Dossiê

 

Técnicas estendidas e aspéctos culturais presentes na Puneña n° 2, op. 45 para violoncelo solo de Alberto Ginastera1

Extended techniques and cultural aspects presente in Puneña n° 2, op. 45 for solo cello by Alberto Ginastera

María Verónica Fernandez 2

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

 

Juan Ignacio Ferreras 3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

 

 Fabio Soren Presgrave 4

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

 

Revista Orfeu

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2525-5304

Periodicidade: Semestral

vol. 7, núm. 2, 2022

revistaorfeu@gmail.com

Recepção: 29 Junho 2022

Aprovação: 16 Setembro 2022

 

URL: https://periodicos.udesc.br/index.php/orfeu/article/view/22370  

DOI: https://doi.org/10.5965/2525530407022022e0107

Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.

Resumo: Esta pesquisa examina os elementos estilísticos provenientes da música folclórica da Região da Puna, encontrados na Puneñan.º 2, Op. 45 para violoncelo solo de Alberto Ginastera, com o objetivo de embasar violoncelistas interessados no seu estudo e na sua performance. Como procedimento metodológico, foram estudados autores como Aretz (2003, 2008), Aguilar (2007) e Falú (2011), com o intuito de melhor compreender a música folclórica da Região da Puna e das culturas pré-hispânicas, e Suárez Urtubey (1967, 1972, 2003), que discorre sobre a vida e obra do compositor. A partir do levantamento bibliográfico, foram expostos ideias e conceitos que auxiliam o intérprete a decodificar aspectos relevantes da obra. Além disso, foi realizada uma análise detalhada de como o compositor coloca em jogo os recursos pesquisados ao compor para o violoncelo, destacando alguns aspectos idiomáticos.

Palavras-chave: Violoncelo, Puneña nº 2, Alberto Ginastera.

Abstract: This research sheds light on the stylistic elements originated from the region of Puna found in the Puneña N°. 2, Op. 45 by Alberto Ginastera for Solo Cello in order to supply cellists with the background needed for the interpretation of the piece. As a methodological procedure authors such as Aretz (2003, 2008), Aguilar (2007) and Falú (2011), Suárez Urtubey (1967, 1972, 2003) were studied with the goal of better understanding the folk music of the Puna Region and the life and work of Ginastera. From the bibliographical research suggestions were drawn for the cellist interested in the performance and study of the work. From the bibliographical survey, ideas and concepts that help the interpreter to decode relevant aspects of the work were exposed. In addition, a detailed analysis of how the composer puts the researched resources into play when composing for the cello was performed, highlighting some idiomatic aspects.

Keywords: Violoncello, Puneña n°2, Alberto Ginastera.

Introdução

A Puneña n.º 2, Op. 45 é parte de um grupo de doze peças escritas para violoncelo solo encomendadas pelo violoncelista Mstislav Rostropovich por ocasião do aniversário de setenta anos do regente suíço Paul Sacher.

Paul Sacher (1906-1999) foi um maestro de renome internacional, colecionador e patrono responsável pela produção de uma grande variedade de música escrita ou executada durante sua vida. Nascido na Basileia, cidade Suíça, de uma família abastada, foi formado como violoncelista e como musicólogo. Sacher gastou sua fortuna generosamente em causas musicais, promovendo uma série de composições monumentais e financiando grupos que se dedicavam a estreias de novas obras. (DUNNAGAN, 2011, p.1, tradução nossa).5

De acordo com Dunnagan (2011), Rostropovich encomendou as obras para Conrad Beck, Luciano Berio, Pierre Boulez, Benjamin Britten, Henri Dutilleux, Wolfgang Fortner, Alberto Ginastera, Cristobal Halffter, Hans Werner Henze, Heinz Holliger, Klaus Huber e Witold Lutoslawski, solicitando que cada um deles escrevesse uma variação para violoncelo solo, e sugeriu que o motivo primário se baseasse nas letras que compõem o nome SACHER (Mib – Lá – Dó – Si – Mi – Ré)6. Dez das doze peças foram estreadas por Rostropovich, no dia 2 de maio de 1976, em Zurique, com exceção das peças de Berio e Henze, que não foram terminadas antes da data marcada para a estreia.

O compositor argentino Alberto Ginastera traz um elemento pictórico diferente à coleção. Além de utilizar o hexacorde referente ao nome de Sacher, foram incorporados elementos inspirados na música folclórica da região dos Andes (DUNNAGAN, 2011).

No prefácio da Puneña, Ginastera elucida que a sua inspiração é proveniente não somente da música argentina, mas também de outros países andinos que eram parte do Império Inca: “Puneña n.º 2, Homage to Paul Sacher, é uma recriação do mundo sonoro desse misterioso coração da América do Sul, que foi o Império Inca, cuja influência ainda pode se sentir no norte do meu país, assim como também na Bolívia e no Peru” (1977, tradução nossa).7

Dunnagan discorre sobre a peça da seguinte forma:

Puneña n.º 2: Hommage à Paul Sacher é uma típica composição do período tardio de Ginastera. Classificado como neoexpressionista, ele a compôs usando o politonalismo e técnicas seriais, sempre incorporando a música de seu país natal. Ele representa a música das culturas primitivas da Argentina com um uso imaginativo dos métodos contemporâneos de composição. Usando recursos como ritmo irregular, sistema de doze tons e técnicas estendidas do violoncelo, Ginastera criou uma de suas composições mais vanguardistas para o tributo a Sacher. (DUNNAGAN, 2011, p.37, tradução nossa).8

O referencial teórico-metodológico deste trabalho se baseou no pensamento de Henk Borgdorff (2012), que delineia três tipos de investigação em artes, dos quais o segundo será de nosso interesse: a investigação para a prática artística. De acordo com Borgdorff (apud LOPEZ-CANO, 2014), esse tipo de investigação produz conhecimentos ou ferramentas para o desenvolvimento da atividade musical no mais amplo sentido (criação, interpretação, escuta e estudo musical). Utilizando esse conceito metodológico, tivemos a intenção de contextualizar as particularidades da Puneña n.º 2, Op. 45 para os violoncelistas interessados na performance da peça conseguirem uma melhor compreensão da mesma.

Puneña n.º 2 é uma peça de vanguarda, mas, paradoxalmente, Ginastera não cria novas técnicas (técnicas estendidas). Como veremos adiante, as técnicas utilizadas são as comumente encontradas na literatura do violoncelo no século XX e que, no contexto da obra, remetem aos instrumentos e à música folclórica da região da Puna. Devido a esse fato, para melhor elucidar a peça, seguimos a proposta de Borgdorff, pesquisando os elementos folclóricos indispensáveis para o processo de interpretação da obra. Esse processo constou da investigação bibliográfica de autores como Aretz9 (2003, 2008), Aguilar (2007) e Falú (2011), com o intuito de melhor compreender a música folclórica da região da Puna e das culturas pré-hispânicas que influenciaram a peça; Suárez Urtubey10(1967, 1972, 2003), que discorre sobre a vida e a obra do compositor, referenciando as obras de violoncelo, e autores como Wiederker (1993) e Patricia e Allen Strange (2001), que abordam técnicas contemporâneas dos instrumentos de corda. Realizamos também uma entrevista com Ignacio Freijo,11 um reconhecido compositor e violonista da cidade de Córdoba, Argentina, o qual, além de possuir uma formação acadêmica, também atua como intérprete de música folclórica.

O trabalhou foi desenvolvido em duas partes. A primeira trata do contexto musical na Argentina, tanto dos anos anteriores ao nascimento de Ginastera como também da época da sua formação musical e do desenvolvimento da sua carreira como compositor, abordando principalmente os assuntos referentes ao nacionalismo musical. Nesse trecho se abordam também aspectos sobre a vida e a obra do compositor. A segunda parte do artigo foca a peça Puneña n.º 2, assunto central desta pesquisa, suas características gerais e sua conexão com os gêneros folclóricos.

1 O Nacionalismo e as particularidades do compositor

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO: O NACIONALISMO NA ARGENTINA

O nacionalista musical tenta criar, para um público, obras que na linguagem das grandes formas expressam o modo de ser e de sentir do homem da sua nação. Para isto reelabora livremente motivos folclóricos, tradicionais e até nativistas, já que sua intenção é proporcionar à sua música o sabor do próprio […]. (JACOVELLA apud VENIARD, 2000, p. 221, tradução nossa).12

No dia 4 de abril de 1879, na inauguração do Teatro Colón,13 foram executadas algumas obras com traços do nacionalismo musical argentino, mas os compositores apresentados nessa noite ainda não podiam ser classificados como nacionalistas, já que eles escreviam obras com características nacionais e também outras que se conectavam ao internacionalismo musical. Os compositores argentinos da época, formados no exterior, ao escrever músicas com características italianas, francesas ou alemãs, não percebiam ainda que essa linguagem possuía pátria, apenas sentiam que estavam escrevendo em uma linguagem própria, relacionada com sua formação musical. Consideramos, então, que esses compositores escreviam em um estilo nacionalista parcial (VENIARD, 2000).

