e-ISSN 1984-7246  

ConVersons: papo afroliterário com Lia Vieira, a teia de afetos e a escrita que nos une[i]

 

Entrevista concedida à:

 

Feibriss Ametista Henrique Meneghelli Cassilhas

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Salvador – BA, Brasil  

lattes.cnpq.br/0516917254355472

orcid.org/0000-0002-3332-4808

fhenrique.mc@gmail.com

 

Jacqueline Augusta Leite de Lima

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis – SC, Brasil

lattes.cnpq.br/1330180048412012

orcid.org/0000-0001-5641-2029

jacqueline93lima@gmail.com

 

Jeff Jeffa Moreira Santana

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Vitória, ES - Brasil

http://lattes.cnpq.br/1369735409546022

https://orcid.org/0009-0004-0565-2179 

jeffjeffasantana@gmail.com

 

Silvana Martins dos Santos (Nana Martins)

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis- SC, Brasil

http://lattes.cnpq.br/1594312658818984

https://orcid.org/0000-0001-6203-1943

silvanamartinspoetisa@gmail.com

 

 

Introdução

A publicação desta entrevista, com a escritora Lia Vieira, foi realizada de forma coletiva, a partir de uma colaboração entre o coletivo negro Sarau Vozes Negras (SVN) e o “Corsciência: Grupo de pesquisa de tradução e contação de histórias com cor-agem”. Esta entrevista consiste na transcrição de um dos episódios do programa “conVersos: papos afroliterários”, roteirizado e realizado pelas integrantes Feibriss Ametista Henrique Meneghelli Cassilhas, Jeff Jeffa Moreira Santana e Nana Martins, transmitido em formato de Lives e salvo em formato de Reels pela conta do SVN no Instagram, @vozesnegras, e postado em nosso canal na plataforma YouTube, Acervo do Sarau Vozes Negras[1]. A transcrição do programa foi realizada pelas integrantes do Corsciência, Feibriss Ametista Henrique Meneghelli Cassilhas (coordenadora) e Jacqueline Augusta Leite de Lima.

 

Metodologia

O “conVersos: papos afroliterários” foi pensado para ser um programa de entrevistas, no qual buscamos nos aproximar, sempre que possível, de uma linguagem mais próxima de bate-papo, divergindo dos formatos de entrevistas acadêmicas mais tradicionais. Dessa forma, cada programa acaba tendo uma metodologia própria e adquire características bem particulares.

Nós, do SVN, estudamos, não apenas as obras, as biografias e a fortuna crítica das pessoas autoras convidadas, mas também, o gênero entrevista, pesquisando sobretudo entrevistas anteriormente realizadas com as pessoas entrevistadas e as temáticas abordadas buscando um projeto ético, afetivo e de aprofundamento das análises críticas das obras dessas escritoras. As perguntas elaboradas são enviadas às pessoas convidadas com antecedência, e, no caso de Lia Vieira, houve uma significativa troca entre ela e a entrevistadora Nana Martins antes do programa. Durante o programa, algumas perguntas foram antecipadas pela autora deixando a entrevista mais dinâmica e a sua condução compartilhada entre ambas, como no seguinte trecho “Você, não sei se ainda vai fazer essa pergunta, mas, você falou assim: ‘Lia, por que você demorou tanto tempo, assim, esse gap, só em Cadernos Negros?’” em que Lia Vieira antecipa uma das perguntas no momento que achou mais conveniente, não necessitando que a pergunta fosse feita durante a live pela entrevistadora. Uma particularidade desta entrevista é a interação com participantes da Live pelo chat que foram mantidas na transcrição pela sua relevância para entrevistadora e a entrevistada por explicitar como funcionam suas teias de afeto e a sua vivência de união pela escrita. Aproveitamos este momento para agradecer a gentileza e a generosidade da autora de disponibilizar seu tempo para bater este papo afroliterário conosco e de seus leitores.

Outra especificidade deste conversos é que Nana Martins é especialista na obra da autora convidada, tendo pesquisado sua obra em sua dissertação de mestrado defendida pela UFSC e intitulada Encontros com Lia Vieira: Uma experiencia de leitura, que teve como objetivo estudar a trajetória da escritora Lia Vieira. Seu corpus foi o livro de contos Só as Mulheres Sangram (VIEIRA, 2011) e alguns poemas da autora carioca com foco em questões relacionadas ao feminismo negro e ao racismo. Em sua dissertação, Nana Martins (DOS SANTOS, 2019) entrelaça a obra de Lia Vieira e sua revisão de literatura com a sua própria trajetória de vida, obra literária e o seu percurso na área de Letras. A análise é feita a partir do olhar de uma escritora negra que, assim como a autora analisada, enfrentou as dificuldades do mercado editorial para ser publicada e convive diariamente com as dificuldades de ser uma mulher negra na sociedade brasileira. Desta forma, podemos colocar em prática nossas pesquisas acadêmicas e nos aprofundar nessas relações para além da comparação de textos entre autoras, mas por meios de trocas afetivas entre mulheres negras.

Com relação à metodologia da transcrição realizada pelas integrantes do SVN e do Corsciência, usou-se como base a transcrição automática do canal YouTube que foi corrigida e editada para o formato entrevista. Buscamos uma transcrição que valorizasse a oralidade e que buscasse transcrever especificidades das falas das duas escritoras envolvidas mantendo, dentro do possível e desejável, as elaborações discursivas que transparecem o processo de organização da fala em voz alta. Porém, como toda transcrição é uma tradução, optamos por fazer algumas alterações pensando na recepção da pessoa leitora desta entrevista quando as marcas de oralidade se tornam de difícil compreensão sem o visual e a entonação da voz.

 

Sobre o Sarau Vozes Negras

O SVN é um coletivo negro de práticas poéticas-pedagógicas interseccionais fundado em 2017 por artistas com formação na área de Letras que se conheceram na UFSC. Entre as atividades do SVN estão performances poéticas de autoria negra, a realização de oficinas de escrita e a produção do programa de entrevistas "conVersos: Papos Afroliterários". Juntamos nossas vozes para resistir ao apagamento das nossas histórias no ambiente universitário e em escolas regulares, mas ocupamos também os mais diversos espaços com nossa poesia. Declamando poesias que contam nossas histórias e que reivindicam nossas lutas.

 

Sobre o conVersos: papos afroliterários

O programa "conVersos: papos afroliterários", carinhosamente chamado por nós apenas de conVersos, tem como objetivo conhecer, apresentar e dialogar com pessoas negras escritoras. O projeto se dedica a promover um debate sobre a literatura negra contemporânea, proporcionando às pessoas que nos seguem a oportunidades de aprofundar suas leituras e de ter contato com diversos textos literários. Paralelamente aos programas gravados, temos o projeto de publicar essas entrevistas em revistas acadêmicas para diversificar o acesso e ampliar a acessibilidade do conteúdo produzido. Para nós, esses encontros têm muito a ver com a nossa forma de sentir, produzir, pesquisar e teorizar literatura. É no contato com pessoas negras escritoras e suas obras, seja em livros, slams ou saraus, que produzimos nossos quilombos literários de afetos.

