e-ISSN 1984-7246
A intelectualidade negra brasileira e os espaços decisórios: uma análise
quanto à representatividade por raça/cor e gênero na Universidade Federal do
Rio de Janeiro[i]
Fernanda
Barros dos Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ)
Rio de Janeiro - RJ, Brasil
lattes.cnpq.br/5499777483143764
A intelectualidade negra brasileira e os espaços
decisórios: uma análise quanto à representatividade por raça/cor e gênero na
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Resumo
Esta pesquisa objetiva discutir e analisar a
representação de pessoas negras nas instâncias universitárias. A sua problemática
recai sobre o racismo institucional e estrutural presente na academia. Para
tanto, adotou-se a metodologia quantitativa, bem como o estudo de caso
referente à candidatura negra na última eleição à reitoria da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Paralelamente à revisão de literatura, os resultados
obtidos recaem sobre o perfilamento do quadro técnico, docente e de apoio da
universidade supracitada. Em suma, observaram-se as consequências das opressões
identitárias na ascensão social dos sujeitos expropriados do acesso a bens e
poder.
Palavras-chave: população; negra;
espaço; poder.
Brazilian black
intelligentsia and decision-making spaces: an analysis regarding representation
by race/color and gender at the Federal University of Rio de Janeiro
Abstract
Traditionally, the field of
Brazilian Social Thought has canonized the interpretations of Brazil The
research aims to discuss and analyze the representation of black people in
university bodies. The research issue concerns the institutional and structural
racism present in academia. To this end, the research adopted a quantitative
methodology, as well as a case study regarding the black candidacy in the last
election for the rectorship of the Federal University of Rio de Janeiro. In
parallel with the literature review, the results obtained focus on the
profiling of the technical, teaching and support staff of the aforementioned
university. In short, it observed the consequences of identity oppression in the
social ascension of subjects expropriated of access to goods and power.
Keywords: population; black; space; power.
Na atualidade, o cenário brasileiro tem sido marcado pela
presença de personalidades negras em áreas de poder e tomadas de decisão. Neste sentido, se sobressai nesses
cargos a intelectualidade negra de notória expertise
acadêmica e ativismo político consoante à agenda racial. Cabendo a esta
pesquisa mencionar o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio de
Almeida, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco e, por fim, a Ministra
do Meio Ambiente, Marina Silva (Brasil, 2023).
Assim, é salutar desfiar o lócus de formação da intelectualidade
negra, qual seja, as universidades públicas e privadas, as faculdades, bem como
os centros de pesquisa e ensino. Com ressalvas, este estudo reflete quanto às
adversidades relativas à participação das classes populares e das minorias
étnico-raciais nos segmentos educacionais, principalmente na educação superior.
De acordo com a historiografia brasileira, o berço de formação da
intelectualidade do país privilegiou as classes altas e médias da sociedade,
bem como impedimentos relacionados à classe social e à raça/cor fizeram com que
os extratos mais empobrecidos perfilassem a massa interditada ao ensino
superior (Bastos, 2016, p. 748).
Nesse quadro, as desvantagens geracionais
cumulativas fomentadas pelo sistema escravista corroboram a presença
majoritária das elites brancas nas primeiras faculdades do país. Convém frisar
que, em meados dos séculos XVIII e XIX, as primeiras faculdades brasileiras
foram influenciadas pelas teorias racialistas disseminadas pela inteligência
europeia e norte-americana, com forte apelo e influência nas áreas de Direito e
Medicina (Schwarcz, 1993). Paralelamente, a partir da década de 1950, as
desigualdades sociais vinculadas à raça/cor se tornaram temáticas centrais na
agenda de pesquisa das principais universidades e avindo a esses estudos foram
evidenciadas as dissimetrias entre negros e brancos em vários setores da vida
social (Bastide; Fernandes, 1955), em sincronia com as denúncias históricas
tecidas pela Frente Negra Brasileira (1931) e pelo o Movimento Negro Unificado
(1978) contra o “mito da democracia racial” (Freyre, 1933).
Todas essas denúncias foram endereçadas às
consequências materiais do referido mito para equidade dos povos negros e
indígenas. Grosso modo, Gilberto Freyre diagnosticou que o Brasil despontaria
entre as nações pelo “crisol de raças”, bem como seria marcado pela
convergência biológica e cultural entre “o português, o indígena e o negro
africano”. Portanto, ele seria o melhor
exemplar de relações raciais pacíficas e aquele que melhor solução teria dado
“aos antagonismos de raça”, frutos do processo escravocrata (Freyre, 1933,
p. 276).
Por conseguinte, as questões norteadoras
desta pesquisa recaem sobre o papel da intelectualidade negra em uma das
principais instâncias de formação de saberes e transformação do país. Quais as
áreas de pertença da população negra quando dimensionadas as esferas decisórias
e de produção do conhecimento? Os negros e o poder: seria essa uma realidade
possível? Quais os estereótipos associados aos negros que atravessam os
meandros das instituições de educação superior e obstaculizam a sua
participação equitativa nos cargos de status
e comando? Para finalizar, como a intelectualidade negra tem criado estratégias
para romper com o racismo estrutural e institucional existente nas instituições
sociais e políticas?
Em linhas gerais, esta pesquisa analisa, de
modo preliminar, a mobilidade vertical dos intelectuais negros no âmbito das
universidades públicas. Para tanto, procurou mobilizar, enquanto estudo de
caso, a última eleição à reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) em 2023. Simultaneamente, a metodologia buscou acomodar os dados
estatísticos quanto ao perfil étnico-racial e ao gênero fornecidos pela Pró-Reitoria
de Pessoal (PR-4) da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2023, em
sintonia com os índices levantados pelo IBGE (2019-2020) concernentes à
escolaridade e à representação no mercado de trabalho por raça/cor e gênero.
Por fim, a pesquisa realizou a revisão bibliográfica sobre o assunto, bem como
ancorou o corpo teórico-metodológico nas teorias do feminismo negro. Logo
adiante, versaremos sobre a composição do corpo social da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Um retrato da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Quem são
e quantos são os servidores federais?
Refletir sobre os quadros identitários da
universidade pública hoje é fundamental para pensarmos a produção do
conhecimento a partir de múltiplos prismas analíticos e condizentes com a realidade
social brasileira. Neste caminho, as tecnologias e produções socialmente
referenciadas, produzidas no Sul global, são reflexo da entrada de novos
segmentos nas instâncias acadêmicas com a inclusão das “agendas periféricas”.
Ademais, essas novas produções científicas se alinham ao desenvolvimento
sustentável, humano e tecnológico, bem como têm remodelado os usos e sentidos
da universidade. Mormente, pelas respostas criativas e inovadoras fomentadas
pelos jovens cientistas e pesquisadores conscientes dos novos desafios que se
avizinham na contemporaneidade.
Neste âmbito, com mais de 100 anos de
existência, a Universidade Federal do Rio de Janeiro desponta entre as maiores
do mundo em pesquisa, ensino e extensão. Com excelência, se destaca no ranking
mundial nas áreas das Ciências Humanas, Exatas, Biológicas e Sociais Aplicadas
(França, 2023a). Ademais, a universidade é composta por 175 cursos de
graduação, 315 de especialização, 224 programas de pós-graduação (mestrado,
doutorado e pós-doutorado) e mais de 1,5 mil projetos de extensão (França,
2023a). Cabe destacar que a UFRJ apresenta 65 mil estudantes, quatro mil
docentes e pouco mais de três mil técnicos administrativos atuantes nos
hospitais, bem como nas demais unidades. Segundo a instituição, a circulação
diária na Cidade Universitária gira em torno de 100 mil pessoas (França,
2023a).
