A invenção do Brasil negro:
intelectuais negros e sua produção cultural no pós-abolição*
Jonatas
Roque Ribeiro **
Universidade de São Paulo (USP)
São Paulo, SP - Brasil
lattes.cnpq.br/5705471852776970
jrribeiro@usp.br
Wellington
Carlos Gonçalves ***
Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo (IFSP)
São Paulo, SP - Brasil
lattes.cnpq.br/1169208862869370
wcghist@hotmail.com
A invenção do Brasil negro:
intelectuais negros e sua produção cultural no pós-abolição
Resumo
Este artigo analisa uma peça de teatro de revista
produzida e encenada em 1926 como instrumento para a discussão sobre a presença
e a produção intelectual negra no campo cultural do pós-abolição. Em um
contexto político no qual se discutiam intensamente as relações entre raça e
nação no Brasil, o maestro Duque Bicalho e o jornalista José Eutrópio – a
partir de diferentes perspectivas e com distintas intenções – tomaram uma noção
(imprecisa, fluida e elástica) de cultura negra como marca da identidade
nacional e da brasilidade. Assim, eles buscaram nas manifestações culturais de
origem negra – e, em alguns casos, africanas – as originalidades nacionais
brasileiras. O artigo, neste sentido, estuda as estratégias adotadas por dois
intelectuais negros que se voltaram para a discussão do lugar da cultura negra
na construção da nação no Brasil e, por consequência, do debate em torno do
acesso das gentes negras aos direitos políticos e ao status de cidadania no
pós-abolição.
Palavras-chave: intelectuais negros;
raça; identidade nacional; pós-abolição.
The invention of black Brazil: black intellectuals
and culture production in the post-abolition
Abstract
The article analyzes a revue
play produced and staged in 1926 as an instrument for discussing the presence
and production of black intellectuals in the post-abolition cultural field. In
a political context in which the relationship between race and nation in Brazil
was being intensely discussed, the conductor Duque Bicalho and the journalist José
Eutrópio – from different perspectives and with different intentions – took an
(imprecise, fluid and elastic) notion of black culture as a mark of national
identity and Brazilianness. Thus, they looked to cultural manifestations of
black – and, in some cases, African – origin as the Brazilian nationality. In
this sense, the article studies the strategies adopted by two black
intellectuals who turned their attention to discussing the place of black
culture in the construction of the nation in Brazil and, consequently, the
debate surrounding the access of black people to political rights and
citizenship status in the post-abolition period.
Keywords: black intellectuals; race; national identities;
post-abolition.
___________________________
* Versão anterior
deste texto foi apresentada na VII Jornada de Estudios Afrolatinoamericanos del
GEALA, Universidad de Buenos Aires, 4-6 set. 2023.
O artigo contou
com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo
FAPESP 2022/15052-5).
Contribuições de
autoria
** conceituação; aquisição de financiamento;
investigação; metodologia; recursos; visualização; escrita – rascunho original;
escrita – análise e edição.
*** conceituação; investigação; metodologia;
recursos; visualização; escrita – rascunho original.
1 Introdução
No
primeiro domingo de agosto de 1906, Duque Bicalho, José Eutrópio e mais alguns
outros músicos trabalharam de forma independente (isto é, sem vínculo formal)
na soirée realizada no Teatro Maison Moderne, uma das muitas casas de diversões
da famosa Empresa Pascoal Segreto (Gomes, 2004, p. 87-107). Localizado na Praça
Tiradentes, um dos principais redutos da indústria da diversão carioca, o
Maison Moderne oferecia regularmente espetáculos familiares, como foi definida
a soirée realizada naquele domingo (Palcos [...], 1906, p. 6). Esse foi um tipo
de expediente comum na vida de músicos que possuíam pouco capital financeiro ou
não tinham reconhecimento público no campo cultural. Tanto José Eutrópio,
quanto Duque Bicalho vivenciaram de perto tal experiência. É possível que os
organizadores da Empresa Pascoal Segreto tenham visto as suas ofertas de
trabalho publicadas alguns meses antes em uma das edições do renomado Jornal do
Brasil, na qual Duque Bicalho ofereceu seus “serviços de violinista para
teatros, casas de diversão e festividades públicas” (Anúncios [...], 1906, p.
10) e José Eutrópio publicizou ser um “exímio pianista” (Anúncios [...], 1907,
p. 13).
É
difícil estabelecer quando e de que modo Duque Bicalho e José Eutrópio se
conheceram, mas eles construíram uma amizade longa, duradoura e afetuosa. Ambos
chegaram ao Rio de Janeiro em períodos próximos e com finalidades parecidas.
Duque Bicalho nasceu em 1887 na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais.
Terceiro filho de uma família negra livre, financeiramente remediada e que
construiu reconhecimento social, ele teve acesso à escolarização formal,
estudou música no renomado Instituto Nacional de Música e trabalhou como
compositor, maestro e professor de música, tendo vivido praticamente toda a sua
vida em Juiz de Fora (Gonçalves, 2023).
Assim
como Duque Bicalho, José Eutrópio era um jovem homem negro do interior de Minas
Gerais que, no início do século XX, foi tentar a sorte na capital da República.
Ele nasceu em 1886, na cidade de Muriaé, na Zona da Mata mineira. O período da
sua infância e juventude ainda é marcado por hiatos e lacunas. Segundo seu
registro de nascimento, ele nasceu livre e era filho natural (isto é, nascido
de um relacionamento que não era oficialmente reconhecido pela Igreja e leis do
Estado) de Josepha Maria da Conceição (Muriaé, 1887). Nesse documento não
aparecem mais detalhes sobre o status jurídico ou a condição racial de sua mãe,
tampouco qualquer informação sobre o seu pai biológico. De modo semelhante à
trajetória profissional de Duque Bicalho, teve acesso à escolarização formal e
investiu pesadamente em sua formação letrada, tendo se graduado em Direito, em
1908, na então Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Segundo Jonatas
Ribeiro (2018), apesar de sua formação em Direito, ele atuou como professor,
inspetor escolar, jornalista, músico e intelectual do campo da cultura.
José
Eutrópio e Duque Bicalho nasceram em uma sociedade ainda estruturada com base
no escravismo, na qual muitos homens e mulheres que compartilhavam da cor de
suas peles e origens raciais vivenciaram não só as experiências do trabalho
escravo, mas também os impedimentos e violências produzidos pela racialização
das relações sociais, como o preconceito e discriminação raciais e outras
formas de manifestação de racismo, profundamente informadas pelas lógicas de
uma sociedade escravista. Não é difícil, desse modo, reconhecer que o
escravismo enquanto forma de organização das relações sociais tenha
condicionado as possibilidades de existência de uma vida dissociada dos
estigmas das violências e opressões raciais impostos a sujeitos como José
Eutrópio e Duque Bicalho.
A
abolição da escravidão, em 1888, e a instituição do regime republicano, em
1889, equipararam legalmente todos os sujeitos na condição de livres e iguais,
mas a hierarquia social continuou firmando, sob novas roupagens, suas bases na
cor da pele, origem racial, condição social e gênero das pessoas. José Eutrópio
e Duque Bicalho vivenciaram diretamente essas experiências, já que carregavam
marcas raciais que, cotidianamente, eram relacionadas à escravidão. Contudo,
diversas estratégias simbólicas foram construídas pelas gentes negras para
reverter esse cenário. As fotografias a seguir são exemplos nesse sentido.
Datadas das primeiras décadas do século XX, nelas, tanto José Eutrópio, quanto
Duque Bicalho (respeitadas as particularidades de cada uma) aparecem em pose
respeitável, expressa pelas feições sóbrias, barbas e cabelos bem aparados e
trajes elegantes. Para homens negros que viviam em uma sociedade especializada
em desqualificar racialmente a humanidade e os direitos de cidadania de
sujeitos não brancos, portar-se com altivez e retidão foi uma forma de
construir normas de respeitabilidade que reconhecessem a sua condição de
cidadãos, independentemente de cor ou origem racial, conforme visto nas imagens
1 e 2:
Imagem 1 – José Eutrópio em
1921 Imagem 2 – Dique
Bicalho (sem data)
Fonte:
(JOSÉ Eutrópio [...], 1921, p. 83). Fonte: (MAESTRO Duque [...],
1913, p. 2).
Enquanto
Duque Bicalho se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1902, José
Eutrópio, por seu turno, chegou ali em fins de 1903. Durante boa parte do tempo
em que viveram na cidade, ambos residiram nas redondezas da Praça da República,
popularmente conhecida como Campo de Santana, região em que se localizava tanto
a Faculdade Livre de Direito, como o Instituto de Música. Um e outro
experienciaram a realidade da vida nos cortiços e em outras formas de moradia
compartilhada que abundavam por toda a região, bem como em outros bairros
centrais da cidade. Durante algum tempo, Duque Bicalho viveu em uma dessas
casas na rua da Constituição, na freguesia de Sacramento. Não muito distante
dali, na rua Senador Pompeu, n. 150, freguesia de Santa Rita, residiu José
Eutrópio em uma “pensão de estudantes”, conforme definiu o seu proprietário,
Vitorino Lourenço Alves, em um anúncio de aluguel na imprensa em 1907 (Anúncios
[...], 1907a, p. 10). Entretanto, ao que tudo indica, tratava-se de uma
habitação coletiva, da qual a pensão fazia parte, já que ainda em 1907,
conforme noticiou a imprensa, “o sr. chefe do 3° Distrito Sanitário mandou
interditar a ala esquerda do cortiço da rua Senador Pompeu, n. 150” (Polícia
[...], 1907b, p. 6).