A primeira temporada do conVersos aconteceu em 2020 e teve 6 episódios. A segunda temporada já está sendo planejada, mas ainda não há data de estreia. Cada episódio da primeira temporada leva o nome da pessoa escritora convidada:

- Episódio 1: Nana Martins

- Episódio 2: Akins Kintê

- Episódio 3: Cristiane Sobral

- Episódio 4: Cidinha da Silva

- Episódio 5: Conceição Evaristo

- Episódio 6: Lia Vieira

 

Sobre Lia Vieira

A convidada do sexto episódio do “conVersos: papos afroliterários”, Lia Vieira, nasceu no Rio de Janeiro, em 1958. Cursou Economia, Turismo e Letras, doutorou-se em Educação na Universidade de La Habana/ Universidade Estácio de Sá. Ativista, intelectual e empresária. Possui uma carreira literária sólida; são quase trinta anos desde que começou a publicar seus textos. Ela já esteve em vários países por conta de seu ofício, participou de festas literárias na Europa, nos Estados Unidos e em países da América Latina como Cuba e Porto Rico. Lia Vieira é ativista do movimento negro e feminista.

Sua obra Só as mulheres sangram foi elaborada com o intuito de falar das vivências de mulheres negras e perceber quais os dilemas que elas enfrentam em seu dia a dia. A trajetória de vida dessas mulheres está atrelada com a luta de resistência contra o patriarcado, o colonialismo e a escravidão.

Além dessas temáticas, seus textos comemoram o amor, resgatam histórias negras e suas tradições. A autora nos mostra um olhar diferenciado sobre a realidade que nos cerca, criando personagens humanizados a partir de estereótipos sociais, proporcionando a quebra desses estereótipos.

 

Entrevista

 

Nana Martins começa a live sozinha na tela.

Entrevistadora (Nana Martins): Oi, gente, tudo bem? Eu sou Nana Martins; eu estou aqui para mais um conVersos. Hoje vai ser bem especial, pois a gente vai falar com a escritora Lia Vieira. Vamos esperar só um pouquinho a Lia entrar para conversar com a gente, espero que vocês gostem. Lembrando que esse conVersos é parceria com a Primeira Marcha Virtual Tereza de Benguela e, nesse momento de pandemia, a gente pede para que todo mundo fique em casa. E para que vocês possam ficar em casa, a gente faz esses conVersos para a gente aprender um pouquinho mais sobre literatura. Sigam nossa rede social, @vozesnegras, e a minha rede social, @nanamartinspoetisa, ambas no instagram. A gente está com uma oficina de escrita gratuita para pessoas negras e indígenas, que vai ser muito legal, nos dias 22, 23 e 24. O final da oficina será um sarau maravilhoso para todo mundo pparticipar e agora a gente vai chamar a nossa convidada. Esse conVersos é muito especial porque a Lia Vieira foi a escritora cuja obra analisei na minha dissertação de Mestrado, então vai ser muito legal falar com ela.

Lia Vieira entra na live e Nana expressa grande alegria!

 

Entrevistadora (Nana Martins): Que bom, tudo certo, né?

Lia Vieira: Olha, felicíssima, felicíssima porque a Nana é uma flor. Você é uma flor! E quero dizer: sejam muito bem-vindos, tá?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Ai que linda, obrigada, Lia! A gente fica muito feliz de estar aqui conversando com você. Lembrando que a minha dissertação foi em cima do seu livro Só as mulheres sangram, então eu fico muito feliz de você estar aqui, é um momento muito especial. Eu já falei um pouquinho sobre o conVersos (antes de Lia Vieira entrar na live), o conVersos é um programa de entrevistas, a gente já entrevistou divas da literatura. Já passaram por aqui Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Cidinha da Silva e agora estamos com você neste momento, estamos muito felizes! Lembrando que o Sarau, não sou só eu, eu faço o conVersos, mas estudar os livros, convidar os escritores, fazer os cards, é um trabalho em conjunto, a Feibriss ajuda muito, a Jeff Jeffa ajuda muito, então a gente sempre faz esse trabalho em conjunto, tá? Para nós é um grande prazer você estar aqui, eu vou ler a sua biografia, eu sei que você tem muita coisa publicada, e vamos ver. Lia Vieira é especialista em relações étnico-raciais com a atuação na formação de professores para a diversidade racial, movimentos sociais e educação, relações raciais, diversidade cultural e gênero. Lia também vem atuando na mobilização e articulação de mulheres, adolescentes e meninas em torno de temas e ações que propiciam o combate ao racismo e ao sexismo. Nesse sentido, vem elaborando ao longo do tempo, um programa de formação e informação de mulheres adolescentes e meninas negras por meio de cursos, seminários, publicações e vídeos. Além de proferir palestras, cursos e conferências, em instituições públicas e privadas, sobre temas das suas áreas de atuação no Brasil e no exterior, é a autora do livro Só as Mulheres Sangram da Editora Nandyala, do infanto-juvenil Chica da Silva, a Mulher que Inventou o Mar, além da participação em diversas antologias, dentre elas Os Cadernos Negros. Daí a gente tem duas antologias aqui para destacar: Olhos de Azeviche, né? E O Amor e Outras revoluções, certo? Faltou alguma coisa sobre você nesse momento?

Lia Vieira: Ogum’s Toques [Ogum’s Toques Negros: Coletânea Poética], você tem?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Ogum’s Toques… ah tá, essa [Nana mostra o livro O Amor e Outras revoluções] é do Grupo Negrícia, é verdade! Ogum’s Toques Negros, também, você participou dessa coletânea. Desculpa! Sempre falta alguma coisa...

Lia Vieira: Isso, mas vamos completando o que faltar.

 

Entrevistadora (Nana Martins):  A gente vai. Apresentei aqui a biografia da escritora. Você quer ler alguma coisa para gente, algum trecho da sua obra, algum poema, alguma coisa?

Lia Vieira: Olha, eu primeiro gostaria de agradecer às pessoas e oferecer esse momento a duas griôs maravilhosas, que são: Vanda Ferreira e Lídia de Brasília, e mais do que nunca elas vêm abrindo e mostrando os caminhos. E dizer que eu não venho sozinha, eu sempre trago comigo as outras mulheres que escrevem e que, da mesma forma que eu, modificaram as suas falas e as suas escrituras, em função, de um mundo... de um mundo que nos expõe e que nós precisamos, mais do que nunca, construir um novo tempo, que está aí, com nossas palavras que se modificam a cada momento.

 

 

 

Entrevistadora (Nana Martins): Perfeito.