No que tange ao corpo social, a Universidade
Federal do Rio de Janeiro conta com 12.765 servidores efetivos e 11.031
aposentados e pensionistas, distribuídos da seguinte forma: 4.149 docentes,
8.616 técnicos administrativos em educação, 3.412 pensionistas e 7.619
aposentados. A proporção entre homens e mulheres nas classes docentes na
educação superior tem ampla maioria masculina, sendo 54,5% de homens entre os
titulares, 51,2% de homens entre os adjuntos, 51,8% de homens entre os
associados e 53,2% de homens entre os assistentes e auxiliares. Já as mulheres
estão conformadas na seguinte proporção: 45,5% das docentes titulares, 48,8%
das adjuntas, 48,2% das associadas e, por fim, 46,8% das assistentes e
auxiliares. No quadro docente por identidade de gênero, os homens representam
52% e as mulheres 48%. Em perspectiva comparada, o corpo técnico-administrativo
se divide da seguinte forma: 48,1% composto por homens e 51,9% composto por
mulheres (UFRJ, 2023a).
No quesito raça/cor, a partir da
autodeclaração dos servidores públicos, a proporção entre brancos e negros no
quadro técnico com o ensino superior autodeclarados brancos é de 76,5% e os
autodeclarados negros são 23,5%. Já entre os técnicos administrativos com
ensino médio a distribuição é de 54,5% de brancos e 42,6% de negros. Entre os
técnicos que perfilam o apoio (terceirizados), 60,5% está representada na cor
negra, e 39,5% são brancos (UFRJ, 2023a, p. 15).
Agora, na comparação concernente ao corpo
docente quanto à raça/cor entre os titulares, 93,4% são brancos e 6,6% são
negros; entre os associados, 87,4% são brancos e 12,6% são negros. No
comparativo, os adjuntos estão perfilados em 17,9% dos professores negros e
82,1% dos professores brancos, bem como os assistentes e auxiliares compõem
83,1% dos brancos e 16,9% dos negros (UFRJ, 2023a, p. 16). Gradativamente, em
2022, houve o aumento de pessoas negras, com ingresso de 40,7% do total desse
grupo enquanto servidores federais. Em comparação, no mesmo ano, houve a
entrada de 59,3% do total de pessoas brancas. Nos anos anteriores, a exemplo de
2006, o ingresso de pessoas brancas esteve em 85,8%. Por outro lado, no mesmo
ano, o ingresso de pessoas negras esteve em 14,2%. A hipótese relativa ao
aumento percentual observado, entre 2006 e 2022, poderia ser o resultado da
incorporação das ações afirmativas na educação superior e nos concursos
públicos.
O total, na estruturação por cargo e
raça/cor, os docentes compõem 76,5% daqueles representados na cor branca e
12,7% dos docentes negros, somados os pretos e pardos. No quadro
técnico-administrativo, 55% são brancos e 35,6% são negros. De todo modo, o
corpo social da universidade, segundo o censo, por raça/cor apresenta 62,0% de
brancos e 28,1% dos negros, adicionados pretos e pardos. Por último, 8,4% não
informaram a sua raça/cor (UFRJ, 2023a, p. 17). A pesquisa formulada pela
instituição comprova a composição maciça de pessoas brancas e do gênero
masculino nos diferentes segmentos da carreira universitária, associados aos
maiores proventos obtidos. Em comparação, quanto mais próximo das áreas de
apoio e baixa remuneração, se destaca a presença de uma maioria negra.
Consequentemente, a referida universidade reflete em sua composição
étnico-racial, de gênero e viés socioeconômico, as mesmas características das
disposições estruturais societárias nas suas discrepâncias sociais.
Entretanto, as iniciativas nascidas no âmbito
do Poder Executivo e Legislativo são responsáveis pelos números identificados
quanto ao crescimento da presença negra nas instituições de ensino superior e
nas repartições públicas. A exemplo da Lei n.º 12.990 de 2014, sancionada pela
Presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), que “dispõe a reserva de vagas para
pretos e pardos na administração pública, autarquias e demais órgãos ligados à
União” (Brasil, 2014).
Em acréscimo, em 8 de maio de 2024, a Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, por intermédio do Projeto de
Lei 1958/2021, obteve aprovação unânime
para prosseguimento do projeto, no tocante à reserva de vagas em concursos
públicos, com previsão de ampliação de 30% de vagas para pretos, pardos,
indígenas e quilombolas, por dez anos (Brasil, 2024). A legislação acima é
fruto dos primeiros passos dados pela militância negra e pela ação dos
intelectuais negros. Nesse caso, a primeira proposição de igual teor surgiu por
intermédio do deputado federal Abdias Nascimento. Em 1980, o político formulou
o Projeto de Lei nº 1.332/1983, que propunha a reserva de 20% das vagas para
mulheres negras e 20% para homens negros nas seleções de candidatos ao serviço
público, além de bolsas de estudos e a introdução no currículo escolar da
história das civilizações africanas e do africano no Brasil. Apesar disso, o
Projeto de Lei de Abdias Nascimento foi reprovado pelo Congresso Nacional
(Nascimento, 2014). A seguir, abordaremos o debate racial e de gênero enquanto
pauta eleitoral para a reitoria na UFRJ.
A corrida eleitoral para a reitoria da Universidade Federal do
Rio de Janeiro 2023 - questões estruturais e os temas sensíveis à comunidade
universitária
A última eleição para reitor(a) e vice-reitor(a)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em julho de 2023, delineou um novo
retrato possível quanto à liderança da universidade. Nesse sentido, a pesquisa
em tela observou a candidatura de uma chapa composta por duas pessoas negras.
Vantuil Pereira (reitor) e Katya Gualter (vice-reitora), com a chapa
“Redesenhando a UFRJ: Democracia, Autonomia e Diversidade”, em contraposição à
proposição da candidatura de Roberto Medronho (reitor) e Cássia Turci
(vice-Reitora) a partir da chapa “UFRJ para todos”. Nesse quesito, sublinhamos
que ambas as candidaturas são representativas quanto à igualdade de gênero com
a proposição de mulheres na vice-reitoria. Em similitude, as duas plataformas
políticas sobrelevaram a questão racial nos debates, propuseram o enfrentamento
do racismo institucional e a proposição de uma agenda antirracista. No que
tange às entrevistas para o canal da UFRJ, ambos os candidatos matizaram em
suas narrativas a experiência prévia na gestão da universidade, a preocupação
com o corpo estudantil, bem como o empenho em majorar o orçamento universitário
nos anos subsequentes. Além disso, os dois candidatos receberam apoio externo
de expoentes do mundo da música, política e intelectuais ao longo das suas
campanhas para a reitoria.
Nesses meandros, o candidato Roberto Medronho
evocou a ciência e o trabalho desempenhados pela UFRJ no combate à Covid-19 e
alinhou as últimas reformas universitárias nas universidades federais ao tema
das cotas sociais e raciais. Em outros termos, o candidato a reitor proclamou
que o Reuni aumentou o número de vagas e, em conjunto com as cotas, “trouxeram
o retrato do Brasil para a universidade.” A presença dos extratos empobrecidos
e racializados, ao se ver, tornou a universidade mais democrática. Além disso,
Roberto Medronho assinalou a proeminência do fortalecimento das comissões de
heteroidentificação, com vistas à extinção dos casos de fraude observados nas
cotas raciais (UFRJ, 2023b).