Vivendo
e trabalhando nessa região da zona central do Rio de Janeiro que, a partir da
década de 1930 seria designada como “Pequena África” (Moura, 1995), eles
possivelmente frequentaram – ou, ao menos, tiveram conhecimento sobre – as
diferentes modalidades de religiões negras ou de matriz africana, como as casas
de cultos muçulmanos, de orixás, voduns e inquices e as famosas rodas de música
da Cidade Nova, região colada ao Sacramento (Cunha, 2015). Nessa última
freguesia, sede dos teatros e cafés, reduto da vida noturna e boêmia e,
sobretudo, das casas de prostituição mais conhecidas da cidade no período,
Duque Bicalho e José Eutrópio foram assíduos frequentadores, principalmente em
relação aos famosos palcos revisteiros da área da Praça Tiradentes, onde,
aliás, no primeiro domingo de agosto de 1906, e possivelmente em outras
ocasiões, trabalharam como músicos.
Depois
de algum tempo vivendo no Rio de Janeiro, Duque Bicalho regressou a Juiz de
Fora no início da década de 1910, enquanto José Eutrópio retornou à sua terra
natal, Muriaé, em 1909 e, a partir de 1915, fixou residência em Juiz de Fora.
Contudo, a experiência de terem vivido na então capital federal foi impactante
nas suas trajetórias profissionais. Acreditamos que eles – cada um à sua
maneira e, na maioria das vezes, de modo transversal – tiveram contato inicial
com debates sobre questões raciais, negritude, ativismo e identidade racial no
Rio de Janeiro de inícios do século XX.
Como
o/a leitor/a verá nas próximas páginas, o debate sobre raça foi um elemento que
orientou a atuação de José Eutrópio como autor de peças de teatro de revista e
cronista teatral e de Duque Bicalho como compositor musical e maestro do teatro
revisteiro. Por isso, no presente artigo analisamos como as peças nas quais
ambos atuaram como autores, compositores e maestro, debateram assuntos
relacionados às culturas negras e suas influências na cultura brasileira, ao
racismo e aos vínculos entre raça e identidade nacional. A partir da peça “Uma
noite pelo Paraibuna”, de autoria de José Eutrópio e musicada por Duque
Bicalho, montada e exibida em Juiz de Fora no ano de 1926, cujo enredo
argumentava que certas expressões da cultura negra constituíram mediação
privilegiada pela qual se desenvolveu a identidade nacional, estudamos a
presença de intelectuais e artistas negros que, com sensibilidade, atuaram como
mediadores culturais, reconhecendo e traduzindo expressões da cultura negra
como positivas e legítimas marcas de ideias de brasilidade em voga naquele
momento.
Embora
a expressão cultura negra não tenha aparecido na produção intelectual de José
Eutrópio e de Duque Bicalho, a noção de um conjunto de costumes,
comportamentos, hábitos e identidades compartilhados por um grupo comum – no
caso as gentes negras, isto é, uma interpretação do conceito de cultura –, foi
recorrentemente abordada em seus textos, peças de teatro de revista e em suas
composições musicais. Por isso, aqui compartilhamos o conceito de cultura negra
formulado por Martha Abreu e Matthias Assunção, no qual se baseia a nossa
discussão:
O
conceito de cultura negra cumpri o papel não apenas de enfatizar a
“contribuição” africana, mas argumenta que esta foi dominante para a maioria
das manifestações consideradas “tipicamente brasileiras”. Ou seja, esse
conceito reconhece os africanismos, ou a “extensão” das culturas africanas, na
formação das práticas culturais de setores negros e populares, a partir da ação
de sujeitos sociais concretos que recriam os patrimônios herdados em diálogo
com novos desafios e situações históricas concretas (Abreu; Assunção, 2018, p.
25).
Ainda
que José Eutrópio tenha produzido textos e músicas para o teatro de revista
desde o início do século XX, centramos nossa análise na sua produção dos anos 1920,
momento em que uma perspectiva de luta contra o racismo e pela promoção social
das gentes negras passou a ser elemento central em seus projetos intelectuais,
cuja versão mais acabada, ou evidente, apareceu em suas peças de teatro de
revista. Profundamente preocupado com o impacto do racismo na construção de uma
identidade nacional, a sua produção intelectual ao longo dos anos 1920 ficou
marcada por uma valorização – ainda que seletiva – de símbolos de uma cultura
negra e refletiu preocupações mais amplas acerca da construção de ideias de
nação em voga no período.
Nessa
jornada, Duque Bicalho foi parceiro recorrente de José Eutrópio, assinando
algumas vezes a autoria dos textos de peças e sempre compondo e dirigindo a
parte musical de tais eventos. Ambos fizeram parte do grupo de intelectuais
que, no início do século XX, debruçaram-se sobre a temática racial em busca da
originalidade de uma identidade nacional. Nesse sentido, podemos dizer que
Duque Bicalho e José Eutrópio, a partir de diferentes perspectivas (algumas
vezes conflitantes), atuaram como mediadores, intérpretes e agentes de uma
cultura negra para um público mais amplo e diversificado em termos raciais, de
classe e de gênero.
Trabalhamos
com o conceito de intelectual proposto por Ângela de Castro Gomes e Patrícia
Hansen (2016, p. 10), segundo o qual compreende a noção de intelectual como um
agente de “produção de conhecimentos e comunicação de ideias, direta ou
indiretamente vinculados à intervenção político-social”. Neste sentido, estamos
falando de “atores estratégicos nas áreas da cultura e da política que se
entrelaçam, não sem tensões, mas com distinções, ainda que historicamente
ocupem posição de reconhecimento variável na vida social” (Gomes; Hansen, 2016,
p. 12). De fato, conforme notaram Flávio Gomes e Petrônio Domingues:
Os
intelectuais são fruto de um processo de formação e aprendizado, sempre atuando
em conexão com outros atores sociais e organizações, intelectuais ou não, e
forjando perspectivas, narrativas e projetos no emaranhado entre o cultural e o
político. Nessa acepção, o conceito de intelectual é, como todos os conceitos
políticos e sociais, fluido e polissêmico (Gomes; Domingues, 2018, p. 5).
Ainda,
segundo os autores, “a reconstituição da trajetória de experiências, trocas e
conexões culturais ajuda a compreender a forma como os intelectuais atribuem
sentido, densidade e textura às suas ideias, sempre ligadas às agendas,
polêmicas e tomadas de posição intelectual e política nos acontecimentos de seu
tempo histórico” (Gomes; Domingues, 2018, p. 5). Nessa interpretação, a noção
de intelectual negro com a qual estamos nomeando as trajetórias de José
Eutrópio e de Duque Bicalho no campo cultural, é fluida e polissêmica. Na
verdade, não tivemos a preocupação de estabelecer, ou forjar, um conceito.
Seguindo a observação de Flávio Gomes e Petrônio Domingues (2018, p. 6), no
estudo de trajetórias intelectuais negras é mais produtivo procurar compreender
como se deu a constituição das suas formas de pensar e refletir a partir das perspectivas
de inserção, exclusão e preterimento do que tentar racializar trajetórias,
discursos, ações ou pensamentos.
Assim,
é possível “refletir sobre não um, mas vários pensamentos negros/negras para
além da reação, denúncia e vitimização. Menos reféns de conceitos fechados,
poderemos reconhecer negros/as a partir de suas propostas estéticas,
tecnológicas, artísticas, científicas e musicais” (Gomes; Domingues, 2018, p.
7). Nessa reflexão, nossa intenção, conforme sugeriram os autores, foi estudar
o pós-abolição como campo de força social, político e ideológico à luz das
trajetórias intelectuais de José Eutrópio e Duque Bicalho no campo cultural.
Evidentemente,
essa concepção não impediu o debate sobre protagonismo negro. Conforme pontuou
Petrônio Domingues (2019), a noção de protagonismo negro coloca no centro da
investigação e narrativa históricas as ações e pensamentos, isto é, a agência
de sujeitos negros como forma de combater os silenciamentos a que eles têm sido
submetidos na escrita da história em sociedades estruturalmente racistas, como
a brasileira. Assim, no estudo das trajetórias de Duque Bicalho e José
Eutrópio, trabalhamos com uma conceituação de protagonismo negro “como uma
experiência plástica, em movimento, flexível e cruzada pela imprevisibilidade e
não como algo sociopático, cristalizado ou predeterminado”. Por esse viés, tal
abordagem “faculta os elementos necessários para descortinar e problematizar a
inteligibilidade dos comportamentos, das expectativas, ações e estratégias
elaboradas por homens e mulheres negros no concurso da experiência diaspórica”
(Domingues, 2019, p. 130).
2 José Eutrópio e Duque
Bicalho: “artistas coloreds”
O
teatro de revista, também conhecido como teatro revisteiro, teatro ligeiro,
teatro musicado ou comédia de costumes, foi um gênero teatral popular no Brasil
desde fins do século XIX. Na interpretação de Tiago de Melo Gomes (2004), a
“revista”, como também era chamado, tinha entre suas principais características
a ampla utilização de números musicais, exibição de corpos femininos,
fragmentação de seus quadros a partir da sucessão de cenas curtas, em geral
encadeadas por uma linha comum e, destacadamente, a utilização de temas da
atualidade e do cotidiano como assunto, conteúdo ou objeto principal dos
espetáculos. Para transformar uma peça em um evento bem-sucedido em termos de
patrocínio e de público, os autores e as companhias produtoras de teatro de
revista, recorriam à representação de temas centrais no debate público da
época, aos quais poderiam ser atribuídos sentidos variados por plateias
heterogêneas, marca comum do teatro de revista. [1]
A
presença da música foi outra característica de destaque no teatro revisteiro.
