Gramsci, 2001, p. 33-36).

 

Gramsci deixa claro que a saída da crise da Escola só acontecerá quando existir um grande investimento Estatal no espaço físico, com materiais, corpo docente bem formado e em quantidade suficiente, diminuição da proporção de alunos por professor, ampliação da jornada em tempo integral, escolas com dormitórios, refeitórios e laboratórios diversos. Precisaria deixar de ser privada e torna-se pública para que toda a população tivesse acesso.

Gramsci chama a atenção para a diferença entre um estudante que cresce em uma casa onde a família possui formação escolar e outra em que a família não saiba ler. A primeira terá um contato maior com a cultura letrada e outros saberes que auxiliam e complementam a formação escolar. Por isso, o revolucionário sardo defende que todas as crianças tenham a possibilidade de ficar o máximo de tempo possível na escola para terem acesso ao conhecimento científico[6].

É nesse sentido que ele defende um sistema de educação infantil para que as “crianças se habituem a uma certa disciplina coletiva e adquiram noções e aptidões pré-escolares” (Gramsci, 2001, p. 38). Importante destacar que há quase cem anos, esse autor não limitou creches a um caráter assistencialista, ou seja, simplesmente um lugar para os pais e mães deixarem suas crianças para irem trabalhar, mas ressaltou a importância desse espaço para a formação das crianças e aproximação das rotinas e da cultura escolar, entendida aqui como conhecimento científico.

Os primeiros anos da educação básica são essenciais, e Gramsci (2010) já demonstra essa preocupação por meio das cartas em que discute a formação dos filhos, conforme já referido. Compreende como é difícil para a criança se habituar a uma certa disciplina, contudo necessária, posto que processo de se tornar humano não pode ser feito sem disciplina. Nessa direção, a criança não define o conteúdo, elas interagem dinamicamente com o professor e o conhecimento, porém é o professor quem dirige o processo, neste primeiro momento. Liberdade e disciplina se inter-relacionam dialeticamente, não há a primeira sem a segunda e vice-versa.

A escola unitária tem como finalidade a elevação cultural das massas, tendo a práxis social como eixo e o trabalho ontológico como princípio educativo que, aliado a outros espaços formativos, se apresenta com o objetivo de superação da escola dualista burguesa. Busca, ao mesmo tempo, formar dirigentes, vinculados ao papel de intelectuais que atuam na cultura e na conquista de espaços na sociedade civil rumo à superação da sociedade de classes.

Gramsci considera todo homem um intelectual, pois não separa atividade teórica e prática. Contudo, afirma que nem todos os homens exercem uma função de intelectual orgânico na sociedade de classes[7]. Segundo o autor, as principais funções da escola devem ser socializar as verdades já descobertas, confrontar o conhecimento folclórico com o científico e formar de quadros dirigentes (intelectuais orgânicos) para disputar a hegemonia por um projeto de sociedade sem classes. Por essas razões é tão importante para Gramsci uma formação humanística de cultura geral, pois, não há como mudar as relações sociais sem mudar a si mesmo, num processo dialético. Não estamos afirmando com isso que Gramsci propunha, por meio da educação, mudar a base social de produção, mas como um homem filósofo, rigoroso com o método, compreende a importância da elevação cultural das massas para atingir esse objetivo.

Partindo do entendimento que a escola burguesa é uma escola capitalista, fica evidente que a construção da Escola Unitária se dará na medida em que classe trabalhadora avance na tática da guerra de posições[8] nos diversos campos da sociedade, e consiga impor, paulatinamente, sua concepção de mundo, sendo esse processo plenamente concluído após a revolução e a superação da sociedade de classes, quando será possível, de fato, concluir o processo de forja de uma escola que proporcione uma formação omnilateral[9].

 

3 Currículo na educação infantil de Florianópolis: um retorno ao passado, o velho travestido de novo

Os principais documentos que norteiam o trabalho pedagógico dos Professores da Rede Municipal de Educação (RME) em Florianópolis, na primeira etapa da educação básica, são as Diretrizes Educativas Pedagógicas para a Educação Infantil (2010), Orientações Curriculares para a Educação Infantil Municipal (2012), e o Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2015). Esse último documento como síntese aprofundada dos anteriores, formando assim, um conjunto de literaturas que buscam definir e estruturar as bases curriculares.

As diretrizes curriculares (Florianópolis, 2010) foram elaboradas pela Professora Doutora Eloísa A. C. Rocha, responsável pela apresentação, definição dos princípios pedagógicos para a educação infantil e suas especificidades, na defesa da urgência da consolidação de uma pedagogia da infância que se contraponha às pedagogias liberais. As diretrizes, primeiramente, buscam cumprir as legislações federais e municipais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional da Educação, Financiamento e Manutenção do Sistema Municipal de Ensino e o Plano Municipal de Educação, contudo, busca responder aos anseios dos profissionais que fazem parte dessa rede de ensino, ao estabelecer diretrizes para o pensar e fazer pedagógico. Significa dizer que esse documento é fruto de debates, formações dentro da própria rede e acúmulo de experiências.