Lia Vieira: Agora, eu queria também… você já começou praticamente do final, eu gostaria de falar de qual é que é esse espaço? Por quê? Porque eu estou tendo agora muitas professoras nos assistindo, principalmente, o pessoal de letras, literaturas, não é? E nem sempre elas têm... eu também não consigo... a todos os lugares que eu vou manusear todos os livros, alguns ficam lá no cantinho esquecidos. Então, primeiro: dizer que o grupo Negrícia, que você falou aí, está fazendo 40 anos, daí nós termos lançado essa obra, organizada pelo Éle Semog... e não era assim como hoje, sabe? Eu vou fazer um pouco de memories. Nós pegamos o nosso material, íamos para bares, para praça, para mostrar os nossos produtos, até que chegam algumas editoras e conseguimos, então, formatar as nossas obras de modo a levar às pessoas um produto. Porque até então eram as folhas soltas que a gente tinha e vendia, e conseguia e falava nos bares… muito interessantes. Eu sou de Niterói. Niterói tinha um espaço, uma praça que nós fazíamos o “Venha para a Praça que a Poesia te Abraça” e daí nós fomos começando até chegar... uma das primeiras, né? É revoluções. Dentro da nossa escrita, não está dando para ver bem, né?

Lia Vieira aponta um volume da coleção Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica.

 

Entrevistadora (Nana Martins):  Sim. Dá.

Lia Vieira: Não pode ser esquecido A Literatura e Afrodescendência no Brasil [Antologia crítica], não é? Que é um trabalho da UFMG do professor Eduardo de Assis, onde ele faz um resgate histórico das nossas escritas do século XVIII ao século XXI, então, isso aqui, deveria estar em todas as estantes, em todas as bibliotecas, em todas as academias. Porque não se justifica, até hoje, nós chegarmos em alguns lugares e as pessoas não conhecerem ou perguntarem “tem escritor negro?”, “ué, existe escritor negro?”. O que o professor Eduardo de Assis faz? [Lia Vieira mostra na câmera o livro Literatura Afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ou XXI de Eduardo Assis Duarte] Lança, em 2014, ele mais resumido, entendeu? E hoje, exatamente hoje, no dia 14 de julho, os Correios me entregam essa preciosidade, que é justamente… Olha como é que ele tinha que estar aqui! A segunda edição daquele livro grosso que eu te mostrei, que é Literatura Afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ou XXI.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Que lindo!

Lia Vieira: Então, tem uma história antes de chegar, hoje, o Só as mulheres sangram!

 

Entrevistadora (Nana Martins): Eu estou rindo porque esses dois livros eu tenho aqui em casa, só que um é da minha orientadora, da Simone, e o outro, da minha amiga Juliana, que eu ainda não devolvi. Eu até falei “Gente, ela mostrou bem os dois livros que eu tinha que devolver”. Mas foi muito engraçado. Desculpa.

Lia Vieira: Isso é muito bom. Eu acabei de dizer que livro não se empresta, porque se a pessoa levar é apropriação intelectual. Então…

 

Entrevistadora (Nana Martins): Mas eu prometo que eu vou devolver.

Lia Vieira: Tem que saber emprestar!

Lia Vieira: Outra coisa interessante, também, que as pessoas quase não lembram, é que nós temos antologias feitas em inglês. Então, todo mundo conhece, né? Cadernos Negros, Grupo Quilombhoje. Mas, nós temos esse Black Notebooks, que está nos Estados Unidos e poucas pessoas, principalmente as pesquisadoras, conhecem esse livro. E existe uma história que eu conto sempre, que é meio indiscreta, que teve uma época que uma ministra fez uma feira em Frankfurt e disse que não levaria escritores negros, porque nós não tínhamos livros escritos em inglês. Olha ele aquiiiiiii! Então, nós não temos só nele, nós temos de Miriam [Alves], nós temos de Carole Boyce Davies, Moving Beyond Boundaries, que é em inglês, pela Pluto Press que é uma editora inglesa, a Miriam Alves fez o Mulheres... righting... [Women righting/Mulheres escre-vendo: afro-brazilian women’s short fiction]… Então, nós temos muita coisa além do jardim.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Muito mesmo. É muito legal você ter mostrado esses livros para gente, porque a gente percebe que poucas pessoas conhecem mesmo literatura negra. Um dos motivos da gente ter feito o sarau foi isso, eu cheguei aqui na universidade no mestrado, e minhas amigas estavam no doutorado na época, e a gente percebeu que pouco se discutia, tinha uma disciplina, a professora Simone [Pereira Schmidt] discutia muito isso no mestrado, mas, mesmo assim, é muito pouco para uma universidade. E daí a gente começa a fazer o sarau porque a gente queria trazer essas vozes para cá para que as pessoas pudessem ouvir a potência dessa Literatura. E a gente tem, assim, retornos maravilhosos de meninas... pessoas que não conheciam a literatura negra, né? De meninas negras, que quando começam a conhecer a literatura elas falam: “Olha, agora eu estou encontrando meu lugar, agora eu sei porque eu vim”. Então é muito importante esses escritos de vocês e vocês estarem fazendo esse trabalho, que começou pequenininho e que hoje a gente sabe que está aí estourando. Muitos livros negros, de escritores negros, são bem vendidos hoje, na atualidade. Mas a gente sabe que foi um trabalho que começou lá atrás. Muito tempo atrás, para que agora se desenvolvesse.

Lia Vieira: Uma das molas propulsoras disso foi exatamente a lei 10.639, né? Porque apesar de ela ser de 2003 e ela não ser, praticamente, cumprida. Mas ela despertou para que houvesse uma produção literária. Houve muita gente que escreveu; teve muitas editoras que se preocuparam… daí surgem as editoras negras. É nesse compasso da lei que a gente começa a produzir muito mais. É muito interessante colocar isso, principalmente para os jovens, que não se estala o dedo e cai um livro, sabe? Eu acho que tem que ter um amadurecimento, você vai precisar de todo modo… Na Live passada, me perguntaram: “Lia, como é que nasce um escritor?” Eu acho que um escritor nasce, principalmente, de um leitor. À medida que você começa a ler, você vai firmando conteúdos que, em princípio, você joga na gaveta, você deixa escondidinho, mas que depois você começa a afirmar a sua escrita. Porque, principalmente, na nossa comunidade o que acontece, às vezes, você até me perguntou isso outro dia que nós falamos, tem esse tom memorialista, né? Que a Conceição Evaristo vai denominar de “escrevivências”. Cada um vai contando um pouco da sua trajetória e da sua vivência, e de repente surge alguma coisa, assim, bem diferente, como o [conto] da Nana Martins, no Cadernos Negros [volume 42]... como é que é? “O mundo acabou”? “O dia que o mundo acabou”?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Ah, O Fim do Mundo!

Lia Vieira: É de você mesmo é que eu estou falando. Que... oh... bafônico, sabe? Completamente diferente. Aliás, vamos dizer esse livro Cadernos Negros [volume 42]… Você tem aí o teu? Mostra pra gente, Cadernos Negros [volume] 42. Gente, foram 30 mulheres e eu li o livro todo, cada conto mais forte que o outro, mais transgressor; aquilo que hoje se chama de insurgência, né? Muito lindo, parabéns!

 

Entrevistadora (Nana Martins): Obrigada! Você é ótima. Se soubesse já tinha te chamado antes para conversar. Posso fazer uma pergunta para ti agora?