Tratava-se de peças que abusavam da apresentação de composições bastante
variadas, incluindo usualmente ritmos e melodias que iam desde o cateretê,
samba, maxixe, choro, até melodias consideradas de origem estrangeira, como
jazz, ragtime, onestep, charleston, shimmy e outros (Gomes, 2004). Assim como
ocorreu em outras partes do Brasil desde fins do século XIX, o teatro de
revista se tornou parte de uma cultura da diversão compartilhada por diversos
grupos sociais em Juiz de Fora, mas também foi responsável por uma das formas
de produção e difusão de repertórios musicais e de músicos na cidade. Foi justamente
nesse cenário que Duque Bicalho atuou efetivamente até o início da década de
1930. Com raras exceções, ele sempre trabalhou com a parte musical das peças –
elemento importante como atrativo de público – com as quais esteve envolvido.
Mais como maestro e menos como violinista, geralmente atuou no ordenamento e
arranjo musical das canções executadas e na regência da orquestra ou banda que
tocava nas peças.
É
difícil estabelecer formas de impacto ou de estabilidade financeira adquiridas
por Duque Bicalho nessa indústria do divertimento. Analisando a atuação de
artistas do teatro de revista (maestros, compositores, atores, bailarinos) no
Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, Tiago de Melo Gomes (2004)
constatou que essa foi uma atividade que deu muito lucro financeiro aos grandes
empresários do ramo revisteiro, mas poucos benefícios em termos de salários e
qualidade de trabalho aos artistas. Em seu estudo, o autor observou que a média
salarial dos maestros do teatro de revista no início da década de 1920 girava
entre 250 e 900 mil réis, dependendo da empresa contratante e da audiência das
peças. Por outro lado, a Empresa Pascoal Segreto, uma das mais famosas do ramo
do entretenimento carioca, só com a apresentação de uma peça (A pequena marmita)
no Teatro Carlos Gomes, no mês de janeiro de 1923, faturou nada menos que 10
contos de réis, um valor estratosférico para o período (Gomes, 2004, p. 96).
Seja como for, o ofício de maestro no teatro de revista proporcionou alguma
vantagem ou interesse – financeiro ou de capital cultural – para Duque Bicalho,
tanto que ele trabalhou assiduamente nesse ramo entre o início da década de
1910 até 1930, quando deixou de lado tal atividade para se dedicar à sua então
recém-criada escola de música. Foi, inclusive, o teatro de revista que
popularizou – e visibilizou positivamente – a sua atuação enquanto compositor e
maestro.
Um dos
primeiros trabalhos de Duque Bicalho no teatro de revista ocorreu em Juiz de
Fora em fins de 1909, quando, segundo a imprensa, ele musicou a “revista Caras
& Carões”, de autoria de Albino Esteves, peça para a qual ele também
escreveu “lindíssimos trechos de sua lavra” (Palcos [...], 1909, p. 2). Musicar
uma peça poderia significar muita coisa. Na interpretação de Tiago de Melo Gomes
(2004), a parte musical do teatro revisteiro era, em geral, arranjada por
maestros que, arbitrariamente, adaptavam composições já existentes, eliminando
e adicionando seções inteiras ou criando novas letras, arranjos e melodias. É
provável que Duque Bicalho tenha usado esse expediente comum no universo do
teatro de revista em sua atuação como maestro. Esse pode ter sido o caso das
comédias “A morte do galo” e “Os sinos de Corneville”, exibidas no Teatro Éden,
de Juiz de Fora, nas quais foram “executadas ótimas peças do escolhido
repertório de Duque” (Teatro Éden [...], 1910b, p. 3).
Caso
semelhante deve ter ocorrido com a comédia “Os candidatos”, “da lavra de
Belmiro Braga”, que “foi especialmente escrita pelo maestro Duque Bicalho”
(Palcos [...], 1910, p. 2). Conhecedor da indústria de diversão, especialmente
aquela produzida pelo teatro de revista, Duque Bicalho soube tirar proveito
quando tal gênero passou a ser visto cada vez mais como uma mercadoria
valorizada pelo circuito de comunicação de massas. Talentoso, empregou suas
habilidades e disposição nesse empreendimento, tornando-se rapidamente um dos
mais conhecidos maestros de “revista” da cidade.
A
imprensa juizforana divulgou o “sucesso” construído e alcançado por Duque
Bicalho nesse universo que os próprios jornais chamaram de “mundo da
distração”. No início de 1910, por exemplo, ele “musicou” as “revistas” “Os
candidatos” e “Na roça”, de Belmiro Braga, “Vamos ao cinema”, de Albino
Esteves, a burleta “Diabruras de um velho”, de Arthur Penna e a comédia “O
bígamo”, de José Rangel (Palcos [...], 1910, p. 2). Infelizmente, o enredo e as
letras das canções de tais peças se perderam no tempo, mas elas tiveram boa
aceitação entre os públicos, já que, conforme anunciou a imprensa, todas
ficaram em exibição no Teatro Éden, de Juiz de Fora, ao longo de todo o mês de
maio (Teatro Éden [...], 1910a, p. 2).
O
Pharol foi o jornal que mais dedicou espaço à divulgação da obra de Duque
Bicalho no teatro de revista. É verdade que a maioria dessas referências foi
concebida pelo seu amigo Francisco Brant Horta (1877-1959), professor, escritor
e musicista, que atuou como crítico teatral n’O Pharol. Esse pode ter sido um
dos motivos pelo qual as menções a Duque Bicalho e seu trabalho no jornal
foram, na maioria das vezes, elogiosas. Mas também não podemos desconsiderar
que tais fatos demonstravam o reconhecimento de um dos principais jornais do
país (e, por consequência, de parte do seu público leitor) do talento e da
competência profissionais de Duque Bicalho.
Alcunhado
por Brant Horta como “habilíssimo musicista” (MAESTRO Bicalho, 1912, p. 3),
Duque Bicalho certamente usou o destaque positivo dado pela imprensa ao seu
trabalho como um espaço de visibilidade e ascensão social, tanto que, quando O
Pharol fundou o seu cinema homônimo, ele foi contratado como regente da sua
orquestra (Cineteatro Pharol [...], 1911, p. 1). O seu êxito no mundo da música
extrapolou os limites de Juiz de Fora, o que lhe proporcionou trabalhar em
algumas companhias musicais itinerantes. Em agosto de 1914, ele saiu em turnê
pelo estado de Minas Gerais com os duetistas “Os Geraldos”, grupo cançonetista
formado pelos músicos Alda Magalhães e Geraldo Magalhães, contratados pela
Companhia Ruas, empresa portuguesa do ramo revisteiro (Turnê d’Os Geraldos [...],
1914, p. 2).
Ao
longo dos meses de agosto e setembro, a “trupe” fez apresentações nas cidades
de Juiz de Fora, Barbacena, Ouro Preto e Belo Horizonte, tendo alcançado
“estrondoso sucesso”. Segundo destacou o editorial da famosa revista Teatro
& Sport, Duque Bicalho foi um dos artistas mais enfocados do grupo e “as
assistências dos quatro cantos de Minas” tiveram a oportunidade de “apreciar a
educação artística esmerada do tão valioso e distinto maestro” (Os Geraldos
[...], 1914, p. 4).
Justamente
por conta do seu trabalho como maestro no teatro de revista, Duque Bicalho não
demorou a enveredar pela então nascente indústria fonográfica. Em 1913, ele
lançou pela prestigiada Casa Edison a sua primeira canção em disco. “A Rolinha”
apareceu no mercado fonográfico nas vozes dos integrantes do Grupo Hamburguês,
banda sobre a qual não encontramos nenhuma informação[2]. O Instituto Moreira Salles que guarda a
sonografia de tal canção a classificou como um “samba”, mas é possível que se
trate na verdade de uma melodia de marcha, valsa, maxixe, polca ou até choro,
já que, conforme notou Maria Clementina Pereira Cunha:
A
primeira década do século XX era um momento em que o samba sequer existia no
sentido em que o pensamos hoje, isto é, como um gênero musical com características
bem definidas. Embora alguns músicos já adotassem o rótulo de “sambistas”, eles
identificavam na época suas composições como polcas, maxixes, lundus e só muito
eventualmente como sambas (Cunha, 2015, p. 209).
De todo
modo, “A Rolinha” é uma canção instrumental que pode ter sido concebida para o
circuito do teatro ligeiro, para as marchas de carnaval ou então voltada para
serestas, emboladas e cançonetas de palco, ambientes em que seu arranjo ou
melodia poderiam sofrer alterações e adaptações, como era comum nesses
circuitos do entretenimento. Seja como for, Duque Bicalho estabeleceu formas de
ingresso e permanência no espaço do mercado fonográfico e na profissionalização
musical[3]. De fato, a difusão do circuito de
espetáculos, especialmente o teatro de revista, a emergência do rádio e do
cinema e o aperfeiçoamento da gravação elétrica impulsionaram o surgimento de
um amplo mercado de trabalho para músicos e compositores. José Eutrópio também
soube aproveitar esse cenário de intensa transformação no universo do
entretenimento. Assim como Duque Bicalho, ele se inseriu na indústria da
diversão, especialmente a de partituras, a fonográfica e os teatros de revista.
Um dos
primeiros trabalhos de José Eutrópio no teatro de revista aconteceu em Juiz de Fora,
em parceria com o seu amigo Duque Bicalho. Ambos “musicaram” a peça “Juiz de
Fora em flagrante” de autoria de Mário Mattos (Juiz de Fora [...], 1915, p. 4).
