e-ISSN 1984-7246  

Contribuições do Caderno 12 de Antônio Gramsci para a compreensão das disputas político-pedagógicas na educação especial brasileira

 

Maria Helena Michels *

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis, SC - Brasil

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Rosalba Maria Cardoso Garcia **

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis, SC - Brasil

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Contribuições do Caderno 12 de Antônio Gramsci para a compreensão das disputas político-pedagógicas na educação especial brasileira

 

Resumo

Reconhecemos a contribuição teórica de Antônio Gramsci para compreender os fenômenos sociais do tempo presente. Buscamos refletir a partir da malha categorial proposta pelo autor, especificamente as categorias intelectual orgânico, escola unitária e educação integral, presentes no caderno 12, sobre as propostas de políticas para a educação especial brasileira (2008 e 2020). Apreendemos que as proposições políticas no século XXI para a Educação Especial, apesar de guardarem diferenças entre si, têm em comum não propor uma escola que projete a emancipação humana. A organização dos intelectuais orgânicos da burguesia em torno de um projeto de escola que mantém as desigualdades sociais e educacionais não guarda similaridade com a proposta de escola unitária e de educação integral formuladas por Gramsci. As proposições aqui analisadas difundem um projeto de escola que não tem como função social a elevação cultural das massas, ao contrário, trabalha para promover a subalternidade. O distanciamento dessas proposições políticas da educação integral, como constituinte da escola unitária, parece evidente quando, mais uma vez, a centralidade da educação especial está em técnicas e recursos para o desenvolvimento de habilidades e competências isoladas. Portanto, não estão baseadas em conhecimentos sistematizados pela humanidade que possibilitariam a formação de dirigentes políticos com vistas à transformação social. Concluímos que sua contestação é realizada por um projeto alternativo baseado no aprofundamento da desigualdade de acesso à educação escolar.

 

Palavras-chave: intelectual orgânico; escola unitária; educação integral; política educacional; educação especial.

 

 

Contributions of Antônio Gramsci's Caderno 12 to the understanding of political-pedagogical disputes in Brazilian special education

 

Abstract

We recognize the theoretical contribution of Antonio Gramsci to understand the social phenomena of the present time. We seek to reflect from the categorical mesh proposed by the author, specifically the categories organic intellectual, unitary school and integral education, present in notebook 12, on the policy proposals for Brazilian special education (2008 and 2020). We apprehend that the political propositions in the twenty-first century for Special Education, despite having differences between them, have in common that they do not propose a school that projects human emancipation. The organization of the organic intellectuals of the bourgeoisie around a school project that maintains social and educational inequalities is not similar to the proposal of a unitary school and integral education formulated by Gramsci. The propositions analyzed here disseminate a school project that does not have as its social function the cultural elevation of the masses, on the contrary, it works to promote subordination. The distancing of these political propositions from integral education, as a constituent of the unitary school, seems evident when, once again, the centrality of special education lies in techniques and resources for the development of isolated skills and competencies. Therefore, they arent based on knowledge systematized by humanity that would enable the formation of political leaders with a view to social transformation. We conclude that its contestation is carried out by an alternative project based on the deepening of the inequality of access to school education.

 

Keywords: organic intellectual; unitary school; integral education; educational policy; special education.

1 Introdução

As discussões aqui apresentadas têm o objetivo amplo de somar aos pesquisadores que, reconhecendo a atualidade do pensamento de Antônio Gramsci, procuram articular sua contribuição teórica e conceitual aos fenômenos sociais do tempo presente. Buscamos refletir sobre a educação especial brasileira recente a partir da malha categorial proposta pelo autor, especificamente as teses difundidas por meio de proposições políticas, as quais estão imersas e emergem de uma sociabilidade capitalista cujos grupos dominantes buscam formas diversas de educar o consenso para a subalternidade.

Não se trata, portanto, de um exercício de aplicar o pensamento de Gramsci à educação brasileira contemporânea, mas de incorporação de seu método de análise para a superação da realidade atual, não de forma imediata ou pragmática, mas, em primeiro plano, como tomada de consciência que contribua para a formulação de uma nova concepção de mundo, de sociedade, de política, de Estado, de educação.

Como pano de fundo dos registros de estudo do autor, identificamos um acompanhamento das transformações históricas, civilizatórias, tecnológicas e culturais nos processos sociais e que apontam um caminho metodológico para a atualização de seu pensamento às mudanças educacionais que estamos presenciando no Brasil.

Compreendemos, a priori, que as reflexões do autor, ainda que registradas em notas, cadernos, cartas, expressando certa dispersão, contraditoriamente contêm uma organicidade de pensamento, com retomadas e aprofundamentos, revisões de seus próprios escritos, e que compartilham uma concepção de escola, educação, cultura, formação humana, sociedade, filosofia, Estado e política no embate com o pensamento liberal e fascista.