Após a elaboração do texto base das Diretrizes (Florianópolis, 2010), realizada pela Professora Drª Eloísa A. C. Rocha, por intermédio da diretoria da educação infantil da Rede Municipal de Florianópolis, ele foi apresentado aos professores conferencistas, assim denominados, para que pudessem fazer suas contribuições teóricas a partir dos indicativos gerais das Diretrizes ampliando conceitualmente o documento. Assim sendo, as diretrizes são compostas por duas partes, a primeira com os textos dos conferencistas[10] e a segunda apresenta os relatos de experiência dos/as professores/as da Rede Municipal de Florianópolis .

Os debates acerca das diretrizes continuaram a ser fomentados por professores da RME em um amplo processo de formação. Conforme se avançava na discussão do documento, emergiram “demandas teórico – práticas e, consequentemente, passaram a exigir um aprofundamento e desdobramento das diretrizes municipais” (Florianópolis, 2012, p. 7). Dessas demandas, dando continuidade ao documento de 2010, com intuito de orientar a ação pedagógica e contribuir com a formação dos professores em serviço, foram elaboradas as Orientações Curriculares (Florianópolis, 2012).

 As Orientações Curriculares (Florianópolis, 2012) estão estruturadas em quatro partes; a primeira retoma os princípios pedagógicos para a Educação Infantil presente nas diretrizes (Florianópolis, 2010), texto da Professora Drª Eloísa A. C. Rocha, reafirmando a necessidade da constituição de uma “Pedagogia da Infância”. A segunda parte trata da brincadeira, definindo-a como atividade central na vida das crianças. A referência principal conta com a contribuição da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotsky, autor que tem seus fundamentos no método materialista histórico dialético.

Contudo, observa-se uma miscelânea teórica, com forte influência da perspectiva escolanovista e suas ramificações, tal qual a experiência Reggio Emília e Montessori, compondo o corpo teórico sobre a discussão de brincadeira. Essa segunda parte das Orientações (Florianópolis, 2012), finaliza com algumas indicações sobre como professoras/profissionais podem atuar na brincadeira, com ênfase na preparação do espaço, observação de como as crianças se apropriam dos objetos/brinquedos com o mínimo de intervenção e destinação de “tempo livre” para que elas interajam entre si e possam criar.

Na terceira parte do documento são apresentados os núcleos da ação pedagógica e as dimensões do conhecimento que devem ser trabalhadas com as crianças, são elas: relações sociais e culturais; linguagem oral e escrita; linguagens visuais; linguagens corporais e sonoras; relações com a natureza: manifestações, dimensões, elementos, fenômenos e seres vivos. Já a quarta e última parte das Orientações (Florianópolis, 2012) é dedicada à construção da documentação pedagógica, ou seja, registro, planejamento e avaliação, com alguns apontamentos de como concretizá-las.

O último documento que compõe a tríade que norteia a Educação Infantil da RME, é Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (Florianópolis, 2015) que está organizado em duas partes; a primeira trata da brincadeira, e a segunda versa sobre os núcleos da ação pedagógica. Apresenta a sistematização das Orientações Curriculares (Florianopolis, 2012) em síntese com a documentação produzida pelas profissionais das instituições de educação infantil.

É reiterada a preocupação com o desenvolvimento integral das crianças, que deverá ocorrer por meio de vivências significativas, considerando suas necessidades e interesses, elegendo o educar e cuidar como base. Para isso, as propostas a serem desenvolvidas, segundo o Currículo (Florianópolis, 2015), devem tomar as crianças como sujeitos principais do planejamento, na defesa de que estas vivem diversas infâncias. O dia a dia da educação infantil deve partir, segundo esse entendimento, das variadas vivências intencionalmente organizadas pelas profissionais, compreendendo “[...] vivência como o que é vivido no âmbito dos sentidos da percepção” (Florianópolis, 2015, p. 10).

Ainda segundo o Currículo, muitas propostas desenvolvidas na educação infantil estão no âmbito das vivências e o desafio seria torná-las experiência, isto é, aquilo que fica na memória e pode ser narrado. Nesse sentido, indica-se que se considere as experiências anteriores e consolidem novas, por meio de vivências organizadas (Florianópolis, 2015).

A brincadeira, já presente nas Orientações (Florianópolis, 2012), é reafirmada como eixo estruturante e estruturador do currículo, tratando a brincadeira de faz-de-conta como atividade guia, pois, “[...] em certa idade, vai guiar o desenvolvimento psicológico da criança, gerando neoformações” (Florianópolis, 2015, p. 11).

A segunda parte do documento sistematizada por idades[11] apresenta indicações de propostas de acordo com cada núcleo da ação pedagógica, conforme apresentado anteriormente nas Orientações (2012). Por fim, é reiterado que não se trata de um novo currículo, mas da sistematização do que já estava anunciado em outros documentos (Florianópolis, 2015).