Não restaram registros sobre o texto da peça, tampouco sobre os seus quadros
musicais, mas segundo a imprensa, tratou-se de uma “revista” que alcançou
significativo sucesso e audiência entre o público. O crítico teatral Ataliba
Vianna, em sua apreciação da peça, apresentou alguns dados interessantes. A
“revista” ficou em cartaz em Juiz de Fora ininterruptamente por cerca de um mês
e foi exibida no Teatro Novelli e no Teatro Arthur Azevedo e contou com a
performance de um extenso corpo cênico, do qual o crítico literário citou “as
senhoritas Luiza e Conceição Barbosa, Yolanda, Maria e Hermínia e os senhores
Carlos Guimarães, E. Franzosi, J. A. Ribeiro, G. Andrade, Correa de Almeida, C.
Correa, H. Bartels, José Gonçalves, A. Smith, Norival Mendes, Braz Heitor,
Taveira, Argeu Almeida, Carlos, Alberto e Bartels” (Vianna, 1916, p. 3).
Conforme
observamos anteriormente, “musicar” uma peça poderia significar muita coisa. No
caso específico de “Juiz de Fora em flagrante”, José Eutrópio “musicou” as
letras das canções que foram apresentadas na “revista”, cujos versos ficaram
perdidos no tempo. O memorialista juizforano Paulino de Oliveira (1974, p. 28)
lembrou que, uma dessas canções, fez muito sucesso na cidade. Uma de suas
estrofes entoava:
“Eu
sou a primavera,
Eu
sou a vida em flor,
Descendo
da quimera,
Eu
sou, eu sou o amor”.
É
difícil, em vista dos registros disponíveis, estabelecer o assunto, a temática
ou os propósitos dessa peça, mas o seu título e o curto trecho da letra de uma
das suas canções sugerem ter se tratado de um enredo que discutia assuntos
ligados ao regionalismo, tema recorrente no teatro ligeiro do período. De fato,
esse foi um conteúdo do qual José Eutrópio se ocupou em suas peças de teatro de
revista. A “revista” “Meu boi morreu”, sobre a qual não dispomos de mais
detalhes para além do seu título e local de exibição, parece ter sido também
uma montagem que teve como mote discutir os sentidos atribuídos ao discurso
regionalista. Exibida em três sessões ao longo do mês de janeiro de 1922 no
Cineteatro Paz, ela não parece ter tido o sucesso – ao menos em relação ao
número de exibições – que outra produção de sua autoria (Cineteatro Paz [...],
1922, p. 3).
“Pitangueira
não dá mangas!”, segundo anotou a imprensa, “subiu à cena, com grande sucesso,
tendo ficado em cartaz ao longo de todo o mês de maio”. Uma das raras
descrições da peça foi elaborada pela pena de Gilberto de Alencar, destacado
jornalista juizforano e amigo pessoal de José Eutrópio. Sem detalhar o enredo
da peça ou explicitar seus números e quadros, o comentarista anotou que se
tratou de “um caprichado trabalho da lavra de um dos mais belos talentos da
moderna geração mineira”, cuja “música, acentuadamente popular, [era] uma
produção original do maestro Duque Bicalho”, o que causou “as mais lisonjeiras
impressões no público”.
Além
disso, de acordo com o jornalista, a peça “dançou, em linhas vivas, os quebros
voluptuosos de jongo africano com os sapateios céleres do cateretê mineiro”
(Alencar, 1922, p. 3). Segundo sugere a descrição de Gilberto de Alencar, José
Eutrópio e Duque Bicalho ao darem destaque em sua peça ao jongo e ao cateretê,
canções fortemente marcadas por uma marca negra e também por uma idealização
sertaneja ou regionalista, usou a sua produção teatral como espaço de debate
sobre a invenção e definição da nacionalidade e da regionalidade – temas que se
tornaram recorrentes em suas criações.
Essa
parece ter sido a visão do comentarista que, ao fim de sua crítica, chamou-os
de “artistas coloreds”, cujos “triunfos nos teatros mineiros, [vinham] de longa
data, nos quais seus trabalhos têm sido calorosamente aplaudidos. Eutrópio, o
revistógrafo cheio de humorismo e de verve, e Duque, o maestro emérito e
habilíssimo, mais e mais se impõem à estima das plateias que não se cansam de
os aplaudirem” (Alencar, 1922, p. 3). A expressão “artistas coloreds”, isto é,
artistas negros, não se referia apenas à cor da pele ou condição racial de
Duque Bicalho e José Eutrópio, mas também ao tipo de produção de entretenimento
– e aos significados políticos atribuídos a ela – que ambos estavam produzindo
naquele momento: a politização da questão racial no mundo dos divertimentos.
3 Identificando os
elementos que constituíram a identidade nacional brasileira nas visões de José
Eutrópio e Duque Bicalho: o elogio às culturas negras
Em
meados de 1926, Duque Bicalho e José Eutrópio passaram um curto período no Rio
de Janeiro para uma temporada no Teatro Carlos Gomes. Ao longo do mês de julho,
eles trabalharam na montagem da “burleta A noiva do Leão”, uma “esplêndida
revista caipira”, de autoria de Manoel Mattos, segundo noticiou a imprensa (A
noiva [...], 1926, p. 5). A música do espetáculo ficou a cargo de Duque
Bicalho. Já a coreografia das/os coristas (bailarinas/os) e a montagem dos
cenários coube a José Eutrópio. Entre os vários atores e atrizes da peça, a
imprensa deu destaque para Sebastião Arruda, conhecido como “rei dos caipiras”,
mas salientou que “todos os demais artistas do elenco tinham ótimo papel”. Por
tudo isso, mas também pelo “ineditismo, graça de suas situações e os preços
ultra popularíssimos”, a peça estava provocando uma “verdadeira romaria ao
Teatro Carlos Gomes” (A noiva [...], 1926, p. 5).
Novamente,
ao que parece, José Eutrópio flertou em seu ofício de revistógrafo com o debate
sobre o regionalismo, já que “A noiva do Leão” também abordou temáticas
relacionadas às narrativas sertanejas e regionalistas. Na verdade, essa
aproximação com o regionalismo fazia parte de um processo mais amplo. A partir
do diálogo – e, em determinados momentos, do afastamento – com as influências
do modernismo mineiro em voga naquele momento, José Eutrópio buscou em sua
atividade intelectual reformular e dar novos sentidos às noções de modernidade
e de tradição em voga no momento. O modernismo mineiro, também chamado de
mineirismo, na interpretação de Mônica Pimenta Velloso, “foi um conjunto de
valores e expressões que, referindo-se à existência de um ‘espírito mineiro’,
mas sem se restringir ao regional, exerceu influência na modelação de uma
subjetividade identitária entre intelectuais do início do século XX” (Velloso,
2010, p. 60).
Não se
tratou de uma filosofia homogênea compartilhada coerentemente por diferentes
intelectuais e artistas. Mas, foi sim, um movimento polifônico que, a exemplo
do que ocorria em outras partes do Brasil, pensou um projeto intelectual
empenhado na construção de uma identidade mineira no contexto das invenções de
expressões da identidade nacional[4]. Em que pese as diferenças de orientação
filosófica e política das muitas vertentes que compunham o movimento do
modernismo mineiro, Mônica Pimenta Velloso observou que tais grupos e seus
integrantes compartilhavam uma noção comum de mineiridade enquanto expressão do
que então se entendia por modernidade:
A
ideia de progresso convive com a dimensão valorativa do rural e local.
Expressando visão crítica em relação às normas civilizadoras europeias e
cosmopolitas, o mineirismo valorizava a rusticidade, a vida simples e o domínio
do privado como essência da alma mineira. A culinária mineira na broa de fubá,
na paçoca, no arroz-doce e angu com quiabo era considerada uma expressão da mineiridade.
Assim, valorizava-se a simplicidade, o apreço à fala e às paisagens locais, ao
lado da crítica ao bacharelismo e ao cosmopolitismo (Velloso, 2010, p. 60).
Contudo,
embora dialogasse com tal perspectiva, José Eutrópio tinha outras formas de
interpretá-la. Na verdade, ele não foi um expoente do modernismo, isto é, um
pensador que se dedicou a refletir sua produção a partir dessa vertente, mas
sim gestou suas obras, especialmente o teatro de revista, em diálogo com
intelectuais modernistas e com o amplo repertório conceitual dos modernismos de
então. A intenção aqui é menos qualificar a sua obra como modernista – ou como
símbolo daquilo que foi cunhado como modernismo – e sim compreender as leituras
que ele fez daquilo que correntemente era denominado como movimento moderno no
Brasil. Nesse sentido, estamos discutindo aquilo que Rafael Cardoso (2022)
chamou de “modernismos alternativos”, “modernidade inclusiva” ou “modernidades
periféricas”, isto é, a compreensão de que a modernização cultural foi um
fenômeno histórico disperso e diverso.