Nesse quesito, cabe explicitar que o Reuni,
dentre outros propósitos: “previa a reestruturação e expansão universitária,
além do aumento do número de vagas para os discentes, expansão dos campi,
criação de novos cursos, contratação de novos docentes, interiorização, dentre
outros objetivos previstos” (UFRJ, 2007). Outro dado relevante é que a
Universidade de Brasília (UNB), em 2004, foi a primeira universidade federal a
incluir as cotas raciais e sociais no quadro universitário. Em comparação, a priori, a UFRJ fez a inclusão das
cotas sociais nos cursos de acesso à graduação somente em 2008. Posteriormente,
em 2014, a universidade incluiu as cotas raciais nos processos seletivos por
força da Lei 12.711/2012.
Para finalizar, Roberto Medronho manifestou
seu posicionamento contra toda forma de assédio dentro da universidade; neste
campo, se referiu ao gênero feminino, bem como salientou que sob seu comando
haveria a criação de uma “ouvidoria da mulher” para salvaguardar os direitos
das mulheres. Ademais, o candidato asseverou que combateria toda forma de
discriminação e assédio, e destacou a sua preferência pela equidade
institucional entre todos os servidores. Quando perguntado sobre a questão
étnico-racial e a representação nos cargos de gestão e direção, Roberto
Medronho relembrou a criação lei de ações afirmativas nas instituições públicas
pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele, ratificada em 21 de
março de 2023, com vistas ao preenchimento dos cargos de poder por pessoas
negras e indígenas (UFRJ, 2023b). Todavia, a Lei 12.990, anterior, foi
sancionada por Dilma Rousseff, em 9 de junho de 2014 (Brasil, 2014).
De todo modo, Medronho ponderou que, em sua
gestão, a prioridade seria a ocupação dos cargos de livre nomeação da reitoria
pelos grupos étnico-raciais prognosticados. Segundo o candidato, os principais
entraves à ocupação dos cargos de poder ou decisórios na universidade por
negros e indígenas se daria pelos processos decisórios que passariam pelas
eleições de departamento. Sem maiores detalhes, ele rechaçou o papel da
reitoria para a representação negra nos cargos de confiança da universidade.
Finalmente, Medronho destacou que o tripé da sua campanha residiria na
assistência estudantil, infraestrutura universitária digna e melhores condições
de trabalho ao corpo social da UFRJ, bem como na reforma da graduação com a inclusão
de novas tecnologias pedagógicas (UFRJ, 2023b).
Em patamar diametralmente oposto, em
entrevista à UFRJ, Vantuil Pereira frisou a responsabilidade com a instituição
e as questões relacionadas às progressões, aos cargos e carreiras no seio das
políticas internas de qualificação; propôs ainda a ampliação das cotas na
graduação e pós-graduação, o combate à evasão discente; externalizou a
criminalização dos estudantes, a seu ver, efetuada pela Reitoria e propôs a
revitalização da universidade por intermédio do trabalho coletivo. Também se
posicionou de modo contrário ao Reuni; porém, o candidato reforçou a
contrariedade devido ao formato com que o primeiro projeto foi implementado na
universidade.
Em paralelo, Vantuil Pereira expressou a
necessidade da política de parentalidade e maternidade na pós-graduação, com
ênfase para os estudantes que se tornam mães e pais ao longo da trajetória
acadêmica. O intelectual realçou o papel das atividades de extensão e sugeriu a
promoção de festividades culturais nos campus
do Fundão e Praia Vermelha de modo a incorporar a sociedade carioca na
universidade. Um dos pontos do debate recaiu sobre o “equipamento cultural”,
resultado do leilão que concedeu a entrada de R$ 137 milhões de reais à
universidade, por 30 anos, na Praia Vermelha. O projeto prevê o retorno de
shows no “Canecão”, bem como a construção de um novo restaurante universitário
e salas de aula na localidade.
Vantuil Pereira refutou o modelo que foi
proposto para a implantação do projeto; em relevo, ponderou que este teria
impacto sobre o meio-ambiente e a saúde pública e destacou a ausência de uma
audiência pela antiga gestão da reitoria com os setores imprescindíveis à sua
implementação. Na pauta de assistência estudantil, tema sensível, o candidato
se colocou enquanto entusiasta das cotas raciais, então propôs cotas para
pessoas trans e sobreluziu o tema do
capacitismo, a partir da proposição de cotas às pessoas com deficiência. Neste
escopo, propôs a ampliação de bolsas para estudantes e extensão do alojamento
estudantil por intermédio de novas edificações para discentes da graduação e
pós-graduação.
No que concerne aos técnicos administrativos,
sugeriu a criação de uma política de qualificação, sobressaindo a perspectiva
que eles mesmos prossigam com o doutoramento, bem como enfatizou a promoção da
saúde do trabalhador, tanto dos técnicos administrativos quanto dos docentes.
Quando perguntado sobre a equidade de gênero, Vantuil Pereira se disse defensor
da equidade de gênero e asseverou que a maioria na UFRJ é de mulheres, e se
comprometeu a perseguir essa pauta, a partir da presença de mulheres nas
pró-reitorias e nas superintendências da instituição. Por último, quanto às
ações afirmativas, diagnosticou que as cotas ainda carecem de radicalização, uma
vez que devem incluir pessoas trans e
quilombolas; se estender à iniciação científica, extensão e residência
estudantil, bem como requisitou maior atenção às cotas raciais nos concursos
públicos para docentes. Para isso, elevou o tom da discussão ao identificar
apenas 11% de pessoas negras no corpo docente da UFRJ e problematizou o dado.
No cômputo geral, dialogou sobre a
necessidade da recomposição do orçamento da universidade; propôs uma política
estudantil que incorporasse os novos segmentos da sociedade, cargos
gratificados, qualificação dos servidores, monitoramento da segurança dos campi em parceria com as polícias
militares e seus respectivos batalhões, no intuito de reduzir a violência na
universidade, bem como a ampliação das cotas raciais e de gênero. Para
finalizar, norteou sua fala a partir da originalidade de uma chapa composta por
duas pessoas negras após mais de 100 anos da escravidão no país, a seu ver,
“por intermédio de um diálogo franco, fraterno e feito pelos afrodescendentes”
(UFRJ, 2023c). O candidato também vislumbrou que a chapa representa uma série
de demandas da sociedade brasileira com menção direta à entrega da faixa
presidencial ter sido feita por uma mulher negra ao Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (2023), na rampa do Congresso Nacional, no ato de tomada de posse. E,
assim, afirmou que da mesma forma que falta democracia na sociedade, falta
democracia na universidade. E, por último, indicou o vazio de políticas
internas voltadas aos técnicos administrativos e aos estudantes no espaço
universitário (UFRJ, 2023c).
Vale dizer que a UFRJ conta com um colégio
eleitoral de aproximadamente 80 mil eleitores. Nesse processo eleitoral foram
instituídas 39 novas seções de pesquisa presenciais e cinco seções de pesquisa
virtuais (UFRJ, 2023d). De acordo com a UFRJ, a chapa “UFRJ para todos”
angariou 31,7% dos votos válidos distribuídos da seguinte forma: 18,1% entre os
docentes, no total de 2.253 votos; entre os técnicos-administrativos 10,3%, ou
seja, 2.536 votos, e entre os estudantes 3,3%, aproximadamente 6.835 votos
(França, 2023b).
