Dossiê
A
musicobiografização como intriga narrativa: um ensaio
teórico entre pesquisa (auto)biográfica e educação musical
The
musicbiographyzation as narrative
intrigue: a theoretical essay
between the (Auto)Biographic
and Music Education research
Delmary Vasconcelos de Abreu 1
delmaryabreu@unb.br
Universidade de Brasília – UnB, Brasil
Revista Orfeu
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN: 2525-5304
Periodicidade: Semestral
vol. 7, núm.
1, 2022
revistaorfeu@gmail.com
Recepção: 19 Dezembro
2021
Aprovação: 24 Março 2022
URL:https://periodicos.udesc.br/index.php/orfeu/article/view/2525530407012022e0102
Autores mantém os
direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.
Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Resumo: Este
artigo tem como objetivo içar a dialética da musicobiografização
como intriga narrativa entre os campos da pesquisa (auto)biográfica e da
educação musical, de forma ensaística. Numa filosofia da ipseidade, a posse de
um termo nocional – musicobiografização – não é o que
importa, e sim o engendramento da narrativa como uma dialética do entre,
encontrando a cumplicidade desse movimento (auto)biográfico na área da educação
musical no Brasil. Nesse momento adâmico, em que estamos dando nome aos
conceitos que dialogam com o campo da pesquisa (auto)biográfica e da educação musical,
a tese aqui defendida é a de que a musicobiografização
é compreendida por delegar a si a operação de composição desses campos do
conhecimento. Trata-se de mostrar como esta se
inscreve nos polos de permanência entre educação musical e pesquisa (auto)
biográfica para, assim, fazer a mediação entre elas, abrangendo o espectro de
significações de um campo investigativo a outro em que se sobrepõe aquilo que
difere e se associa inteiramente.
Palavras-chave: Educação Musical, Pesquisa
(Auto)Biográfica, Musicobiografização, Intriga
Narrativa, Ensaio Teórico.
Abstract: This article
aims to raise
the dialectic of music biographization as a narrative
intrigue between the field
of (auto)biographical research
and music education, in an essayistic way.
In a philosophy of ipseity,
the possession of a notional
term – music biographization – is not what matters,
but the engendering of the narrative as a dialectic of the between, finding the complicity of this (auto)biographical movement in the area of music education
in Brazil. In this Adamic moment, in which we are naming
the concepts that dialogue with the field of Autobiographical Research and
Music Education, the thesis
defended here is that music
biographization is understood as delegating to itself the operation
of composing these fields of knowledge. The aim is to
show how this is inscribed in the poles of permanence between music education and (auto) biographical research, in order to mediate
between them, covering the spectrum of meanings from an
investigative field to another in which
what differs overlaps. and fully associates.
Keywords: Music Education,
(Auto) Briographic Research,
Musicobiography, Narrative
Intrigue, Theoretical Essay.
Preâmbulo
Este texto ensaístico foi elaborado após os estudos empreendidos
em uma pesquisa de pós-doutorado cujos desdobramentos resultaram em artigos
publicados em periódicos da área da educação musical (ABREU, 2019) e da pesquisa (auto)biográfica
(ABREU, 2020). Os estudos estiveram
pautados nas obras do filósofo Paul Ricoeur, com
destaque para as obras Tempo e Narrativa (2010) e O Si mesmo como um outro (2014). Nesses artigos, tratei
de aspectos memoráveis da trajetória profissional de uma pesquisadora da área
da educação musical – Jusamara Souza – com o objetivo
de fazer emergir da sua história de vida os seus desafios epistemológicos na
construção de um campo de conhecimento.
O percurso do reconhecimento de um campo investigativo, como foi
o caso da educação musical no Brasil, foi feito do trabalho exaustivo de
autores comprometidos com uma área do conhecimento. Como nos lembra Arroyo (2002, p.18), “a trajetória da
educação musical se faz e se fez através dos pensamentos e das realizações de
educadores musicais e pesquisadores”. A essa visão acrescento o pensamento de Jusamara Souza, em uma das entrevistas a mim concedida:
“uma área não se faz só com pessoas, mas se faz também com os materiais
produzidos por estas pessoas, com os tipos de materiais, de crenças e valores
que vamos passando por meio desses materiais, isso é forte no coletivo de uma
área” (ABREU, 2019, p.164).
Na produção do conhecimento de uma área científica, “o que deve
ser interpretado, num texto, é uma proposição de mundo, de um mundo tal como
posso habitá-lo para nele projetar um de meus possíveis mais próximos”
(RICOEUR, 2008, p.66). A mediação operada pelo texto conduz o leitor à
apropriação de uma proposição de mundo decorrente do encontro face a face com o
mundo da obra. Pensando com Ricoeur (2008), essa
proposição não está atrás do texto, como uma espécie de intenção oculta, mas diante
dele, como aquilo que a obra desvenda, descobre, revela. Por conseguinte,
afirma o autor, “compreender é compreender-se diante do texto”. A capacidade de
compreender não repousa sobre o texto em si e sua
capacidade finita de compreender, mas o sujeito, ao expor-se ao texto, recebe
dele um si mais amplo, e sua compreensão é “uma
proposição de existência” (RICOEUR, 2008,
p. 63).
Com isso, pode-se dizer que a filosofia ricoeuriana
não é uma filosofia da consciência, como se esta estivesse na raiz de suas
elaborações conceituais; “sua filosofia é antes uma filosofia do tempo, o tempo
necessário à experiência do tornar-se consciente, e é o si, a pessoa a se enriquecer, e não o eu abstrato
o que se busca alcançar, com mediações, no desvio pela história”. O si não
está no começo dessa busca, ao contrário, é no percurso do reconhecimento que
ele é acedido (ANDRADE, 2020, p. 185).
Ao aprender com Ricoeur (2008) que compreender é compreender-se diante
do texto, vejo-me diante da pesquisa realizada durante o pós-doutorado com a
tarefa que não se encerra, ao contrário, ergue-se do horizonte de
possibilidades o percurso do reconhecimento de tamanha responsabilidade na
formação de professores e pesquisadores no campo da educação musical. O sentido
de uma vida científica carrega em si a abertura de um compromisso com a área e
com a reciprocidade mútua no diálogo em uma perspectiva pos-disciplinar,
significando que viver em comunidades científicas exige o contínuo
reconhecimento do outrem e de si mesmo com outro.
Com este preâmbulo, passo ao objetivo principal deste trabalho,
que consiste em dialogar com a obra de Ricoeur (2014), especificamente com o sexto estudo, “O
si e a identidade narrativa” (p. 145-181). Trata-se de içar a dialética da musicobiografização como intriga narrativa entre os campos
da pesquisa (auto) biográfica e da educação musical, de forma ensaística.
No tópico que segue, exponho um exercício teórico em que
procurei fazer essa configuração de identidades narrativas no campo da educação
musical com um estudo a partir de uma tríade narrativa constituída no diálogo
com a literatura, mostrando esse movimento adâmico de como os termos nocionais
vão ganhando sentido nas pesquisas em educação musical. Em seguida, trago
alguns exemplos dessa intriga musical em forma de narrativa construída na
prática com professores-pesquisadores da educação musical. Por fim, um tópico
de caráter mais ensaístico, cujas implicações da musicobiografização
como intriga narrativa são construídas na dialética com o sexto estudo de Ricoeur (2014)
entre os campos da pesquisa (auto)biográfica e da educação musical.