Lia Vieira: Sim.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Quem é Lia Vieira? Quando você se descobriu como escritora? E o que significa para você escrever?

Lia Vieira: Olha, eu comecei a escrever, e as pessoas já ouviram essa história, aos nove anos de idade quando eu fiz um diário. Aí, na minha época, era muito comum as meninas terem um diário, né? Então eu comecei lá, fazendo um diário, e a minha mãe pegou. Não era comum as nossas mães verem o nosso diário, e eu falei: “Iiiii, lá vem”. Aí ela leu, olhou para cá, olhou para lá, aí falou: “pode continuar minha filha, você tem futuro!”. Porque não sei se você lembra, também, que era muito comum nas escolas públicas ter o dia da biblioteca, então, aquele encontro para mim, O Peixinho Sabido, [Pinote, o Fracote e] Janjão, o fortão e Joãozinho pé de feijão… Então aquilo ali era a vida, hoje as escolas não têm biblioteca, né? Na época dos Brizolões, aqui no Rio, você é de São Paulo, né? Mas está morando em Santa Catarina. Não sei se lá tem esse tipo de escolas, mas, aqueles Brizolões, aquelas escolas, tinham como ponto alto a biblioteca. Então isso foi muito importante, eu quero deixar marcado, inclusive, essa fala, sabe? Porque literatura tem que andar junto com biblioteca, porque é na biblioteca que você vai buscar a sua fonte inspiradora. E dali eu acho que deve ter vindo a minha fonte de inspiração, eu gostava de ler, como até hoje eu gosto. Então, recomendando a quem está começando agora: “ler mais livros”, sabe? Eu tive outro dia, a convite, numa universidade e fiquei um pouco frustrada quando, a gente faz aquele negócio da interação, eles falam, nós falamos, aí eu perguntei: “Gente, quais as escritoras negras que vocês conhecem?” Silêncio retumbante. [Risadas]. Aí eu perguntei: “mas nem Concei…” Eu não ia falar, “pô Lia Vieira” [risos]. Ai eu falei: “mas nem Conceição Evaristo?” “não, nem Conceição Evaristo”. Quer dizer, eles estavam terminando um curso de Letras e não tinham material de escritores negros brasileiros... digo, nem os afro-brasileiros de um modo geral. Então eu quero pedir encarecidamente, a quem está nos ouvindo, no fortalecimento dessa leitura e dessa escrita. E daí, na última pergunta que você me faz, eu quero dizer que quem também disseminou essa leitura, essa escrita, foram as feiras. Tinha Festa Literária da Zona Oeste, a nossa escrita indo para Periferia, entendeu? É FLIDAN [Festival Literário Internacional da Diáspora Africana de São João de Meriti], Festa Literária do Livro, Festa Literária de Santa Teresa. E aí, guarda essa para ver se você consegue com a Lelete, que está aí desse lado aí, em Floripa, a FLISAMBA. Olha que [estala os dedos] sacada interessante: os livros dos sambistas junto com os nossos livros e formando uma feira maravilhosa, onde o público leitor se chegava para conhecer outras obras. Então isso influenciou demais.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Que legal, muito legal. Tem muita gente falando que a Live está maravilhosa, que você é maravilhosa, que você é um poço de cultura. Muita gente emocionada, tá? Tá todo mundo adorando a sua fala e muito feliz que você está aqui com a gente. É legal falar um pouquinho sobre as feiras porque elas são extremamente importantes. A gente sabe que hoje em dia é o lugar de troca, de divulgação. É onde os escritores podem se encontrar; vários dos meus livros eu comprei em feiras, então muitos escritores eu conheci nessas feiras. Por isso, elas são bem importantes mesmo.

Vamos lá para a nossa segunda pergunta. O ponto forte de sua obra é a maneira como você olha para as mazelas sociais e as ressignifica, humanizando personagens estereotipados pela sociedade. Como é seu processo criativo? Como ele acontece? Ou seja, onde você busca inspiração para sua arte?

Lia Vieira: Olha, talvez a resposta seja simples, mas eu acho que na própria vida. Eu acho que a vida vai te apresentando uns caminhos que seria até injustiça minha, falar só da minha obra, sabe? Eu vejo, por exemplo, e faço questão de citar o nome, porque eu acho que é uma das autoras que tem um conteúdo muito bom, mas pouco observado, que é Cidinha da Silva, né? A Cidinha da Silva, eu acho que em 2015 ou 2016, ela lança o Parem de Nos Matar, olha só. E como que hoje essa frase é repetida sem autoria, parece que a frase caiu do céu, né? E, principalmente, nesses últimos acontecimentos aí, parece até que a frase veio dos Estados Unidos; não, ela veio daqui da periferia de São Paulo. Ela [Cidinha da Silva] tem um outro, Os Sobrevivente, que é um livro lindo e que precisa ser lido. Então, eu acredito que as inspirações vão passando por todas nós pelos próprios referenciais, eu tenho assim, Porque Nicinha Não Veio? [publicado em Só as mulheres sangram] e aí todo mundo me pergunta “Mas Lia, qual foi essa sua relação com a cadeia para sair esse livro?” Histórias. Histórias que a gente ouve. A Paixão e o Vento [publicado em Cadernos Negros, três décadas: ensaios, poemas, contos] também nunca fui sambista, mas o professor Eduardo de Assis fala: “Lia, você pega os homens e torce assim” [risos] e eu acho isso interessante, porque você observou muito bem. As minhas personagens, elas não são sofridas, elas não são doloridas, elas são guerreiras, elas são potentes, elas são insurgentes, porque é essa mulher que eu quero apresentar ao mundo, não é? E quero dizer para o mundo que, principalmente o grupo mais jovem, tem usado muito uma frase que é assim, não sei de quem é, não sei se eu vou falar alguma besteira, mas, que diz assim: “A casa grande pira, quando os negros começam a ler”. Então, no meu ponto de vista, a casa grande não pira nunca; eles sabem da posição de privilégio deles, eles sabem que nós ainda não somos donos dos hotéis, das agências aéreas, das companhias de transporte, dos hotéis… então, nós ainda estamos fazendo essa revolução que vem pelos livros. Aí, quando eles dizem: “pira quando a gente aprende a ler”, não pira não. Eu acho, desculpe se eu vou entrar num terreno arenoso, mas o atual governo, mais do que nunca, sabe que a luta que nós estamos travando é uma luta muito grande, teórica, acadêmica, de conhecimento, de fortalecimento das nossas origens, da nossa ancestralidade, mas, principalmente, a revolução do conhecimento.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Com certeza, ninguém é inocente nessa história. Essa população negra está onde está, a gente sabe por que, e muito bem, e é por isso que a gente faz essas palestras, esses estudos, para que a gente saia desses lugares, porque todos os lugares são nossos e a gente precisa ocupar. A gente que fez tudo isso aqui, né?