No comparativo, a chapa “Redesenhando a
UFRJ" obteve 19,8% dos votos válidos. Entre os docentes alcançou 835 votos
com percentual de 6,7%, bem como os técnicos administrativos totalizaram 8,4%, ou
2.066 votos. Para finalizar, os estudantes totalizaram 4,7% dos votos, 8.828
votos (França, 2023b). A distribuição total dos votos é contrastante; entre os
docentes, a chapa “UFRJ para todos" albergou 11,4% a mais do que a chapa
“Redesenhando a UFRJ”. Em seguida, entre os técnicos administrativos, a
diferença da primeira chapa para a segunda foi de 1,9%. No que concerne à distribuição de votos entre
o corpo estudantil, a distinção entre as chapas foi de 1,4% percentual com
êxito para segunda chapa, ou seja, a chapa “Redesenhando a UFRJ” teve maior
votação entre os estudantes.
Esse cenário é significativo quanto à
participação estudantil nas decisões universitárias e, principalmente, quanto à
imagem da liderança da universidade. Em outros termos, a participação dos
discentes se alinha ao novo perfil do estudante universitário, oriundo das
classes populares e autodeclarado preto ou pardo, podendo ser essa variável
responsável pela escolha da segunda chapa, no cerne da representação ligada à
raça/cor. Apesar disso, ao esmiuçarmos a divisão dos votos entre as chapas,
quanto ao corpo técnico-administrativo, a diferença identificada foi de 1,9%
entre a chapa “UFRJ para todos” e a chapa “Redesenhando a UFRJ”. Destarte, duas
premissas merecem destaque nesse último caso, ou seja, a proporção de pessoas
negras é menor do que de pessoas brancas no quadro técnico-administrativo, bem
como as ações afirmativas nos concursos públicos ainda são políticas
incipientes em relação aos resultados, conforme último censo demográfico
apresentado pela universidade, ou seja, 55% dos técnicos-administrativos são
brancos e 35,6% são negros.
Entretanto, cabe refletir quanto à
autoidentificação racial e à linearidade dessa variável na escolha política dos
candidatos para reitoria. Observando que no topo da pirâmide universitária, os
votos computados pelos professores universitários, de maioria autodeclarada
branca, tenderiam a eleger o candidato similar a sua identidade étnico-racial, neste
sentido, especificamente, ao examinar o comportamento eleitoral universitário,
parece haver uma perpendicularidade associada à identidade racial e de classe.
No geral, o resultado da eleição à reitoria
da UFRJ culminou com 31,7% votos e a chapa vencedora foi “UFRJ para todos”,
relativa ao atual Reitor Roberto Medronho e Vice-Reitora Cássia Turci. Em
contrapartida, a chapa opositora “Redesenhando a UFRJ” alcançou 19,8% dos votos
válidos (UFRJ, 2023d). A singularidade da corrida eleitoral à reitoria reside
na apresentação de uma chapa prevalecente negra na história da universidade, a
partir do Professor Dr.º Vantuil Pereira do Núcleo de Estudos de Políticas
Públicas em Direitos Humanos (reitor) e na (vice-reitoria) a Professora Dr.ª
Katya Gualter da Educação Física. Em oposição à chapa do Professor Dr.º Roberto
Medronho da Faculdade de Medicina (reitor) e da Professora Dr.ª Cássia Turci do
Instituto de Química (vice-reitora).
Comumente, as candidaturas se tornaram um
reflexo das demandas oriundas da sociedade em relação à representatividade de
pessoas negras, bem como à presença de mulheres nas instâncias decisivas e de
poder, com ênfase para as questões de gênero nesse debate e para o enraizamento
da identidade racial presente neste episódio. Para tanto, o cruzamento de dados
mostrou que 56,1% da população brasileira se autodeclara negra (pretos e
pardos) e 43% se autodeclara branca, bem como 51,1% das mulheres representam a
maioria da população nacional, em comparação a 48,9% da população masculina
(IBGE, 2022). Essa mudança verificada nos números do IBGE, concernente à autodeclaração
racial, sedimenta a hipótese referente aos efeitos das políticas de
reconhecimento, estimulada pelos movimentos sociais identitários, a exemplo dos
movimentos negros e indígenas.
Isso pode ser resultado da valorização da
ancestralidade indígena e africana, conforme prevê a Lei 10.639 de 2003 e a Lei
n.º 11.645 de 2008, condizente ao ensino da história e cultura africana e
indígena nos três segmentos educacionais. Em simultaneidade, a participação do
gênero feminino no mercado de trabalho e sua escolarização se coadunam à
emancipação feminina, em objeção direta à tradição patriarcal, branca,
cisheteronormativa e classista, como base da regulação social. Na próxima seção,
dissertaremos sobre as variáveis de gênero e raça na concepção identitária dos
sujeitos, bem como as resultantes para prosseguimento nos lugares de poder e
comando.
Gênero e raça - agora as mulheres vão falar e também vão
liderar!
Para compreensão das pautas identitárias
associadas a gênero e raça/cor, no interior e fora do âmbito universitário, é
oportuno recuperar os subsídios teóricos possibilitados pelas teorias do
feminismo negro. É a partir deles que diagnosticamos o porquê de ambas as
chapas alçarem as mulheres à posição de vice-reitora.
Vale distinguir que as sociedades pós-escravistas
conjugam uma série de opressões relacionadas à raça/cor, classe, sexo, gênero,
religião e sexualidade. A formação patriarcal concebeu um sistema de
privilégios atrelados aos homens e às pessoas brancas, de modo a hierarquizar
os sujeitos de acordo com as categorias identitárias expressas. Desse modo, as
lutas promovidas pelo feminismo branco, feminismo negro e pelo feminismo
decolonial, a partir das suas peculiaridades, se contrapuseram ao
patriarcalismo, sendo o feminismo negro contrário ao racismo e ao sexismo, bem
como o feminismo decolonial opositor ao eurocentrismo e ao racismo
experienciado pelas populações indígenas e do terceiro mundo.
Cabe sinalizar que o direito ao sufrágio
universal, o direito à participação no mercado de trabalho, o direito à
paridade salarial, o direito à liderança feminina nas empresas públicas e
privadas, o direito à sexualidade e aos direitos reprodutivos, o direito à
participação na esfera política e nos postos de tomada de decisão, o direito à
luta pelas terras quilombolas e indígenas, o direito à habitação, o direito à
vida, o direito à liberdade de expressão, o direito à proteção contra o
feminicídio são conquistas das marchas avivadas pelos feminismos.
Neste
sentido, Angela Davis (2016) realça que as opressões estruturais conformam um
sistema de violência racial contínuo. O feminismo negro estadunidense sublevou
as pautas escamoteadas pelo feminismo branco, bem como ascendeu as demandas das
identidades marginalizadas pela sociedade estadunidense, aquelas ligadas à
sobreposição entre negritude e sexualidade. Angela Davis (2016) iluminou as
reivindicações das mulheres negras, a exemplo da hipersexualização do corpo
negro, a invisibilidade e o silenciamento de pessoas negras, as reivindicações
contra o racismo, a brutalização dos corpos pelo Estado, a exploração da mão de
obra negra e sua alocação em posições servis e a estereotipação quanto à
agressividade e à violência natas (Davis, 2016, p. 101-113).