Compreende-se que esses três documentos apresentados se completam mutuamente, pois expressam a materialização sistematizada em torno da preocupação com o trabalho pedagógico a ser desenvolvido na educação infantil na RME. No entanto, a justificativa em analisar o documento Currículo (Florianópolis, 2015) se dá pela sua natureza de síntese, contribuindo para que este se torne a principal referência de estudos para os/as professores/as da RME. Contudo, não há como apreender o Currículo (Florianópolis, 2015) que se apresenta de forma pragmática, sem recorrer às Diretrizes e Orientações; por esta razão apresentamos ao leitor brevemente o histórico e caracterização de cada um.

Identifica-se que o primeiro documento, Diretrizes Educacionais pedagógicas (Florianópolis, 2010), é o que possui um adensamento teórico maior, no qual consta um conjunto de estudiosos de diferentes vertentes teóricas, ainda que, submetidos à uma lógica de organização pensada por Rocha (Florianopolis, 2010), principal expoente da discussão do que veio ao longo dos anos se configurando por “pedagogia da infância” por meio de sua tese de doutorado defendida em 1999.

Assim, figura-se um ecletismo teórico, contendo perspectiva de influência escolanovista, contribuições da psicologia-histórico cultural e do método materialista histórico e dialético, contudo o documento expressa a defesa da “pedagogia da infância”, posição teórica a ser reafirmada nos três documentos apresentados.

Sob a influência da sociologia infantil e dos estudos culturais, a “Pedagogia da infância” surge nos anos de 1990 com a importante contribuição ao campo da educação infantil em desenvolvimento e traz como proposta o direito de ser criança contrapondo-se ao modelo escolarizante, pautado nas práticas preparatórias e antecipatórias das escolas primárias da década de 1970. Estas tinham como base os exercícios mecânicos, repetitivos e com o propósito principal de garantir a entrada no ensino fundamental. Esses modelos fundamentaram-se na ausência de um sistema nacional de ensino para a educação infantil (Pasqualini; Lazaretti, 2022). É em busca de uma identidade e especificidade para essa etapa da educação básica que Rocha (1999), propõe uma pedagogia da infância:

 

esse enfoque preconiza que a educação infantil se afaste do modelo escola formal, recusando: a identidade  de escola para as instituições de educação infantil, a denominação aluno para as crianças atendidas, o ato de ensinar como eixo do trabalho pedagógico, a adoção do currículo como dispositivo mediador da atuação pedagógica, a ênfase nos conteúdos disciplinares. Propõe que as instituições de educação infantil se configurem como espaços de convívio coletivo, nos quais se travem relações educativo-pedagógicas, pautada pelo princípio que se deva seguir os interesses das crianças, do modo que prevaleça o ponto de vista infantil e se alce a criança à condição de protagonista (Pasqualini; Lazaretti, 2022, p. 18).

 

Ainda que a necessidade de negar a escola tradicional, com seus métodos mecânicos como modelo de educação, fosse legítima e necessária, colocando em evidência a criança e suas especificidades, a pedagogia da infância trouxe, como consequência, a negação de elementos que, em alguma medida, são constitutivos daquilo que se entende por escola, como o ensino, o professor, o aluno, a aula, o conteúdo, o currículo, cujos desdobramentos incidem na concepção de educação infantil e de formação docente.

 Fortemente influenciada pela concepção de criança de Rousseau e pelas experiências educacionais italianas, tal como a abordagem Reggio Emília de Loris Malaguzzi, a pedagogia da infância tem ênfase na aprendizagem com base no protagonismo infantil, na qual o papel do professor na organização do ensino é substituído pela organização dos espaços com vistas a torná-los instigantes e provocativos. Nessa perspectiva, há o apagamento do ensino, ele é substituído pelas vivências e experiências, dado que a criança aprenderia interagindo com o ambiente, com outros adultos e crianças, por meio de resolução de problemas, construindo gradativamente seu conhecimento (Arce, 2004).

 

A auscultação das crianças torna-se primordial [...] a aproximação às crianças e às infâncias concretiza um encontro entre adultos e a alteridade da infância e exige que eduquemos o nosso olhar, para rompermos com uma relação verticalizada, de subordinação, passando a constituir relações nas quais adultos e crianças compartilham amplamente suas experiências nos espaços coletivos de educação, ainda que com patamares inevitavelmente diferenciados [...] (Florianópolis, 2010, p. 15).

 

O conhecimento, dessa forma, é viabilizado pela troca de experiência entre os pares, por isso, o ambiente concebido como terceiro educador ganha relevância uma vez que potencializa as interações. São essas interações que colocam professores e alunos numa relação horizontalizada, segundo as Diretrizes, pois, ambos partem do mesmo ponto, qual seja: compartilham saberes e ignorâncias de que todos são portadores.

 

Através das trocas sociais, isto é, através das relações que progressivamente se entrelaçam e se aperfeiçoam entre a criança sozinha e os adultos – e entre as crianças no grupo de jogo- cria-se um conjunto de significados compartilhados, uma espécie de história social que é típica de uma determinada creche (Bandioli; Mantovani, apud Florianópolis, 2010, p. 16).