Em
1925, quando alguns dos representantes do mineirismo, como Carlos Drummond de
Andrade, Emílio Moura, Martins de Almeida, Gregoriano Canedo e outros jovens
literatos, lançaram A Revista em Belo Horizonte, considerada uma publicação de
“arte e cultura” como dizia seu editorial, José Eutrópio comentou as suas
impressões sobre o periódico:
O
jovem grupo d’A Revista surge com um programa de ideias e de ação que quer um
Brasil brasileiro e uma Minas mineira, que se desenvolvam dentro do espírito do
seu passado, contribuindo com as suas originalidades para a riqueza do conjunto
nacional e para a harmonia de todo brasileiro [...]. Esperamos que se lembrem
da nossa verdadeira história, dos autênticos antepassados do povo brasileiro –
os povos das costas d’África – guardiões da tradição da nossa brasilidade. Sem
a sua incorporação não teremos nunca um Brasil e uma Minas vivamente
caracterizados na sua vida (Eutrópio, 1925, p. 2).[5]
O
principal argumento da análise de José Eutrópio – a concepção cultural e
histórica de uma noção de raça enquanto fundamento da identidade nacional, ou
da brasilidade, e da mineiridade – foi um dos principais elementos da sua
produção intelectual ao longo dos anos 1920. Uma de suas peças de teatro – que
ele considerou a mais importante de sua “obscura lavra” (Eutrópio, 1926, p. 2)
– elegeu elementos da cultura negra, com destaque para as tradições e heranças
africanas, como uma das mais importantes singularidades culturais brasileiras e
como metáfora da formação nacional.
Nesse
processo, José Eutrópio privilegiou alguns símbolos específicos da cultura
negra, enquanto outros foram deixados de lado. Assim, o emprego de produtos
culturais associados às gentes negras foi feito de modo bastante seletivo. Como
veremos adiante, ao menos no caso da sua peça “Uma noite pelo Paraibuna”, ele
usou a música negra como a principal expressão de uma noção de cultura negra,
deixando de lado outras manifestações consideradas naquele momento como marca
de identidade e cultura das gentes negras, como vestuário, culinária ou
práticas religiosas. Desse modo, intencionalmente, ele selecionou o que deveria
ser interpretado como tradição, criando hierarquias e silêncios entre tais
práticas culturais. Evidentemente, essa seleção intelectual era fruto de
diálogos e disputas, mas infelizmente não localizamos registros em sua produção
à qual tivemos acesso para avançar nessa argumentação.
O certo
é que as discussões promovidas por José Eutrópio não estavam isoladas de
debates semelhantes que ocorriam em um âmbito mais amplo. De fato, no Brasil
dos anos 1920, ocorreu um redimensionamento do interesse por algumas expressões
da cultura negra, que passaram a ser crescentemente amplificadas pelos
circuitos da cultura de massas (Abreu, 2017; Dantas, 2011; Gomes, 2004). Mas,
empregar expressões da cultura negra como símbolos da nacionalidade ou da
brasilidade não foi tarefa fácil. José Eutrópio e Duque Bicalho tiveram que
lidar com a árdua responsabilidade de administrar os estereótipos e as
representações racistas costumeiramente associados às gentes negras no
pós-abolição. Neste sentido, o desafio por eles enfrentado na indústria do
entretenimento foi elaborar repertórios com a finalidade de formar uma
atmosfera favorável à associação entre cultura negra e caráter nacional.
Conforme observou Marc Hertzman, a dificuldade enfrentada por intelectuais e
pensadores da cultura negra foi elaborar formas de “moldar as ideias de raça e
nação de maneira que não os obrigasse a escolher entre as duas” (Hertzman,
2014, p. 332).
Certamente,
esse foi um dos desafios enfrentados por José Eutrópio na redação do texto,
produção e encenação de “Uma noite pelo Paraibuna”. Infelizmente, restaram
raríssimos registros sobre tal “revista”, mas, que, contudo, apresentam
detalhes interessantes sobre o seu enredo e, principalmente, os significados
políticos atribuídos por diferentes sujeitos a ela. No início de agosto de
1926, mês seguinte às suas temporadas no Rio de Janeiro, Duque Bicalho e José
Eutrópio estrearam no recém-inaugurado Teatro Variedades,[6] em
Juiz de Fora, a peça “Uma noite pelo Paraibuna”, que, segundo notou a imprensa,
foi “uma estupefaciente revista de costumes locais” (Teatro Variedades [...],
1926, p. 2). O adjetivo usado pelo jornal, que também pode significar contexto
ou condição que provoca grande espanto ou assombro, resume o impacto – positivo
e negativo – que a peça causou na cidade. O Correio de Minas, no qual José
Eutrópio atuava como crítico literário e teatral, lhe deu espaço generoso na divulgação
e repercussão da “revista”. Uma nota não assinada (que pode, inclusive, ter
tido o seu dedo) apresentou a peça ao público com os seguintes detalhes:
Será
representada no Teatro Variedades a revista em três atos, de costumes locais,
“Uma noite pelo Paraibuna”. A música, distribuída por trinta números, é
lindíssima. O maestro Duque Bicalho produziu especialmente trechos belíssimos e
adaptou outros com grande felicidade. A destacar o delicioso jazz “Chopp”, a
linda valsa “Choras porque queres”, a marcha brilhante da embolada “Seu
Coitinho pegue o boi”, o tango “Os dois que se gostam”, o encantador choro
“Cabocla bonita”, o lundu “O samba do urubu” e diversos maxixes retumbantes
(Pelo teatro [...], 1926, p. 2).
A parte
musical da peça chamou a atenção do colunista, tanto que ele nos ofereceu, em
detalhes, as canções que a plateia ouviu ao longo das exibições da “revista”.
Percebe-se que a música foi cuidadosamente selecionada para configurar uma
determinada imagem da cultura negra representada na peça. Isso porque, segundo
Martha Abreu (2017, p. 79), as canções, melodias ou gêneros musicais, como os
“batuques, jongos, lundus, tangos, maxixes, sambas, e os ritmos atlânticos e
transnacionais ragtime, cakewalk e o jazz, desde o final do século XIX, estavam
profundamente associados a uma certa noção essencializada de cultura negra”.
Assim, ao selecionar esses ritmos afrodiaspóricos para o seu espetáculo, Duque
Bicalho e José Eutrópio procuravam consolidar a associação entre esses gêneros
com o imaginário do que eles entendiam como uma legítima expressão cultural
negra.
Contudo,
não podemos desconsiderar que, nesse contexto, tais gêneros musicais obedeciam
rigidamente à lógica do mercado. Maria Clementina Pereira Cunha observou que
gêneros musicais definidos como música negra e música popular, “além das
melodias ritmadas, das letras curtas com refrões de boa memorização, passaram a
insistir em temas ‘vendáveis’, que pudessem integrar um repertório capaz de
agradar de maneira indiferenciada ao público consumidor” (Cunha, 2015, p. 433).
Nesse sentido, é possível sugerir que a escolha do repertório musical da peça,
com músicas identificadas com uma cultura negra, respondeu mais às exigências
do público e da indústria da diversão e menos a uma possível identificação
racial por parte dos espectadores.
Esse
foi um debate que, inclusive, extrapolou a questão das músicas apresentadas na
peça. Tal discussão apresenta as influências, mas também os limites da produção
intelectual de José Eutrópio e de Duque Bicalho. Assim, pode-se conjecturar até
que ponto a projeção de uma cultura negra como marca da identidade nacional foi
escolha deles ou foi uma imposição de plateias, críticos e da própria indústria
da diversão. O mesmo pode ser dito em relação à temática do regionalismo, ou
como definiu a imprensa, da produção de peças de “costumes locais”.
Montar
“revistas” que reproduziam uma imaginada (e, não raras vezes, estereotipada)
visão da vida interiorana foi uma escolha de José Eutrópio ou uma exigência da
indústria da diversão? É uma pergunta difícil de ser respondida, mas o fato é
que, semelhante às suas outras produções teatrais, “Uma noite pelo Paraibuna”
também investiu nos “costumes locais” como um argumento fundante de seu enredo
e, certamente, como um chamariz de público. Novamente, a nota sobre a peça
publicada no Correio de Minas apresenta detalhes importantes:
O
título [da peça], como se sabe, galardoa o importante rio que corta a cidade de
Juiz de Fora. A peça apresenta as aventuras de um grupo de moradores do Botanágua,
bairro suburbano de gente pobre e operosa, gozando dos prazeres da vida moderna
oferecidos pela elegante rua Halfeld, no centro da cidade: o footing no parque,
o alto-falante da Galeria Pio X, os cinemas. O entrecho se desenrola ao redor
do casal Benedito Carriço e Maria do Rosário da Cruz, papel que será da artista
negra Ascendina Santos, que é uma verdadeira novidade no gênero, representando
um tipo da gente brejeira de Juiz de Fora. Tal é o ponto de partida da peça, na
qual o espírito e a verve do revistógrafo José Eutrópio divertem continuamente
a assistência (Pelo teatro [...], 1926, p. 2).
Como
notou o jornal, o próprio título da peça homenageou uma das principais marcas
da estética espacial de Juiz de Fora – o rio Paraibuna –, estabelecendo, assim,
um diálogo com uma perspectiva simbólica do regionalismo. A partir de um tipo
comum no teatro de revista – o pobre que vivia nos arrabaldes ou em regiões
suburbanas das cidades –, a peça tomou como um dos seus cenários o bairro
Botanágua, localidade que teve sua imagem vinculada à pobreza, tanto pela
imprensa, como pelos memorialistas juizforanos.
Nessas
narrativas, as menções ao Botanágua e aos seus moradores vinham, em geral,
acompanhadas de adjetivos (pejorativos, na maior parte dos casos) como “bairro
de gente obscura e humilde”, “bairro pobre”, “lugar de sofrimento e miséria”,
“amontoado de barracões toscos” entre outros que a imprensa local,
especialmente O Pharol, divulgou em suas páginas nas edições do início do ano
de 1926. O memorialista Paulino de Oliveira, apesar de promover uma visão um
tanto idílica do bairro, ainda assim não deixou de apresentá-lo com certo
preconceito, tendo considerado o Botanágua “uma encosta semeada de casinhas
rústicas, de ruelas miseráveis, povoadas de gente de feições ruins, acostumada
a tudo e não hesitando diante de coisa alguma” (Oliveira, 1974, p. 30).