Tudo isso se contrapõe ao ideal de
“sororidade” apregoado pelas feministas brancas e confirma a “dororidade”
experimentada por mulheres negras: “quanto mais preta, mais racismo, mais dor”
(Piedade, 2019), em menção ao racismo e ao sexismo praticados por mulheres
brancas no projeto feminista global, que viabilizam o silenciamento e o
apagamento das violências cotidianas vivenciadas por mulheres negras (Kilomba,
2019, p. 100-107).
Sendo assim, devido aos vários processos
violentos e ao epistemicídio, a assunção da identidade negra de forma
valorativa compreende a desconstrução do ideário branco eurocêntrico. Nesse
ponto, ao agasalhar a identidade racial nos discursos dos candidatos à reitoria
da UFRJ, podemos constatar a primazia da afirmação identitária negra, tanto no
domínio interno, quanto no domínio externo da universidade. Essa inovação
política e ideológica se ampara nas produções científicas negras e na empiria
das repressões experimentadas pelos afrodescendentes nos espaços de saber e
poder.
Nesse aspecto, Neusa de Souza Santos (2021)
adverte que os impedimentos à consolidação da identidade das mulheres e homens
negros recaem sobre as referências negativas relacionadas ao corpo, cabelo, tom
de pele, fundadas no racismo generalizado. A estudiosa denunciou as violências
no campo psicológico e simbólico, bem como revelou que essas violências
tornaram a autoafirmação da identidade negra um tema caro ao coletivo. No
quadro geral, Neusa de Souza Santos vasculhou os desdobramentos do racismo
estrutural na psique de pessoas negras e o “ideal branco” conformado no
auto-ódio e repulsa à negritude, confirmando que as sequelas da escravidão se
fazem não só nas searas historiográfica, econômica, política, cultural e
social, mas também se sobrepõem na mirada psicanalítica. Em outros termos, nas
negociações contínuas feitas entre o subconsciente e o consciente das pessoas
negras em prol da sua cultura, existência e autoestima, em coerência com a
realidade social conflitiva, violenta, eurocentrada e suplantadora dos saberes
e conhecimentos dos sujeitos afro-diaspóricos (Santos, 2017).
Em conclusão, a teoria evocada pela
intelectual realça a discussão quanto à heteroidentificação racial garantida
aos candidatos com ações afirmativas na educação superior, às cotas raciais
efetivas tanto nos cursos de acesso à graduação, quanto nas disputadas pelas
vagas para técnico administrativo e docência, versadas pelo atual Reitor
Roberto Medronho e pelo Decano Vantuil Pereira. Fato é que a adoção das cotas
raciais aumentou residualmente o percentual de negros na UFRJ, bem como exibiu
o preconceito de marca no Brasil (Nogueira, 1942). Outro aspecto a ser debatido
reside na demora da UFRJ quanto ao acolhimento das cotas raciais na graduação e
na pós-graduação; esse dado desvela as formas com que o racismo acadêmico
ocorre, bem como desnuda o conservadorismo das elites quanto à entrada de
pessoas negras na academia. Podemos dizer que a população negra tem se
movimentado estrategicamente de modo a conquistar os seus direitos e
ampliá-los, em diferentes espaços. Nesse ponto, a apresentação da chapa
composta por um homem e uma mulher negra testemunha a percepção supracitada.
No embate quanto à eleição para reitoria da
UFRJ, podemos enegrecer a discussão vinculada à presença feminina e negra na
vice-reitoria, ainda que com ressalvas à posição secundária oferecida pelas
chapas às mulheres. Em decorrência disso, vale discorrer sobre outras pautas
identitárias que também se fizeram constantes no debate pautado pelos
candidatos à reitoria. Nesse caso, é mister
perceber que as opressões se entrecruzam em avenidas identitárias, bem como
estas são variáveis elementares para a compreensão da dimensão das
discriminações sofridas no dia a dia pelos sujeitos. As identidades de gênero
cor, raça, classe, sexualidade, religião, nacionalidade, idade e afins, em fusão,
são vetores responsáveis para que o indivíduo sofra maior ou menor grau de
violência, quanto mais distante da cisheteronormatividade, ou seja, os
indivíduos destoantes do sistema patriarcal, branco, cristão e pertencente às
classes dominantes.
Kimberlé Crenshaw (2002) mobilizou todos esses
conceitos enquanto “força centrípeta”, de modo a delinear a hostilidade sofrida
por alguns sujeitos ao longo da sua trajetória social. De outra maneira, as
interdições suscitadas a um ou mais eixos interseccionais da identidade fazem
com que as objeções se ergam à medida que esse sujeito pleiteia participação
nos bens sociais e coletivos em uma dada sociedade. É primordial a percepção
dessas interdições para que ações e/ou práticas estatais simultâneas possam
contornar a referida violação (Crenshaw, 2002). Neste mote, o tema da
sexualidade produz a apartação do tecido social das pessoas trans, lésbicas e homoafetivas, ou seja,
das identidades LGBTQIAPN+ que compõem os outsiders
devido aos padrões pré-estabelecidos pela sociedade.
Esse tipo de segregação torna a sua
empregabilidade, acesso à educação, saúde, moradia e outros aspectos dos
serviços sociais básicos pouco ou nada acessíveis (Louro, 2004). Assim como, as
violências se tornam ainda maiores quando as intersecções contornam as
identidades de gênero e sexualidade (Lorde, 2020). Em vista disso, a
interseccionalidade ajuda na compreensão dos discursos apresentados pelos
candidatos à reitoria relativos às minorias identitárias, tendo em vista as
várias formas de violência vivenciada pelos indivíduos dentro e fora da
universidade. Sendo este um espaço democrático e de construção dos saberes, há
que se construírem políticas internas de proteção e promoção da dignidade
humana, com vistas à fruição de direitos humanos.
Neste sentido, é pertinente frisar o caso
emblemático ocorrido em julho de 2016. À época, Diego Vieira Machado, estudante
negro e homoafetivo, de 29 anos, morreu assassinado no campus universitário do
Fundão. O seu corpo foi encontrado nu e sem documentos, com sinais de
espancamento e um golpe na cabeça na Baía de Guanabara, atrás da residência
estudantil da UFRJ (Martín, 2016). Em
resumo, examinar e analisar a importância da liderança de uma reitoria
estruturada sobre políticas públicas preventivas e protetivas das minorias
raciais e de gênero é fundamental para essa discussão.
Pessoas negras e o poder: entre o mito da democracia racial e a
realidade social?
Nesse enredo, não podemos deixar de
tangenciar as manifestações ideológicas propiciadas pelo “mito da democracia
racial”. A perspectiva adocicada consoante às relações raciais desenvolvidas
entre as três raças na proposição de Freyre desempenha uma fórmula orientadora
das posições a serem ocupadas pelos sujeitos, de modo a alinhar a ideia de meritocracia
ao fenótipo do indivíduo. Na voz do autor: “Entre tantos antagonismos
contundentes, amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, (temos) condições
de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a
miscigenação...” (Freyre, 1933, p. 54). Dessa conjunção sociológica e política,
a análise do antropólogo oferece a possibilidade de entendimento que a
sociedade brasileira é livre das suspeições associadas à cor e raça, bem como
as tensões raciais são inexistentes. E, desse modo, confere o racismo à
brasileira um grau de sofisticação e invisibilidade singular. O marco dessa
discussão esteve também nos estudos da Unesco (1950), no que tange ao debate
sobre raça e classe e a ascensão social dos indivíduos em uma dita sociedade
harmônica. As pesquisas, em sua maioria, identificaram que o preconceito racial
era fator de impedimento à mobilidade social de pretos e pardos na estrutura de
classes (Bastide; Fernandes, 1955).