 

Como podemos perceber, o conhecimento histórico produzido pela humanidade que nos torna humanos por meio da educação cede lugar às trocas espontaneístas que surgem dessas relações e que a partir daí deve ser problematizada pelo professor. Os sujeitos reais e concretos dessa relação de ensino/aprendizagem desaparecem, dando lugar a sujeitos idealizados que criam a sua própria história social dentro daquele ambiente particular, isento das contradições, das formas como produzem e reproduzem sua existência.

Pensado por esse prisma, quando o ensino não vem em primeiro plano, caberia perguntar como se configuraria o currículo: Ao negar o modelo escolarizante, desprezando, com isso, o que é próprio da escola, ou seja, transmissão dos conhecimentos acumulados e sistematizados pela humanidade ao longo do tempo, o que restaria para a formação dos filhos da classe trabalhadora? Arce (2004, p. 156) faz algumas provocações:

 

Mas é possível haver educação sem ensino? Se as instituições de educação infantil não tiverem por objetivo último o ensino e a aquisição de conteúdos por parte das crianças, o que caracterizaria a especificidades dessas instituições perante outras como, por exemplo, um clube onde a criança também brinca e interage? Uma pedagogia da infância que tenha como objeto de preocupação a própria criança, não seria a própria negação do princípio educativo básico que é a humanização da criança fazendo com que ela cresça e se transforme em um ser humano adulto?

 

Rocha (Florianópolis, 2010) ao fazer a defesa de uma pedagogia da infância para educação infantil, afirma que esta se opõe às pedagogias liberais, preocupadas em desenvolver habilidades e competências para o mundo do trabalho. Contudo, ao analisar as proposições da pedagogia da infância, Arce (2004, 2010) as vincula aos movimentos construtivistas e pós-modernos, que têm se configurado na prática como uma pedagogia antiescolar, centrada no lema “aprender a aprender”, em que o que importa é o processo, ou seja, como a criança aprende na interação com seus pares.

Essa crítica é também compartilhada por Duarte (2010); Lazaretti e Arrais (2018); Pasqualini e Lazaretti (2022) e Lamare (2022). Esses estudiosos da educação infantil tendem a realçar a conexão presente entre a pedagogia da Infância com as proposições presentes nos documentos dos Organismos Multilaterais (OMs) para a educação, como Banco Mundial (BM) e Unesco, compreendido aqui, com base em Gramsci, como intelectuais orgânicos do capital.

Segundo o BM (2019), investir na primeira infância é fundamental para que o sujeito adquira as habilidades e os valores que lhe permitirão levar uma vida plena e saudável no futuro. Assim, garantidas as aprendizagens necessárias, jovens e adultos estarão aptos a conseguir um bom emprego. O conceito de “aprendizagem”, segundo Pronko (2014), já aparece com destaque no documento Estratégia 2020 para Educação: Aprendizagem para todos (Banco Mundial, 2011). Anuncia essa mudança pela substituição do conceito de “educação para todos” pelo de “aprendizagem”, contemplando os conhecimentos e habilidades necessários para o mercado de trabalho, obtidos dentro e fora da escola. O que importa, na concepção defendida pelos OMs, são as oportunidades de aprendizagens que estarão disponíveis para as pessoas ao longo da vida.

Mais recentemente, o conceito de aprendizagem é também guia para a Agenda 2030 da educação (Unesco, 2015). Nesse documento, o espaço escolar é reduzido a mais um, entre tantos outros nos quais o desenvolvimento das “aprendizagens relevantes” poderia ocorrer. Essa noção de aprendizagem sem ensino, além de pulverizar a função social da escola, infunde, estrategicamente, a compreensão de que é preciso ter oportunidades para aprender, e o modelo educativo formal não responde a todas essas necessidades, principalmente na aquisição das “[...] competências que os indivíduos precisam desenvolver para contribuir com o crescimento econômico dos seus países” (Pronko, 2014, p. 106).

Nessa direção, ao tentar pensar uma pedagogia da infância que se distancie de pedagogias liberais, temos na verdade, uma aproximação, visto que, ao proceder o esvaziamento da função social da escola como espaço de ensino na educação infantil, acaba por promover a negação do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, organizado nas diferentes áreas do saber. Essa pauta reducionista é recorrente nas contrarreformas da educação em todos os níveis.

Se as instituições de educação infantil, para se contraporem às formas mecânicas já identificadas na pedagogia tradicional, crítica a qual temos total acordo, precisa, por isso, negar acesso ao ensino sistematizado, aos conteúdos, nos perguntamos qual seria função do professor para essa etapa da educação básica?

Nos três documentos analisados da Rede Municipal de Educação de Florianópolis, a palavra professora encontra-se diluída. Não por acaso a própria função do professor fica secundarizada, pois o que encontramos ao longo do Currículo (Florianópolis, 2015) como propostas de cada núcleo da ação pedagógica, baseado nas diferentes linguagens, são ações que giram basicamente em torno de organizar espaços, objetos, brinquedos, brincadeiras, com a maior pluralidade possível de elementos.