Veniard (2000) explica que o nacionalismo na Argentina se desenvolveu em três etapas bem definidas. Na década de 1870, surgiu o que o autor denomina de primeira “onda de nacionalismo musical argentino”, que se diluirá em 1880 aproximadamente. Já por volta de 1890, graças à difusão de obras cênicas como as de Juan Moreira e de Martín Fierro (dramas criollos), qualquer obra que referenciava situações locais tinha o sucesso garantido. E é exatamente nesses anos em que se situa a segunda onda de nacionalismo musical, a qual retrocede ao pouco tempo no que se refere às composições no campo da música erudita. Os ideais sonoros dessa época são assim explicados “Como recurso composicional do nacionalismo, é comum a criação de sonotipos que produzam no ouvinte uma sensação de localização numa paisagem, dentro de um ambiente característico, único no mundo” (VENIARD, 2000, p.148, tradução nossa)14. É por volta de 1915 que acontece a terceira e última onda de nacionalismo musical coincidente com os nacionalismos musicais do século XX. Forma-se também nesse ano a Sociedad Nacional de Música, que teve grande importância na difusão da música argentina (VENIARD, 2000).

Em 1920, devido à Primeira Guerra Mundial, surgiu também um grupo de músicos com características especiais que foi o primeiro formado exclusivamente no país (VENIARD, 2000). Esses músicos, diferentemente dos de épocas anteriores, não realizaram a sua formação em uma escola nacional europeia específica, muito pelo contrário, suas formações eram de um forte caráter universalista, por terem se formado com professores15 das mais diversas escolas. Suárez Urtubey (1967) afirma que os compositores dessa época conseguiram transformar o conhecimento que possuíam dos compositores europeus e com essa informação seguir seus próprios caminhos musicais.

Segundo Veniard (2000), nas duas primeiras ondas de nacionalismo, a música revalorizada foi do folclore de La Pampa16 e do Cuyo.17 Mas, na última onda nacionalista, a música nativa do norte da Argentina foi a única considerada como sendo tradicional e autêntica. Assim, “A música do norte […] percebia-se tão alheia que se supunha toda indígena. Aí estava a suposta raiz da argentinidad” (VENIARD, 2000, p.228, tradução nossa).18

Consoante Ginastera (1948), o início do movimento musical moderno na Argentina se dá na década de 1890. O contato dos compositores dessa geração com obras de Debussy, Ravel, Stravinsky e Schönberg, entre outros, provocou uma evolução dentro da música argentina, cujo resultado foi a superação da música romântica e a abertura das portas ao nacionalismo.

A força rítmica de Petrouchka ou de Le Sacre du Printemps, a novidade de L´histoire du soldat ou de Pulcinella, a simplicidade e a grandeza de Le Roi David, o uso do material folclórico em Falla e Bartók e a originalidade das primeiras obras de Hindemith e Milhaud foram talvez as fontes que deram origem ao novo movimento estético na Argentina. (GINASTERA, 1948, p.21, tradução nossa).19

Nesse processo, o uso de elementos provenientes do folclore nacional deixou de ser um mero formalismo e começou a ter relação com a criação musical (GINASTERA, 1948).

Julián Aguirre20 e Carlos Lopez Buchardo21 foram, para Ginastera, os primeiros compositores em cujas peças se pode observar o desejo de criar uma música diferente da europeia. Ainda assim, em sua opinião, na Argentina não existia uma autêntica escola nacional que se assemelhasse com a francesa, a russa ou a espanhola, e a formação dessa escola não era produto da simples vontade de um ou outro compositor, senão que

É a consequência de uma lenta elaboração, ao longo do tempo, de diferentes materiais, concretos uns, espirituais outros, unida à assimilação dos mais variados procedimentos técnicos, o que resulta em obras que, ainda sendo distintas em seu caráter, refletem um nexo comum. (GINASTERA, 1948, p.22, tradução nossa).22

1.2 BIOGRAFIA ANALÍTICA DE GINASTERA

Nas primeiras décadas do século XX, o cenário musical na Argentina estava dividido em dois grupos: o tradicional-nacionalista e o innovador.

O grupo tradicional-nacionalista se constituiu formalmente em 1915, com a criação da Sociedad Nacional de Música (posteriormente denominada Asociación Argentina de Compositores). Esse grupo, de posições conservadoras, estava em superioridade de condições pela existência de vínculos com entidades oficiais. O segundo grupo se posicionou no outro extremo do campo musical com a criação do Grupo Renovación a partir de 1929, e por volta de 1950 transformou-se na Agrupación Nueva Música. Entre seus objetivos estava o acesso a um internacionalismo musical e o afastamento das posturas locais (VÁZQUEZ, 2009). Conforme Veniard (2000), o enfrentamento desses grupos foi levado à frente mais pelos críticos musicais que pelos próprios compositores.

Nesse contexto histórico nasceu Alberto Ginastera, em Buenos Aires, no dia 11 de abril de 1916, neto de imigrantes23 e filho de argentinos. A família não tinha ligação com a música, mas a inclinação musical de Ginastera se percebeu desde a mais tenra infância (SUÁREZ URTUBEY, 1967).

Ginastera ingressou no Conservatorio Nacional de Música em 1936, onde teve aulas com José André,24 Athos Palma25 e José Gil,26 formando-se no ano de 1938. Nessa época, o compositor foi fortemente influenciado por La Mer, de Claude Debussy, e Le Sacre du Printemps, de Igor Stravinsky. Mas foi apenas em 1937, “[…] com a estreia da suíte sinfônica do ballet Panambí […], que começou a carreira profissional de Ginastera como compositor” (SUÁREZ URTUBEY, 1967, p.79, tradução nossa).27

Em 1945, Ginastera recebeu uma bolsa da Fundação Guggenheim para viajar aos Estados Unidos. Essa viagem foi significativa para a difusão de suas peças e para a encomenda de muitas novas obras. A partir de então, quase que a totalidade das composições escritas por Ginastera foi fruto de encomendas, e suas estreias se davam logo após serem finalizadas (SUÁREZ URTUBEY, 1967).

Por volta de 1961, Ginastera já era reconhecido nacional e internacionalmente. Após a estreia no Teatro Colón da Suíte del ballet Panambí em 1937, o compositor continuou sua carreira como um típico representante do grupo tradicional-nacionalista. Revelam esta afirmação sua formação no Conservatorio Nacional, com Alberto Williams, e suas primeiras obras, as quais estavam baseadas em material musical tomado da cultura criolla, e que foram estreadas com grande sucesso no exterior. (VÁZQUEZ, 2009, p.151, tradução nossa).28

Com a estreia de obras como o Quarteto de cordas n.º 2 (1958), a Cantata para América Mágica (1960) ou o Concerto para Piano n.º 1 (1961), as composições de Ginastera passam a representar uma manifestação de vanguarda aos olhos do grupo tradicional-nacionalista. Mas esse fato também não significou que o compositor passasse a tomar parte do grupo innovador (VÁZQUEZ, 2009). Ginastera ficou sem ligação com as principais correntes composicionais da Argentina da época.

Ginastera casou-se pela segunda vez em 1971, com a violoncelista argentina Aurora Nátola. Esta união influenciou claramente a sua produção musical, fazendo o violoncelo ganhar um papel de destaque em suas composições. Nesse mesmo ano, mudou-se para Genebra, Suíça, onde morariam os doze últimos anos da sua vida. Esses anos seriam, segundo Suárez Urtubey (2003), dos mais produtivos da sua carreira e nos quais foi escrita quase a totalidade de sua obra para violoncelo: a Serenata para Violoncelo, Barítono e Orquestra de Câmara, Op. 42 (1973); Puneña n.º 2 para Violoncelo Solo, Op. 45 (1976); Sonata Op. 49 para Violoncelo e Piano (1979); Concerto n.º 2 para Violoncelo e Orquestra, Op. 50 (1980).29

1.2.1 Períodos composicionais

De acordo com Pola Suárez Urtubey (1972), no livro Ginastera en cinco movimientos, o próprio compositor dividiu sua produção musical em três períodos: nacionalismo objetivo, nacionalismo subjetivo e neoexpressionismo.