Escolhemos trabalhar prioritariamente com o Caderno 12 - Apontamentos e notas dispersas  para  um grupo  de ensaios sobre a história dos intelectuais (Gramsci, 2001)  por

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Contribuições de autoria

* conceituação, curadoria de dados, análise formal, investigação, metodologia, administração do projeto, escrita - rascunho original e escrita - análise e edição.

** conceituação, curadoria de dados, análise formal, investigação, metodologia, administração do projeto, escrita - rascunho original e escrita - análise e edição.

identificar que nesses registros o autor congrega elementos fundamentais para a discussão das disputas políticas e pedagógicas na educação contemporânea. Destacamos e apropriamos para nossa análise as “vértebras que constituem a espinha dorsal do Caderno 12” (Semeraro, 2021, p. 99), ou seja, os temas Intelectual Orgânico, Escola Unitária e Educação Integral, sobre os quais apresentaremos uma breve aproximação. Contudo, consultamos outros registros do pensamento do autor e também de seus comentadores como o objetivo de melhor compreender essas categorias.

 

2 Categorias gramscianas fundamentais para pensar a educação

Como já destacado, optamos por refletir sobre a educação especial e, em particular, as teses políticas apresentadas recentemente para a área, a partir das contribuições das categorias que Gramsci apresenta no Caderno 12, quais sejam: Intelectual Orgânico, Escola Unitária e Educação Integral. Mesmo que apresentadas separadamente, compreendemos que essas categorias não podem ser pensadas isoladamente, mas sempre articuladas entre si.

Em relação ao Intelectual Orgânico o autor afirma que

 

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc. (Gramsci, 2001, p. 15).

 

A noção de intelectual em Gramsci aponta para o exercício de uma função intelectual diretiva e organizativa, portanto, educativa. Os grupos dominantes, em termos econômicos, teriam melhores condições de exercer tal dominação no processo de formulação e disseminação de consensos no campo social e político. Desenvolver a capacidade de “organizar a sociedade em geral” é compreendido pelo autor como uma necessidade de e para “expandir a própria classe”. A função intelectual, nessas bases, não estaria articulada estritamente a uma questão técnica de uma área ou campo de estudos, mas ao “conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral das relações sociais” (Gramsci, 2001, p. 18).

Cabe aos intelectuais, nos termos de Gramsci, articular os consensos espontâneos das massas, mobilizar relações de prestígio, assumindo uma função diretiva e organizativa na sociedade civil e na sociedade política, assim como as ações de coerção em relação àqueles que não “consentem”. Para tanto, é necessário que os grupos dominantes indiquem seus “prepostos” para o exercício de tais funções tanto em relação à “hegemonia social” quanto ao “governo político”.

Considerando que a obra de Gramsci tem particularidades na forma de seu desenvolvimento, manuscritos esparsos, muitos deles em situação de encarceramento, e um processo de retomadas da própria escrita, sentimos a necessidade, em alguns momentos, de buscar passagens de outros cadernos como complementares à nossa exposição. No Caderno 11 – Introdução ao estudo da filosofia, localizamos uma síntese na qual podemos verificar o caráter de organicidade da função intelectual, no sentido de organização da cultura no processo de conduzir e dar direção às massas.

 

[...] uma massa humana não se ‘distingue’ e não se torna independente ‘para si’ sem organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas ‘especializadas’ na elaboração conceitual e filosófica. Mas este processo de criação dos intelectuais é longo, difícil, cheio de contradições, de avanços e de recuos, de debandadas e de reagrupamentos; e, neste processo, a ‘fidelidade’ da massa (e a fidelidade e a disciplina são inicialmente a forma que assume a adesão da massa e a sua colaboração no desenvolvimento do fenômeno cultural como um todo) é submetida a duras provas (Gramsci, 1999, p. 104).

 

No âmbito da presente reflexão, interessa articular o sentido da disseminação de valores e princípios constitutivos de teses sobre a educação que têm sido combustível da hegemonia burguesa ao encontrar organicidade no senso comum da massas trabalhadoras. Levamos em conta, entretanto, numa análise dialética, as mobilizações políticas de contracorrente, a partir dos movimentos organizativos da classe trabalhadora que, em nosso tempo, têm empreendido grande esforço para desenvolver táticas de resistência.

Consideramos, ainda, que a atuação burguesa na educação, com vistas a constituir e manter sua hegemonia, passa, entre outras formas, pela formulação e disseminação de ideias pedagógicas que constituem as proposições políticas para a educação escolar. Com o intuito de avançar no debate sobre a educação, vamos apresentar, a seguir, elementos da contribuição de Antônio Gramsci no Caderno 12 sobre o tema da escola.