 

Planejar espaço semiestruturados que possibilitem às crianças organizar diferentes cenários para as brincadeiras, [...] organização de espaços estruturados para brincadeiras de faz de conta [...], disponibilizar materiais para a investigação e manipulação de diferentes elementos da natureza [...], montar estruturas que ofereçam experiências com diferentes sonoridades [...], disponibilizar materiais que inspirem as crianças a representarem papéis conhecidos nas histórias [...] (Florianópolis, p. 21-23).

 

Ao professor é relegado o papel de escuta, observação e registro, tendo em vista que a sua intervenção no processo educativo da criança é pouco desejada nas perspectivas pautadas no espontaneísmo infantil, cabendo, portanto, tão somente ao professor observar e registrar a forma como as crianças constroem seus conhecimentos. Nesse sentido, se o professor somente intervém quando for necessário, como se o conhecimento pudesse acontecer numa relação direta das crianças entre si com os elementos da cultura, qual o lugar do currículo nesse modelo educacional?

Se a aprendizagem ocorre com base nos interesses infantis e as crianças estão em processo de desenvolvimento das suas capacidades psicológicas e cognoscitivas, quem define o que deverá constituir os conteúdos dessa etapa educacional? Qual função social do professor nesse contexto? Prado e Azevedo (2012) ao analisarem os trabalhos sobre a formação de professores tratadas nos trabalhos da Anped[12], no período de 2000 a 2009, identificam o perfil de um professor reflexivo, sustentado na articulação entre teoria e prática, sendo a prática, por ela mesma, o elemento propulsor de uma reflexão. Nesses termos, caberia ao professor o exercício de um protagonismo alicerçado nas múltiplas linguagens das crianças.

 

Identificamos que a prática pedagógica e o ambiente têm sido por excelência considerados formadores de identidade do professor de educação infantil. É no ambiente no qual trabalha e mediante a observação das crianças em sua prática que esse professor terá a oportunidade de construir sua especificidade docente, a saber: de um professor reflexivo, observador e mediador de diálogos em um espaço de convivência complementar ao da família (Prado; Azevedo, 2012, p. 38).

 

Não há dúvidas de que nossas atenções devam estar voltadas para esse ser humano real e concreto, presente nas instituições de educação infantil, isto é, a criança com suas vontades, os conhecimentos que trazem consigo, entre outros, contudo, em uma relação de ensino – aprendizagem deve-se ter clareza da diferença entre o ponto de partida e o de chegada. Se ambos coincidissem não haveria necessidade de ensino e nem de professor (Saviani, 2022). Lazaretti e Mello (2018) assim se manifestam:

 

No bojo de defesas que secundarizam o ensino, explicitando
alguns elementos em detrimento de outros, identificamos uma prática pedagógica que se limita a preparar espaços, disponibilizar materiais, em que as tarefas e ou projetos de trabalho se originam de sugestões, preferencialmente, das crianças, tendo como fonte algum evento, situação ou qualquer coisa inesperada. Com isso, é desnecessário ter objetivos e metas a serem alcançados, primando, assim, pelo espontâneo e o cotidiano, no qual valoriza–se mais os conteúdos oriundos das manifestações e experiências infantis, das interações entre pares, daquilo que a criança é capaz de aprender sozinha, tendo como referência o que gosta, as suas vivências lúdicas expressas em atividades livres, espontâneas e de recreação, colocando o professor num patamar de parceiro e facilitador (Lazaretti; Mello, 2018, p. 117).

 

Em síntese, infere-se que a organização do que foi denominado Currículo (Florianópolis, 2015) para a rede municipal de Florianópolis, reserva às professoras a funções de “organizar e disponibilizar brinquedos”, “criar coleções com materiais diversos”, “oferecer instrumentos”, “organizar tempos e espaço”, “prever ambientes de encontro para diferentes faixas etária”, “dar visibilidade às diferentes manifestações culturais”, “realizar e compartilhar registros fotográficos”, “disponibilizar elementos da natureza”, “possibilitar o acesso aos diferentes gêneros textuais”.

Não temos dúvida de que todas essas ações, assim como as demais, que compõem o currículo, são estratégias importantes para aprendizagem – desenvolvimento da criança. São elementos da cultura que passam a ser inseridos em sua realidade, contudo é necessário que o professor assuma seu papel, não daquele que acompanha a apropriação que a criança faz do objeto, mas daquele que lhe ensine o uso social de determinado objeto. Conforme Duarte

 

se o conhecimento mais valorizado na escola passa a ser o conhecimento tácito, cotidiano, pessoal, então o trabalho do professor deixa de ser o de transmitir os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos que a humanidade venha construindo ao longo de sua história. O professor deixa de ser um mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da humanidade, para ser um organizador de atividades que promovam o que alguns chamam de negociação de significados construídos no cotidiano dos alunos (Duarte, 2010, p. 37).