Nesse prisma analítico, a entrada de pessoas
negras em áreas estratégicas representa um marco, no tocante aos avanços da
agenda racial e de gênero, sabendo que os dois candidatos negros à reitoria são
representativos dos índices do perfil demográfico dominante na mirada nacional,
ou seja, a maioria é negra e de mulheres. Somado a isso, o fato consolida a
proposta de um novo perfil no alto escalão acadêmico, bem como visa delinear as
bases de uma intelectualidade negra em ascensão. Em prosseguimento, estimula o
aumento gradativo dos afrodescendentes e indígenas na composição da comunidade universitária. No geral, esta etapa
sinaliza a formação dos quadros políticos decisórios do país em equidade com a
população branca.
Neste caso, embora o processo eleitoral da
UFRJ tenha sido democrático a partir do voto direto, devemos ponderar quanto às
chances de elevação social de pessoas negras sem que sejam indicadas, ou mesmo,
por força da lei. Em outras palavras, o quadro da desigualdade racial crônico e
informativo da fluência do mito e dos percalços enfrentados por pessoas negras
nas áreas de poder. Todas essas características conformam um campo de tensão
relativo às relações sociais e prescrevem análises sociológicas no centro dos
efeitos sociais da cor, ou seja, as hierarquias raciais estruturantes e
estruturadas produzem um continuum de
violências e interdições.
Segundo o antropólogo Kabengele Munanga:
Os responsáveis do país pareciam viver
com consciência tranquila, de acordo com o ideal do mito de democracia racial
que apresentava o Brasil como um paraíso racial, isto é, um país sem
preconceito e discriminação raciais. Em razão desse ideal, o Brasil viveu muito
tempo sem leis protecionistas dos direitos humanos dos não brancos, justamente
porque não eram necessárias, tendo em vista a ausência dos preconceitos e da
discriminação racial, pensavam. Enquanto permanecia essa consciência tranquila
dos dirigentes e da sociedade civil organizada, inúmeras injustiças e violações
dos direitos humanos foram cometidas contra negros e povos originários, como
demonstrado pelas pesquisas quantitativas que o IBGE e o Ipea vêm realizando
nos últimos vinte anos (Munanga, 2022, p.
119).
O estudioso revela que
As propostas de reconhecimento das
diferenças raciais implicaria, segundo eles, mudança de paradigmas capaz de
hipotecar a paz e o equilíbrio social solidamente construído pelo ideal de
democracia racial brasileira. De outro modo, indagam que as políticas de
reconhecimento das identidades raciais, em especial da identidade negra,
poderão ameaçar a unidade ou a identidade nacional, por um lado, e reforçar a
exaltação da consciência racial, por outro lado. Ou seja, que tais políticas
poderiam ter um efeito bumerangue, criando conflitos raciais que, segundo
dizem, não existem na sociedade brasileira (Munanga, 2022, p. 120).
Em analogia, Lélia Gonzalez (2020) analisou o
racismo à brasileira e verificou que este ocorre por intermédio da “denegação”,
ou seja, a categoria psicanalítica freudiana aplicada pela intelectual negra
explicaria o comportamento da sociedade brasileira referente à negação da existência
do racismo, como parte constitutiva de nossa gênese, mas sem nenhum
constrangimento tenderia a praticar atos racistas contra a população negra. Esse
pressuposto é recorrente nos países da América Latina, em oposição ao racismo
aberto ou explícito praticado nos países de colonização anglo-saxã, de modo que
a sua negação se constitui em óbice à luta contra o racismo estrutural e para a
implementação das ferramentas necessárias ao seu enfrentamento (Gonzalez,
2020).
Essa
diagnose pontuada pela autora se coaduna às narrativas políticas e medidas
jurídicas contrárias às ações afirmativas, enquanto mecanismos promotores de
justiça social, sobretudo pelos setores conservadores, elitistas e
tradicionais. Outro dado é a proposição de uma mulher negra relacionada com
êxito ao cargo da reitoria, o que traria uma série de rupturas concernente às
práticas racistas e sexistas ligadas ao imaginário social sobre a mulher negra.
Gonzalez (2020) verificou que as percepções e os papéis sociais pré-definidos
às mulheres negras no país recaem sobre a ideia da “mucama”, “doméstica” e da
“mulata”. Dessa forma, a ocupação de espaços representativos e de poder por
mulheres negras fomentaram a repulsa em diversos setores sociais e, ao mesmo
tempo, impossibilidades e desqualificação. Por isso, a representatividade do
gênero feminino negro em instâncias de prestígio e de tomada de decisão
encoraja a ruptura da base escravista brasileira. Portanto, a seguir, iremos
esmiuçar os sustentáculos das nossas desigualdades raciais sob os contornos
estrutural e pragmático.
Poderíamos falar de uma elite intelectual negra? De onde
partimos e em que lugar chegamos?
A desigualdade racial brasileira é fruto das
desproporções ligadas à educação, renda, empregabilidade e que são sintomáticas
dos fundamentos das relações econômicas e políticas pregressas. Para esse
debate, as assertivas de Clóvis Moura (1988) explicam a imbricação entre o
colonialismo e o capitalismo. O intelectual resgatou as premissas da
convergência cultural e biológica entre negros, brancos e indígenas pavimentada
por Freyre (1933), bem como sinalizou que a formação do capitalismo brasileiro
se desenvolveu a partir das estruturas de opressão racial. Dessa maneira,
Clovis Moura entendeu que a visão culturalista apregoada por Freyre escamoteou
o problema do negro em seus diversos níveis, principalmente quanto à luta de
classes. Clóvis Moura afirmou enfaticamente que “[...] o mito da democracia
racial é uma ideologia arquitetada para esconder uma realidade social altamente
conflitante e discriminatória no nível das relações interétnicas” (Moura, 1988,
p. 30).
O autor também especificou que as relações
interétnicas sobrepujam a condição de classe. A mediação proposta pelas
ideologias mistificadoras da realidade, a seu ver, suavizam as etapas
discriminatórias de inferiorização, fragmentação e hierarquização das pessoas
negras na divisão social do trabalho (Moura, 1988). De outro modo, Moura
detectou que o racismo legitimou a expansão, dominação, apropriação, invasão e
o saqueamento elaborado pelos europeus. Assim como, a justificativa para esse
comportamento genocida e epistêmico esteve calcada na autointitulação de “raça
superior”, em comparação aos povos indígenas e africanos tidos por “raças
inferiores”.
Logo, em seguida, a substituição do “braço
escravo” pela incorporação da mão de obra europeia para o trabalho assalariado
consolidou a dependência econômica da nação em relação aos países centrais. E,
muito embora, o regime de assalariamento tenha surgido com a abolição da
escravatura (1888), o autor percebeu que os escravizados e os trabalhadores
livres conviveram nos mesmos espaços de trabalho, compartilhando formas de
resistência e lutas políticas. Em conclusão, o teórico relatou que, a partir de
mecanismos represssivos e reguladores das relações, se consolidou a divisão
entre brancos, negros e seus descendentes: de um lado, trabalho qualificado e
intelectual; de outro, trabalho não qualificado, braçal e mal remunerado
(Moura, 1988).