Em um movimento adâmico
O movimento (auto)biográfico em educação musical vem se
fortalecendo nos últimos anos. Criamos esse grupo após a nossa participação no
VIII CIPA, realizado na Unicid, na cidade de São
Paulo, no ano de 2018. Fazem parte desse grupo representantes de todas as
regiões do Brasil. Na região Sul, Ana Lúcia de Marques e Louro-Hettwer, da Universidade Federal de Santa Maria, que vem
atuando com seu grupo de pesquisa NarraMus, e a
pesquisadora Cláudia Bellochio, da mesma instituição;
também as professoras aposentadas Leda de Albuquerque Maffioletti,
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Maria Cecília de Araújo
Rodrigues Torres, do Instituto Metodista de Porto Alegre. Ainda na região Sul,
a professora Teresa Mateiro, da Universidade Estadual de Santa Catarina. Na
região Sudeste, a pesquisadora Inês Rocha, do Colégio Pedro II, localizado na
cidade do Rio de Janeiro. Na região Nordeste, a pesquisadora Tamar Gaulke, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na
região Norte, na Universidade Federal de Roraima, a pesquisadora Jéssica de
Almeida. Por fim, na região Centro-Oeste, onde venho atuando na Universidade de
Brasília.
Se tomarmos a pioneira deste grupo – Maria Cecília Torres, que
defendeu sua tese no ano de 2003 com esse tipo de pesquisa –, teremos duas
décadas de encontros e aproximações dos campos da pesquisa (auto)biográfica e
da educação musical. Tal aproximação se dá pela abertura para compor com o
outro, característica desse campo de pesquisa. Pensando com Ricoeur
(2009, 2010, 2014) e com Abrahão (2018), essa é uma abordagem que produz
identidades narrativas, na aventura do diálogo (auto)biográfico em que a
narrativa de si e a narrativa de outrem é enredada como construção epistemo-empírica.
Dentro dessa construção, muitos termos nocionais foram criados
como dispositivos formativos em música para levar a um aprofundamento desse
entrelaçamento da educação musical com a pesquisa (auto)biográfica. Dentre
eles, destacamos: autobiografias musicais (TORRES, 2003); narrativas com música
(BRAGA, 2016); (auto)biografização musical
(FIGUEIROA, 2017); narrativas musicais (ARAÚJO, 2017); musicobiografização
(ABREU, 2017; PITANGA, 2021; QUEIROZ, 2021); escuta musicobiográfica
(OLIVEIRA, 2018); ateliê musicobiográfico (SOUZA, 2018); biografia músico-educativa
(ALMEIDA, 2019); memorial musicobiográfico (SIMAS,
2021).
Como pode ser percebido, o exercício de configuração de termos
nocionais em pesquisas no campo da educação musical em diálogo com o campo da
pesquisa (auto)biográfica em educação não é novo. Nesse aspecto, a musicobiografização não tem a intenção de construir
conceitos inovadores, mas de integrar-se àqueles preestabelecidos pelo narrador
– nesse caso, pelos autores com os quais conversamos. Portanto, ao dialogarmos
com a literatura da área e com autores que fundamentam a pesquisa
(auto)biográfica, o conceito de musicobiografização
foi ganhando força (ABREU, 2017, 2018, 2019, 2020).
O primeiro trabalho encontrado na área foi o de Torres (2003),
que trata de (auto)biografias musicais de professoras. Destacamos de seus
estudos termos nocionais por ela utilizados, como identidades musicais,
(auto)biografias musicais e (auto)biografização. Vejo
em meus estudos e de outrem como essa refiguração
textual acontece quando a recepção de uma obra vai ganhando espaço, no
desenvolvimento de uma ideia de que o sentido de um texto é condicionado pelo
estado da bioteca do seu leitor, que, nos termos de Delory-Momberger (2014, p.59), se constitui pelo “conjunto
das experiências e dos saberes biográficos, ou biografemas,
do receptor”. Esses horizontes de aberturas oferecem conhecimentos
epistemológicos e metodológicos de um campo investigativo.
Noutro estudo, apresentei uma análise de como as figuras de
ligação de sujeitos epistêmicos se entrelaçam no diálogo com a literatura da
área da educação musical. Ao focar na tríade narrativa de três autores do campo
da educação musical que trabalham com o termo nocional – autobiografias
musicais, autobiografização musical e ateliê musicobiográfico –, mostrei uma identidade narrativa
construída entre os pares no diálogo com a literatura produzida na área para,
assim, fazer avançar o campo da educação musical nessa perspectiva da pesquisa
(auto)biográfica.
Meu argumento tem sido o de que o esforço de análise da
literatura com o objeto de pesquisa e dos resultados produzidos traz
compreensões para a práxis (re)construtora de
identidades narrativas de um campo de conhecimento que se preocupa com os
processos de formação em música. Com isso, é possível dizer que “a práxis de
uma identidade narrativa não elide, ao contrário exige, sólido conhecimento
epistêmico e, portanto, requer especialmente a análise compreensiva do
pesquisador/formador quer do processo de pesquisa, quer dos resultados em
termos de significações” (ABRAHÃO, 2018, p.45).
Entendemos com esse espaço formativo, que se configura no
diálogo com a literatura, que a construção da experiência musicobiográfica
vai depender, obviamente, da nossa biograficidade, ou
seja, da qualidade dessa experiência com a produção do conhecimento na área. A refiguração textual acontece no percurso narrado, nas
figuras de ligação e produção de sentidos, na recepção do texto e no movimento
que o leitor faz diante do si mesmo como um outro, fazendo produzir uma
identidade narrativa.
Ao fazer uma metanálise do diálogo
estabelecido entre Figueirôa (2017) e Souza (2018)
com Torres (0023), percebi que as identidades narrativas vêm sendo construídas
dentro desse movimento (auto)biográfico no campo da educação musical,
promovendo, assim, figuras de ligação de sujeitos epistêmicos. Isso, no meu
entendimento, é o que nos une como pesquisadores de uma área de conhecimento.
Nessa tríade narrativa, seguimos os autores identificando que as autobiografias
musicais e as lembranças musicais contribuíram para que Figueirôa
(2017) fizesse um exercício para chegar à (auto)biografização
musical, para que Souza (2018) adensasse as lembranças musicais com estudos de
Paul Ricoeur e para que chegassem com Delory-Momberger ao dispositivo formativo de Ateliê Musicobiográfico.
Diante do exposto, compreendo que a arte de tecer um enredo, uma
intriga narrativa, se realiza mediante a teoria de tempo e narrativa de Ricoeur (2010), cuja prefiguração está enraizada no caráter
temporal e nas operações estruturantes. A configuração interpreta e compreende
com esses autores essas operações encadeadas em uma intriga apreendida no tempo
do autor e noutro tempo que é o da sua obra, quando na forma de texto abre
horizontes de possibilidades para a refiguração, de
modo que é nessa tríade narrativa – prefiguração, configuração e refiguração – que produzimos uma identidade narrativa. A
proposta, portanto, consiste em aprofundar esses termos nocionais para que as
dimensões epistemológicas e metodológicas apontem potencialidades e desafios
para a pesquisa em educação musical, a partir da construção de uma identidade
narrativa, sempre incorporando novos acontecimentos dentro do tempo.