Na continuidade dos registros acerca da questão dos intelectuais, Gramsci destaca “instituições ligadas à atividade cultural”. Dentro de um conjunto de estratégias de formulação e disseminação da hegemonia, a escola ganha importância nas reflexões do autor, que defende, em contrapartida, uma concepção de “escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (Gramsci, 2001, p. 33).

Com tal concepção, buscava opor-se ao modelo racional de divisão fundamental da escola em clássica e profissional que mobilizava de forma excludente trabalho manual e intelectual: “a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, enquanto a clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais” (Gramsci, 2001, p. 33). Suas formulações de uma concepção unitária de escola estão situadas em processo de crítica à educação escolar de seu tempo, tanto em relação à Lei Casati, de 1859, que instituiu a escola tradicional na Itália, quanto da Reforma Gentile da década de 1920 (Martins, 2021).

Para Gramsci (2001, p. 36), a tarefa central da escola unitária, com caráter humanista amplo, seria “inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa”. Entretanto, um processo de elevação cultural das massas somente poderia ser pensado a partir de um projeto de escola pública e estatal, com oferta de educação gratuita. Ao mesmo tempo, uma escola de oferta universalizada de ensino.

 

A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional, ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação das novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode abarcar todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas (Gramsci, 2001, p. 36).

 

Por outro lado, atento às diferenciações e especializações da educação ofertadas a diferentes grupos em seu tempo, com base nas funções a serem exercidas na sociedade, considera que “cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes estratos uma determinada função tradicional, dirigente ou instrumental” (Gramsci, 2001, p. 49). Por fim, dentre os elementos que caracterizam a escola unitária, percebemos ainda uma referência ao seu modo de funcionamento quando defende sua organização “como escola em tempo integral” (Gramsci, 2001, p. 38).

A primeira questão que devemos ressaltar em relação à educação integral, como elemento da concepção de escola unitária, é o princípio educativo que a constitui e que conjuga trabalho e formação política, com vistas a desenvolver uma concepção histórica e dialética de mundo.

 

O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade teórico-prática [...] fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, dialética, do mundo, para a compreensão do movimento e do devir, para a avaliação da soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro (Gramsci, 2001, p. 43).

 

Gramsci analisa as propostas educacionais para a Itália de seu tempo, tal como a “fratura determinada pela reforma Gentile entre a escola primária e média, por um lado, e a escola superior, por outro” (Gramsci, 2001, p. 42). Tal debate enfrenta o pensamento fascista na educação e na organização da escola que perpetua uma formação diferente para governantes e governados, mantendo escolas especializadas para a formação técnica profissional. A crítica de Gramsci está voltada para a defesa de uma visão integral da educação que não se restringe à escola, mas que entende que a educação escolar, mediante a reforma Gentile, impede a elevação cultural das massas com seu sistema hierárquico e meritocrático.

No desenvolvimento de seu pensamento insiste na ideia de uma educação de tempo integral:

 

a escola unitária deveria ser organizada como escola em tempo integral, com vida coletiva diurna e noturna, liberta das atuais formas de disciplina hipócrita e mecânica, e o estudo deveria ser feito coletivamente, com a assistência dos professores e dos melhores alunos, mesmo nas horas do estudo dito individual (Gramsci, 2001, p. 38).

 

Entretanto, cabe assinalar que a proposta educacional concebida pelo autor não se resume à ampliação do tempo escolar. Integral é a qualidade da formação, uma concepção que extrapola a escola considerando que o processo de formação humana se dá em todos os espaços sociais, no contato com as diferentes manifestações da cultura mediadas pelos intelectuais. Integral também se refere a não ser uma educação escolar restritiva, técnica, mas abrangente e com condições de articular cultura, tecnologia, política, filosofia. A finalidade da educação e da escola, então, seria que “cada ‘cidadão’ possa tornar-se ‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que ‘abstratamente’, nas condições gerais de poder fazê-lo” (Gramsci, 2001, p. 50), criticando “o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo” que “cada vez mais se organiza de modo a restringir a base da camada governante” (Gramsci, 2001, p. 50).

Tomando como base a breve exposição dos três temas destacados do Caderno 12, vamos expor as proposições políticas mais recentes para a educação especial brasileira, extraindo suas principais teses para uma crítica a partir das contribuições de Gramsci.

 

 

3 Proposições políticas para a Educação Especial brasileira recente: críticas às teses em disputa

Nosso propósito de discutir as disputas políticas assumidas por forças em luta que defendem projetos antagônicos, ou o mesmo projeto com interesses que se confrontam, está situado temporalmente no século XXI. Vamos nos ater a proposições em âmbito nacional, portanto com foco nos projetos educacionais articulados entre sociedade política e sociedade civil em termos dos consensos e coerções presentes nas formulações oficiais para o país. A proposta de confrontar pelo pensamento diferentes projetos educacionais e seus desdobramentos políticos e pedagógicos conduziu nossas reflexões para a identificação e discussão das teses educacionais que acompanham tais propostas. Trataremos basicamente de duas proposições: 1) a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (Brasil, 2008) e 2) a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida (Brasil, 2020).

O documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (Brasil, 2008) foi formulado e publicado no segundo mandato do governo Lula[1], como resultado dos debates de um grupo de trabalho constituído por representantes do Ministério da Educação e pesquisadores com extensa representação de universidades públicas federais e estaduais[2]. O sentido de reconhecimento da ciência e da valorização das universidades públicas teve efeitos sobre a proposição que assumia a defesa da matrícula e a permanência dos estudantes da Educação Especial em classes comuns do ensino regular, refutando a esses grupos uma educação paralela ou segregada.

Importante demarcar que, no Brasil, as iniciativas de atenção às pessoas com deficiência têm historicamente a hegemonia dos grupos políticos consagrados como mantenedores de instituições privadas e assistenciais, tais como as APAEs (Silva, 2017; Lemhkuhl, 2018) e a Sociedade Pestallozzi (Rafante, 2006; 2011). A Educação Especial constituiu-se tardiamente como política pública no Brasil durante a ditadura empresarial-militar, com a criação do Centro Nacional de Educação Especial – CENESP nos anos 1970 (Garcia; Kuhnen, 2020). Mesmo assim, tais grupos permaneceram formulando as políticas de Educação Especial articulando um projeto de inserção gradual dos sujeitos no sistema de ensino e no mercado de trabalho, utilizando estratégias de identificação e classificação dos sujeitos e suas condições relacionadas à deficiência, com base no princípio liberal da meritocracia.

As influências pedagógicas tecnicistas e da Teoria do Capital Humano tinham sua manifestação na Educação Especial estatal incipiente, com a criação de salas de recursos por área de deficiência nas escolas públicas. Com base no mesmo princípio, a maioria dos sujeitos com deficiência em idade escolar permanecia alijada da formação escolar básica por frequentarem instituições de Educação Especial, não escolares, cujos currículos tinham como referência habilidades e competências necessárias para o cotidiano e a convivência social.

Uma ampliação do acesso das pessoas com deficiência à educação escolar ocorreu em face das políticas de Educação para Todos (Unesco, 1990) que mobilizaram, no campo de produção de conhecimento da Educação Especial, uma defesa da inclusão educacional e escolar. Não sem resistência, as instituições privadas e assistenciais buscaram seu lugar nas políticas de integração nos anos 1970 e 1980, vivificando a categoria de Estado Integral proposta por Gramsci (2007). Nos anos de 1990, com a criação do fundo de financiamento para o ensino fundamental (FUNDEF), lutaram por seus interesses com os argumentos de uma inclusão responsável e gradual (Fenapaes, 2001), mantendo os princípios meritocráticos e uma processo de individualização em si, a priori e não como resultado dos processos de desenvolvimento humano, uma individualidade para si (Duarte, 1993).

É com base nesse repertório histórico de privação das pessoas com deficiência do acesso à educação escolar que o grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Educação em 2007 vai promover a defesa daquilo que definiram como “movimento mundial pela inclusão [...] uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação” (Brasil, 2008, p. 5). Na esteira daquilo que Bruno (2011) define como “massificação escolar”, como resposta às mudanças no mundo do trabalho, a população com deficiência passa a dispor de forma mais estruturada no sistema educacional de garantias legais para o acesso e a permanência no ensino regular, desde a educação infantil até a educação superior, seguindo as definições relativas à idade obrigatória de matrícula em cada período[3].

Entretanto, a formulação de técnicos do MEC e pesquisadores universitários foi endossada pelo empresariado ao ser aglutinada no conjunto das proposições políticas articuladas pelo Movimento Todos pela Educação – TPE no Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, oficializado pelo governo Lula mediante o decreto nº 6.094, de abril de 2007, e detalhado no Guia Prático de Ações (Brasil, 2007?).

O plano de metas liderado pelo empresariado como política educacional articulou uma “nova pedagogia da hegemonia” (Neves, 2005), que abriu portas para a educação ser tratada como campo de negócios, aprofundando as parcerias público-privadas que já estavam em curso desde os anos 1990, e desenvolvendo novas formas de participação de fundações e institutos empresariais nos processos educacionais no país, mediante a mercantilização e a mercadorização (Andrade, 2020; Andrade; Motta, 2020). As autoras destacam a subordinação da educação ao empresariado nos processos de formulação e execução da educação pública.

A política de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva de 2008 sustenta as teses de educação escolar na classe comum do ensino regular, na idade considerada obrigatória para a educação básica, para os estudantes vinculados à modalidade Educação Especial. Considera a Educação Especial como modalidade complementar e suplementar ao ensino regular, não podendo ser substitutiva, não compreendendo atendimentos em espaços segregados na condição de atendimento exclusivo.