 

A forma como conhecemos a realidade não está dada imediatamente aos sentidos, esse conhecimento é histórico, não é absoluto, é dinâmico, passível de ser refutado. A criança, no que lhe concerne, é refém dos seus sentidos imediatos, percebe a realidade de forma aparente. Não obstante, o ensino pode e deve conduzir a superação do imediato desde que organizado e intencionado. A internalização dos conhecimentos produzidos coletivamente não é um processo individual; o ser humano necessita que outro ser humano lhe desvele aquilo que lhe aparece de forma imediata. O grande desafio, principalmente na educação infantil, é tornar interessante aquilo que, no primeiro momento, não é atrativo ao olhar da criança, e por isso não se manifesta nela como vontade.

O encantamento, o prazer, a descoberta devem fazer parte da apropriação do conhecimento científico como explicação da realidade e isso coloca professor e criança em movimento. Professor organiza o processo didático do ensino pautado nas peculiaridades do desenvolvimento infantil, dirige, problematiza, estimula o levantamento de hipóteses; conduz o desenvolvimento infantil para patamares superiores, nos quais ela não conseguiria chegar sem a mediação desse outro mais experiente.

É legítimo reconhecer que as proposições e metodologias inspiradas nas pedagogias ativas exercem forte influência na pedagogia da infância. Todavia, é preciso evidenciar a intencionalidade, o que nos coloca à frente da defesa de ensino e conteúdo para educação infantil, garantindo, desse modo, que o processo que leva do ponto de partida ao ponto de chegada, traga o desafio do novo.

Para finalizar a reflexão, registra-se as aproximações do Currículo (2015) da educação infantil de Florianópolis com as propostas da base nacional comum curricular (BNCC). Em 2021 foi apresentada aos professores um novo documento intitulado, Base Nacional Comum Curricular e os documentos curriculares municipais da educação infantil de Florianópolis recontextualização curricular (Florianópolis, 2021). Nele se reafirmam a proximidade entre tais documentos, trazendo a comparação com o que propõe a BNCC com os Campos de Experiências, e o que se tem definido com o Currículo (2015) com os Núcleos da Ação Pedagógica. Ambos, campos de experiências e Núcleos da Ação Pedagógica,

 

São termos que indicam uma organização curricular da educação infantil que transcendem a ideia transmissiva, disciplinar e conteudista para o currículo da Educação Infantil [...] tanto os NAP quanto os Campos de Experiências compreendem que as crianças aprendem a partir das relações sociais e brincadeiras, das experiências concretas e de forma própria (Florianópolis, 2021, p. 17).

          

O propósito, segundo o documento Base Nacional Comum Curricular e os documentos curriculares municipais da educação infantil de Florianópolis recontextualização curricular (Florianópolis, 2021), seria o de fomentar as discussões e os processos formativos, além de atender um princípio legal de readequação dos documentos orientadores do município aos princípios da BNCC; para finalizar afirma que os documentos da rede municipal de Florianópolis se adequam e alargam a concepção de educação traçada na BNCC (Florianópolis, 2021).

Sabe-se que todo o processo de implementação da BNCC nos diferentes níveis de educação não se deu de forma harmônica, houve resistência, manifestações em várias regiões do país, justamente pelo rebaixamento ainda maior em relação aos conteúdos que tínhamos até então. Conforme recuperam Lazzaretti e Arrais (2018, p. 37)

 

A BNCC não evidencia, com clareza, quais elementos do patrimônio histórico da humanidade serão selecionados como essenciais para o processo de apropriação das crianças. Nela, enfatiza-se que experiências e vivências significativas emergem de situações cotidianas e espontâneas, mas não há apontamentos ou direcionamentos sobre a importância, também, das situações não cotidianas que envolvem conteúdos da cultura humana sistematizados nas áreas do conhecimento que permitem compreender, ampliar, diversificar e enriquecer fenômenos e objetos do mundo real e humano. Nessa direção, corre-se o risco de criar uma redundância de experiências sem critério e sem prioridade nas escolhas que nortearão as ações educativas na Educação Infantil. Além disso, a função do professor pode ser negligenciada e até ficar suprimida nesse processo educativo, quando se enaltecem, sobremaneira, o protagonismo e o ativismo infantis, já que as experiências e os saberes serão centrais na organização curricular por campos de experiências.

 

Assumindo uma postura crítica em relação ao esvaziamento que traz a BNCC, cabe a pergunta ou mesmo um ponto para reflexão: não é estranho que as propostas para a educação de Florianópolis estejam contempladas na BNCC? Que educação, então, tem por finalidade a documentação da RME? Que formação é pretendida para os filhos da classe trabalhadora, uma vez que estamos falando de documentos que norteiam a prática pedagógica de uma rede pública? Não pretendemos apresentar respostas a todos os questionamentos, mas a partir do que viemos discutindo ao longo do texto, pretendemos abrir espaços para discussão de que educação queremos e o que temos formalizado na prática.