É sabido que estamos em um momento adâmico, mas também em um
tempo em que, além de nominar conceitos, estamos aprofundando o diálogo com o
campo da pesquisa (auto)biográfica e da educação musical para, assim,
fertilizar teorias e diferentes modos de produzir dispositivos formativos. Se
para Ricoeur (2013 [1960], p.254) “a intenção central
do mito adâmico é a de ligar outras figuras a partir de Adão e compreendê-las
em ligação com ele, e como que na fronteira da narrativa cujo principal
protagonista é Adão”, compreendo que, no nosso caso, o mito adâmico é a
educação musical. Logo, isso significa compreender essas figuras em ligação –
esses termos nocionais – com ela e que, na fronteira da pesquisa (auto)biográfica,
a principal protagonista é a educação musical.
A educação musical é uma ciência que tem em seu escopo a
pedagogia musical e também a andragogia, porque orienta pessoas, jovens e
adultos. Por isso, constitui-se como uma ciência do acompanhamento do sujeito
que vive a música, que se forma com a música e que num gesto emancipatório é
capaz de tornar esse processo um produto, ou seja, a sua história de vida
construída e constitutiva com seus feitos biográficos, registrados, narrados,
principalmente com a música.
Construindo a intriga
musical na prática
Revisitando o texto de Passeggi
(2020), em que ela discute as dimensões da subjetividade, encontramos, na
biografia como vida, o sujeito da experiência, aquele que vive a vida; na
biografia como formação, identificamos o sujeito epistêmico que a teoriza; e,
na biografia como texto, o sujeito autobiográfico que se constituiu nas e pelas
linguagens, numa estreita relação com o sujeito epistêmico e da experiência.
Esse sujeito que vive a vida e com ela adquire experiências também é o mesmo
que se forma e adquire conhecimento. Logo, ambos passam a existir pelos
registros que fazem, pelas obras, pela grafia ou por outros instrumentos
semióticos que permitem que o sujeito biográfico apareça. Esse sujeito que vive
a vida e com ela adquire experiências também é o mesmo que se forma e adquire
conhecimento.
As experiências e os conhecimentos são ligados, mediados, pela
linguagem, e é nessa relação que o sujeito biográfico aparece, uma vez que ele
é esse elemento estruturante, ou seja, o processo de biografização.
Logo, podemos inferir que, como pesquisadores e pesquisadoras, professoras e
professores formadores, estamos atentas e atentos para que, no campo da
educação musical, esse processo de biografização seja
mediado com e por meio da música. Como nos ensina Ricoeur
(2008), na filosofia da linguagem penso que compreender é compreender-se diante
da música. Ou seja, é como uma peça musical concebida em contraponto, em que
tudo se interliga em consonância e dissonância a um motivo musical, mas
principalmente a um motivo inicial denominado sujeito musicobiográfico.
Dessa forma, nesse ato de se musicobiografizar,
a música, como médium, se transforma em narrativa – processo em que o material
musical do qual a narrativa é feita constrói a experiência do protagonista.
Nessa lógica, a essência não é a vida, mas a narrativa que traz em seu enredo a
música com sua materialidade passiva que ganha sentido com os processos de
criação para quem com ela encontra um modo de se reinventar. Sendo assim,
nenhum meio pode mediar a própria subjetividade, isto é, a música não pode ser
música se eu não me apropriar e transformá-la, nesse processo, em um produto
narrativo (auto)biográfico. Pensando com a poética de Aristóteles, o sujeito da
narratividade fala com a música por ele apropriada, fala por meio dela e de
seus diferentes modos de expressar, performar, fazer e, no caso de quem a
ensina, de tornar a narrativa de formação em uma narração pedagógica e
didática, combinando no modo narrativo essas diferentes formas.
A partir dos estudos de Delory-Momberger
(2019), que nos instiga a pensar a arte como automedialidade,
discuto a música como médium – materialidade passiva que, ao ganhar vida
naquele sujeito que vive a experiência e com ela se forma, adquire novos
conhecimentos musicais. Nesse processo automedial, a
música deixa de ser objeto externo à pessoa que, em um processo criativo da
vida, se torna vida. Metaforicamente, o corpo expressa a música e se transforma
em escuta, em apreciação, passando este corpo a ser a própria música.
Com exemplos práticos extraídos das pesquisas que dialogam com o
termo musicobiografização (BRAGA, 2016; ARAÚJO, 2017;
OLIVEIRA, 2018; SOUZA, 2018; PITANGA, 2021; QUEIROZ, 2021), buscamos aclarar o
conceito musicobiografização que vimos empreendendo
até aqui. Como nos ensina Souza (2018, p.181), é sabido que no caminho, no
movimento, “na travessia da lembrança, na dimensão da memória musical, nem todo
sujeito dispõe de um instrumento musical ou de conhecimentos musicais
específicos que possam auxiliá-lo nesse processo com as narrativas de
formação”. Nos encontros realizados com estudantes do ensino médio e do projeto
de extensão, o autor conta que “foi possível notar, durante os encontros no
ateliê musicobiográfico, que os sujeitos recorriam a
inúmeros recursos que pudessem facilitar a apropriação de termos técnicos e
específicos da linguagem musical”. O autor esclarece que isso abriu caminhos
para “também serem trabalhados os saberes musicais” (SOUZA, 2018, p.164)
Com esse olhar, o autor entende que “a intriga musical carrega
em si a dimensão dos saberes musicais que são explorados nos acontecimentos,
com objetivo de construir saberes e partilhar conhecimentos musicais dentro do
grupo”. Sendo assim, “aquilo que se configura como intrigas musicais são
arranjos humano-sonoros em que se escolhe dedicar uma escuta atenta” (SOUZA,
2018, p.182).
A ideia da intriga musical, construída no espaço do ateliê musicobiográfico, permitiu que o pesquisador observasse
como o sujeito realiza as configurações por meio dos discursos oral, escrito e
musical, “cantando, tocando, batucando, vocalizando, dançando, apresentando e
ouvindo discos, recitando letras de canções, dentre outras manifestações
musicais” (SOUZA, 2018, p.182) observadas dentro do ateliê musicobiográfico
como dispositivo formativo.
Identifico esse intercâmbio entre linguagens e
instrumentos semióticos como uma espécie de “esforço de transposição”. Nesse
esforço de transposição, o sujeito busca trazer a lembrança recordada de uma
forma fiel à impressão original, à marca primeira deixada pela experiência em
sua memória musical. Ele recorre, portanto, à própria música como instrumento
semiótico, buscando configurar um contexto que dê sentido a essa experiência
recordada e se preocupa com a “legibilidade” de suas experiências musicais
formativas na ocasião da partilha com o outro. Entendo que tal esforço de
transposição, que se manifesta no ateliê musicobiográfico
na forma de uma intriga musical, deve ser tratado não como fruto das
peculiaridades do ateliê, mas como resultado de uma abordagem musicobiográfica da formação musical utilizada como base na
elaboração de um projeto formativo musicobiográfico.
(SOUZA, 2018, p.163).