A oferta da Educação Especial passa a ser realizada por meio do atendimento educacional especializado – AEE, prioritariamente na sala de recursos multifuncional – SRM (Brasil, 2009). Como influências pedagógicas dessa forma de realização da Educação Especial, apreendemos a Pedagogia Tecnicista, pela ênfase nos recursos de acessibilidade (Lorenzini, 2022; Vaz, 2017) e a Pedagogia escolanovista pelos direcionamentos curriculares de individualização dos processos de aprendizagem (Garcia; Michels, 2018; Santos, 2022).

A política de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva trabalha fortemente com a tese da acessibilidade à escola de Educação Básica, sem contudo questionar a concepção educacional da escola burguesa, seus valores liberais e sua pedagogia. Abstrai as relações sociais e seus efeitos ao desenvolvimento humano ao priorizar a convivência escolar e negligenciar a expropriação do conhecimento escolar.

A defesa da escola pública, de uma escola comum para todos, mantida pelo Estado estrito, sem espaços segregados ou espaços exclusivos para pessoas com deficiência não pode ser confundida com a concepção de escola unitária expressa por Gramsci (2001) no Caderno 12. O autor apresenta essa proposição como parte de um processo amplo de formação humana que projeta outro horizonte social e formativo, que tem em sua base a elevação cultural de todos os humanos e o desenvolvimento de uma compreensão das relações sociais com vistas a sua transformação. Já a política de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva visa a acessibilidade à escola burguesa, que restringe a capacidade humana de compreensão da realidade social quando foca em habilidades e competências específicas e isoladas e rebaixa a formação humana em limites que atendam às necessidades do mercado para o trabalho simples.

A presença dos estudantes vinculados à Educação Especial na escola de Educação Básica em si, não significa um processo de escolarização que considere a elevação cultural dos sujeitos. Essa ascensão cultural implica também o direito de apropriação do conhecimento e a busca dos meios para atingir esse objetivo.

Ao longo da implantação das políticas de Educação para Todos (Unesco, 1990) em suas muitas fases de desenvolvimento e ajustes, vamos percebendo que “o termo igualdade (direitos iguais para todos) é substituído por equidade (direitos subordinados à diferença)” (Libâneo, 2012, p. 23). A noção de equidade, apropriada acriticamente, tem sido compreendida na positividade do reconhecimento da diferença. Entretanto, está se perdendo de vista que a diferença não pode ser reconhecida mediante processos de desigualdade no acesso ao conhecimento escolar e ao desenvolvimento humano.

A proposição em análise foca na democratização do acesso e absolutiza a condição individual dos sujeitos com deficiência absorvendo um processo educacional hierárquico e meritocrático, o que leva a uma concepção de que cada um aprende por si o que a sua condição individual permite, reforçando as influências de uma psicologia inatista e uma pedagogia construtivista, tal como denunciado por Duarte (2000). Dessa forma, desconsidera a articulação teoria e prática como fundamento da compreensão da realidade social e que está na base de ideia de que todos os homens são filósofos como elemento constitutivo da capacidade social e histórica de desenvolver uma crítica social (Gramsci, 2001).

Da mesma forma, a perspectiva de abordagem individual dirigida aos estudantes com deficiência pressupõe trilhas diferenciadas de desenvolvimento de habilidades conforme as condições já dadas pelas características do sujeito e de sua condição de deficiência, distanciando-se sobremaneira daquilo que Gramsci propõe como Educação Integral. A própria concepção de humano do autor pressupõe o processo social e histórico, o devir, a práxis, a dialética conservação/superação, enfim, o movimento, o que se distancia do desenvolvimento de habilidades nos limites postos por uma condição de deficiência.

Além disso, cabe assinalar que, por um lado, as lutas por direitos das pessoas com deficiência, inclusive à educação, foram impulsionadas pelas lutas coletivas dirigidas pelas organizações de trabalhadores, tal como no período preparatório para a Assembleia Nacional Constituinte. Já em outro momento, quando entram em pauta questões identitárias que fragmentam a luta das pessoas com deficiência em relação aos movimentos políticos mais amplos, contraditoriamente, as políticas de inclusão desenvolvidas no Brasil vão ampliar o acesso à educação escolar, mas já como subproduto do “desmonte dos direitos sociais” (Granemann, 2007).