1.2.1.1 Nacionalismo objetivo

A primeira etapa é aquela que o próprio compositor denominou como nacionalismo objetivo, porque o material folclórico ou popular se apresenta de forma direta, utilizando recursos da tradição tonal. Ainda assim, podemos achar nas composições desta primeira fase a influência de Stravinsky, Bartók e Falla (SUÁREZ URTUBEY, 1972).

Segundo Lezcano, Bianucci e Rodriguez (2010), nesse período podemos observar três aspectos próprios da forma de compor de Ginastera, que se estenderão à etapa do nacio-nalismo subjetivo e, em menor medida, às suas composições posteriores:

1. As alturas: as mudanças das escalas empregadas geralmente estão associadas a mudanças do material melódico (tematização da escala), implicando ou não uma modificação da tônica; e as alterações do diatonismo mediante cromatismos que funcionam como bordaduras duplas (alterações não estruturais) ou mudança de escala (alteração estrutural do diatonismo).

2. O uso de estruturas quartais: ora se apresentam horizontalmente, como intervalos de quintas, ora como um intervalo característico do desenvolvimento melódico, e ora verticalmente, em acordes por quartas.

3. O componente rítmico-métrico: as obras se organizam de acordo com um princípio de estruturação rítmico-métrico, que consiste na utilização sistemática dos compassos 3/4 e 6/8 de forma homométrica. Também se observam algumas fórmulas rítmicas típicas do folclore argentino.

Como exemplos desse período, podemos citar as peças Suite del ballet Panambí (1936), Danzas del ballet Estancia (1941) e uma série de canções, além de peças para piano.

1.2.1.2 Nacionalismo subjetivo

É com a Pampeana n.º 1 que podemos observar uma grande mudança na forma de Ginastera abordar o nacionalismo. Essa mudança está claramente relacionada com sua estada nos Estados Unidos:

Longe da sua pátria […], o músico consegue se afastar mais facilmente do elemento tradicional popular, que atuará como objeto sonoro estimulante para a obra. O tema literário, a citação folclórica, o ritmo, as características tonais não se encontram agora no novo meio. Porém, ao inverso, a distância, as saudades da terra e da família parecem consolidar novos vínculos, mais profundos e mais fortes, ainda menos evidentes. Daí surge uma música que conserva o espírito do seu país, ainda que as linhas e as cores estejam diluídas pelos procedimentos composicionais recentemente assimilados. (SUÁREZ URTUBEY, 1972, p.13-14, tradução nossa).30

A Pampeana n.º 1, Op. 16, rapsodia para Violino e Piano (1974) é uma obra de transição, por nela se manifestarem materiais pertencentes às duas épocas nacionalistas.

As peças Primeiro Quarteto de cordas (1948), Sonata n.º 1 para Piano (1952) e Variações concertantes (1953) marcam a etapa do nacionalismo subjetivo e as experimentações com o dodecafonismo, sistema esse trazido à Argentina por intermédio de Juan Carlos Paz31 (SUÁREZ URTUBEY, 1972).

De acordo com Suárez Urtubey (1972), o próprio Ginastera refere a sua etapa de nacionalismo subjetivo como aquela que tem seu ponto culminante na Pampeana n.º 3 (1954) para orquestra. Nas peças dessa etapa, o compositor amplia seu estilo de forma universal, mas sem se afastar das características da tradição argentina. Apesar de não encontrarmos nessa fase temas ou ritmos genuinamente criollos,32 ainda a reconheceremos como uma linguagem tipicamente argentina. “Logo atravessadas as duas primeiras etapas ou estilos, chega Ginastera ao que ele mesmo denomina período neoexpressionista, o qual inicia aproximadamente em 1958 […]” (SUÁREZ URTUBEY, 1972, p.26, tradução nossa).33

1.2.1.3 Neoexpressionismo

Para Suárez Urtubey (2003), Ginastera considerava que essa etapa teve início com o Quarteto de cordas n.º 2 (1958) e se consolidou com o Concerto para Piano e Orquestra, Op. 28 (1961).

Nesse período, não observamos citações literárias de células rítmicas ou melódicas provenientes do folclore, e ainda assim o estilo tem implicâncias que podem nos remeter às músicas argentinas. Suárez Urtubey (1972) ressalta o abundante uso de ritmos fortes e repetitivos que lembram as danças masculinas ou o caráter contemplativo de alguns adágios, que sugerem a tranquilidade dos pampas – ambos os aspectos já fazem parte da linguagem própria do compositor. O material composicional vai livremente até o serialismo, e em algumas peças chega ao aleatório. Como exemplos desse período, podemos citar o Concerto para Violino e Orquestra, Op. 30 (1963) e os Estudos sinfônicos, Op. 35 (1967). “Em termos gerais, os períodos nacionalistas se caracterizam pela progressiva abstração dos componentes folclóricos, ao passo que o período neoexpressionista caracteriza-se pelo atonalismo e a adoção do serialismo dodecafônico” (RODRÍGUEZ, 2010, p.132, tradução nossa).34

Depois vieram os anos de Genebra. Consoante Suárez Urtubey (2003), se respeitássemos e prolongássemos o critério classificatório do próprio compositor, neles poderíamos assinalar uma quarta etapa composicional. Porém,

[…] além daquela divisão em ciclos, é inegável que a obra do período na Suíça completa e ilumina a totalidade do caminho criativo, que vai desde 1937 até 1983, com unidade e coerência, de forma a deixar fora qualquer divisão em etapas ou fragmentos. (SUÁREZ URTUBEY, 2003, p.6, tradução nossa).35

Por essas razões, optamos por chamar essa época de período de síntese. Nela Ginastera reflete uma sublimação de seu estilo, comprometido com os sentimentos de homem argentino, assim como com os traços da linguagem sonora contemporânea ocidental. Seu trabalho procura constantemente realizar uma síntese entre essas linguagens – a do folclore argentino e da música pré-hispânica americana, com os mais modernos recursos da música ocidental (SUÁREZ URTUBEY, 2003). Segundo Suárez Urtubey (2003), Ginastera não é um compositor que costumava utilizar as técnicas de vanguarda apenas pela novidade, muito pelo contrário, o compositor somente as usa quando elas satisfazem suas necessidades expressivas.

Segundo palavras do próprio Ginastera, sua música possui três elementos permanentes: a exaltação do lirismo; a utilização de ritmos fortes, de danças masculinas; e o clima expressionista, quase mágico (SUÁREZ URTUBEY, 1967, p.70).

Em relação à utilização do sistema dodecafônico, afirma Ginastera (apud SUÁREZ URTUBEY, 1967, p.71, tradução nossa): “[…] o problema dodecafônico foi-se plantando e crescendo dentro de mim, não por influências exteriores de procedimentos em voga na Europa, senão por fortes demandas espirituais”.36

Segundo Tabor (1994), Ginastera não se afastou nunca da linguagem nacionalista. Isso, no seu último período composicional, pode-se observar, de forma superficial, nos títulos de algumas peças, como é o caso da Cantata para America mágica (1960), da Puneña n.º 1 (1973) ou de Popol Vuh, The Creation of the Maya World (1975-1983). Muito pelo contrário, na sua última etapa composicional, sintetiza essa corrente com as tendências vanguardistas.

1.2.2 Classificação das obras para violoncelo dentro dos estilos composicionais de Ginastera

1.2.2.1 Pampeana n.º 2

Na sonoridade geral da Pampeana n.º 2, Op. 21 (1950), obra que pertence à etapa do nacionalismo subjetivo, pode-se perceber claramente a influência do folclore da região central da Argentina (o próprio nome da peça refere-se aos pampas). Podemos notar traços do folclorismo no uso das escalas pentatônicas de Ré menor (Ré, Fá, Sol, Lá, Dó) e Lá menor (Lá, Dó, Ré, Mi,37 Sol), como se observa na Fig. 1, e nas escalas pentatônicas de Mi menor (Mi, Sol, Lá, Si, Ré) e Si menor (Si, Ré, Mi, Fá#, Lá), como demonstrado na Fig. 2 (LEZCANO; BIANUCCI; RODRÍGUEZ, 2010).


Fig. 1
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.1, compassos 1-9 do Allegro)
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.1, compassos 1-9 do Allegro)


Fig. 2
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.1, compassos 22-30 do Allegro)
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.1, compassos 22-30 do Allegro)

Outro aspecto proveniente do folclore é o passo da subdivisão binária do compasso 3/4 à subdivisão ternária do 6/8. Nesse caso, a mudança rítmica não se faz por meio de uma mudança de compasso, mas pela mudança na acentuação dos tempos do compasso 6/8 (como se observa na Fig. 3) em uma mesma voz ou gerando polirritmia entre as vozes do violoncelo e do piano, processos rítmicos estes associados aos gêneros da família da chacarera (gato, escondido, huella, bailecito, triunfo, malambo etc.), segundo Aguilar (2007).