Como atesta Barthes (2004), é no nível das ações das pessoas que
se estrutura o nível do significante, e na significância da música reside,
sobretudo, o que há de musical na pessoa, isto é, no tocante à materialidade da
música de quem a faz e de quem a ouve, o que corresponde àquilo que lhe
acontece com a música. Por essa perspectiva, música e sujeito são instâncias
indissociáveis, pois nisso habita a força do desejo pelo significante, como nos
esclarece o psicanalista Jacques Lacan em seus estudos, explorados por Safatle em sua precisão conceitual, em que “a pessoa é uma
palavra encarnada, palavra esta capaz de lhe trazer à luz” (SAFATLE, 2017,
p.51). Sendo assim, o significante aqui captado são palavras e músicas
encarnadas. A música define uma linguagem, um discurso, uma forma de comunicar
sons e palavras, letras e melodias, harmonias e ritmos, uma expressão de quem a
cria, compõe, interpreta e aprecia, de modo que a narrativa confia aos feitos
do sujeito as palavras e as músicas.
Ao tratar a música como linguagem em contextos escolares, Araújo
(2017) trabalhou com as recordações referências de estudantes do ensino médio,
na perspectiva de Josso (2012). Desse modo, “os
motivos musicais que combinam timbres, dinâmicas e sons em determinada forma
musical” são identificados pelos sujeitos a partir das “narrativas
(auto)biográficas produzidas com a música trazida de sua
recordação-referência”. Nesse “percurso singular de composição, com a narrativa
de formação musical, os estudantes negociam sentimentos de si próprios e formas
musicais próprias, desenvolvendo sentidos na relação com o outro e com a
música” (ARAÚJO, 2017, p.112).
Essa relação da qual trata o autor refere-se ao que aprendemos
com a experiência formativa com o outro, com base nas estruturas e interpretações
das narrativas de quem as escuta. Provém daí, também, uma potencialidade didáticae pedagógico-musical das narrativas. O pesquisador
amplia tais compreensões dizendo que, “ao considerar o todo de cada narrativa,
percebi que os estudantes construíram suas narrativas alternando trechos de
consonância e dissonância com o outro, compreendendo aquilo que os faz diferir
mediante um si mesmo como um outro” (ARAÚJO, 2017, p.102-106).
Por meio da pesquisa de Araújo (2017), tentamos mostrar que, na
temporalidade da experiência formativa com a música, o que muda são os modos
como os sujeitos prefiguram, configuram e refiguram
horizontes de aberturas, modos estes que constituem a teoria da
tríplice mimese de Ricoeur (2010), mas tendo a
relação do sujeito com a música como objeto de estudo. Também foi possível
identificar com o sexto estudo de Ricoeur (2014) que
a “consonância e dissonância com o outro” se refere ao concordante/discordante
do qual trata Ricoeur em sua obra sobre identidade
narrativa, ou seja, é o discordante do si que faz a singularidade aparecer,
portanto o outro é diferente do si. Na prática musical, o professor e
pesquisador mostra que a musicobiografização medeia a
dialética na composição dessa intriga musical narrativa.
Compreendemos, pois, que tanto o professor de música quanto os
estudantes se colocaram diante da experiência da formação com música com
legitimidade e reconhecimento de suas capacidades de empoderamento ao fazerem
uso da reflexividade musicobiográfica com aquilo que
lhes acontece na prática formativa com a música. Notamos com a pesquisa de
Araújo (2017) que a música pertence ao domínio da linguagem e do significante e
que, na prática musical, ela, como medialidade, se
torna o lugar intermediário e de passagem entre “o si mesmo como um outro”
(RICOEUR, 2014) e com o outro; entre o cultural, o social e o artístico; entre
o ouvinte e o compositor – entre os interpretantes.
Ao escutar o grão da voz, o grão da música, o ouvinte escuta uma
relação do intérprete com a música, não apenas relacionado a uma “lei”
resultante de uma cultura, de um lugar, mas do lugar que constrói em si com
seus próprios significantes. Escuta-se, portanto, o mundo da vida do sujeito
totalizando “um corpo musical” capaz de sentir e apreciar, ao mesmo tempo, a
melodia, o ritmo, os volumes instrumentais, o jogo de tensão e do relaxamento,
os motivos, os movimentos, os acentos, entre outros, e “cada uma dessas
configurações delineia novas formas musicais, novas concepções, novas formas de
sujeitos” (ARAÚJO, 2017, p.115).
Podemos ilustrar essa prática musicobiográfica
com narrativas de três músicos populares estudados por Pitanga (2021, p.92) ao
refletir que “Ivan Vilela parte das sonoridades em busca de texturas musicais
em seu próprio processo criativo” e que, como aponta Nélio Spréa,
“o desenvolvimento da musicalidade se dá muito além do estudo da música em si,
mais ainda pelo encontro com as pessoas”. Igualmente corrobora Renata Amaral ao
se referir sobre o encontro que teve com os povos Guaranis, “uma relação que,
para além dos códigos musicais, lhes permitiria vislumbrar essa humanidade mais
sensível e volátil” (PITANGA, 2021, p.91).
Enfatizamos aqui que a música corporificada apresenta suas
estruturas, mas também aquilo que estrutura o sujeito que age com sua cultura,
seu contexto social, suas escolhas e preferências. O que muda, então, são os
modos como os sujeitos prefiguram, configuram e refiguram
horizontes de abertura, tendo a música como objeto de estudo. Isso interfere na
relação e no modo como esse “tripé constitutivo do sujeito se comunica e se
narra com a música”, pois isto “requer um nível de percepção profunda de quem
faz e escuta, possibilitando compreender nuances do intérprete e de outros que,
porventura, venham a fazer música em conjunto” (OLIVEIRA, 2018, p.95), seja
tocando, compondo ou apreciando.
Retenhamos de Oliveira (2018) o aspecto da comunicabilidade
construída pela “tríade de narrativas musicais, configurando uma simbiose entre
acompanhador e melodista, gerando uma terceira narrativa nesse caminho
trilhado, que é aquela refigurada pelos ouvintes”
(OLIVEIRA, 2018, p.96). Essa tríade torna-se comunicável quando existe
universalidade nessa singularidade porque, “em última instância, um músico toca
para ser ouvido, ou seja, o que foi trazido de sua experiência vai poder ser
comunicado”. Aquilo que é singular do músico, no caso do autor violonista e
melodista, “alcança-se com a experiência quando a música é comunicável,
comprometendo sempre expectador(es) e ouvinte(s)” (OLIVEIRA, 2018, p.97).
Como esclarece Ricoeur (2009), “a obra
[musical] é como um rastilho de fogo saindo de si mesmo, atingindo-me e
atingindo, além de mim, a universalidade dos homens. Ir até o fim da exigência
da singularidade é dar maior oportunidade à universalidade” por intermédio de
sua extrema singularidade (RICOEUR, 2009, p.282, acréscimos meus).
Nesse tripé narrativo, cada intriga é singular, mas a intriga
musical construída no ato da comunicabilidade é passível de ser partilhada,
integrando níveis de sentidos em que a música é o próprio sentido de criar
interação onde não existia. O saber fazer música com o outro pode fazer
expandir esse espaço intencional de escuta, abrindo-se, com a música, um
saber-poder figurar sentimentos absolutamente inéditos. Nesse sentido, o que é
comunicável com a música corresponde à sua relação singular, à experiência viva
do sujeito com ela. Esse tripé narrativo musical se constitui em uma obra,
sentimentos, sentidos, discursos que, problematizados, se tornam “uma questão
singular, que apela para uma resposta singular” (RICOEUR, 2009, p.280).