Em termos pragmáticos, as análises
empreendidas por Clóvis Moura se ajustam à escassa presença de pessoas negras e
indígenas no eixo universitário, assim como se conforma aos elementos
produzidos pelo censo do IBGE (2021). Os dados estatísticos indicaram que mais
da metade dos trabalhadores do país 53,8% eram pretos e pardos, no entanto,
quando somados, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais. Segundo o IBGE
(2021), o grupo com maiores rendimentos nos referidos cargos é de brancos e
representa 84,4%; em comparação, os pretos e pardos alcançam 14,6% dessas
ocupações bem remuneradas. Todos esses aspectos estatísticos confluem com a questão
da concentração de renda e com as disparidades sociais vinculadas à remuneração
entre negros e brancos (IBGE, 2021).
Cabe exponenciar os limites concernentes ao
acúmulo de bens e terras entre negros e brancos. Nesse caso, a concentração de
terras, principalmente quando comparadas à relação entre a cor ou a raça dos
produtores, bem como o tamanho das propriedades rurais, prescinde de observação
específica no cerne das chances de formação do capital econômico de pretos e
pardos. De acordo com o órgão, 13,7% dos proprietários rurais são pretos e
58,0% são pardos; esse grupo totaliza aqueles que têm estabelecimentos com
menos de um hectare. Todavia, entre os proprietários com mais de 10 mil
hectares, os brancos representavam 79,1%, pretos 1,6% e pardos 17,4% (IBGE,
2021).
Em continuidade, no quesito educação
superior, a presença na graduação com maior número de matrículas, em 2020, de
pretos e pardos recaiu sobre a graduação em pedagogia com 11,6% de pretos e
36,2% de pardos; já a enfermagem contou com 8,5% de pretos e 35,2% de pardos;
em contrapartida, a medicina alcançou 3,2% de matriculados pretos e 21,8% de
pardos (Costa, 2020). Na esfera dos rendimentos financeiros, as pessoas brancas
com ensino superior completo ou mais ganhavam em média 50% a mais do que as
pessoas pretas e cerca de 40% a mais do que as pardas (IBGE, 2020b). Toda essa
amostra percentual revela que a escolha profissional condizente aos cursos de
graduação tem efeito direto sobre a remuneração dos indivíduos, ou seja, os
“cursos de prestígio” auferem maior remuneração, no comparativo com as outras
áreas de “menor valorização” no mercado de trabalho.
Esse fator é distintivo para o prosseguimento
na carreira universitária, principalmente para a formação continuada no mestrado
e no doutorado, com posterior entrada na docência. Essa fase, ainda mais
disputada, torna o horizonte menos animador devido às vagas escassas e ao
grande número de concorrentes. Afora os impreterimentos realizados pelas bancas
dos concursos por conta da raça/cor dos candidatos, independentemente das suas
titulações e pesquisas, e o racismo acadêmico velado. Em compêndio, o burnout racial experienciado por
docentes negros em seu cotidiano. Esses dados e outros explicam o cenário
versado nesta pesquisa quanto ao percentual reduzido de pretos e pardos no
magistério superior.
Ainda na pirâmide relativa à raça, classe e
gênero, a pesquisa do IBGE (2019) descortinou que as mulheres pretas e pardas
recebiam menos da metade do que os homens brancos, ou seja, apenas 44,4% do que
os brancos ganham. Em seguida, a vantagem recaiu sobre a mulher branca, cujos
rendimentos são superiores, não só aos das mulheres pretas e pardas, mas também
aos homens desta cor, na seguinte proporção de 58,6% e 74,1%, respectivamente.
Já os homens pretos e pardos apresentaram rendimentos maiores do que as
mulheres da mesma cor, na proporção de 79,1%, a maior entre as combinações
(IBGE, 2019, p. 4).
No desenho das desigualdades raciais, o mapa
demográfico do Brasil indicou que pretos ou pardos tinham maiores restrições à
Internet 23,9%, saneamento básico 44,5%, educação 31,3%, condições de moradia
15,5% e à proteção social 3,8% (IBGE, 2019). A compreensão dos dados expostos ajuda
a cogitar as dificuldades vividas pelas classes populares, no que tange ao
acesso e permanência na educação superior. Em confluência, a Pnad contínua
trimestral divulgou, em agosto de 2020, dados relativos às mulheres negras,
quais sejam, em 2019, 20% das mulheres negras e pardas trabalhavam com serviços
domésticos, contra 10% entre as mulheres brancas (IBGE, 2020a). Por esse
ângulo, a problematização sobre a participação feminina e negra em postos de
poder e notabilidade é pertinente neste estudo.
De um modo geral, as assimetrias sociais
avaliadas nos censos oficiais elucidam as marcas da escravidão para a vida das
famílias negras. O que ratifica ainda hoje a cidadania inconclusa dos
descendentes dos escravizados (Carvalho, 2002). Concomitantemente, as bases
estatísticas identificadas sobredito se afinam ao espelhamento dos índices
coletados na eleição para a reitoria da UFRJ, bem como à hierarquia racial e
socioeconômica presente na universidade, enquanto berço da reprodução das
elites. Portanto, o acúmulo de
desvantagens históricas constitui variáveis que tornam intransponível a
mobilidade social de pessoas negras e indígenas. Em assonância, o esboço dos
pormenores da efetivação do racismo institucional se relaciona à produção do
racismo acadêmico, assunto esse que iremos ventilar a seguir.
Racismo Institucional e o papel das universidades na inclusão
social
Segundo Levine & Pataki (2005) as
estruturas causam injustiças por causa da má distribuição de poder, assim como
os agentes causam prejuízos injustos pelo abuso de poder. Desse modo, os
intelectuais discorrem que “a vida social é restringida pelos recursos
institucionais e culturais disponíveis e os modos em que temos poder de agente
dentro dessas, e, às vezes, em oposição a essas restrições” (Levin; Pataki,
2005, p. 126). Os teóricos postulam que as instituições podem corroborar o
racismo quando são cegas às opressões sofridas por determinados grupos, de modo
a perpetuar e ainda exacerbar as distinções sofridas por eles. Nesse caso, as
injustiças sociais estão conectadas às estruturas opressivas substanciais e
interconectadas, as quais produzem prejuízos aos grupos minoritários nas
instâncias de poder.
Em correspondência, as instituições são
conformadas por indivíduos que a partir das suas crenças e preconceitos tendem
a gerir e estabelecer padrões e práticas consoantes ao grupo dominante. De um
modo geral, dentro das cinco formas de subordinação: exploração,
marginalização, impotência, imperialismo cultural e violência sistemática.
Ainda neste aspecto, os intelectuais observam que as estruturas que permeiam as
instituições podem ser injustas na distribuição de benefícios e poder,
sobretudo no significado social das relações que elas criam (Levin; Pataki,
2005, p. 129- 131).
Em síntese, as teorias vinculadas ao racismo
institucional definem que “nossas atitudes são moldadas pelo que vemos, e o que
vemos, por sua vez, depende das estruturas institucionais que moldam nossas
vidas e as vidas ao nosso redor” (Werneck, 2016, p. 143). Portanto, toda gama
de práticas, instituições, políticas e coisas do tipo contam como racialmente
opressivas e podem ser lidas enquanto racismo institucional (Werneck, 2016, p.