Ao
escolher tal bairro como cenário de sua peça, José Eutrópio teve em mente mais
do que reduzi-lo ao espaço onde se ajuntavam as gentes pobres da cidade, mas também
expor as expectativas e os desafios enfrentados por tais sujeitos. Não por
acaso, algumas semanas antes havia sido iniciada a construção de uma ponte de
cimento armado sobre o rio Paraibuna, a qual receberia os trilhos da linha de
bonde que ligaria a parte alta do Botanágua ao Centro da cidade – um
melhoramento urbano há tempos reclamado pelos seus moradores (A ponte [...],
1926, p. 3).
De
fato, conforme notou Tiago de Melo Gomes, a grande marca do teatro ligeiro foi
o permanente debate sobre as questões da atualidade. Assim, ao encenar assuntos
relevantes do momento, as “revistas” promoviam “um permanente debate sobre os
temas correntes em termos que permitiam múltiplas compreensões por parte de uma
plateia diversificada” (Gomes, 2004, p. 35). No caso específico de “Uma noite
pelo Paraibuna”, é possível considerar que o debate em torno do acesso das
gentes pobres aos direitos políticos e ao status de cidadania foi um tema
paralelo dentro da peça. Óbvio que deve ter sido abordado seguindo os princípios
do teatro revisteiro, isto é, com enfoque satírico e humorístico no tratamento
dos acontecimentos cotidianos que mobilizavam a cidade.
O outro
espaço de Juiz de Fora retratado na peça foi a sua região central,
especialmente a Rua Halfeld. Tal logradouro foi apresentado na imprensa, em
romances e contos, na produção de memorialistas, mas principalmente nas
fotografias produzidas a partir do início do século XX com seu traçado
estreito, mas com a presença de postes para distribuição de energia elétrica, palacetes
e prédios em estilo eclético – símbolo da estética arquitetônica da belle
époque –, além da presença de automóveis e do intenso movimento de pessoas.
Isso é, um símbolo da modernidade e do cosmopolitismo de Juiz de Fora naquele
período.
De
acordo com a observação de Ana Lúcia Fiorot de Souza (2005), a condição de
principal logradouro da cidade fez da Rua Halfeld um espaço que incentivava a
mistura de grupos diferentes, em busca de seu ativo comércio no dia a dia e
também das suas opções de lazer, diversão e entretenimento. Por certo, essas
imagens que ligavam a rua a expressões da ideia de vida moderna ou de
progresso, foram propositalmente usadas por José Eutrópio. Considerando que o
teatro de revista foi um palco da polissemia, que oferecia aos seus diversos
grupos de frequentadores a oportunidade de interpretar, de forma diferenciada,
o que viam e ouviam, o revistógrafo possibilitou aos diferentes espectadores da
sua peça participar da construção dessas representações da cidade moderna.
Frequentar
os cineteatros, boa parte deles localizados na Rua Halfeld, como foi o caso do
Polytheama, nos quais se poderia encontrar todo tipo de entretenimento, ou a
Galeria Pio X, prédio formado por cafés-concerto, lojas variadas e de outros
tipos de estabelecimento de prestação de serviços, fundada em 1923, também
situada na Rua Halfeld,[7] representava
não somente formas de simbolizar a modernidade e o cosmopolitismo, mas também a
possibilidade do consumo de novos valores, comportamentos, papéis e relações
sociais. Entre essas novas práticas e hábitos, forjadas como modernas, José
Eutrópio procurou dar destaque para padrões de comportamento e de concepção de
uma dignidade negra.
Talvez
por essa razão, as duas principais personagens da peça, os cônjuges Benedito
Carriço e Maria do Rosário da Cruz, que acreditamos ser um casal negro, haja
vista que uma das personagens foi interpretada por uma atriz negra, exibiram
nome e sobrenome, o que pode indicar o interesse do autor em evidenciar sua
inserção em uma rede familiar e a valorização da família negra enquanto
instituição social. Diferente do que ocorria com mais frequência no teatro
ligeiro, José Eutrópio não reduziu as suas personagens negras ao estereótipo
(racista, em muitos casos) do malandro ou da mulata, tipos alegóricos comuns no
mundo do entretenimento revisteiro, aquilo que Paulo Roberto de Almeida chamou
de “personagens-tipo”, isto é, o lugar comum destinado ao negro (como
personagem ou artista) no teatro de revista (Almeida, 2016, p. 15).
Assim,
é possível considerar que, para José Eutrópio, o teatro de revista foi visto
como uma ferramenta de promoção e discussão de noções de respeitabilidade
negra, além de espaço de entretenimento. José Eutrópio possuía pleno domínio da
técnica de expressar opiniões sem deixar de construir um texto polifônico e
aberto a diversas interpretações. Benedito e Maria do Rosário, não por acaso
ostentando os nomes de dois santos de grande popularidade entre as comunidades
negras, poderiam ser interpretados, a partir de diferentes lentes, como
expressões de uma cultura negra nacional. Assim, essas personagens deveriam
servir como personificação da ideia de nação que o revistógrafo projetava
através da sua peça. Tal possibilidade se torna mais plausível quando
observamos o contexto de sua produção e as redes de interlocução nas quais
estava imersa.
Pouco
tempo antes da estreia da peça “Uma noite pelo Paraibuna” teve início na
imprensa mineira um intenso movimento pró-monumento à Mãe Preta, organizado por
diferentes sujeitos com intenções diversas. A imagem da Mãe Preta, comumente
confundida com a figura da ama de leite ou da criada da “casa grande”, evocava
figuras mitológicas e sobrevivências dos tempos passados da escravidão e era um
tanto comum no imaginário social do início do século XX (Alberto, 2014; Seigel,
2007). Contudo, a partir da década de 1920 e, sobretudo, nos anos 1930, esse
mito e suas representações ganharam nova perspectiva a partir da noção de uma
mestiçagem cultural e biológica que defendia a ideologia de uma sociedade fundada
– e fundamentada – a partir de relações raciais harmônicas e sem conflito
(Andrews, 1997; Guimarães, 2021). Na verdade, conforme notou Carolina Vianna
Dantas (2009), as temáticas em torno da miscigenação e da mestiçagem no Brasil
não foram fenômenos interpretados de forma homogênea e a Mãe Preta, como
símbolo dessas narrativas políticas, também não foi lida de maneira uniforme e
harmoniosa por diversos sujeitos e grupos sociais.
Assim
como ocorreu em outras partes do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, em
Minas Gerais, políticos, intelectuais e militantes dos movimentos negros
criaram movimentos pró-monumento à Mãe Preta. A ideia era levantar estátuas ou
outros símbolos semelhantes em diversas cidades com a intenção de estabelecer
espaços de memória sobre a figura emblemática da Mãe Preta. Ainda que esse
tenha sido o objetivo comum de vários grupos, as suas finalidades divergiram
consideravelmente. Em Minas foi o deputado federal Ranulpho Bocayuva Cunha que
iniciou a ideia da criação de um monumento. Em um artigo publicado na imprensa,
no qual expôs os seus objetivos com tal projeto, disse que:
O
tributo louva[va] a Mãe Preta, integrada, a 13 de maio de 1888, na comunhão
nacional e, em cujos braços, foram embalados os maiores homens do Império e da
República – a obstinada mucama da era passada – que colaborou com a mãe branca
na criação de filhos ilustres, que honraram a nossa Pátria, elevando bem alto o
nome daquelas que lhes deram o ser (Cunha, 1926, p. 2).
O
argumento do deputado apontou que não estava no seu campo de interesse utilizar
o seu movimento pró-monumento à Mãe Preta, nem tampouco a própria figura da Mãe
Preta, como espaço de debate de questões relacionadas com possíveis noções de
igualdade racial. Na sua interpretação, o tipo de mestiçagem que a imagem da
Mãe Preta deveria simbolizar ou representar pressupunha o elogio do
branqueamento, entendido naquele contexto como uma ideologia de harmonia
racial, isto é, uma ideia usada por setores das elites políticas para negar as
formas existentes de racismo e fazer circular imagens e representações de
convivência harmoniosa entre negros e brancos.
De
fato, conforme observou Micol Seigel (2007), esse grupo “conservador”,
geralmente formado por homens brancos do campo da política e das letras, usou o
símbolo da Mãe Preta para construir uma ideia de relações raciais e sociais que
ela chamou de “fraternidade racial sem igualdade racial”. Entretanto, no
interior de outros grupos, como na imprensa negra e em outros espaços do
associativismo negro, como os clubes negros:
Pensadores
e militantes negros elegeram a Mãe Preta para proclamar, de forma inequívoca, a
centralidade da cor negra e dos símbolos, pessoas e cultura a ela associadas na
sociedade brasileira. Cultural ou biológica, tal centralidade parecia ser uma
premissa para a efetiva inclusão dos negros no corpo político e social da
nação. Militantes interessados em reivindicar a plena cidadania e a extensão de
direitos aos negros viram na proposta um veículo adequado a tal finalidade
(Seigel, 2007, p. 318).
Esse
foi o caso de José Eutrópio. Assim que soube do projeto do movimento
pró-monumento à Mãe Preta, lançou na imprensa juizforana uma nota, à qual dizia
ter “[surgido] e [achado] eco gratíssimo a ideia do dr. José Eutrópio de ser
erigido nesta cidade um monumento à Mãe Preta, memorando o carinho e o
devotamento da mãe de todos os brasileiros” (Monumento [...], 1926, p. 3).