Diante do exposto, entendemos com Oliveira (2018) que aquilo que
constitui a temporalidade da comunicabilidade – a saber, a relação com o outro,
com a turma em sala de aula, com um público, com uma plateia – cria horizontes
de possibilidades que se revelam, na recepção musical, uma temporalidade aberta
e indefinida e que caberá somente ao sujeito da escuta (auto)biográfica a
descoberta, a revelação, a visada para lá da intencionalidade daquele que
criou, executou e interpretou a música. Há, portanto, nesse ato da
comunicabilidade, do tripé narrativo, duas temporalidades da escuta musicobiográfica: a primeira coincide com o ato da execução
e interpretação, e a outra requer um segundo tempo, que é o da sua nova
criação. que na refiguração aguarda no seu horizonte
de expectativas a abertura para ser (re)encarnada,
fazendo produzir a síntese do heterogêneo em uma intriga musical.
Essas temporalidades podem ser aclaradas também com excertos da
pesquisa de Pitanga (2021, p.74). Ele conta que “o acontece no processo de musicobiografização de uma das colaboradas é que, para ela,
a chave que abre a porta para seu caminho é a escuta que se realiza com o corpo
todo”. Essa primeira temporalidade da escuta musicobiográfica
acontece com o ato da execução e interpretação “com a sua voz e o som do seu
instrumento”. Mediante essa temporalidade da experiência musical, promove-se um
segundo tempo dessa intriga musical, fazendo emergir a síntese do heterogêneo,
pois “ela preserva e conduz as músicas, as memórias e histórias de mestres e
mestras para muitos lugares e estas, por sua vez, passam a fazer parte das
histórias de muitas outras pessoas, inclusive da minha. De alguns destes laços
surgem projetos pessoais mais profundos” (PITANGA, 2021, p.89).
Outro autor que nos ajuda nessa compreensão da intriga musical é
Braga (2016). Foi possível identificar as “narrativas com música” – termo
utilizado pelo autor – para construir a história de vida de um professor de
violão popular que permitiram problematizar os modos como o sujeito concede
sentido à sua história de vida. Para o autor, “foi o que o professor narrou,
como narrou e o que fez no ato de narrar, demonstrando no violão os seus
princípios músico-educacionais”, que tornou possível “refletir sobre princípios
e metodologias em educação musical para ensino e aprendizagem musical, por meio
de narrativas com música” (BRAGA, 2016, p.106).
Isso significa que o material de que se dispõe para esse tipo de
análise é o musicobiográfico, pois ao narrar e, ao
mesmo tempo, executar músicas e exercícios musicais no seu violão, Braga (2016,
p. 78) compreende que o professor “Paulo André Tavares se expressa fazendo
narrativas com música, demonstrando no violão como utilizar, por exemplo, o II,
V, I”.
Fig. 1
Compreendemos com Braga (2016) que o sujeito da narrativa musicobiográfica se coloca em cena e nela produz grafias e
repertórios de cenas apropriando-se de palavras e músicas para, assim,
expressar o que faz e como fez, produzindo significantes para aquilo que o
autor denomina como “narrativas com música”. Nesse cenário, o sujeito busca
compreender suas próprias intrigas musicais retroalimentando-se da música, da
palavra dada e de uma escuta atenta. Essas cenas integradas à escuta atenta dos
sujeitos da narratividade musicobiográfica revelam um
sistema que leva um campo investigativo a escutar o que as pessoas que se
relacionam com a música têm a dizer, convidando-nos a escutar sobre as
experiências vividas.
Detenhamos de Braga (2016, p.106) a narrativa sobre o professor
entrevistado. Nela, o autor pode compreender como o professor narrou e o que
fez no ato de narrar ao explicar tanto oralmente quanto musicalmente “os seus
princípios músico-educacionais […], princípios e metodologias em educação
musical para o ensino e aprendizagem musical, por meio de narrativas com
música”. Com esse excerto, buscamos dialogar com Queiroz (2021), que fez
entrevista narrativa (auto)biográfica com três professores de música. Logo, foi
possível apreender esses princípios, que o autor chama de educativo-musical, na
perspectiva musicobiográfica, uma vez que os três
profissionais colocam em prática essa teorização.
Esses princípios não estão apartados da vida do professor,
tampouco do estudante, pois, na análise de Queiroz (2021, p.68), fica evidente
o modo como um dos seus colaboradores da pesquisa, que também é violonista
acompanhador, coloca em prática, na sala de aula, aspectos da musicobiografização.
O professor relatou que conhecer o campo
investigativo da pesquisa (auto)biográfica o ajudou a desenvolver práticas
centradas na vida do aluno, cultivando as características de um professor
acompanhador. Esse professor trabalha com repertórios musicais advindos das
experiências musicais dos alunos, seus gostos e preferências, mas o seu olhar
está centrado nos motivos pelos quais escolhem. Assim, ele se vale dos seus
princípios educativo-musicais, construídos com a sua prática musical de
violonista acompanhador e elaborados em forma de um decálogo de saberes: “saber
escutar, se adequar, criar, se colocar, somar economizando, pescar as
especificidades, improvisar, antecipar, interagir, conduzir”; que orientam a
sua prática pedagógico-musical e, como ele mesmo se refere, “a uma
didática-musical para saber acompanhar as histórias de vida desses alunos com a
música”. (QUEIROZ, 2021, p.68).
Outro princípio músico-educativo apresentado por Queiroz (2021,
p.69) é de um outro colaborador que “atua no ensino médio, com o dispositivo
formativo do ateliê musicobiográfico, integrado à sua
metodologia de ensino”. Ele conta que,
Com essa metodologia, o professor passou a
ampliar processos de apreciação e execução musical com processos criativos e
composicionais. Tanto que passou a executar um projeto de formação de bandas
pop. Nesse projeto, as músicas são inéditas, compostas pelos estudantes. Ele
acredita que as práticas musicobiográficas
trabalhadas com as histórias de vida são fortalecidas nessa prática de bandas.
O intuito desse trabalho é que os estudantes componham músicas com temáticas
que fizeram parte de suas vidas. Assim, o processo de formação musical se dá de
forma prática, uma vez que os estudantes, na medida do possível, compõem,
executam as músicas e fazem análise musical. (QUEIROZ, 2021, p.70).
Importa aqui ressaltar que, no relato desse colaborador, sua
reflexão pedagógico-musical se alinha à perspectiva musicobiográfica,
como bem destaca Queiroz (2021, p.70), uma vez que “buscava as músicas que os
marcaram durante os últimos tempos de ensino médio. Eles ensaiavam, tocavam,
cantavam e faziam análise musical, mas além disso eles também faziam essa
análise musicobiográfica”. As concepções e práticas
desse professor são reveladas quando diz: “eu acredito que, por mais que já
existam discussões sobre a música do cotidiano, devo enfatizar que a música que
faz parte da sua história tem a ver com a sua construção como pessoa. Vira um
índice de memória”. Queiroz (2021) conta que esse professor “compartilhou nas
entrevistas algumas gravações de composições de estudantes. Não eram
literalmente letras baseadas nos relatos. Eram letras que registravam as
sensações, os sentimentos, as emoções que eles viveram durante a escrita dessa
experiência”. De acordo com a narrativa desse professor, o autor destaca um excerto
de sua narrativa em que “o sujeito olha para a vida dele de uma forma que não
consegue enxergar apenas pelo instrumento semiótico da palavra escrita, ele
acaba valendo-se de música” (QUEIROZ, 2021, p.71).