178). Jurema Werneck (2016) descreve o racismo institucional como: a ação
institucional voltada para a geração da proteção e/ou redução da
vulnerabilidade de indivíduos e grupos, na perspectiva de seus direitos
humanos. Ou mesmo, segundo Werneck, “equivaleria a ações e políticas
institucionais capazes de produzir e/ou manter a vulnerabilidade de indivíduos
e grupos sociais vitimados pelo racismo” (Werneck, 2016, p. 543). Em seu
formato mais específico, o racismo institucional diz respeito à divisão
material e de acesso ao poder, de modo que o primeiro contorna a
indisponibilidade e/ou o acesso reduzido à política de qualidade. Já o segundo,
acesso ao poder, se coaduna ao menor acesso à informação, menor participação e
controle social e escassez de recursos (Werneck, 2016).
Consoante ao racismo acadêmico, esta pesquisa
acentua elementos a serem pensados concernentes à presença de pessoas negras
nesses espaços. Grada Kilomba, em “Memórias da plantação” (2019), descreve os
obstáculos estimulados pelas instituições de ensino superior, para obstruir o
acesso de pessoas negras no reduto acadêmico. Kilomba assegura que "o
centro acadêmico não é um local neutro”. Segundo ela, “ele é um espaço branco
onde o privilégio de fala tem sido negado para as pessoas negras” (Kilomba,
2019, p. 50). Sempre alocando pessoas negras enquanto “sujeitos inferiores”, de
maneira a “classificar”, “desumanizar”, “brutalizar” e produzir a “morte”
destes. Kilomba identifica a objetificação e a criação da “outridade”, na qual
a comunidade negra é reconhecida a partir da voz do branco, nunca dele mesmo.
Neste propósito, Kilomba observa a academia
como espaço de violência, como a continuidade do projeto colonial. Ao contrário
da perspectiva científica e erudita, a universidade conforma um local de
múltiplas opressões. Em adendo, a teórica explicita que as produções de
intelectuais negros são analisadas através de discursos categóricos, ou seja,
desvencilhados de fatos objetivos e tidos por opiniões ou prismas subjetivos,
de modo a classificar esses discursos nas margens, como conhecimento desviante.
Todavia, Kilomba detecta que as produções dos intelectuais brancos se conservam
no centro e conforme a norma eurocêntrica (Kilomba, 2019, p. 51-52).
No geral, a teórica conclui que essa dimensão
do racismo institucional acadêmico funciona de modo a manter as posições
hierárquicas, preservar a supremacia branca e postular “quem pode falar”,
desconstruindo os saberes dos subalternizados e, ao mesmo tempo, tornando ainda
mais árdua a luta de pessoas colonizadas para acessar a representação dentro de
regimes dominantes. Assim, Kilomba salienta que “da margem” nos reportamos ao
centro; da periferia, confrontamos as posições estabelecidas com resistência e
criatividade. Segundo a autora: “Nesse contexto de marginalização, mulheres e
homens negros desenvolvem uma maneira particular de ver a realidade: tanto de
fora para dentro quanto de dentro para fora” (Kilomba, 2019, p. 67). A análise
da autora converge as barreiras internas à formação e à ascensão de pessoas
negras no reduto acadêmico e mais ainda, à inclusão destas nos cargos de
direção.
Em destaque está a percepção que os corpos
negros devem ocupar necessariamente “o espaço da rua, da prostituição e dos
trabalhos servis”. Para os “estabelecidos”, a branquitude, a dissociação entre
intelectualidade e negritude é uma constante. Dito de outra forma, para o
público branco, as pessoas negras só seriam cabíveis no trabalho braçal; a
capacidade de pensar e refletir sobre os processos sociais e sua própria
existência só seria concebível ao coletivo branco. O que confirma as afirmações
tecidas por Franz Fanon (1925-1961) em “Peles negras máscaras brancas” (2008),
ao diagnosticar a conferência recorrente quanto à intelectualidade e humanidade
dos negros pelos brancos.
Ou seja, o diploma não seria suficiente para
os negros; sob constante vigília e controle, a intelectualidade negra estaria
sempre submetida aos “testes comprobatórios” e “simbólicos” quanto ao domínio
dos saberes eurocentrados. Somando-se à socialização de violência velada
praticada horizontal e verticalmente contra as minorias étnico-raciais e de gênero
no âmbito universitário. Nesse aspecto, a branquitude tende, em suas práticas
relacionais, privilegiar o pensamento eurocêntrico e a afeição pela
continuidade da supremacia branca, com o amparo do pacto narcísico da
branquitude (Bento, 2022).
Considerações finais
Em conclusão, a pesquisa procurou identificar
e analisar o papel da intelectualidade negra nos espaços decisórios; para tanto,
observou enquanto estudo de caso as eleições para a reitoria em uma das maiores
universidades do país, a UFRJ. Desse modo, foi esquadrinhada a disputa
eleitoral entre duas chapas, com destaque para a composição de uma chapa
formada por duas pessoas negras, “Redesenhando a UFRJ” versus a chapa “UFRJ para todos”. Desse modo, optou-se pela
racialização da temática e analisaram-se as consequências do “mito da
democracia racial” no cerne das representações sociais e das questões de
ascensão universitária.
Em similitude, o estudo identificou o perfil
identitário da UFRJ, composto por
maioria branca e do gênero masculino no quadro docente, posicionados nos
maiores cargos e com os maiores salários, ao lado do perfil
técnico-administrativo de maioria branca e do gênero feminino; porém, na
composição dos terceirizados, a prevalência é negra. Cabe observar que não
foram fornecidos dados quanto à proporção de gênero entre os terceirizados pela
instituição.
De todo modo, afinada às desigualdades
raciais e de gênero também perquiridas nos censos demográficos do país, esta
pesquisa assinalou os dados da desigualdade racial em várias áreas da vida
social e a continuidade desses elementos no âmbito universitário, principalmente
pela ausência de capitais (capital econômico, social, cultural e político) não
herdados geracionalmente pelos afrodescendentes e indígenas, devido ao processo
escravista e suas consequências à mobilidade social. Em convergência, a
pesquisa versou sobre o racismo acadêmico e as formas com que ele se apresenta;
as dificuldades para a formação continuada na pós-graduação em stricto sensu pela população negra e os
entraves à entrada e permanência na docência universitária.
Por fim, ponderamos quanto ao comportamento
político eleitoral associado à hipótese da autoidentificação a partir da
raça/cor e classe na expressão do voto universitário na eleição predita. Convém
frisar que a presença de duas pessoas negras na disputa pela reitoria provocou
o debate quanto à pauta racial, de gênero e sexualidade na eleição. Para
finalizar, o estudo recapitulou os discursos proferidos pelos candidatos e os
resultados da eleição, com vistas a segmentar a distribuição de votos entre
docentes, técnicos administrativos e estudantes.
Neste aspecto, os docentes tenderam a eleger
os candidatos autodeclarados brancos à reitoria, em correspondência aos
técnicos administrativos. Por último, em contraste, o corpo discente votou
pelos candidatos autodeclarados negros. Decerto, mais estudos exploratórios
neste campo cabem ao prosseguimento desta pesquisa, sobretudo, quando
diagnosticadas as questões de raça/cor, gênero, sexualidade e seus efeitos no
ambiente universitário, bem como as suas implicações para a representatividade
e a gênese de políticas internas protetivas, de acesso a bens e poder voltadas às
minorias.
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