Lia Vieira: [Risos]

 

Entrevistadora (Nana Martins): Já que a gente está nessa coisa, deixa eu te perguntar uma coisa. O conto “He-Man” [publicado nos Cadernos Negros 16], eu adoro esse conto, porque assim… conta história de um menino que tenta assaltar uma casa e daí ele vai abrindo as portas e ele vai vendo aquelas portas todas trancadas. Quando eu vejo aquelas portas todas trancadas, para mim, metaforicamente, é como se cada uma daquelas portas fossem as oportunidades da vida que ele perdeu. É isso? Que eu olho assim: “aqui não abriu”, é a saúde que ele não teve, é educação que ele não teve, é a escola que ele não teve… sabe? Me dá essa sensação de todas essas frustrações que fazem com que chegue naquele lugar, né? Eu acho esse conto tão maravilhoso, eu nem coloquei essa pergunta, mas…

Lia Vieira: Olha, eu acho que sim, porque tem um momento que as pessoas têm que confrontar essa vida, sabe? Umas só vão confrontar mais tarde, às vezes só depois que entra na universidade que ela vai entender que o jogo é pesado e outros conseguem bem mais cedo, não é? O caso dele, ele tinha consciência que a mãe precisava de um sutiã, que o irmãozinho… o motivo era levar um presente para o irmão. Mesmo ele sendo uma criança, ele tinha consciência que o menino também precisava... que ele sonhou o Natal, não é? E eu tenho visto isso cada dia aparecendo mais. Você, não sei se ainda vai fazer essa pergunta, mas, você falou assim: “Lia, por que você demorou tanto tempo, assim... esse gap, só em Cadernos Negros?” Porque além da nossa escrita autoral nós, eu pelo menos, também recebo através da minha Editora, Editora Nandyala, que tem muito cuidado com material, com a nossa escrita, onde ela vai chegar, da forma… mas eu também consigo fazer apresentação de livros. Então, por exemplo, esse livro aqui, O Galo que Não Cantou, que é de um escritor chamado Alex Dau, de Moçambique, todo mundo conhece muito, né? A Paulina Chiziane, minha irmãzinha de coração, mas esse livro aqui é um dos livros, assim, mais generosos em termos de encontro, sabe? De duas culturas, muito interessante. E esse ano ainda eu fiz A História que minha mãe não contou. Esse A História que minha mãe não contou são histórias contadas por crianças, que a gente pensa que não está notando, né? Eliseu Banori, o autor. Mas as crianças estão observando tudo! Assim como o personagem da pergunta que você fez observava. Talvez a mãe dele nem sabia que ele tinha essa percepção, mas essa A História que minha mãe não contou são todas observadas por criança, como a criança observa o seu entorno, o seu contexto. Fiz outra apresentação que me deu muito prazer, que é O Sol em Pequenas Doses, que é da escritora Sol de Paula, que eu a vi crescer enquanto escrita, sabe? Esse daqui é um dos que eu amo.  Éle Semog, que é o Guarda para mim. Aí, eu fico assim, toda orgulhosa, vaidosa, porque o Semog, um autor tão de Vanguarda, com tantas pessoas ilustres, ele me dá um livro para fazer apresentação! Aí, eu estou apaixonada, eu mostro, todo lugar eu divulgo, por quê? Porque é importante isso, sabe? É o que eu chamo... as meninas aí [do chat da Live] tão dentro e eu estou vendo, é a teia de afeto. Teia de afeto! Como a gente consegue, né? Fazer o nosso grupo, fazer as nossas extensões. Está aqui [no chat da live]. Eu estou olhando para ela. A Profª Drª Geni Guimarães. Ela é de geografia e, no entanto, ela fez um trabalho que pegou todas as nossas produções que tinham lugares geográficos e fez uma costura com isso. E aí eu vou vendo como é que é. France, você também é maravilhosa, tá? [comenta o chat]. E a gente vai... Déo Garcêz! [também no chat] Olha, não dava para você levar aí para Florianópolis Luiz Gama Uma Voz da Liberdade? Conversa aí com a universidade. Você já viu?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Não.

Lia Vieira: Não? Olha, é um texto fortíssimo, que só você vendo! O Déo Garcêz, ele... não sei se a palavra também eu posso usar aqui... ele reencarna o Luiz Gama, sabe? Um trabalho maravilhoso!

 

Entrevistadora (Nana Martins): É teatro?

Lia Vieira: É teaaatro! É lindo. Leva aí para aí que as pessoas vão adorar! É 1839 e, no entanto, ele esse caracteriza de uma forma, que eu vi três vezes e vejo mais quantas puder. Ah meu Deus! Sabe quem está aqui também [no chat]? O Vitor Del Rey. O Vitor Del Rey é um amadinho meu. Gente, o menino criou o “Ponte para Pretas” onde você se faz conexões. Isso não existia não, era assim, cada um por si. Não! Agora, lá, ensina Excel, lá ensina marketing digital, e o Vitor Del Rey, ele ousa ter... tô fazendo propaganda... um Instagram que é Política para Quem Não Gosta de Política [Risadas], Política para Quem Não Gosta de Política... ele vai costurando os assuntos diários da semana... é muito legal. Vamos voltar, querida, para nossa conversa.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Na verdade a gente não saiu, né? Porque você está respondendo às perguntas, então tá tudo certo, tá tudo no tempo, tá tudo respondido. Agora vou fazer uma pergunta para você sobre o seu trabalho do Cadernos Negros [volume 42], esse conto maravilhoso aqui que a gente está [aponta para o livro], então, vamos lá. Lia, você ficou dez anos sem escrever...

Lia Vieira: Não, eu te mostrei que não! [Risadas]

 

Entrevistadora (Nana Martins): É isso que e ia falar, escreveu outros tipos de textos, né?

Lia Vieira: [Risadas]

 

Entrevistadora (Nana Martins): E daí, agora, você entra com John Coltrane, né? Nos Cadernos Negros [volume] 42. Esse livro é muito especial porque, é a primeira vez que a gente escreve no mesmo livro. [Risadas]

Lia Vieira: [Risadas]

 

Entrevistadora (Nana Martins): Quando eu vi eu fiquei muito feliz. Ai! Eu estou no mesmo livro que a Lia! Pensa? Bobagem, né? Brincadeira. [Risos] Mas, assim, fala um pouquinho sobre esse conto para gente, que é um conto que vem com uma outra abordagem, que a gente conversou um pouquinho [antes da entrevista]. Me fala aí um pouquinho desse conto que é a última coisa que você escreveu para gente.