Por fim, o autor destaca outro colaborador que “segue um
cronograma musicobiográfico”, segundo ele, “sempre
levando em conta as histórias de vida dos estudantes”. Nesse cronograma, “o
professor foca, no primeiro ano, na linguagem sonora; no segundo, na linguagem
musical escrita, por meio de motivos rítmicos atrelados à recordação-referência
deles; no terceiro ano, nos motivos musicais melódicos para saber compor,
trazendo assim ineditismo de sua vida-formação” (QUEIROZ, 2021, p.73).
Nessa intriga musical construída na prática, a composição
musical parece ser uma forte mediadora dos processos musicobiográficos,
pois outro colaborador da pesquisa de Queiroz (2021), que tem como dispositivo
formativo o ateliê musicobiográfico, contou a ele o
seguinte:
Começo a ver a composição como uma capacidade para, nela, o estudante se tornar dono das suas palavras,
dos seus sons, da sua comunicação; se expressar. Se aquilo vai ser
esteticamente bom ou válido, aí já é outro nível: terá que trabalhar técnica e
conhecimento teórico. Seria interessante se na escola ou no conservatório a
vida tivesse mais espaço, o estudante pudesse conhecer mais de si e dos seus
pares, compondo e criando juntos. (SOUZA, 2020 apud QUEIROZ, 2021, p.78).
Diante do exposto, vamos caminhando para uma última reflexão que
esse tópico nos proporciona, sobre modos de construir a intriga narrativa
musical na prática de estudantes, professores e pesquisadores. Para tanto,
trago também excertos da entrevista narrativa (auto)biográfica realizada por
mim no pós-doutoramento, na pesquisa História de Vida de Jusamara Souza. Relacionei os artigos por ela
publicados na área da educação musical para encontrar neles o sujeito que vive
a experiência, o sujeito epistêmico que teoriza essa experiência e o sujeito
biográfico que registra essa história; neste caso, em formato de artigos
científicos. A esse respeito ela comentou o seguinte:
Eu comecei a ler os excertos que tu fez. É muito legal a gente pensar: “eu acredito nisso!”.
E esse acreditar tem relação com tudo que estava no inconsciente, mas falando
agora e lendo com esse olhar mais biográfico... É como se eu tivesse o
compromisso de escrever aquilo não só porque é teorizado, mas porque vivi
aquilo. É como se eu dissesse: “Olha! O que estou escrevendo podem acreditar,
porque eu vivi isso, não é algo que digo por que aprendi nos livros, mas foi
vivido”. (SOUZA, J., 2018).
Assim como comentei sobre a pesquisa de Braga (2016) acerca das
cenas integradas à escuta atenta dos sujeitos da narratividade musicobiográfica, entendo que, quando a história de vida do
outro se levanta diante do texto ou de músicas que compõem a narrativa, “não é
um aparecer que se possa incluir no círculo de representações que são minhas”,
mas é no leitor que o movimento que parte do outro conclui a sua trajetória. O
outro é um vestígio da exterioridade de quem lê, escuta ou participa junto
desse processo de criação e formação em música (RICOEUR, 2014, p.397).
Em tempos de pandemia, provocada pela Covid-19, testemunhamos um
momento de (auto)reflexividade, de depoimentos pessoais compreendidos como
narrativas autobiográficas, em que a música tem se tornado um respiradouro,
paradoxalmente, um orifício por onde escapa o ar. Logo, é um momento em que nos
deparamos com aquilo em que somos solicitados a nos inscrevermos no fluxo dos
discursos musicais nas redes sociais. Este é, portanto, um exemplo para
esclarecer, com as palavras de Passeggi (2020, p.76),
que “é preciso narrar, é preciso escutar! É preciso ver, é preciso ler”, é
preciso compor, tocar, cantar, criar, apreciar e comunicar a música que nos
toca e nos leva a produzir narrativas de si, construindo diálogo com a
narrativa de outrem.
Nesse momento integrador, as figuras de ligação sujeito empírico
e epistêmico tomam forma, se forma e se (com)formam pelas diferentes formas:
seja compondo, tocando, escrevendo, entre outras formas de linguagem que a
música possa se manifestar e se preservar como obra em uma vida. É um processo
criativo se deslocando sob a forma de narrativa que torna a narrativa um
produto. Diante desse produto, podemos compreender o que nos conduz a explorar,
como diria Paul Ricoeur (2010), nos dilemas da
escrita de si.
Nessa lógica, entendo que a musicobiografia
tem em seu escopo a medialidade que carrega aquilo
que engendra a narrativa – o que vive e o que se forma. Ampliando para o campo
da educação musical, entendo que a musicobiografização
se refere ao feito de um sujeito que se apropria desse instrumento semiótico
que é a música por consequência da bio e da grafia
culturalmente herdadas ou sócio-historicamente
situadas ou pedagogicamente constituídas. Isso tudo para saber-poder-colocar-se
diante de si e de outrem, como protagonista de sua história. Para realizar esse
feito biográfico, é preciso colocar-se em processo criativo se apropriando
desse instrumento semiótico que materializa esse (e)feito em um processo de musicobiografização. Eis o nosso desafio!
Nesse movimento de pesquisadoras e pesquisadores, professoras e
professores formadores e acompanhadores, nós questionamos sobre os nós que
estamos ligando em rede, sabendo que estes “nós” dependem de nós, de que nossos
produtos intelectuais sejam configurados como pesquisas em rede, dispositivos
formativos em cursos de extensão intergrupos, ciclo de palestras, artigos,
material didático, entre outros produtos de caráter bibliográfico, técnico ou
artístico.
Acredito que avançamos um pouco mais nesse diálogo, mas
persistirá a questão: o conceito musicobiografização
é adâmico? Talvez. Acredito que é na construção dessa identidade narrativa com
o campo da pesquisa (auto)biográfica e da educação musical que configuraremos
um modo de permanecer entre ambos no exercício
dialético do concordante/discordante para fazer diferir e, assim, contribuir na
experiência do sujeito que vive a vida e que, ao teorizá-la, se forma e deixa
registros de si. A seguir, passo a discutir, de forma ensaística, o conceito de
musicobiografização como uma intriga narrativa.
Implicações da musicobiografização como intriga narrativa
O processo de musicobiografização está
no plano da composição do enredo, do acontecimento entre pesquisa
(auto)biográfica e educação musical. Isso exige o reconhecimento de que cada
campo investigativo tem as suas diferenças, o que acarreta
concordantes/discordantes. Logo, segundo Ricoeur
(2014), a alteridade não se dá na mesmidade, mas na ipseidade, na síntese do
heterogêneo. Sendo assim, o conceito que denominamos como musicobiografização
é pensado na intriga, na composição de uma identidade narrativa de campos
epistemológicos. O termo identidade é tomado por Ricoeur
(2014) no sentido de uma categoria prática nascida do jogo cruzado da leitura
conjunta que se faz da atribuição a um indivíduo ou a uma comunidade de uma
identidade específica que podemos chamar de identidade narrativa. O
reconhecimento de si – uma ipseidade – mediante a leitura e narração daquilo
que foram suas lutas e resignações, seus compromissos e quedas, suas vitórias e
derrotas.