Pouco depois, outro artigo, desta vez de autoria do próprio José Eutrópio, um
pouco mais extenso e coadunando com a proposta progressista próxima de uma
ideologia de inclusão racial e de uma retórica antirracista defendida por
intelectuais e militantes negros, apareceu na imprensa:
Temos
erguido muitos vultos que se tornaram credores da admiração e da gratidão do
povo. Existem em praças públicas outras mostras dos nossos cultos aos fastos do
passado. Por que, pois, não erguemos uma herma que mostre o heroísmo da raça de
cor? Essa é uma dívida que deve e precisa ser paga. Amanhã, as crianças ao
vê-la na praça pública, indagarão aos pais, o que ela representa, e eles
poderão ensinar aos pequenos um pouco de civismo, revelando-lhes o porquê da
gratidão aos que ajudam na construção da Pátria. A construção do monumento à
Mãe Preta é um ato de justiça àqueles que tudo têm nos ofertado para que
sejamos o que somos hoje: uma grande Pátria civilizada. Todos os defensores do
regime da confraternização dos brasileiros não podem negar o influxo da
população negra. Glorifiquemos nossos antepassados! (Eutrópio, 1926, p. 2).
Na
interpretação de José Eutrópio, a figura da Mãe Preta deveria representar não
somente a característica de uma personagem específica, mas sim a própria
originalidade e autenticidade da nação. Realmente, de acordo com a análise de
Paulina Alberto, “a maioria dos intelectuais e militantes negros que discutiram
o monumento à Mãe Preta a transformou em um emblema de contribuições
marcadamente negras à nação, defendendo a existência continuada de uma raça
negra intacta e orgulhosa diante das ideologias mistura e embranquecimento”
(Alberto, 2014, p. 82). Contudo, essa discussão sobre inclusão racial pela via
do reconhecimento da condição de cidadania e de dignidade das gentes negras
causou incômodos em diversos sujeitos e grupos sociais. No caso de Juiz de
Fora, foi o jornalista e professor Lindolfo Gomes (1875-1953) que se manifestou
profundamente incomodado com o movimento pró-monumento à Mãe Preta organizado
por intelectuais e militantes negros e a sua politização no debate público[8]. Na imprensa, ele se manifestou do seguinte
modo:
A
Mãe Preta é digna do monumento como digna é a Mãe Índia que foi a dona de nosso
país. Bem mais acertada seria que se levantasse um alteroso monumento, no qual,
alegoricamente, as mães branca, preta e vermelha se estivessem estreitando
ternamente num abraço. Embaixo, em segundo plano, veríamos a massa da população
que é a nossa raça, fusão direta ou indireta das três outras. Por que, então,
não prestemos homenagem à Mãe Branca dos brasileiros, verdadeira fonte e origem
do que há de mais firme e nobre no nosso caráter e na nossa índole como nação?
(Gomes, 1926, p. 2).
A
insatisfação (um tanto racista) do professor Lindolfo expõe o pavor e o medo
que as elites intelectuais brancas tinham da ideia de inclusão racial enquanto
compromisso político de reconhecimento da cidadania e dos direitos das gentes
negras. Sua oposição pode ser lida como uma defesa de um projeto de
branqueamento cultural profundamente informado por uma ideia hierárquica de
cultura e identidade mestiça do povo brasileiro, mas sem marcas africanas e/ou
negras e indígenas. De acordo com a interpretação de Paulina Alberto, não se
tratou de um pensamento isolado:
Fraternidade,
para a maioria desses homens brancos, implicava a inclusão da raça negra na
família brasileira, mas de uma maneira que expressava nostalgia por um passado
hierárquico e escravocrata. Além disso, embora muitos desses escritores brancos
afirmassem que o monumento à Mãe Preta honraria as contribuições da “raça
negra” à identidade e à cultura brasileira, eles expressavam abertamente a
esperança de que a negritude logo desaparecesse, já que a mistura racial
promoveria o embranquecimento progressivo dos cidadãos brasileiros (Alberto,
2014, p. 380).
Tal
visão conservadora das relações sociais e raciais no Brasil acabou se tornando
unânime tanto no pensamento social, quanto no imaginário coletivo, o que,
talvez, explique o fracasso do movimento pró-monumento à Mãe Preta que não
conseguiu ser efetivado em nenhuma cidade brasileira naquele período. De todo
modo, José Eutrópio assumiu a associação da temática da inclusão racial a um
debate mais amplo sobre identidade nacional possibilitada pelo movimento à Mãe
Preta, como um fundamento de sua produção intelectual. Para ele, a imagem da
Mãe Preta foi simbolicamente útil naquele contexto por corresponder ao seu
projeto de invenção (ou reconhecimento) de uma cultura negra nacional.
Faz
sentido, por exemplo, ele ter escolhido uma atriz negra para interpretar a
principal personagem da sua peça. Em caminho oposto ao que caracteristicamente
ocorria com atrizes e atores negros no teatro de revista, aos quais eram
reservados papéis de representação de tipos como mulatas sensuais, malandros
preguiçosos ou então qualquer personagem “negro” com características físicas ou
de comportamento – racialmente estereotipadas e, na maioria das vezes, racistas
–, José Eutrópio preferiu construir uma outra possibilidade de representar o
negro (e, por extensão, a cultura negra) no teatro ligeiro[9].
Uma
dessas formas foi incluir artistas negros no elenco, como foi o caso de
Ascendina Santos, em vez de recorrer (ou utilizar exclusivamente) a prática do
blackface, um costume amplamente utilizado nesse gênero teatral, no qual
artistas brancos pintavam suas peles de preto e adotavam “comportamentos” tidos
como das gentes negras, para interpretá-los de modo caricatural e racista
(SILVA, 2022). Além disso, José Eutrópio presumivelmente usou a figura da
personagem Maria do Rosário da Cruz, uma mulher casada e, imagina-se,
progenitora de uma família, como forma de apresentar outras possibilidades de
histórias negras serem representadas nos palcos revisteiros.
Pode
ser que a sua peça “Uma noite pelo Paraibuna” contasse com personagens como a
mulata sensual ou o malandro preguiçoso, mas havia também a família negra “pobre,
mas operosa”, conforme divulgou o artigo de publicização da peça, que mostrava
ao público espectador a diversidade de experiências e de possibilidades de ser
negro naquela sociedade. No caso específico da atriz Ascendina Santos, sua
interpretação no papel de uma mulher casada, talvez mãe, mas certamente
trabalhadora “pobre e operosa”, por certo acrescentou outra possibilidade de o
público construir leituras sobre os corpos negros na indústria do teatro de
revista[10].
Nesse
sentido, tanto na peça de teatro, como no caso da campanha do movimento
pró-monumento à Mãe Preta, José Eutrópio procurou construir meios de elaboração
de códigos éticos de respeitabilidade, dignidade e moral para as gentes negras.
Na sua visão, a personagem Maria do Rosário da Cruz, assim como a Mãe Preta,
deveria representar (e ser retratada) como símbolo positivo e respeitável de
uma cultura negra. Isso é, houve nesse projeto a tentativa de desconstrução das
imagens que associavam os corpos de mulheres negras – e das gentes negras, de
uma maneira geral – à erotização e acessibilidade sexual, assim como aos
significados atribuídos a tais imagens.
Esse
tipo de estratégia poderia ser percebido de diversas maneiras, podendo
despertar nos espectadores admiração, distanciamento ou desprezo. Ainda que não
tenhamos registros sobre o impacto da peça entre o seu público espectador, é
possível sinalizar algumas repercussões. O único artigo de crítica à peça que
localizamos na imprensa foi assinado pelo já aludido professor Lindolfo Gomes,
dessa vez subscrito como “João D’aqui”, um dos seus pseudônimos. Seu texto
sugere que a proposta de identidade nacional de Eutrópio, apresentada em sua
peça, foi vista naquele momento por muitos intelectuais como radical, mas que,
contudo, não era inédita. O professor Lindolfo Gomes expressou do seguinte modo
a sua opinião:
Esse
trabalho [a peça], por excelente que seja sob o ponto de vista artístico, e
mesmo patriótico, está longe de constituir o nosso tipo típico. Ressente-se da
falta de originalidade caracteristicamente brasileira. A sucessão de atos que
podem ser pátrios, históricos ou de fantasia, não basta para dar à obra o
sainete da feição intrinsecamente nacional que se quer mister. Os nossos tipos
não são esses que o destacado comediógrafo [José Eutrópio] teima em conservar:
a mulata bamboleante e o homem de cor imbecil. Não são esses os nossos tipos
nacionais! Não são exclusivamente nem racionalmente! Ao nosso teatro é forçoso
ensinar ao brasileiro qual realmente é e qual deve ser o nosso tipo, para que
nele se formem e se componham (D’aqui, 1926, p. 2).
Tal
comentário revela que o aspecto racial provocou desconforto em parte da
intelectualidade juizforana, o que fomentou a elaboração desse posicionamento
abertamente racista por parte do professor Lindolfo Gomes, evidenciando que o
teatro de revista, mas principalmente os temas encenados naquele espaço, eram
objetos de intensa disputa. Essa depreciação de tudo que pudesse ser associado
a uma cultura negra, na perspectiva de uma ideia de igualdade racial, pregada
por José Eutrópio, fez com que, para o professor Lindolfo Gomes, toda a
construção de uma imagem positiva e não estereotipada das gentes negras
propagada pela peça fosse resumida na figura da “mulata bamboleante” e do
“homem de cor imbecil”. Todavia, José Eutrópio também usou a imprensa para
manifestar sua posição em relação à exibição da peça. Pelo tom da narrativa,
certamente se tratou de uma resposta à crítica do professor Lindolfo Gomes.