 

O essencial na escola de Educação Infantil é o ensino de conteúdos escolares, que ao serem transmitidos pelo professor e apropriados pelas crianças, numa relação ativa e mediada, tenham dupla função na aprendizagem infantil: ampliar a compreensão de mundo, dos fenômenos e objetos humanos e da realidade circundante e, concomitantemente, promover a formação de funções psíquicas a patamares superiores e, assim, proporcionar que esses conteúdos se convertam em propriedade individual e definitiva dos alunos como instrumentos simbólicos (Lazzaretti; Arrais, 2018, p. 43).

 

Aceitando a provocação de Arce e Martins (2021) perguntamos: quem tem medo de ensinar na educação infantil? Você tem? Nós, não!

 

4 Considerações finais

Pelo presente artigo procurou-se evidenciar a contribuição de Gramsci para pensar a educação da classe trabalhadora quando propõe a Escola Unitária. Menos como um modelo a ser transposto, mas como inspiração para problematizar o que se quer com a educação, particularmente, em um cenário de constantes contrarreformas nessa área, cujo cerne tem sido a transformação da educação pública em nichos de mercado pari passu ao processo de esvaziamento da formação escolar, a começar pela primeira etapa da formação básica, a educação infantil.

Gramsci, em diálogo crítico com as pedagogias ativas de sua época, mesmo reconhecendo seus avanços em relação ao modelo tradicional, pondera sobre a necessidade de se reestabelecer a diretividade no processo educacional, obviamente, não no sentido do autoritarismo, próprio de uma educação que visa a cristalização entre uma formação para dirigentes e outra para dirigidos. Mas ao contrário, uma escola unitária, que tenha como propósito a elevação cultural das massas como condição necessária para a formação de um “homem de novo tipo”, atuante e que ocupe a função de intelectual, capaz de se postar como organizador das atividades humanas, rumando para a superação da sociedade de classes.

Portanto, fica patente que o espontaneísmo da criança, por mais sedutor que nos pareça, não pode prescindir de uma diretividade ancorada no professor, como aquele que deve reunir as condições necessárias para socializar o conhecimento científico - via de regra, negado às classes trabalhadoras -, e confrontar o conhecimento espontâneo, folclórico, circunscrito ao senso comum.

Assim, os limites que Gramsci constata nas pedagogias ativas, durante o período em que esteve no cárcere, devem servir para se estabelecer uma relação com os limites que se encontram, atualmente, no currículo da educação infantil da PMF, quando se observa, a prevalência do espontaneísmo em detrimento de uma organização curricular pautada nos saberes sistematizados pela humanidade. Não se pode confundir a espontaneidade da criança, algo salutar, com o espontaneísmo do currículo.

A criança, na sua espontaneidade, que é sempre expressão das condições concretas de sua materialidade, logo, forjada na dureza da desigualdade da sociedade de classes, precisa ter a garantia de um currículo, este sim, direcionado, que lhe garanta uma formação intelectual moral que permita, nas palavras de Gramsci, às classes subalternas tornarem-se dirigentes, uma educação que permita a esse homem filósofo, abandonar o conhecimento folclórico e acessar o conhecimento científico elaborado e sistematizado pela humanidade. Um novo homem para uma nova sociedade, que se forja nessa sociabilidade, mas que ascende a uma outra, em que as relações entre os homens não se deem por venda e troca de mercadoria.

É preciso pensar, como nos ensina Gramsci, para qual finalidade e para qual conformismo estamos formando. A falta de clareza sobre o que ensinar, ou melhor, sobre o que as crianças devem aprender, organizada por meio dos núcleos de ação pedagógica no Currículo da educação infantil (Florianópolis, 2015) em que as mais de cem linguagens que possuem as crianças precisam ser contempladas, sem especificar quais conteúdos principais e secundários (Saviani, 2022), acarreta um esvaziamento do próprio currículo, para qual o professor é apenas convidado a observar, deixando a critério de uma ação espontânea da criança, o que ela deve aprender, segundo seus interesses.

Por fim, volta-se às contribuições de Gramsci (2001) sobre a importância da diretividade, da criação de um novo senso comum, ao socializar conhecimentos já descobertos, para a disputa da consciência formada em outros espaços da vida, e esse processo se contrapõe ao entendimento de deixar a educação das crianças pequenas atreladas ao espontaneísmo de seus interesses imediatos, como se estes, per se, adquirissem o status de conhecimento. “A superação do espontaneísmo não se dá sem disciplina. O professor, porém, deve ter essas condições, e, portanto, deve encaminhar o processo de ensino de modo a garantir que os interesses do aluno concreto sejam satisfeitos, ainda que esses interesses não coincidam correntemente com os interesses do aluno empírico” (Saviani, 2017, p. 43).

 

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[1] Antonio Gramsci, italiano da região da Sardenha, na Itália, viveu em um período de intensos acontecimentos mundiais. Foi contemporâneo da Primeira Guerra Mundial, do fim da Segunda Internacional Socialista, da revolução bolchevique da Rússia, da fundação da Terceira Internacional Comunista e da ascensão do nazifacismo. Em seu país atuou com grande destaque no Partido Socialista Italiano, fez parte da fundação do Partido Comunista da Itália e presenciou a ascensão do fascismo italiano, inclusive sendo perseguido, preso, falecendo pelo agravamento de suas condições de saúde durante o cárcere, poucos dias depois de sua soltura.