Nessa perspectiva, se na composição pós-disciplinar é o
discordante do si que faz a diferença, portanto o outro é diferente do si. Por
isso, interessa-nos interrogar como essa arte da composição da pesquisa
(auto)biográfica em educação musical se configura e como o termo musicobiografização medeia a dialética na composição dessa
intriga narrativa. Para validar esse conceito de composição entre a natureza da
música e a biografização, recorro a Ricoeur (2014), que discute como identidade narrativa a
síntese do heterogêneo.
A musicobiografização é, portanto, a
síntese desse heterogêneo que tenta explicar as diversas mediações que o enredo
opera. Desse modo, tal configuração é uma conexão reivindicada pelo
acontecimento que faz a história avançar e, nesse avanço, é personagem aquela
que executa a ação narrativa. Podemos pensar o campo epistemológico como a
personagem que diz respeito à inteligibilidade narrativa do enredo. A questão
então é saber como a “personagem” musicobiografização
contribui para essa discussão.
A tese aqui defendida é a de que a musicobiografização
é compreendida por delegar a si a operação de composição desses campos do conhecimento.
Isso implica dizer que a dialética da concordância discordante da personagem
mostra a necessidade dessa inscrição entre a mesmidade e ipseidade. Trata-se de
mostrar como a personagem musicobiografização se
inscreve nos polos de permanência entre educação musical e pesquisa
(auto)biográfica para, assim, fazer a mediação entre elas.
Essa função mediadora exercida entre os campos investigativos,
engendrada pela narrativa, ganha nessa visão epistemológica recursos de
“variações imaginativas” que manifestam a diferença nos modos de enxergar um
mesmo fenômeno e problematizá-lo. É, portanto, nessas variações geradas pela
narrativa que a música aparece na construção dialética da identidade narrativa
na investigação. Seguindo o pensamento de Ricoeur
(2014, p.155), “o benefício dessas experiências intelectuais é tornar manifesta
essa diferença entre as duas significações, fazendo variar a relação entre uma
e outra”. Essa variação tende a não se confundir, sobrepor-se uma à outra, mas
promover uma síntese do heterogêneo.
É sabido que, na utilização de abordagens teórico-metodológicas
com suas fontes e questões, a pesquisa (auto)biográfica tende a se sobrepor com
a autobiografização, ao passo que, no campo da
educação musical, essa composição converge na configuração da narrativa mediada
pela ou com a música, em um processo no qual a musicobiografização
se sobrepõe. Nesse sentido, o que se torna invariante é o indivíduo, o sujeito,
a pessoa que vivencia essa mediação musical entre si e o mundo, uma vez que,
como atesta Barthes (1981), a condição corporal vivenciada é uma dimensão do
si.
Ao atuar no mundo, o sujeito, o indivíduo, a pessoa ou o performador desloca, agrupa, combina e agencia os
componentes da música, propondo uma escuta do corpo para, então, ler a música
que o atravessa. Logo, o lugar central que Barthes dá ao corpo é relacionado à
experiência do sensível, “um corpo musical quase teatral, capaz de sentir e
curtir ao mesmo tempo a melodia, o ritmo, os volumes instrumentais, o jogo da
tensão e relaxamento, os movimentos e os acentos etc.” (RIOM, 2015, p.282).
Essa é, portanto, uma condição sobre o si e sua
ipseidade, uma vez que a musicobiografização, que é
submetida à injunção, faz dela uma mimese da ação, uma variação entre um e outro campo investigativo aqui discutido.
Para usar os termos de Latour (2000), compreendo que a musicobiografização age no plano conceitual e prático como
um “actante” ou um “entre”, transportando consigo alguns traços que são
musicais, mantendo assim essa “mediação inalterada” da materialidade da música
com seus elementos estruturantes, suas estruturas inteligíveis, o que dá ao
enredo uma identidade narrativa de automedialidade.
Essas estruturas inteligíveis são entendidas para além da notação musical.
Trata-se da linguagem que carrega em sua semântica conceitos de mundo em que
nossas ações temporais ganham corpo. Assim como as fontes simbólicas desse
mundo, os símbolos são elementos da linguagem e da cultura, e se é verdade,
como já se disse, que “a linguagem funda a história, também o é que não existe
linguagem fora dela” (RICOEUR, 2013, p.115).
Nesse sentido, para tornar mais preciso o que está sendo
objetivado nos estudos em educação musical e pesquisa (auto)biográfica, não se
pode perder de vista a identidade narrativa, a configuração entre esses campos do conhecimento na alteridade.
Acompanhando a tese de Ricoeur (2014, p.157), no
âmbito da dialética entre o idem e o ipse, entendo que a virtude da função mediadora que
compõe a narrativa por si só já carrega essa função no processo de formação do
indivíduo, de modo que a medialidade da música que
compõe a narrativa torna o processo automedial,
identificado por nós como um processo musicobiográfico.
Em termos nocionais e conceituais, parto do pressuposto de que a musicobiografização ocupa uma posição de articulação da
“teoria narrativa”, proposta por Ricoeur (2014,
p.160). A questão está posta em duas vertentes: na primeira, voltada para os
estudos epistêmicos que envolvem esses dois campos de conhecimento – educação
musical e pesquisa (auto)biográfica –, mostrando em que medida a conexão entre
sujeitos e música é revelada no processo musicobiográfico,
além de tentar lançar luzes sobre as dificuldades vinculadas à relação entre a
ação e o agente no campo prático.
Na segunda vertente, voltada para questões práticas, as
narrativas propõem, por elas mesmas, a relação entre a ação e seu agente,
estendendo assim o campo da prática, que exige um nível de configuração
narrativa. Essa unidade de configuração recorta uma arte – neste caso, a música
– que emerge e faz a ligação nessas cadeias de ações. Isso significa que as
relações não são lineares, mas de imbricação.
Oras, essa ligação de imbricação só se articula com base no nexo
entre os dois campos investigativos e formativos visto que as conexões de ambas
são unificadas sob os princípios da significação e da construção de sentidos,
que os sujeitos que se relacionam com a música fazem na prática, seja criando,
apreciando ou performando. Logo, e pensando com Ricoeur
(2014, p.163), “a unidade de configuração constitutiva de uma prática baseia-se
numa relação particular de sentido, a expressa pela noção de regra
constitutiva”, extraída da materialidade passiva da música, estendendo-se as
narrativas (auto)biográficas, reintegrada aqui como musicobiografização.
Convém esclarecer que essa “regra constitutiva”, apropriada por
mim de Ricoeur (2014), não é a acrescentada a posteriori, mas aquela que reveste o gesto musical de
significação. Nesse sentido, a significação decorre da regra a partir do momento
em que ela é constitutiva, precisamente, da significação, “do valer como”,
abrindo caminho para os atos narrativos-formativos (RICOEUR, 2014, p.163).