Fig. 3
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.2, compassos 8-12 do Allegro)
Trecho extraído da Pampeana n.º 2, Op. 21 (p.2, compassos 8-12 do Allegro)

O intérprete não familiarizado com esse impulso rítmico pode interpretar erroneamente esses impulsos rítmicos como hemiolas, mas o sentido desta mudança tem relação com a polirritmia original, existente entre duas vozes geradas pelo bombo ou pelo violão ao realizar uma mudança de timbre, conforme menciona Aguilar (2007). Também na presença de seções como o Lento ed esaltato do número de ensaio 12, exemplo dos característicos adágios contemplativos, que mencionou Suárez Urtubey (1972).

A peça não segue as estruturas/formas próprias dos gêneros dessa região nem as harmonias tradicionais; a harmonia utilizada pelo compositor é quartal, e a forma se caracteriza por uma alternância de passagens cadenciais do violoncelo (sem a intervenção do piano) e seções que claramente referenciam o folclore.

1.2.2.2 Sonata para Violoncelo e Piano, Op. 49

A Sonata para Violoncelo e Piano, Op. 49 (1979) surgiu por encomenda da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e foi dedicada a Aurora Nátola-Ginastera, que a estreou. Nela, o compositor, após uma etapa composicional caracterizada pelo cromatismo e pelo clima expressionista, volta às raízes americanas (SUÁREZ URTUBEY, 2003). Segundo Freijo (apud FERNANDEZ, 2015), na peça, pode-se perceber claramente o Ginastera dos anos da Suíça, em que suas composições evitam as citações diretas do folclore, mas o tratamento do ritmo, esse ritmo incansável que é motor e condutor da sua música, remete novamente à música latino-americana. Essa peça possui uma linguagem mais de vanguarda, compara-tivamente falando com a Pampeana n.º 2.

1.2.2.3 Concertos para violoncelo e orquestra

Os dois concertos para violoncelo apresentam características distintas e apontam para fases diferentes do compositor:

O Primeiro Concerto […] é notável pelas linhas melódicas provocativas, os ritmos de danças latino-americanas, o virtuosismo da parte do violoncelo solista, as cores intensas e a percussão abundante do acompanhamento da orquestra. O Segundo Concerto, composto em homenagem ao 10º aniversário de casamento “Para minha querida Aurora” faz um uso mais proeminente de elementos do folclore argentino. Ele inclui uma representação do brilhante sol nascente, instrumentos de percussão que retratam sons da selva e um final rústico. (GINASTERA, 2011, tradução nossa).38

O Concerto n.º 1, Op. 36 para Violoncelo e Orquestra (1968) foi escrito no período neoexpressionista do compositor. Nele notamos a utilização de música serial e a técnica dodecafônica e de quartos de tons (Fig. 4). As melodias e os ritmos relacionados ao folclore latino-americano são mais difíceis de associar a gêneros específicos, mas podem-se perceber no ambiente sonoro resultante. Os saltos extensos e constantes de sétimas, nonas explorando grandes tessituras remetem à Segunda Escola Vienense (Fig. 5).


Fig. 4
Trecho extraído do Concerto n.º 1 para Violoncelo e Orquestra (p.10, compassos 3-6 do segundo movimento)
Trecho extraído do Concerto n.º 1 para Violoncelo e Orquestra (p.10, compassos 3-6 do segundo movimento)


Fig. 5
Trecho extraído do Concerto n.º 1 para Violoncelo e Orquestra (p.19, compassos 75-76 do segundo movimento)
Trecho extraído do Concerto n.º 1 para Violoncelo e Orquestra (p.19, compassos 75-76 do segundo movimento)

No Concerto n.º 2, Op. 50 para Violoncelo e Orquestra (1980), notamos mais claramente a utilização dos elementos provenientes do folclore e observamos em menor escala as técnicas normalmente presentes na música do século XX. Esse concerto é uma peça de fortes intenções pictóricas. O próprio compositor discorre sobre a peça da seguinte forma:

Meu Segundo Concerto para Violoncelo está organizado em quatro movimentos, cada um deles contém epígrafes de diferentes poetas e um breve comentário fazendo alusão a climas sonoros, expressivos e formais dentro dos quais os movimentos desenrolam-se. Eu acredito que isso seja o suficiente para o ouvinte familiarizar-se com o meu trabalho. Mas, para o registro, devo salientar que: 1 o elemento unificador durante todo o primeiro movimento é um tema famoso do violoncelo de um grande compositor, cuja identidade deve ser descoberta pelo ouvinte (uma referência ao solo de violoncelo do terceiro movimento do Concerto n.º 2 para Piano de Brahms); 2 o Scherzo Sfuggevole deve ser tocado no mais rigoroso pianíssimo; 3 que no terceiro movimento ouve-se o coqui (sapo de árvore), aquela criatura noturna, pequena e musical, de Porto Rico; 4 no último movimento aparecem os ritmos quéchuas do karnavalito, de origem Inca. (GINASTERA apud WINGROVE, 2011, p.4, tradução nossa).39

2. PUNEÑA n.º 2

2.1. Implicações do título da obra

“O título da peça refere-se à Puna, planície situada a 4.000 metros de altura sobre a Cordilheira dos Andes” (SUÁREZ URTUBEY, 2003, p.21, tradução nossa).40 A Puna abrange o noroeste da Argentina, o ocidente da Bolívia, o nordeste do Chile e o centro e sul do Peru. Na Argentina, abarca o oeste das províncias de Jujuy, Salta e Catamarca.

O termo é originário da língua quéchua e significa região de altura. Os quéchuas foram um povo do altiplano andino conquistado pelos incas. Nesse processo político, explica Calvo Pérez (1995), sua língua ficou no Império, ganhando importância até se tornar língua oficial. Segundo Cerrón-Palomino (1987), na Argentina existem duas zonas com grupos autóctones quechuahablantes (quéchua-falantes), a primeira é de nosso interesse e está localizada na província de Jujuy e em parte da província de Salta.

Ginastera utilizou muito mais que o simples adjetivo gentílico, Puneña, do título para conceber uma obra de forte caráter nacionalista e, ao mesmo tempo, de vanguarda. Para compreender melhor essa afirmação, faremos uma breve menção de alguns aspectos sobre os quais Isabel Aretz discorre no seu livro Música prehispánica de las altas culturas andinas (2003) e que são importantes para o âmbito do nosso interesse, pois trata da música que sobreviveu até a atualidade na região da Puna e cuja essência o compositor argentino toma para pintar tão nobremente uma imagem que tinha na sua memória do seu país natal, assim como da música que a ele pertencia.

Antes da chegada dos espanhóis, a região da Puna era parte do Império Inca, o qual, segundo o Dr. Imbelloni (apud ARETZ, 2003), já existia por volta do ano 1386 a.C. Nos mapas da Fig. 6, podemos observar comparativamente a atual Puna e as regiões antigamente habitadas pelo Império.


Figura 6
Esquerda: mapa da região denominada Puna.41 Direita: mapa do Império Inca.42

Isabel Aretz (2003) descreve os incas como um povo organizado militarmente que costumava conquistar outras nações indígenas, muitas das quais abandonavam seus costumes após as conquistas. A língua e a música são dois claros exemplos desse processo de aculturação que ocorria.

A música tinha um papel central na vida diária dos incas: para a vida, a morte, o prazer, a dor, o amor e a guerra e para os fenômenos da natureza, para tudo se fazia música e cada tipo de música tinha também um instrumento predileto (NAVARRO DEL ÁGUILA apud ARETZ, 2003).

Em termos gerais, essa civilização utilizava as escalas pentatônicas e possuía gêneros musicais bem definidos: “[…] cantos de expressão religiosa, lamentações ou llantos, cantos de amor como o denominado harawi, danças como o huaino ou o huainito, e a kaswa, que é canto e dança de alegria” (ARETZ, 2003 p.110, tradução nossa).43

A música anteriormente à invasão incaica era tritônica. A escala tritônica (Fig. 7) é um dos sistemas pré-coloniais sobre os quais se baseia grande parte da música do folclore argentino (ARETZ, 2008).


Fig. 7
Escala tritônica
ARETZ, 2008, p.30

Foi em 1470 que os incas ingressaram no noroeste argentino interessados nos metais e nos alimentos disponíveis naquelas terras. Nesse momento, se afirmou o uso das escalas pentatônicas no NOA – abreviatura comumente usada para nomear o noroeste argentino –, que é formado pelas províncias de Jujuy, Salta, Tucumán, Catamarca, La Rioja, y Santiago del Estero (ARETZ, 2003).