O desenvolvimento da política proposta em 2008 começa a esmorecer com a aprovação do Plano Nacional de Educação em 2014, que reforça a participação de instituições privado-assistenciais na oferta do atendimento educacional especializado. O fortalecimento dessa base de apoio ao golpe de 2016, entre outras, abriu caminho para uma perspectiva liberal-conservadora das questões sociais e das políticas educacionais. Um dos primeiros sinais que podemos apontar no campo específico da Educação Especial é o impacto da Emenda Constitucional nº 95/2016, que estancou os recursos para a ampliação das salas de recursos multifuncionais e a consequente contratação de novas professoras para atuar no AEE. A EC 95/2016, ao restringir os recursos públicos para a área social, induzia a uma privatização não clássica na área da Educação, com tratamento de campo de negócios[4].

 

Na educação, amplas reformas foram implementadas, pautadas por um projeto baseado na mercantilização ou privatização, coordenado com alterações curriculares e padronização dos processos de aprendizagem, com vistas ao desenvolvimento de competências e habilidades específicas, voltadas para as necessidades do mercado, dentre as quais as habilidades socioemocionais. A implementação da Base Nacional Comum Curricular e a Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), acompanhadas de cortes no orçamento das universidades federais e nas áreas da ciência e da tecnologia, têm atendido às demandas dos Organismos Internacionais para a promoção da sociabilidade necessária à manutenção do capitalismo contemporâneo [...] (Barcelos; Garcia; Lorenzini, 2023, p. 209).

 

Naquela conjuntura de ruptura democrática e ataques às instituições foi encaminhada, mediante a conservação de forças políticas que participaram da coalizão em torno dos mandatos petistas e atendendo ao acirramento da crise do capital que se reorganizava e atuava para condensar as políticas econômicas, um modelo mais restritivo em relação às áreas sociais, com um direcionamento político autoritário e conservador. Grupos políticos com interesse em atuar de forma privada na educação especial, ainda que com um matiz assistencial, tal como as federações que representam associações mantenedoras de instituições de educação especial, e que perderam parcialmente o protagonismo político e uma parcela dos recursos da área da educação nos anos seguintes às políticas de 2008, agregaram suas forças à base de apoio do governo golpista.

Por dentro do governo de Michel Temer (2016-2018) foi colocada em andamento uma proposta de atualização ou revisão da política nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva. A contratação de uma consultoria técnica pelo Ministério da Educação (Silva; Machado; Silva, 2019) com mediação e financiamento da UNESCO atribuía institucionalidade a um estudo da política de Educação Especial em curso no país e da necessidade de desenvolver alguns ajustes.

Cabe lembrar que a UNESCO realizou uma conferência internacional em Incheon, Coréia do Sul em 2015, a partir da qual foi publicado o documento Declaração de Incheon que difunde a Estratégia 2030 para a educação. Nas recomendações da referida declaração identificamos que

 

[...] os Estados nacionais são definidos como provedores do direito à educação, devendo assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, conforme descrito no objetivo do desenvolvimento sustentável 4 (Garcia; Michels, 2021, p. 7).

 

Observamos na presente proposição uma articulação entre inclusão, equidade e aprendizagem, a qual corrobora a tese presente nas contrarreformas educacionais de modo geral no Brasil, com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2017) e a proposta do Novo Ensino Médio, qual seja, que cada indivíduo terá um processo e um resultado de aprendizagem condizente com suas condições individuais e as condições dadas pelo seu contexto educativo imediato.

A tese de uma individualização dos processos de aprendizagem, dissociada dos processos de ensino, está articulada por uma proposta restritiva de formação humana com vistas à formação restrita para o mercado de trabalho. A minuta de uma nova política de Educação Especial (Brasil, 2018) estava atrelada a esses referentes propostos em Incheon, individualizando ainda mais a questão da aprendizagem para os estudantes da Educação Especial, reforçando para esses estudantes os limites supostamente colocados pela sua condição de deficiência.

É nessa direção de empobrecimento do processo de desenvolvimento humano e de alienação dos conhecimentos escolares que a noção de equidade é apreendida na Declaração de Incheon (Garcia; Michels, 2021). Os direcionamentos contidos no documento apontam para uma classificação dos estudantes da modalidade Educação Especial entre aqueles que podem frequentar a classe comum do ensino regular e aqueles que não se beneficiam da escola, e que, portanto, devem ser atendidos em relações educativas segregadas recuperando a função substitutiva da Educação Especial.

Não obstante os ataques ao direito à educação escolar encaminhados pelo governo Temer, a eleição presidencial de Jair Bolsonaro em 2018 e seu mandato (2019-2022) ganharam proporções trágicas em termos de anúncio à barbárie. A coerção e a violência como rotinas, os ataques aos direitos sociais, aos trabalhadores, ao coletivo, à diversidade constituíram seu plano de trabalho, levando a cabo algumas contrarreformas pendentes como a previdenciária. Na educação, fez avançar pautas conservadoras de cunho moral como a proposição de “escola sem partido” e contra a “ideologia de gênero”.