[2] Essa pedagogia surge nas bases do Iluminismo e do Positivismo, influenciada pelo método científico indutivo de Francis Bacon (1561-1626) e pela didática de Johann Friedrich Herbart (1776-1841). A Pedagogia Tradicional pode ser interpretada como a manifestação da revolução burguesa na escola. Baseia-se na ideia de que a educação é direito de todos e dever do Estado. Surgiu no século XIX, visando consolidar a burguesia no poder. Seria necessário “transformar os súditos em cidadãos” pela superação da barreira da ignorância, presente naquela época, e consolidar a ideia de que “todos são iguais perante a lei”; portanto, as antigas relações sociais entre servos e senhores feudais precisavam ser sepultadas. Essa pedagogia, centrada no professor, organizou as escolas em formas de classes e a base da educação seria o professor bem instruído e especializado em uma determinada área do conhecimento. Caberia aos alunos a reprodução dos ensinamentos advindos do professor. Nesse ponto, a disciplina adquire papel central na execução da relação pedagógica (Dore, 1996; Netto, 2006; Saviani, 2010).

[3] A LIEN realizava congressos internacionais (1921-1936) e teve seu auge no período entre o final de Primeira Guerra Mundial e início da Segunda. Dentre seus principais influenciadores, constam: Adolphe Ferrière, Beatrice Ensor, Hermann Lietz, Paul Geheeb, Edmond Demolins, Célestin Freinet, John Dewey, Jean Piaget, Ovídio Decroly, Maria Montessori, Francisco Ferrer y Guárdia, Henri Wallon, dentre outros (Gutierrez, 2021).

[4] Vale lembrar que, ao mesmo tempo em que ocorriam os congressos da LIEN, na União Soviética, onde os trabalhadores haviam tomado o poder do Estado, também se desenvolvia uma proposta nova de escola, a Escola do Trabalho, que foi influenciada e influenciou os contemporâneos escolanovistas.

[5] Gramsci conseguiu captar no desenvolvimento do Estado capitalista novos elementos de dominação que ainda não existiam, ou estavam germinando, nos períodos dos escritos de Marx, Engels e Lênin. O filósofo sardo observou o desenvolvimento do que ele chamou de Aparelhos Privados de Hegemonia (APH). Estes, em sua maioria, ligados à burguesia, cumprindo a função de naturalizar e reforçar a ideologia burguesa e a consequente dominação de classe. Dessa forma, Gramsci amplia o conceito de Estado, na filosofia marxista, ao agregar ao Estado, os APHs, que elevam a outro nível a elaboração e construção de consenso na sociedade, consolidando a hegemonia burguesa. Portanto, para compreender o Estado de forma integral, é preciso considerar tanto os órgãos de repressão quanto os construtores de consenso.

[6] Essa diferença apontada pelo autor descontrói completamente as teorias pedagógicas liberais, que defendem a meritocracia na escola.

[7] Sobre os intelectuais orgânicos, assim se refere Gramsci: “Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. Uma das características mais marcantes de todo grupo que se desenvolve no sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista “ideológica” dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão for capaz de elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos” (Gramsci, 2001, p.18).

[8] Termo utilizado por Gramsci que consiste na conquista de espaços da sociedade civil pela classe trabalhadora com o objetivo de conquistar a hegemonia, rumo à revolução socialista.

[9] Definição marxista que defende a formação do Ser humano em todas as suas dimensões, partindo do pressuposto da centralidade do trabalho para a formação desse Ser e, portanto, da necessidade da superação do trabalho alienado para se alcançar esse nível de formação.

[10] A confêrencia  foi composta pelos seguintes textos: Estratégias pertinentes à ação pedagógica, de autoria de Verena Wiggers; Ações com crianças de 0 a 3 anos em creche: o cuidado como ética, de Daniela Guimarães; Contribuições da educação infantil para a formação  do leitor e produtor de texto, de Sueli Amaral Mello; Educação infantil, arte e criação: ensaios para transver o mundo, de Luciana Esmeralda Ostetto; Sobre o corpo em movimento na educação infantil: a cultura corporal e os conteúdos/linguagens, de Maurício Roberto da Silva; Supervisão na educação infantil e a organização do trabalho educacional pedagógico, de Ana Regina Ferreira Barcelos.

[11] Bebês (até um ano e 11 meses; crianças bem pequenas (2 anos a 3 anos e 11 meses); crianças pequenas (3 anos e 11 meses a 5 anos e 11 meses).

[12] Associação Nacional de Pós – Graduação e Pesquisa em Educação



[i] Artigo recebido em: 11/11/23

 Artigo aprovado em: 24/05/24

[ii] Contribuições da autora: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.

[iii] Contribuições do autor: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.

[iv] Contribuições da autora: conceituação; análise formal; investigação; metodologia; administração do projeto; supervisão; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.