Todas essas culturas e suas tradições sofreram ainda mais com a chegada dos espanhóis ao território americano:

No ano de 1532, os espanhóis invadiram o Peru e no ano de 1538 os incas foram dominados pelos espanhóis, os quais possuíam melhores armas. América sofreu desde então o jugo espanhol, do qual fora livrado pelos Libertadores, mas só do jugo político, já que ainda não tem se desenvolvido a batalha para uma formação cultural do continente. (ARETZ, 2003, p.102, tradução nossa).44

Além disso, “A música de collas45 e incas permanece no nosso noroeste e é permanentemente renovada pela imigração boliviana e peruana. Mas tem também uma tradição musical já estabelecida por milhares de anos, que sobrevive com sua cultura” (ARETZ, 2003, p.185, tradução nossa).46

O conhecimento desses aspectos que inspiraram o compositor será de grande auxílio para o intérprete na hora de refletir sobre a peça e a origem de alguns elementos musicais que nela encontramos, como veremos a seguir.

2.2 O nacionalismo na obra

A Puneña n.º 2 é uma composição imersa nas correntes tanto do nacionalismo quanto do americanismo musical. De acordo com Plesch (2002), na década de 188047 surgiu na Argentina uma retórica musical da “argentinidad”. Essa retórica estaria composta por uma série de topoi que remetem ao ouvinte urbano o imaginário da população rural. Os topoi que formam a retórica do nacionalismo musical argentino podem se dividir em dois grupos: um de configurações características (sejam elas melódicas, rítmicas, harmônicas ou uma combinação de todas elas) que provêm de danças populares e outra de configurações texturais ou que imitam a sonoridade dos instrumentos do âmbito rural. Esses elementos podem aparecer em uma obra tanto na enunciação mais direta e inequívoca possível quanto de uma forma abstrata e mascarada que a autora denomina “evocativa”. Em consequência desta afirmação, observaremos a peça com a finalidade de identificar os elementos que remetem ao ouvinte o imaginário popular correspondente.

Um dado interessante de observar é que Ginastera denominou os movimentos segundo os termos usados na língua quéchua, e não nas denominações posteriores à mestiçagem (após a conquista espanhola). Isso pode estar relacionado de forma direta ao fato de ela estar inserida, além de na música nacionalista, na corrente composicional do americanismo, que foi responsável por inspirar inúmeras obras na Argentina do século XX.

2.2.1 Harawi

Para os incas, “O tipo de canção amorosa mais frequente era o harawi” (ARETZ, 2003, p.112). Na atualidade, encontramos com maior frequência a palavra yaraví para referir ao gênero em questão, razão pela qual será o termo empregado ao longo deste trabalho. O gênero, na música erudita, foi utilizado em diversas composições anteriores a Puneña n.º 2. Como exemplos, podemos citar a peça orquestral Yaraví e Fiesta indígena de P. De Rogatis ou uma das Cinco canciones argentinas (Vidala, Canción de cuna, Chacarera, Yaraví e Gato) do mesmo compositor, como também o terceiro movimento do poema sinfônico Jardines de Athos Palma (VENIARD, 2000).

2.2.1.1 O gênero

O yaraví é um gênero de antiga existência entre os povos indígenas da região da Puna48 que apresenta grandes liberdades, tanto nos aspectos formais como no que se refere ao elemento rítmico e melódico.

Na Fig. 8, podemos observar um yaraví dos Nasca,49 povo que foi conquistado e absorvido pelo Império Inca, junto com muitos dos aspectos de sua cultura e seus costumes.


Fig. 8
Yaraví Nasca
ARETZ, 2003, p.143

Este yaraví é bastante simples, mas podemos observar nele alguns aspectos relativos às características das músicas folclóricas envolvidas com a peça. O uso das escalas pentatônicas é o primeiro aspecto que salta à vista, assim como o lirismo da melodia.

O termo YARAVÍ é definido no New Grove Dictionary (2001, p.642, tradução nossa) da seguinte forma:

Provavelmente variante espanhola da palavra quéchua harawi (ou harahui), a qual, nos tempos anteriores à Conquista, significava qualquer melodia ou narrativa cantada, particularmente as cantadas pelos haravecs, os rapsodos oficiais da corte do povo Inca.

Ao longo dos séculos este gênero andino assumiu um caráter elegíaco lírico com foco na temática da angústia pelo amor perdido ou não correspondido. Frequentemente feito tanto em uma forma de duas partes (AA’) ou binário reexpositivo (ABA’) com estruturas de frases regulares, o yaraví caracteristicamente explora a bimodalidade existente entre a tonalidade maior e sua relativa menor, inerente à sua estrutura tonal essencialmente pentatônica; ainda sendo o ¾ a métrica que ocorre com maior frequência, esquemas multimétricos refletem a fluência melódica de vários exemplos expressivos. Vários compositores, incluído Ginastera (na sua peça Impresiones de la Puna de 1934) e Luis H. Salgado (na Sinfonia n.º 1 “Ecuatoriana” de 1945-49), adaptaram o yaraví para formações de câmara ou orquestra. Yaravíes foram publicados, em partituras, no início dos anos 1980 por Marcos Jiménez de la Espada.50

Isabel Aretz (2008) explica que o yaraví pode ser confundido em citações antigas com o triste. O yaraví na atualidade se mostra mais presente no Peru que no NOA, onde predominam as espécies líricas como a vidala (ou vidalita andina, segundo faça referência à espécie criollizada ou à pré-hispânica), baguala e triste entre outras.

Trata-se, em geral, de uma canção de forte caráter mestiço ou ainda indígena, executada a maioria das vezes na quena. Também podia ser cantada, imitando a sonoridade da quena com a voz humana. Segundo Freijo (apud FERNANDEZ, 2015), nas versões atuais o yaraví pode ter até um acompanhamento harmônico (charango ou violão, nas versões mestiças), mas esse não era usual nas formas mais antigas.

A quena (Fig. 9) é um instrumento de sopro feito de cana, osso ou outro material; possui desde dois até oito buracos, que servem para obter diferentes notas. “Com este instrumento executam-se diversas melodias, especialmente as pentatônicas dos Incas” (ARETZ, 2008, p.68, tradução nossa)51.


Fig. 9
Quena
ARETZ, 2003, p.79

Segundo Freijo (apud FERNANDEZ, 2014), esse gênero possui duas seções diferenciadas: uma lenta, de caráter lírico, com muito rubato e principalmente improvisada, e outra rápida.

2.2.1.1.1 O yaraví no contexto da Puneña n.º 2

O primeiro movimento da obra foi denominado pelo próprio compositor como Harawi, mas, em relação com o gênero folclórico, só encontraremos a seção lenta do gênero ao que faz alusão.

O próprio Ginastera (1977) explica, no prefácio da peça, que no movimento encontraremos dois temas, os quais se complementam formando uma série dodecafônica. O primeiro é o tema do eSACHERe (Mi bemol – Lá – Dó – Si – Mi – Ré), e o segundo (as outras seis notas da série) é a metamorfose de uma melodia pré-colombiana.

Lírico e ardente, mas ao mesmo tempo profundo e mágico, evoca uma solidão assustadora, sons de kenas, murmúrios da floresta distante com pássaros imaginários que cantam “Sacher!...Sacher!...”, e o brilho da lua e das estrelas. (GINASTERA, 1977, tradução nossa).52

Em um primeiro contato com a peça, tendemos a deduzir que as técnicas estendidas utilizadas pelo compositor têm relação com a vanguarda ou com experimentação sonora, mas, ao pesquisarmos sobre a música pré-hispânica, podemos concluir que todos esses elementos foram utilizados pelo compositor para representar aspectos e instrumentos da música folclórica. Acharemos, então, no decorrer do movimento, recursos técnicos como glissandi, harmônicos, quartos de tons, apojaturas e grupettos, sul tasto, sul ponticello e suono de flageolet, que contribuirão com a sonoridade relativa à música andina que a peça possui e, principalmente, com as sonoridades que nos remetem à música típica da região.

Ao longo da peça, a combinação de elementos da música serial com os aspectos da música que pode ser encontrada no NOA conferirá uma sonoridade singular à obra, fazendo dela uma peça de destaque no repertório de violoncelo do século XX, opinião reforçada por violoncelistas como Mark Kosower (primeiro violoncelista da Orquestra de Cleveland e professor do Cleveland Institute of Music), que a colocam no patamar mais alto da produção recente para violoncelo junto a obras como as Trois Strophes sur le nom de SACHER de H. Dutilleux e a Sonata n.º 1 de A. Schnittke (PRESGRAVE, 2009).