Conclusão
No tópico dedicado à problemática da construção da musicobiografização como intriga narrativa, admitimos, com
os estudos de Ricoeur (2014), que esse
discordante/concordante abrange o espectro de significações de um campo
investigativo a outro em que se sobrepõe aquilo que difere e se associa
inteiramente, isto é, o que pode ser identificado como educação musical e
também como pesquisa (auto)biográfica. O sentido ético, pois, se ajusta à
manutenção de um si de tal modo que outrem pode contar
um com o outro.
Visto que, nessa perspectiva musicobiográfica,
a educação musical conta com o campo da pesquisa (auto)biográfica, é possível
proporcionar um modo de contribuir com ações éticas, que geram
responsabilidades, diante de outrem. O termo responsabilidade aqui empregado é
o mesmo que Ricouer (2014) utiliza para reunir “as
duas significações; contar com..., prestar contas de...”. Ele os reúne
acrescentando a ideia de resposta à pergunta: “Ondes estás?,
feita pelo outro que me procura. Essa resposta é: Eis-me, resposta que expressa
a manutenção de si” (RICOEUR, 2014, p.177). Nessa direção, “a manutenção de si
ao caráter”, a intenção foi delimitar a dimensão da musicobiografização
como intriga narrativa, fazendo assim a síntese do heterogêneo entre os dois
campos investigativos aqui tratados.
Entendemos, pois, que é nessa dimensão da musicobiografização
que se situa a identidade narrativa, como diz Ricoeur
(2014, p.177), “fica de permeio”, mantendo unida “as duas pontas” dessas áreas
de conhecimento. Essa visada dá as características reconhecíveis de uma
identidade narrativa em que o “Eis-me” é convocado a fazer essa aproximação
dialética. Podemos e devemos, como nos ensina Passeggi
(2016), ter uma visão “pos-disciplinar”, mas, como
afirma Ricoeur (2014, p.180), “é aqui que estou!”.
Numa filosofia da ipseidade como a de Ricoeur
(2014), “é preciso poder dizer que a posse [de um termo nocional – musicobiografização] não é o que importa e sim o
engendramento da narrativa como uma dialética do entre encontrando
a cumplicidade desse movimento” (auto)biográfico na educação musical, tornando-nos,
assim, disponíveis para o outro (RICOEUR, 2014, p.181, grifos e acréscimos
meus).
Como dito no preâmbulo, o objetivo principal deste trabalho
consistiu em dialogar com a obra de Paul Ricoeur O Si mesmo como um outro, especificamente com o sexto estudo,
“O si e a identidade narrativa” (RICOEUR, 2014 p.145-181), no qual venho me
debruçando ao longo dos últimos cinco anos.
Ao apontar o movimento adâmico de termos nocionais que alguns
pesquisadores e pesquisadoras da área da educação musical têm criado para,
assim, fazer aproximações com o campo investigativo da pesquisa
(auto)biográfica, busquei construir uma dialética para a utilização do termo musicobiografização como intriga narrativa.
Esse movimento (auto)biográfico em educação musical, que tem se
fortalecido nos últimos anos com redes colaborativas de estudos e pesquisas,
mostra que “o forte no coletivo de uma área”, como nos lembra Jusamara Souza, se dá pela produção, com uma “proposição de
mundo, para nele projetar um de meus possíveis mais próximos”, como atesta Ricoeur (2008, p.66).
Meu interesse pelo “mundo da obra” de Jusamara
Souza nasce do empenho pela compreensão de um campo investigativo sob a ótica
das histórias de vida de pesquisadores e seus desafios epistemológicos. Essa
história de vida implicada com a construção de uma área de conhecimento é o que
religa um todo mais vasto e dá a esse todo um cenário da educação musical como
“pano de fundo”. Esse pano de fundo é feito de “imbricação viva” de todas as
histórias vividas umas nas outras. Dito de forma poética, é quando uma história
tira a outra para dançar e, de maneira mais lógica e pensando com Ricoeur (2010), é quando as histórias narradas fazem
emergir esse pano de fundo, portanto aquele que está implicado emerge também.
Assim como cada história nova é compreendida tendo como pano de fundo o
patrimônio já estabelecido, entendo também que cada termo nocional adâmico está
implicado com campos investigativos também já constituídos.
Diante do exposto, e entendendo que o exercício da construção de
um termo nocional, assim como um conceito, influencia na construção de um novo
horizonte de possibilidades para o leitor, busco aclarar com o pensamento de Ricoeur (2010, t.3, p.308) que, “quando o leitor incorpora
os ensinamentos de suas leituras à sua visão de mundo, para aumentar
legibilidade prévia, a leitura é para ele algo diferente de um lugar onde para
ele é um meio que ele atravessa”. Logo, acredito que toda compreensão é sempre
uma modulação em que os horizontes atuam, neste caso, como um “concordante/discordante”
que se produz como meio entre tantos outros entrelaçamentos que possam ser
feitos para, assim, construir na “intriga certa legibilidade prévia” desse
significado para o campo da educação musical (RICOEUR, 2010, t.3, p.308).
A contribuição do pensamento ricoeuriano
à educação musical consiste especialmente nos conceitos que estamos cunhando,
fazendo figuras de ligação com as pesquisas realizadas em educação musical em
diálogo com a pesquisa (auto)biográfica. Essa “ação em concerto”, para retomar
os termos de Hannah Arendt, acontece em teias de relações. Ações que acontecem
em rede. É nesse campo do querer viver junto que entra em cena um dos elementos
mais fecundos à filosofia ricoeuriana.
Convém lembrar com Alda Oliveira, uma das fundadoras da ABEM,
que essa “ação em concerto” tem uma perspectiva ricoeuriana,
pois “você não pode conectar os pontos olhando para a frente; você só consegue
conectá-los olhando para trás. Então você tem de confiar que os pontos de
alguma forma se conectarão no seu futuro com a área” (OLIVEIRA, 2012, p.16).
Penso que a abordagem da pesquisa (auto)biográfica no campo da
educação musical é um eixo norteador de uma rede que tem se constituído com
estratégias de produção de conhecimento que se encontra em um momento adâmico,
mas também de devolutiva social. Estamos conquistando espaços com os efeitos já
produzidos pelas pesquisas científicas e formativas em música geradas pelo
movimento (auto)biográfico na educação musical. E esse saber-poder-fazer se
constitui como uma ação em concerto.
Pelos vinte anos de existência dentro deste campo do
conhecimento, estamos agora no momento de contribuir com outras áreas do
conhecimento, mostrando com pesquisas o poder da música na composição das
narrativas (auto) biográficas, seja ela de forma literal – narrativas com
música – ou na automedialidade, em que o sujeito
revela de que forma a música está situada em sua vida. Essa, portanto, é uma
das maneiras de como o campo da educação musical vê a pesquisa (auto)biográfica
e, com isso, intenta contribuir com teorias e metodologias para se pensar a
formação musical.
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Autor notes
1 Docente de música da
Universidade de Brasília (UnB), com doutorado em música pela UFRGS, mestrado em
linguagem (UFMT), graduação em letras (Unemat) e
graduação em música (IPA/RS). Possuiu pós-doutorado em educação na linha
cultura, escrita e linguagens pela UFPel. Atualmente
é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Música da UnB e líder do grupo
de pesquisa Educação Musical e Autobiografia.