Escreveu ele:
A
nossa origem africana é certa! A África está em nossa língua cheia de vocábulos
que são corruptelas das línguas do Congo. A música brasileira se caldeou na
melodia dolente dos tambores de África. O espírito da gente brasileira
estremece ainda sob o influxo de uma superstição provinda da delicadeza da alma
africana. Os nossos lares ainda lhes guardam a feição sincera e desinteressada,
devotada e humilde da família. E, todos nós brasileiros, ou temos nas veias, em
menor ou mais forte proporção, sangue africano ou, pelo menos, a
sentimentalidade, a ternura, a afetividade e o estoicismo da raça que tanto
colaborou no desbravamento da terra e utilização do solo. A nossa origem
africana é certa! (Eutrópio, 1926, p. 2).
Em sua
narrativa, José Eutrópio apresentou a idealização de uma África mítica ou a romantização
de uma suposta origem africana de expressões da cultura nacional como argumento
e, ao mesmo tempo, justificativa para considerar certas manifestações da
cultura negra como marca “original” da identidade nacional. José Eutrópio
sugere que a invenção de uma ancestralidade africana, com um sentido e
significado folclórico e fossilizado, poderia oferecer a vantagem de conferir
um caráter menos intimidante (como uma África presa ao passado) e mais
autenticamente brasileiro para a ideia de cultura negra que defendia.
Talvez
por isso, tenha selecionado uma imagem da África – não aquela que sofria a
violência do neocolonialismo do início do século XX, mas a mítica, extinta,
perdida no passado – como marca da originalidade da sua ideia de cultura negra
e, portanto, também parte constitutiva da nação brasileira. Não se tratou de uma estratégia isolada. Na
verdade, naquele contexto havia uma multiplicidade de representações
disponíveis sobre o continente africano, que não aparecia apenas como espaço da
barbárie. A imprensa negra, em várias partes do Brasil, conforme tem
demonstrado pesquisas recentes, construiu e difundiu diversas versões e
interpretações sobre a África no debate público e político das primeiras
décadas do século XX (Reis, 2016; Santos, 2012).
Nesse
sentido, no caso de José Eutrópio, as referências à África significaram uma
possibilidade de construir imagens positivas de um passado remoto e distante,
em que o continente figurava como um cenário mítico e mais alegórico do que
real, mas também estava em jogo a oportunidade de reconhecimento político dos
legados de culturas africanas na formação da sociedade brasileira,
especialmente na constituição de uma nação moderna que se queria inventar nos
anos 1920.
4 Palavras finais
Duque
Bicalho e José Eutrópio foram dois intelectuais de reconhecida importância
social no início do século XX. Mais do que isso, eles também foram pensadores
da cultura negra. Logo, ambos tomaram o campo cultural, especialmente aquele
ligado ao teatro de revista, como espaço de produção de intelectualidades
alternativas. Essa esfera política funcionou como veículo de propaganda de seus
ideais, na qual agenciaram e discutiram questões relacionadas ao debate sobre
raça na formulação de projetos de nação em disputa nos anos 1920.
Especialmente
no caso de Duque Bicalho, é difícil afirmar se ele compartilhou ou não as
mesmas crenças que José Eutrópio em relação à questão racial da identidade
nacional. O fato é que esteve presente como colaborador na maioria das peças
escritas e montadas por ele. Tal posicionamento, longe de um ativismo
desracializado, sugere apresentar, na verdade, uma das estratégias pelas quais
Duque Bicalho exibiu uma prática política informada por sua identidade racial.
Seja como for, ele e José Eutrópio – direta ou indiretamente, por convicção ou
outros interesses – enfrentaram um dos dilemas cruciais da formação social
brasileira: o aspecto negro das raízes civilizatórias da nação. Eles criaram –
e readaptaram – uma leitura da identidade nacional que buscou enfatizar um
passado africano e conectá-lo às demandas das gentes negras naquele presente
como forma de valorizar o que José Eutrópio chamou de “nossa origem africana”
como símbolo da brasilidade.
Esse
foi o caso de “Uma noite pelo Paraibuna”, “revista” que possibilitou José
Eutrópio e Duque Bicalho criarem mecanismos de discussão sobre a ideia de
invenção de uma cultura negra enquanto local da tradição e símbolo positivo de
nacionalidade. Mas, mais do que isso, também viabilizou a elaboração de
caminhos interpretativos sobre o modo como intelectuais negros negociaram a
inclusão de noções de raça no debate sobre formação nacional nas primeiras
décadas do pós-abolição.
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[1] Para a história do teatro
de revista no Brasil, ver: SUSSEKIND, Flora. As revistas de ano e a invenção do
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1986; RUIZ, Roberto. Teatro de revista no Brasil: do início a Primeira Guerra
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[2] Uma versão da canção se
encontra disponível na Plataforma YouTube e pode ser acessada em: https://www.youtube.com/watch?v=bAlpcBHUDyQ
.
[3] A
questão da profissionalização musical e dos direitos autorais foram
preocupações que estiveram no campo de visão de Duque Bicalho. Em 1923, por
exemplo, ele se filiou ao Centro Musical do Rio de Janeiro, uma entidade
classista e mutualista voltada para o amparo material e jurídico dos seus
associados, chegando a ocupar o cargo de bibliotecário na instituição. Pouco
tempo depois, em 1925, filiou-se à Sociedade Brasileira
dos Autores Teatrais, organização dedicada à proteção do direito autoral no
teatro e na música (Centro Musical [...], 1923, p. 4;
Sociedade Brasileira [...], 1925, p. 6). Para a atuação da Sociedade Brasileira
dos Autores Teatrais, ver: Gomes (2004, p. 100) e Hertzman (2014).
[4] Para
a história do modernismo mineiro e suas várias correntes, ver: DIAS, Fernando
Correia. O movimento modernista em Minas: uma interpretação sociológica.
Brasília: Editora da UnB, 1971; BOMENY, Helena. Guardiães da razão:
modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ: Tempo Brasileiro, 1994;
CURY, Maria Zilda Ferreira. Horizontes modernistas: o jovem Drummond e
seu grupo em papel jornal. Belo Horizonte: Autêntica, 1998 e DUARTE, Miguel de
Ávila. Leite-Criôlo: da rede modernista nacional à memória monumental do
modernismo. 2011. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura) – Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
[5] Para
a história de A Revista e seu grupo, consultar SIQUEIRA, Jesana Lilian. Modernismo
mineiro: sociabilidade e produção intelectual na década de 1920. 2008.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz
de Fora, 2008.
[6] O
Teatro Variedades, localizado na esquina da Avenida 15 de Novembro com a rua de
São João, de propriedade da Firma Garcia & Filho, foi inaugurado em
22/01/1926. Segundo o memorialista Paulino de Oliveira, era um prédio
imponente, com interior todo de madeira e com capacidade para 3.500
espectadores (Oliveira, 1975, p. 66).
[7] Sobre
a Galeria Pio X, ver Oliveira (1975, p. 82).
[8] Sobre
a trajetória de Lindolfo Gomes, ver: Oliveira (1975, p. 106-108) e BARBOSA, Leila Maria; RODRIGUES,
Marisa Timponi (orgs.). Letras da cidade. Juiz de Fora: FUNALFA, 2002,
p. 40-43. Para uma análise historiográfica da sua biografia, conferir: PINTO, Fabiana Aparecida. Homem,
poeta, cérebro, ação: Lindolfo Gomes e o pensamento intelectual e
preservacionista em Juiz de Fora. 2018. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.
[9] Para
estudos sobre a representação do negro no teatro de revistas, ver: SEIGEL,
Micol; GOMES, Tiago de Melo. Sabina das Laranjas: gênero, raça e nação na
trajetória de um símbolo popular, 1889-1930. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 22, n. 43, p. 171-193, 2002; BARROS, Orlando de. Corações de
Chocolat: a história da Companhia Negra de Revistas (1926-1927). Rio de
Janeiro: Livre Expressão, 2005; NEPOMUCENO, Nirlene. Quem haverá que não
conheça a Rosa Negra?: presença e “apagamento” de mulheres negras na indústria
do divertimento da capital federal dos anos 1920. In: CARVALHO, Marília Pinto de; PINTO, Regina Pahim (orgs.). Mulheres
e desigualdades de gênero. São Paulo: Contexto, 2008, p. 27-46;
BONGIOVANNI, Luca. Entre modernidades desarticuladas, tradições e nação:
uma análise dos textos autorais e das encenações da Companhia Negra de Revistas
- Rio de Janeiro, 1926. 2015. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2015.
[10] Para a trajetória da
atriz Ascendina Santos, ver: Almeida (2016) e CONCEIÇÃO, Juliana Pereira da. O protagonismo
da artista Júlia Martins: questões de raça e gênero no teatro de revista
carioca (1890-1932). In: CARLONI, Karla; MAGALHÃES, Lívia (orgs.). Mulheres no
Brasil republicano. Curitiba: Editora CRV, 2021, p. 93-106. Sobre a trajetória
de outras atrizes negras no teatro de revista no início do século XX, consultar
o trabalho de PINTO, Rebeca Natacha de Oliveira. Aracy Cortes em revistas:
educação, gênero e práticas educativas difusas no Rio de Janeiro da Primeira
República. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2018.