Na Fig. 10, podemos observar a série conformada pelas notas que ilustram o sobrenome do homenageado: Mib – Lá – Dó – Si – Mi – Ré. Essa série se encontra no começo do movimento e será material para o posterior desenvolvimento temático.


Fig. 10
Trecho extraído do primeiro movimento (p.1, compassos 1-3) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.1, compassos 1-3) da Puneña n.º 2, Op. 45

Como podemos observar na Fig. 11, a estruturação rítmica com a qual o hexacorde do Sacher está apresentado é associada ao tipo de declamação característica do yaraví.


Fig. 11
Yaraví n.º 14
ARETZ, 2008, p.68

Esses padrões rítmicos possuem relação direta com as possibilidades técnicas da quena. Aretz (2008) afirma que na técnica própria desse instrumento se percebem abundantes harmônicos e ornamentos levíssimos que conferem uma cor particular à execução. Também poderíamos associar alguns desses giros melódicos com o canto tradicional da região: as mulheres incas executavam um gruppetto colocado ao final da frase musical como apoio conclusivo (ARETZ, 2003).

Vale destacar que, nesta primeira instância de trabalho temático, sobre o hexacorde do Sacher, Ginastera não utiliza técnicas estendidas do instrumento exceto pelo arco verso pont., presente ao finalizar o tema (Fig. 12). A expressão italiana arco verso pont. é simplesmente uma indicação de movimento do arco em direção ao cavalete.


Fig. 12
Trecho extraído do primeiro movimento (p.1, compasso 4) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.1, compasso 4) da Puneña n.º 2, Op. 45

Na Fig. 13, podemos observar o começo de outra seção, a qual está baseada num tema pré-colombiano, segundo própria denominação do compositor. Esse tema, o segundo do movimento, se estrutura com as seis notas da série dodecafônica que não foram usadas anteriormente no tema do Sacher.


Fig. 13
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 19-21) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 19-21) da Puneña n.º 2, Op. 45

Nessa seção é que o compositor incorpora as técnicas estendidas do instrumento. Todas elas têm uma função musical e pictórica, e não meramente técnica ou de experimentação instrumental.

A procura do compositor está orientada para recriar a música e as paisagens de uma região mediante um instrumento que não é natural às suas práticas. Para isto é que Ginastera utiliza as técnicas estendidas: para imitar ou assemelhar o violoncelo ao canto popular e aos instrumentos regionais (quena principalmente) com que eram praticados os yaravíes.


Fig. 14
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 19-23) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 19-23) da Puneña n.º 2, Op. 45

Na Fig. 14, podemos reconhecer, principalmente no uso de harmônicos aplicados à melodia, mas também no suono di flageolet da técnica de arco, a sonoridade de uma quena (ou de outros instrumentos tradicionais de sopro).

Segundo Peteco Carabajal53 (ENCUENTRO…, 2010), a quena é o som, a respiração e o vento mesmo da região andina. É aquele instrumento que, ainda não soando, você escuta quando está em Humahuaca, em Tilcara ou em qualquer montanha da região.


Fig. 15
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 24-26) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 24-26) da Puneña n.º 2, Op. 45


Fig. 16
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compasso 23) da Puneña n.º 2, Op. 45.
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compasso 23) da Puneña n.º 2, Op. 45.

Nas Fig. 15 e 16, podemos observar o uso de quartos de tons e a utilização de glissandi. Essas técnicas têm semelhança com a sonoridade resultante das práticas das cantoras folclóricas da região (carregada de glissandi e microtons) e também da quena. Segundo Andrés Sas (apud ARETZ, 2003), o uso de intervalos menores ou ligeiramente maiores ao semitom, e de intervalos que não podem se medir por meio de tons e semitons, era frequente entre os Nasca. Nessa afirmação, destaca-se que os costumes da música do NOA, em relação a esses aspectos, provêm já das práticas dos povos que habitaram antigamente a região.


Fig. 17
Transcrição de um harawi: Kunkataka y Salinas Pampa do Peru
ARETZ, 2003, p.73

No harawi da Fig. 17, podemos observar, além do uso de glissandi mencionado anteriormente, o frequente uso de apojaturas na música dos povos indígenas que moravam na região.

Algumas das vezes passam de um registro a outro com certas notas escapadas (chamadas kenko ou kenkito). Trata-se de ligados vocais, notas escapadas, bordaduras ou glissandi (quase sempre descendentes). Esta prática é uma herança vocal pré-hispânica. (ARETZ, 2003, p.170, tradução nossa).54

São esses elementos (apojaturas com seu uso repetitivo que formam intervalos descendentes, algumas vezes unidos por glissandi, como se observa na Fig. 18) os que conferem o caráter geral do movimento, triste e sombrio, caráter típico da seção lenta do yaraví.


Fig. 18
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compasso 21) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compasso 21) da Puneña n.º 2, Op. 45

As partes recitadas, ou mais líricas, do movimento se baseiam em notas longas sustentadas, seguidas de pequenas passagens rápidas que ornamentam essas notas, como se observa na Fig. 19, na qual a passagem está estruturada em torno da nota Ré (IV corda). Esse tipo de estruturação rítmica assemelha-se aos costumes das cantoras regionais, assim como também no jeito de tocar com a quena ao qual fizemos menção anteriormente, mas podemos observar, principalmente no aspecto melódico, uma sonoridade do violoncelo bem mais relacionada com as práticas tradicionais que se fizeram com ele.


Fig. 19
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 10-13) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do primeiro movimento (p.2, compassos 10-13) da Puneña n.º 2, Op. 45

Desta maneira, e com o uso desses elementos, toda essa seção do primeiro movimento é envolvida pela sonoridade própria da Puna, das paisagens e da cultura da região.

2.2.2.1 Wayno Karnavalito

Na Argentina, wayno e karnavalito são denominações para um mesmo gênero musical (FALÚ, 2011). Encontramos com maior frequência as palavras huaino (também huayno ou huayño) ou carnavalito para o gênero em questão. Para Aretz, “Wayno é música, poesia e dança coletiva” (2003, p.112).

2.2.2.2.1 O gênero

O termo HUAYNO é definido no New Grove Dictionary (2001, p.783, tradução nossa) da seguinte maneira:

Dança social de origem pré-hispânica inca. É encontrada na Bolívia, no Peru, no norte do Chile, Equador e no norte da Argentina. De enorme popularidade, suas formas mais modernas são parte do repertório de vários grupos. É caracterizada por sincopados, melodias pentatônicas anhemitônicas começando com um salto de uma quarta perfeita e terminando com um movimento pendular descendente. O Huayno tem uma estrutura binária e métrica dupla, é num tempo moderado e muitas vezes conclui com uma seção de fuga que repete a peça ao dobro da velocidade original. É uma dança que se realiza em casais e usando panos, com zapateo limitado (batida de pés), e pode ser acompanhado por bandas de sicuri ou por harpa, violão, bombo (tambor baixo) e grupos de charango (uma espécie de pequeno alaúde).55

Segundo Aretz (2008), o huaino, palavra que em quéchua quer dizer dança, é a espécie dominante em toda a região em que habitaram os incas (acharemos huainos desde o norte da Argentina até o Equador).

Pelas melodias, certos Huainos não se diferenciam de forma notória do Carnavalito e se apresentam sobre a escala pentatônica, o bem sobre escalas mestiças ou europeias antigas. Além disso, existem numerosas melodias características que são produto da técnica específica de alguns aerófonos56 como a Tarka ou a Anata. (ARETZ, 2008, p.178, tradução nossa).57

O huaino é uma dança pré-hispânica que tem múltiplas variantes segundo a região; dessas variantes, o carnavalito é a forma mais usada no NOA e sua denominação tem relação com a principal dança executada na época do carnaval (FREIJO; FERNANDEZ, 2014) – provável razão pela qual o compositor decidiu associar esses dois nomes de danças no segundo movimento da obra.

Sobre o carnavalito, Aretz (2008) explica que, apesar das implicâncias de seu nome, é uma dança praticada em qualquer época do ano, de música alegre e muito similar ao huaino.

No geral pentatônica, sempre de ritmo binário: se executa nos instrumentos regionais, quena, sikus, charango etc. acompanhados pelo bombo, ou é cantado com coplas58 em espanhol, quéchua, ou curiosas misturas de ambas as línguas. Na dança participam indistintamente homens, mulheres e crianças, os quais dançam formando uma roda ou fileiras (ARETZ, 2008, p.177, tradução nossa).59

A formação musical tradicional do gênero inclui canto, charango (e em menor medida o violão, que é um instrumento europeu) e bombo. O canto, diferentemente ao yaraví, não é carregado de apojaturas nem glissandos, e o sistema utilizado é o tonal (não encontraremos quartos de tom na prática deste gênero).