Lia Vieira: É, eu nem estava pensando em entrar em Cadernos, não fazia parte dos meus planos. Por quê? Porque a minha Editora, Editora Nandyala, ela me colocou junto com Paulina Chiziane… estou te justificando porque que eu dei uma paradinha… para fazer um circuito acadêmico em Belo Horizonte, então eu fui em várias universidades comparando a escrita brasileira com a escrita moçambicana, e só aprendi, bebi na fonte. Mas o que que acontece. Eu amo música. Amo, amo! Não tenho televisão, não vejo televisão há quatro anos, então, eu tenho mais tempo para ler, entendeu? Tenho mais tempo para ler, pesquisar, olhar. Aí, eu não sei se a Nanci está aqui, porque eu não vi a Nanci aqui não, e vai levar falta! Falei que quem não viesse ia levar falta. Né assim não gente, eu hein! Aí, que que acontece, fui assistir um show do John Coltrane. Jonathan Ferr que é uma gracinha, leva também ele aí para Floripa.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Eu vou pegar uma lista contigo. [Risos]

Lia Vieira: Ah! Kênia, que está aqui [no chat da Live], estava lá. Nilcemar, que era secretária de cultura na época. Menina, olha, eles deram um show! Mas um show! Amiga, eu fui tomada. Tomada! O show foi tão maravilhoso que eu não conseguia despregar meus olhos daquela apresentação. Aí aquela primeira pergunta que você fez: “O que aconteceu?” Fui tomada. Tomada literalmente. Cheguei em casa... Pá! Pá! Pá! Comecei a escrever, só parei quando terminei o texto. Aquele texto foi escrito de uma noite para uma outra madrugada, sabe? E aí, você conheeece. Qual era o meu ponto de interrogação, não é o estilo Cadernos Negros, aquele ali não é o estilo Caderno Negros. Minha Surpresa, porque só veio notão. Aí eu falei: “gente é isso mesmo?” É isso mesmo. Olha, as respostas que eu tenho tido em cima daquele texto.

 

Entrevistadora (Nana Martins): É ótimo, ele é ótimo!

Lia Vieira: Tipo assim: “Lia, eu nunca tinha...” Olha que eu te falei o negócio da leitura. “Eu nunca tinha ouvido falar de John Coltrane. Fui pesquisar me apaixonei também!” A mulher negra que sai do Rio de Janeiro para fazer um trabalho de literatura comparada em Nova York. Não é qualquer coisa, você empodera mulher, né? Você faz com que a mulher... e a terceira observação que as pessoas falam muito, é nessa independência da mulher, né? Por que ela vai... aí gente, estou dando spoiler... tem uma linda noite de amor, né isso? E deixa lá para ele, “In a Sentimental Mood.” Acabou, acabou. Então eu acho que você também tinha comentado isso comigo, eu estou respondendo aquela questão da solidão da mulher, tá? Só existe solidão na mulher, quando a cabeça dela ainda está colonizada, porque hoje somos nós que damos as cartas, somos nós. [Risadas] Essa é Lia Vieira.

 

Entrevistadora (Nana Martins): [Risadas]

Lia Vieira: Eu costumo dizer para as minhas afilhadas, que você viu que tem um monte aqui. Oi, Nilza! Beijo! Sandra Martins. Essa aqui é jornalista, hein. Não podemos falar nada errado não, que ela bota lá. Aí, menina. Que que acontece? Eu converso com as meninas, com as minhas afilhadas. Eu falo para elas: “Olha, se você conhecer um rapaz, e ele falar assim: ‘Ó! Aê? Vamos tomar um chopp?’ Deleta, faz uma cruzinha.”

 

Entrevistadora (Nana Martins):  Sério?

Lia Vieira: Porque um homem que é um cavalheiro, não vai te chamar para tomar um chopp. Vai no mínimo perguntar "Vamos beber alguma coisa?", "Onde você quer ir"? Tá gente? Agora “Aê? Vamos tomar um chopp?” Deleta, deleta porque não tem qualidade, não tem estilo. [Risadas]

 

Entrevistadora (Nana Martins): Eu vou ter que fazer um curso contigo. [Risadas]

Lia Vieira: Depois ficam dizendo que nós somos solitárias. Não! É porque nós sabemos escolher muito bem. Eu, pelo menos, respondo: “Nós não somos solitárias, nós somos exigentes.” Entendeu? E sendo exigentes, a gente prefere às vezes sair com uma amiga, um amigo, do que estar na dependência. "Fulano, vamos em tal lugar?”, “Quem vai?” Ué? Se eu vou, não precisa saber quem vai, não é?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Embuste não! Embuste não! Como diria minha irmã [Risadas]

Lia Vieira: “Ah, não tô com vontade.” Gente, eu vou querer um homem desse para quê? Não! Eu acho... tô falando para vocês de coração, que vocês têm que ler nos Cadernos Negros [volume] 42 meu conto Meu encontro com John Coltrane. Não é qualquer pessoa. Eu escolhi o melhor, sabe escolher o melhor, John Coltrane.

 

Entrevistadora (Nana Martins): É A Paixão e o Vento que tem também um encontro de amor em Cuba, não é?

Lia Vieira: Olha aquela pessoa é muito... eu não posso dizer essa palavra volúvel porque não fica bem, mas ela é uma pessoa apaixonante, sabe? As minhas personagens, elas têm uma liberdade, elas têm um envolvimento, elas cativam. Elas constroem a sua própria história sentimental, emocional. Maria Déia, quer mais linda que Maria Déia? Quando você coloca o nome de uma personagem “Maria Déia” você dá força para ela, não é isso? A minha não tem aquelas personagens que “Ele foi embora eu quis cortar os pulsos.” Corta os pulsos dele.

 

Entrevistadora (Nana Martins): [Risadas] Quem perdeu foi ele, né?

Lia Vieira: Gente, eu acho que essa conversa está ficando muito puxada. Passa para a próxima pergunta.

 

Entrevistadora (Nana Martins): [Risadas] É isso, né? Não tem solidão da mulher negra com Lia Vieira.

Fala alguém que você gosta de ler para gente, indica uma leitura. Você já indicou várias, né? Tem mais alguma para indicar?

Lia Vieira: Olha, eu acho que cada escritora negra é um universo, sabe? Ela é um universo porque, ela traz... quer dizer... tem assim... vamos supor... não é que seja a que eu mais gosto... é a que é mais recente porque minha afilhada, que é a Eliana Alves Cruz, ela fez Água de Barrela, lindíssimo! Li no prelo. Depois ela fez O Crime do Cais do Valongo, eu li ainda no prelo. E agora está lançando Nada digo de ti, que em ti não veja.  Olha um título desse! Nada digo de ti, que em ti não veja. Gente, é uma trama. Ela gosta muito de falar da experiência de Salvador, mas esse está no Rio antigo. Então, é uma história do Rio que a maioria das pessoas não conhecem. Ela faz uma ressignificação do que é a Boemia, do que é o livro, do que é caracterização e Nada digo de ti, que em ti não veja, dá para se entender que isso é uma fofoca.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Das boas né? Aqui só tem gente que gosta de uma fofocaiada. [Risadas]

Lia Vieira: Só em pequenas doses está lindo. Elaine Marcelino, literatura Infantil, que beleza. Patrícia Santana, Minha mãe é negra sim. [...] Então eu acho que existe... vê se você concorda comigo... uma safra de escritoras que está mudando um pouco esse viés que até então se apresentava. Porque nós fomos instigadas, com a lei 10.639, a fazer uma abordagem diferente dos temas para tornar esses temas mais atraentes, não é? Então, é... a Conceição Evaristo é hors-concours, tudo que cai na mão vale a pena. E você está lá em 42. Desculpa fazer propaganda de outra casa, posso?