Não bastassem essas opressões aos professores, a defesa de modelos escolares “cívico-militares” e domiciliar, mediante a proposta do homescholling apontavam para um descrédito social da instituição escolar pública, estatal, universalizadora da educação formal tal como presente na Constituição Federal (Brasil, 1988). Cabe assinalar que os ataques aos sistemas educacional e de saúde de um país e aos seus trabalhadores do setor público sempre representam uma expressão vigorosa de ofensiva à classe trabalhadora, sua formação e à manutenção de sua vida.

Cabe registrar, ainda, que a forma de atuação do governo Bolsonaro gerou um debate acadêmico no Brasil que teve em comum o reconhecimento de sua aproximação com o pensamento fascista, embora apresentando divergências em relação a sua definição como neofascismo (Boito Jr., 2021) e protofascismo (Fontes, 2019), entre outras formulações.

A pandemia de Covid-19 atinge o Brasil em março de 2020 em meio a essa conturbada situação política. Rapidamente, a estratégia do ensino remoto é articulada pelos aparelhos privados de hegemonia, em particular com a liderança do Todos pela Educação. As recomendações da Organização Mundial da Saúde em relação ao isolamento social e da Unesco (2020) para o uso de atividades remotas não presenciais foram incorporadas aos poucos.

As recomendações sobre a educação das pessoas com deficiência durante o isolamento social foram permeadas por orientações que contrariavam a recomendação geral, uma vez que o ensino remoto foi compreendido por organizações multilaterais como uma estratégia que não beneficiava a esse grupo de estudantes. Se os benefícios da escola estavam sendo questionados para esses estudantes antes do período da pandemia, durante esse período avança para um questionamento dos processos educacionais em geral. Já no retorno às atividades escolares presenciais, com a gradual liberação sanitária, os estudantes com deficiência foram o último grupo a retornar à escola e muitos não retornaram.

Observamos que o período do ensino remoto trouxe força para a tese de que nem todos os estudantes têm benefícios com a vida escolar e mesmo que alguns sujeitos têm limites importantes ao seu processo de desenvolvimento, considerando sua condição individual. Apropriamos esse pensamento como visão metafísica da pessoa com deficiência e, em decorrência, de seu desenvolvimento. Apoiadas em Gramsci, confrontamos essa tese a partir de sua compreensão acerca da natureza humana.

 

A afirmação de que a ‘natureza humana’ é o ‘conjunto das relações sociais’ é a resposta mais satisfatória porque inclui a idéia do devir: o homem ‘devém’, transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais; e, também, porque nega o ‘homem em geral’: [...] as relações sociais são expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética e não formal(Gramsci, 1999, p. 245).

 

Com o Decreto 10.502, de setembro de 2020, o governo de Jair Bolsonaro instituiu a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida. A proposição retoma a tese constitutiva de políticas desenvolvidas no Brasil anteriormente, segundo a qual pessoas com determinados tipos e graus de deficiência não se beneficiam da educação escolar e, portanto, ficam alienadas de uma formação escolar, alienação essa justificada pela sua condição individual, num processo meritocrático às avessas.

Nessa proposta, a Educação Especial é concebida como modalidade complementar para os estudantes que frequentam o ensino regular, mas também como substitutiva para aqueles que frequentam classes e escolas exclusivas para pessoas com deficiência. Está organizada, portanto, por diversos serviços que abarcam diferentes espaços institucionais: AEE na SRM, atendimentos em espaços segregados como classes e escolas especiais. Identificamos em sua proposição a influência pedagógica tecnicista com forte presença da vertente médico-pedagógica e psicopedagógica. Em termos de direcionamento curricular, uma ênfase na individualização da aprendizagem, o que expressa uma concepção organicista de deficiência.

Se a escola burguesa já não compartilha a cultura para que todos tenham a capacidade de ser dirigentes, o projeto para os estudantes da Educação Especial é ainda mais complexo em termos da produção da subalternidade, uma vez que vai na direção contrária a produzir um sujeito “[...] capaz de pensar, de estudar, de dirigir e de controlar quem dirige” (Gramsci, 2001, p. 49).

As medidas regressivas em relação aos direitos sociais não são específicas do governo Bolsonaro, e já estão presentes como contrarreformas em vários setores da vida social acompanhando o desenvolvimento das crises do próprio sistema do capital. Entretanto, nos últimos anos, tivemos no país um aprofundamento dos princípios liberais e conservadores com ataques mais explícitos e uso corrente da violência em relação aos trabalhadores. Mas a lógica do fascismo não atua apenas a partir da coerção dos dirigentes, ela está presente e sendo praticada entre os dirigidos. Para Mascaro (2022, p. 40),

 

[...] o fascismo se destaca das demais ditaduras pelo seu elemento de atendimento do interesse burguês reativo por meio da mobilização de massa, demandando-se, em face disso, estratégias específicas de resistência e luta. Mas, no pano de fundo, o capitalismo é seu problema decisivo. 