O charango, segundo Aretz (2008), é um instrumento sul-americano que descende da antiga guitarrilla europeia. Usualmente, o corpo do instrumento é feito da carapaça do tatú ou do armadillo (animais regionais), ou de madeira, imitando o animal. Possui cinco pares de cordas, cuja afinação mais comum é a indicada na Fig. 20.


Fig. 20
Afinação das cordas do charango
ARETZ, 2008, p.62

Executa-se alternando rasgueos e punteos. No segundo caso, o instrumento se posiciona como solista. Na Fig. 21 observaremos a rítmica usada no rasgueo para o huaino.


Fig. 21
Rasgueo de huaino
FALÚ, 2011, p.77 60

Na tábua da Fig. 22, podem-se observar as especificações sobre os efeitos envolvidos, quais cordas são usadas e em qual sentido são tocadas, na notação tradicionalmente usada para escrever os rasgueos e, desta forma, poder interpretar de forma certa o ritmo especificado na imagem de cima.


Fig. 22
Diagrama para a interpretação dos rasgueos do folclore argentino
FALÚ, 2011, p.7361

O bombo (Fig. 23) é um membranófono de grande tamanho que é usado de igual forma por índios, criollos ou mestiços. Ele se compõe de uma caixa de madeira de 50 ou 60 centímetros de diâmetro, com duas peles (parches), colocados como tampas, anéis e cordas. O bombo é executado com uma baqueta (mazo) que bate alternadamente no anel (comumente denominado aro) ou na pele do instrumento para obter diferentes sonoridades (ARETZ, 2008).


Fig. 23
Bombo
ARETZ, 2003, p.101

2.2.2.2.2 O huaino no contexto daPuneña n.º 2

Ginastera discorre sobre o movimento da seguinte forma:

O segundo movimento, Wayno Karnavalito, é uma selvagem e tumultuada dança de carnaval sobre o tema principal “eSACHERe”, cheia de ritmos de charangos e tambores indígenas, costumes coloridos, ponchos e máscaras, assim como de álcool de milho indígena. (GINASTERA, 1977, tradução nossa).62

No segundo movimento, as características relacionadas aos gêneros folclóricos são menos reconhecíveis no que tange à melodia, mas podemos perceber claramente os ritmos característicos do huaino.

Também se observa uma mudança em relação às técnicas estendidas utilizadas: não se usam quase harmônicos nem quartos de tom, que são técnicas que refletiam características associadas principalmente à produção sonora própria da quena e a forma de cantar própria do yaraví, mas não especificamente da região. Entretanto observaremos um maior trabalho rítmico e de contraste nas articulações, assim como um amplo uso de pizzicati e de acordes. Essa diferença está relacionada com a emulação dos instrumentos tradicionalmente usados em cada um desses gêneros.

O segundo movimento da Puneña, como se observa na Fig. 24, inicia-se com uma referência dupla ao gênero folclórico que lhe dá nome: o movimento rítmico é baseado na célula rítmica tradicional da percussão e é executada com acordes que devem ser arpejados, semelhante à sonoridade do acompanhamento típico do charango ou do violão, como podemos observar na indicação de “pizz. alla chitarra” (WITT, 2008).


Fig. 24
Trecho extraído do segundo movimento (p.5, compassos 1-4) da Puneña n.º 2, Op. 45.
Trecho extraído do segundo movimento (p.5, compassos 1-4) da Puneña n.º 2, Op. 45.

Na Fig. 25, podemos observar o ritmo básico do huaino, que usualmente é executado pelo bombo.


Fig. 25
Ritmo da percussão no huaino
ARETZ, 2008, p.178

De acordo com Suárez Urtubey (2003), Ginastera utiliza com frequência acordes com distintos intervalos com um sentido percussivo, mas sem garantir uma politonalidade propriamente dita, muito pelo contrário, procurando simplesmente uma sonoridade mais próxima ao cluster. Esses acordes, denominados pela pesquisadora de policórdios, são dotados de um vigor rítmico constante, sendo, no geral, repetidos obsessivamente, como pode ser observado na Fig. 26.


Fig. 26
Trecho extraído do segundo movimento (p.5, compassos 1-10) da Puneña n.º 2, Op. 45
Trecho extraído do segundo movimento (p.5, compassos 1-10) da Puneña n.º 2, Op. 45

Considerações finais

Puneña n.º 2, Op. 45 é uma peça pouco difundida na Argentina, provavelmente devido à dificuldade técnica e musical que apresenta ao violoncelista e pela dificuldade em se conseguir ter acesso às partes, mesmo no país natal do compositor.

Após a primeira audição da obra, a primeira autora deste artigo teve a sensação de que era música do seu país, mas não podia indicar exatamente os elementos que a faziam sentir isso. Talvez seja isso, pelo fato de não ter nascido no NOA, nem estar muito familiarizada com a música da região, ou simplesmente porque na Puneña n.º 2 os elementos folclóricos se encontram perfeitamente misturados com as técnicas composicionais da vanguarda musical do século XX, assim como das características da escrita tão particular de Ginastera, em vez de se apresentar como citações diretas do folclore. Foi a partir dessa experiência que a pesquisa foi direcionada de forma a se familiarizar com a música da região e poder descobrir quais eram os aspectos da música folclórica que Ginastera tinha utilizado para se apropriar das sonoridades do NOA.

O conhecimento dos gêneros folclóricos envolvidos na obra lhe permitiu, conforme o pensamento de Plesch (2002), encontrar as configurações que fazem da Puneña n.º 2 uma peça imersa no nacionalismo e também no americanismo. Contextualizar suas características tendo presentes as práticas musicais originárias, os aspectos formais e a instrumentação tradicional teve uma influência inegável na ideia geral da peça. Mas a principal mudança após a pesquisa foi a concepção sonora dela, sendo a escuta dos gêneros folclóricos envolvidos o fator determinante para permitir executá-la com uma consciência diferente que vá além da resolução técnica.

Referências

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Notas

1 O texto deste artigo deriva, em grande parte, da dissertação de mestrado de María Verónica Fernández (Natal, UFRN, 2015), cujo título é o mesmo do artigo.

5 Original: “Paul Sacher (1906-1999) was an internationally known conductor, collector, and patron involved in a wealth of music written or performed during his lifetime. Born in Basel, Switzerland, to an affluent family, he was trained as cellist and musicologist. Sacher spent his wealth generously on musical causes, fostering a number of monumental compositions and premiere performance groups

6 O sistema de notação a partir do qual surge o motivo do Sacher é o anglosajón. Neste sistema as correspondências são as seguintes: A (La), B (Si bemol), C (Dó), D (Ré), E (Mi), F (Fá), G (Sol) para a escala de Dó maior, tendo também H (Si), Es (Mi bemol), de importância para nosso tema

7 Original: “Puneña n.º 2, Homage to Paul Sacher, is a re-creation of the sonorous world of this mysterious heart of South America that was the Inca empire, the influence of which one can still feel in the north of my country, as well as in Bolivia and Peru”

8 Original: “Puneña n.º 2: Hommage à Paul Sacher is typical of works from Ginastera’s late period. Classified as a neo-expressionist, he composed using polytonal and serial techniques, always incorporating the music of his native country. He represents the music of Argentine primitive cultures with an imaginative use of contemporary compositional methods. Using such devices as irregular rhythm, the twelve-tone system, and extended cello technique, Ginastera created one of his more avant-garde compositions for the Sacher tribute

9 Isabel Aretz (1909-2005) foi uma etnomusicóloga e compositora argentina que realizou publicações de grande destaque na sua área (Disponível em: http://www.inmcv.gob.ar/?p=278).

10 Nasceu no ano 1931. É professora de Castellano y Literatura e doutora em Música, Summa cum laude pela UCA (Universidad Católica Argentina). Autora de inúmeros trabalhos de investigação da música argentina (Disponível em: http://www.fundacionkonex.com.ar/b520-lI-Po- la-Su%C3%A1rez%20Urtubey).

11 Nasceu em San Salvador de Jujuy (província de Jujuy, Argentina) no ano 1978. Começou as práticas musicais executando aerófonos andinos. Desde o ano 1996, reside na cidade de Córdoba (Argentina), onde se formou com o diploma de licenciado en Composición Musical. Desenvolve inúmeros projetos de música popular na cidade e no exterior. Suas composições têm sido executadas em importantes festivais, como o Festival de Música de Santa Catarina (FEMUSC 2007-2008) e o Festival de Bronces de Isla Verde (2011).