 

Entrevistadora (Nana Martins):  Não tem problema. Pode.

Lia Vieira: Letras Catitas cada vez mais está lendo leitoras negras. Tem as pequenininhas, como é que se chama? Pretinhas Leitoras. Você conhece Pretinhas Leitoras? Então, elas vão trazendo diferentes abordagens de um mesmo tema. Dizer que nós só escrevemos sobre Negritude, é negligenciar a nossa escrita. Porque nós escrevemos sobre o que nós vivemos, sabe? O ambiente que você está. E aqui olha, acabei de falar, Pituka Nirobe é outra escritora que tem assim, uma Literatura Infantil... Sabe, a Pituka ela é originária de um quilombo, Quilombo da Marambaia. Então, como é que você teria acesso a essa escrita se ela não trouxesse para nós? Então, é muito lindo. E outra coisa que eu estou vendo também são as ilustrações, o cuidado com as ilustrações, sabe? As pessoas estão muito carinhosas com que elas estão oferecendo ao público, e é importante por quê? Lá de trás! O que a gente não tinha era a imagem, né? Antes não tinha a imagem. Eram aquelas crianças todas clarinhas, fadinha, não sei o quê, florzinha. E aí, deixa eu ver se eu acho aqui... tem um poema do Semog [chamado Outras notícias] que ele diz assim... claro que ele vai me dar uma liberdade para inventar alguma coisa.

“Não vou as rimas como estes poetas salivando por um osso

rimar Ipanema com morena é fácil

eu quero ver rimar morena linda com Vigário Geral

morena conhecida com Carandiru

não vou as rimas como estes poetas que se arrumam

se enfeitam

para os coquetéis

deixando seu povo lá fora”

 

Entrevistadora (Nana Martins): Que lindo.

Lia Vieira: Não é? Eu acho que isso aí é direcionado. Depois que você ascende, você não pode virar as costas para o seu povo, sabe?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Literatura é afeto.

Lia Vieira: Afeto. Por exemplo, eu fico muito emocionada quando eu me lembro de Conceição Evaristo que foi a França, né? Fazer uma feira... tinha outras escritoras, mas foi Conceição Evaristo que foi capa do Le Monde. E não só foi, ela nos coloca todas: Esmeralda Ribeiro, Lia Vieira, Miriam Alves, tem outras autoras sem ser eu. Isso é o que se chama sororidade, quando eu vou, eu não vou só.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Que lindo! Planos para o futuro. Eu estou sabendo que vai ter a reedição de um livro aí que eu tô louca para ler que eu não consegui ler até hoje. Conta para gente! Pode contar?

Lia Vieira: Iris Amâncio, da Nandyala editora, Iléa Ferraz, vocês duas estão me devendo Chica da Silva a Mulher Inventou o Mar, olha como é que ele é um livro lindo.

 

 

Entrevistadora (Nana Martins): Lindo! Eu adorei essa capa! Que ilustração! Meu Deus, ela arrasa Iléa Ferraz, né? Meu Deus! Que trabalho lindo! Tudo que ela faz é muito bonito.

Lia Vieira: Mas aí, é o que você falou: esse livro vai para Universidade dos Estados Unidos, eu recebo um convite aqui no encontro de mulheres escritoras, e aí ela vira para mim e fala “Lia Você vai no encontro das mulheres?” Menina, ela fez um trabalho sobre esse livro. Eu fiquei nervosa, eu pensei mesmo “fui eu que escrevi isso?” Porque, olha, você vê verter do português para o inglês e não perder o conteúdo, e, ainda por cima, melhorar esse conteúdo... porque as intervenções que ela vai fazendo ao longo da obra vão mostrando também uma mulher de força que foi Chica da Silva. Porque a mulher que nós temos até então, a Xícara da Silva com Zezé Motta, lindíssima, minha amiga do coração, que vai fazer Elizeth Cardoso agora que vai ser lindo. Mas ficou marcado no Imaginário como uma mulher de cama, né? Chica da Silva. Depois a Thaisinha [Thaís Araujo] vai fazer... ainda não tinha nem 18 anos... Chica da Silva. Foi quando Iléia Ferraz trabalhava. Ela: “Lia vamos contar nossa história, porque não é possível que botem ali... é... a personagem botando colher quente na boca das escravas, isso nunca aconteceu.” Aí, eu fiquei olhando para ela... 20 dias eu entreguei “É isso aí Iléia?” Entendeu? Agora as duas... gente são duas: Iris Nandyala e Iléia Ferraz. Elas é que estão com a obra, eu só faço assim [concorda com a cabeça] para tudo que elas fazem.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Eu quero ler, também já estou cobrando. Iris, ó! Vamos fazer uma hashtag. Queremos ler Chica da Silva. Tenho certeza de que todo mundo vai adorar o livro.

Lia Vieira: Vista nossas palavras [#vistanossaspalavrasFLIP2016] foi assim, não levava preto para FLIP. Aí nós começamos, vista nossas palavras fizemos FLIAFRO. Saiu.

 

Entrevistadora (Nana Martins): É, tem que acontecer, né, se não acontece a gente faz acontecer. Deixa eu te falar uma coisa, já te convidaram aqui para você fazer um curso de escrita lá na Universidade de Vassouras. Gente, depois vocês mandam o convite ou anotem de novo [no chat da live] que a gente manda tudo para Lia para ela saber. Já falaram que você é maravilhosa.

Lia Vieira: Posso falar uma coisa?

 

Entrevistadora (Nana Martins):  Pode.

Lia Vieira: Dia 17 eu estou em Sarau Elucida. Gente, bombástico! É música, é performance e tem uma questão muito importante porque é uma colaboração para publicar livros e intensificar o nosso trabalho contra o feminicídio, então é @sarauelucida, gente. Vai ser maravilhoso! A partir das 19 horas. Tem Teresa Cárdenas, né? Tem gente maravilhosa. É sábado. Dia 17 é sábado? Não percam. Depois eu estou... no dia 25 no Encontro das Mulheres. E a Íris mandou aqui para mim que ela quer um encontro meu com Vera Duarte. Você conhece Vera Duarte?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Não, não conheço.

Lia Vieira: Nossa, a escritora caboverdiana, é maravilhosa. E dia 31 eu estou com Márcia Lopes, @marcialopes, que é uma partideira. Ela faz música, literatura, uma combinação que... [Risadas]

[...] Nanci! [olhando para o chat] Aquela da FLISAMBA chegou. Se não falar o nome dela, ela fica de mal. Nanci Rosa de Azeredo, griot que fez o primeiro Oralidade Ainda se Escreve. Lindo! Depois ela passou para FLISAMBA e depois para o Sarau Poético, que eu fui homenageada, fui a mais linda levei todas minhas afilhadas. Nanci, te amo, viu?