 

A política bolsonarista para a Educação Especial, a exemplo de outras medidas desse governo, produziu disputas jurídicas e políticas. Um conjunto de movimentos da sociedade civil organizou um pedido de Ação direta de inconstitucionalidade – ADIN encaminhado ao Supremo Tribunal Federal – STF cujo resultado foi a suspensão do Decreto 10.502/2020. Entretanto, movimentos de apoiadores da política que retira direitos das pessoas com deficiência atuaram em sua defesa, ainda que reivindicando o papel de defensores das pessoas com deficiência, expressando traços fascistas desse movimento.

Posteriormente, com o encerramento do mandato presidencial de Bolsonaro e a posse de Lula em 2023, o referido decreto foi revogado, encerrando formalmente seus efeitos legais. Já os princípios e as teses por ele difundidos estão capilarizados naquelas redes públicas de ensino que constituem solo fértil para o pensamento conservador e que mantém questionamentos acerca do direito das pessoas com deficiência à formação humana na forma escolar.

Tendo em vista os elementos apresentados, compreendemos que os ajustes propostos na Educação Especial nos últimos anos estão em consonância com as contrarreformas empreendidas na educação e, em sentido amplo, com a retirada de direitos da classe trabalhadora, no período aqui analisado.

 

4 Considerações finais

Reafirmamos a fertilidade das contribuições de Antônio Gramsci, em particular os temas Intelectual Orgânico, Escola Unitária e Educação Integral desenvolvidos no Caderno 12 dos cadernos do cárcere, como fontes de reflexão para a crítica das proposições políticas que vêm organizando a Educação Especial no Brasil.

Formulamos que os estudantes vinculados à Educação Especial, em processos formais de inserção escolar desde a década de 1970, e que ganharam forte dinamização e preceitos legais robustos no século XXI, têm sua educação escolar articulada ao projeto educacional direcionado para a classe trabalhadora e congregam uma fração significativa dessa classe. Portanto, sua presença e reiteração do direito à escola de educação básica deve integrar e aglutinar forças e demandas para a constituição de um projeto educacional da classe com vistas a uma formação humana caracterizada pela elevação cultural, pelo “desenvolvimento pleno das potencialidades dos alunos e o enriquecimento de suas necessidades culturais” (Duarte, 2018, p. 140).

Uma formação que atribua, a todos e a cada um, a capacidade humana de atuar em sociedade, contra os processos de subalternidade. Nesse sentido, estamos tratando de um projeto educacional que visa formar para a compreensão dos fenômenos naturais e sociais que perpassam a vida humana, envolvendo a ciência, a cultura, a política, o mundo produtivo, no âmbito das relações sociais.

Pensar a inserção escolar das pessoas com deficiência, seu reconhecimento ao direito à educação escolar, a Educação Especial como modalidade educacional que constitui o sistema educacional nacional não pode ter um sentido de inclusão social de convivência, de promoção de interações sociais limitadas pela abstração das formas sociais e históricas de sociabilidade vigente. Tampouco, propomos tolerar a inserção escolar como trilha individual e negligenciada em relação à apropriação do conhecimento escolar, determinada pelas características do estudante.

Com base nas contribuições de Gramsci para essa análise, principalmente aquelas contidas no Caderno 12, podemos afirmar que as proposições presentes nas políticas nacionais no século XXI, apesar de guardarem diferenças substantivas entre si, estão longe de propor uma escola que busque a emancipação humana.

A organização dos intelectuais orgânicos da burguesia em torno de um projeto de escola que mantém as desigualdades sociais e educacionais não guarda nenhuma similaridade com a proposta de escola unitária e educação integral. As proposições aqui analisadas indicam que a diferença deve ser exaltada e, ao fim e ao cabo, impõem um projeto de escola que não tem como função social a elevação cultural das massas, mas que, ao contrário, trabalha para promover a subalternidade.

O distanciamento dessas proposições políticas da educação integral, como constituinte da escola unitária, nos parece evidente quando, mais uma vez, a centralidade da Educação Especial está em técnicas e recursos para o desenvolvimento de habilidades e competências isoladas e não baseada em conhecimentos sistematizados pela humanidade que possibilitariam a formação de dirigentes políticos com vistas à transformação social.

 

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[1] Primeiro mandato: 2003-2006; Segundo mandato: 2007-2010.

[2] Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007.

[3] Atualmente, a determinação legal é dos 4 aos 17 anos de idade, conforme a Lei 12.796 de 2013.

[4] A privatização não clássica se sustenta na suposta melhoria do gerenciamento dos serviços públicos por meio de flexibilização, descentralização e modernização; ao mesmo tempo em que despolitiza as relações de classes presentes nas políticas sociais, enfatiza a técnica sobre a política e faz a política do capital (Granemann, 2011).