 

Entrevistadora (Nana Martins): Deixa eu falar, já que você foi homenageada, tem uma sala no Rio de Janeiro que tem o seu nome, né? Que coisa legal, conta aí como que foi isso? Tem uma escola de samba também que fez um samba enredo em homenagem a vocês, a várias escritoras negras. Eu li o samba; é maravilhoso. Conta para a gente isso aí.

Lia Vieira: [Cantando]Eu sou da pele preta, fale o que houver, sou raça sou luta, sou mulher.” É linda! Gente, vai acabar a Live! Não vai?

Entrevistadora (Nana Martins): Vai acabar daqui uns 4 minutos, então dá para terminar.

Lia Vieira: Então eu vou cantar.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Tá, canta então. [Risos]

Lia Vieira: Olha só, primeiramente agradecer a todos vocês que estiveram aqui conosco, agradecer essa mulher maravilhosa que se chama Nana Martins, que eu apresento agora para Lelete Couto que também está em Floripa e vocês vão fazer ótimas produções. Mas, eu gostaria de fazer uma homenagem como mulher negra ativista que eu sou a uma mulher chamada Obax. A Obax fez o samba [“Eu Me Orgulho de Ser uma Mulher Negra” de Gerônimo Santana] do primeiro... Segundo! O primeiro foi em Valença, segundo em Salvador... “Encontro de Mulheres Negras” e ela dizia assim:

“[Cantando] eu tenho orgulho de ser

uma mulher negra

eu tenho orgulho de ser

uma mulher negra

eu tenho Axé

eu tenho a dijina

eu tenho orgulho de ser

uma mulher negra

eu tenho orgulho de ser

uma mulher negra

eu tenho Axé

eu tenho a dijina”

Amo vocês. Lia Vieira sempre. A teia de afeto, a escrita que nos une. Muito obrigada.

 

Entrevistadora (Nana Martins): Gente... Obrigada Lia por estar aqui com a gente. Maravilhoso! Até fiquei emocionada. Eu fico muito feliz de ter esse encontro com você, porque a gente ficou cinco anos juntas, enquanto eu estava tentando fazer o meu mestrado, foram muitas histórias no meio do meu mestrado, mas já terminou. Eu adoro seu texto, acho a sua escrita fantástica, ter te conhecido assim, conversar foi algo muito prazeroso, a gente do Sarau agradece essa generosidade que vocês têm tido com a gente de vir aqui, conversar, gastar um pouquinho do tempo, conversar sobre literatura, que a gente gosta de literatura; a gente tenta nesse momento de pandemia fazer um trabalho com conteúdo, com qualidade, para que a gente possa conhecer mais vocês, para que o público também conheça um pouco mais, então, assim, em nome de toda a equipe do Sarau, muito obrigada. A gente cai em 30 segundos; manda beijo para todo mundo.

Lia Vieira: Eu tenho amor, e eu tenho a djina. [Cantando] Amo vocês! Juntas, nós somos mais fortes!

 

Entrevistadora (Nana Martins): Obrigada, gente. Até o próximo conVersos.

 

 

Referências

DOS SANTOS, Silvada Martins. Encontros com Lia Vieira: uma experiência de leitura. Orientadora: Simone Pereira Schmidt. 2019. 84 p. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.

 

VIEIRA, Lia. Só as mulheres sangram. Nandyala, 2017.

 

Alguns livros mencionados na entrevista:

ADÚN, Guellwaar; ADÚN, Mel; RATTS, Alex (org.). Ogum’s toques negros: coletânea poética. Salvador: Ogum’s Toques Negros, 2014.

 

AFOLABI, Niyi; BARBOSA, Márcio; RIBEIRO, Esmeralda. Cadernos negros/black notebooks: contemporary Afro-Brazilian literary movement. Niyi Afolabi. Trenton: Africa Word Press. 2008.

 

ALVES, Miriam; LIMA, Maria Helena (ed.). Women righting: Afro-Brazilian women's short fiction. [Miami]: Mango Pub., 2005.

 

AMARO, Vagner (org.). Olhos de azeviche: dez escritoras negras que estão renovando a literatura brasileira. Rio de Janeiro: Malê, 2017.

 

BANORI, Eliseu. A história que minha mãe não me contou e outras histórias da Guiné-Bissau. Belo Horizonte: Nandyala, 2019.

 

BOYCE DAVIES, Carole. Moving beyond boundaries, volume 2: black women's diasporasLondon: Pluto P, 1995.

 

CRUZ, Eliana Alves. Água de barrela. Rio de Janeiro: Malê, 2018.

 

CRUZ, Eliane Alves. O crime do Cais do Valongo. Rio de Janeiro: Malê, 2018.

 

CRUZ, Eliana Alves. Nada digo de ti, que em ti não veja. [Rio de Janeiro]: Pallas Editora, 2020.

 

DA SILVA, Cidinha. Parem de nos matar. [Rio de Janeiro]: Polém, 2019.

 

DAU, Alex. O galo que não cantou e outras histórias de Moçambique. Belo Horizonte: Nandyala, 2019, 36p.

 

DE ASSIS DUARTE, Eduardo; FONSECA, Maria Nazareth Soares; DE GODOY, Maria Carolina. Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. [Belo Horizonte]: Editora UFMG, 2011.

 

DE ASSIS DUARTE, Eduardo (ed.). Literatura afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI. [Rio de Janeiro]: Pallas Editora, 2020.

 

PAULA, Sol de. O sol em pequenas doses. Niterói: Editora Itapuca, 2020.

 

QUILOMBOHOJE (org.). Cadernos Negros, 16, 22: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje: Anita Garibaldi: Editora Convivência, 1999.

RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Marcio. Cadernos negros 24. São Paulo: Quilombhoje, 2001.

 

RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Márcio (orgs.). Cadernos negros, três décadas: ensaios, poemas, contos. São Paulo: Quilombhoje; Brasília: SEPPIR, 2008.

 

RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Marcio. Cadernos negros: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2019. v. 42.

 

SANTANA, Patrícia. Minha mãe é negra sim! Belo Horizonte: Mazza Edições, 2021.

 

SEMOG, Éle. Guarda pra mim. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015.

 

SEMOG, Éle (org.). Amor e outras revoluções, Grupo Negrícia: antologia poética. Rio de Janeiro: Malê, 2019.

 

VIEIRA, Lia. Chica da Silva: a mulher que inventou o mar. Rio de Janeiro: OR Produtor Editorial Independente, 2001.

 

VIEIRA, Lia. Só as mulheres sangram. [Belo Horiozonte]: Nandyala, 2017.



[1] Os episódios do “consVersos: papos afroliterários” as demais atividades do Sarau Vozes Negras podem ser acessadas nas plataformas Instagram, e no Youtube. Também temos uma conta no Facebook. Acesse os links a seguir para conhecer nossos acervos de memórias e para acompanhar a divulgação das nossas próximas atividades: <https://www.instagram.com/vozesnegras/>, <https://www.facebook.com/vozesnegras>, < https://www.youtube.com/@acervodosarauvozesnegras9331>.



[i] Entrevista recebida em: 16/09/23

 Entrevista aprovada em: 05/03/24