12 Original: “El nacionalista musical, en fin, trata de crear para un ‘público’, no ya para una corte, obras que en el lenguaje de las grandes formas expresan el modo de ser y de sentir del hombre de su nación. Para eso reelabora libremente motivos folklóricos, tradicionales y hasta nativistas, pues su intención es proporcionar a su música el sabor de lo propio […]”.

13 O Teatro Colón, segundo é conhecido na atualidade, só existe desde 1908

14 Original: “Como recurso compositivo es característico del nacionalismo musical: creaciones de sonotipos que produzcan en el oyente la sensación de una ubicación en un paisaje, en un ambiente característico, único en el mundo”

15 Os professores dos anos 1920 foram tais como Pablo Beruti, Williams, Aguirre, Gaito e Drangosch. Também devemos contar alguns europeus residentes na Argentina, como Pallemaerts e Cattelani, entre outros tantos nomes.

16 Região que abrange as províncias de Buenos Aires, La Pampa e o sul de Córdoba e Santa Fe (WITT, 2001).

17 Região que abrange as províncias de Mendoza, San Juan e San Luís (WITT, 2001)

18 Original: “La música del norte – del centro y oeste del país hacia ese rumbose percibía tan extraña que se suponía toda indígena. Ahí estaba la raíz de la argentinidad”.

19 Original: “La fuerza rítmica de ‘Petrouchka’ o de ‘Le Sacre du Printemps’, La novedad de ‘L`histire du soldat’ o de ‘Pulcinella’, la simplicidad y grandeza de ‘Le Roi David’, el uso del material folklóriko en Falla y Bartok y la originalidad de las primeras obras de Hindemith y Milhaud, fueron tal vez las fuentes que originaron el nuevo movimiento estético en la Argentina”.

20 Julián Aguirre (1886-1924) realizou seus estudos musicais na Espanha, voltando à Argentina em 1886. Foi considerado um dos compositores mais importantes da corrente nacionalista do país (VENIARD, 2000).

21 Carlos López Buchardo (1881-1948) foi um compositor argentino, formado musicalmente em Paris, de grande importância para o nacionalismo na Argentina, pelas suas composições em estilo popular (VENIARD, 2000).

22 Original: “Es la consecuencia de una lenta elaboración, a través del tiempo, de diferentes materiales, concretos unos, espirituales otros, unida a la asimilación de los más variados procedimientos técnicos, todo lo cual da como resultado obras que, a pesar de ser distintas en su carácter, reflejan sin embargo un nexo común”

23 Segundo Suárez Urtubey (1967), seu avô paterno era catalão e seu avô materno era da Lombardia, Itália

24 José André (1881-1944) foi um compositor argentino, discípulo de J. Aguirre e A. Williams. Voltou à Argentina em 1914 depois de estudar na Schola Cantorum em Paris (VENIARD, 2000).

25 Athos Palma (1891-1915) foi um compositor argentino. Iniciou seus estudos musicais no Conservatório Nacional de Buenos Aires, continuou sua formação na Europa (1904-14) e, ao voltar à Argentina, estudou com Troiani. Ele escreveu dois livros de grande importância na pedagogia musical da Argentina: Teoría razonada de la música e Tratado completo de armonía (NEW GROVE DICTIONARY OF MUSIC AND MUSICIANS, 2001). Foi um dos primeiros compositores em oferecer obras dentro da corrente nacionalista (VENIARD, 2000).

26 José Gil (1886-1947) radicou-se na Argentina em 1889. Foi discípulo de A. Williams e posteriormente professor no Conservatorio Nacional de Música y Arte Escénico (Disponível em: http://www.monografias.com/trabajos62/inmigracion-argentina-musicos/inmigracion-argentina-musicos2.shtml)

27 Original: “Cuando Juan José Castro estrenó en el Teatro Colón de Buenos Aires, año 1937, la suite sinfónica del ballet Panambí, que tuvo de inmediato gran repercusión en nuestro ambiente, puede decirse que comenzó la carrera profesional de Ginastera como compositor”

28 Original: “Hacia fines de 1961, Ginastera contaba con un afianzado reconocimiento nacional e internacional. Luego de su primer estreno en el Teatro Colón (la Suite del ballet Panambí en 1937), el compositor siguió su carrera como un típico representante del sistema de agentes tradicional-nacionalista. Dan cuenta de esto su formación en el Conservatorio de Alberto Williams, en el Conservatorio Nacional, y sus primeras obras basadas en material musical criollo estrenadas con gran éxito en el exterior” (VÁZQUEZ, 2009, p.151)

29 Somente a Pampeana n.º 2, Op. 21 (1950) e o Concerto n.º 1, Op. 36 para Violoncelo e Orquestra (1968) foram escritos com anterioridade à mencionada união.

30 Original: “Lejos de su patria –y nunca la ausencia había sido tan prolongadael músico puede desligarse más fácilmente del elemento popular, que actuará como objeto sonoro estimulante para la obra. El tema literario, la cita folklórica, el ritmo, las características tonales, ya no están ‘al alcance de la mano’ en el nuevo medio. Sin embargo, inversamente, la distancia, la nostalgia de la tierra y de la familia parecen anudar desde la lejanía nuevos vínculos, más hondos, y aún más fuertes tal vez, aunque menos evidentes. De ahí surge una música que conserva del país todo su espíritu, aunque las líneas y los colores aparezcan diluídos por los procedimientos de composición más recientemente gustados y asimilados”

31 Juan Carlos Paz (1901-1972) foi um compositor argentino cujos estudos musicais foram realizados na Argentina e em Paris, mas sua formação como compositor foi principalmente de forma autodidata. Formou o Grupo Renovação (1929) com o objetivo de buscar e utilizar as últimas tendências de composição (NEW GROVE DICTIONARY OF MUSIC AND MUSICIANS, 2001).

32 De acordo com o próprio Ginastera, nas obras dessa segunda etapa não acharemos nenhum tema popular documental (GINASTERA apud SUÁREZ URTUBEY, 2003, p.5)

33 Original: “Una vez atravesadas las dos primeras maneras o estilos, arriba Ginastera a lo que él llama período neo-expresionista, el cual se inicia aproximadamente en 1958 con el Cuarteto N°. 2 de cuerdas, Op. 26”

34 Original: “En términos generales, los períodos nacionalistas se caracterizan por la progresiva abstracción del componente folclórico, mientras que el neo-expresionista por el atonalismo y la adopción del serialismo dodecafónico”

35 Original: “Sin embargo, más allá de aquella división en ciclos, es irrebatible que la obra del período suizo completa e ilumina la totalidad de su itinerario creativo, desplegado desde 1937 a 1983 con un sentido de unidad y coherencia tal como para echar por tierra cualquier clasificación en etapas o parcialidades”

36 Original: “[…] el problema dodecafónico se fue planteando y resolviendo dentro de mí, no por influencias exteriores de procedimientos en boga en Europa, sino por fuertes demandas espirituales”

37 A nota Mi, ainda pertencendo à escala pentatônica de Lá, não aparece na passagem da obra a que se faz menção

38 Original: “The First Concerto, the definitive version of which was premièred by Ginastera’s second wife Aurora Nátola in 1978, is notable for the provocative singing lines, Latin dance rhythms and virtuosity of its solo part, and the intense colours and abundant percussion of the orchestral accompaniment. The Second Concerto, composed as a 10th wedding anniversary tribute ‘To my dear Aurora’, makes more prominent use of Argentine folk elements. It includes a brilliant depiction of the rising sun, percussion instruments portraying sounds of the jungle, and a celebratory rustic finale” (Disponível em: http://www.naxos.com/catalogue/item.asp?item_code=8.572372. Acesso em: 11 maio 2015).

39 Original: “My Second Cello Concerto is organized in four movements, each of which bears epigraphs by different poets and a brief commentary alluding to the sonorous, expressive and formal climate within which the movements unfold. I believe this to be sufficient for the listener to become acquainted with my work. But, for the record, I must point out that the unifying element throughout the first movement is a famous cello theme by a great composer, whose identity should be discovered by the listener (a reference to the cello solo from the third movement of the Brahms Piano Concerto N°. 2); that the Scherzo sfuggevole must be performed within the strictest pianissimo; that in the third movement one hears the coquí (tree frog), that minute and musical nocturnal creature from Puerto Rico; and that in the last movement appear the Quechuan rhythms of the karnavalito, of Inca origin”

40 Original: “El título alude a La Puna, planície situada a 4000 metros de altura sobre La cordillera de los Andes”

41 Imagem disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2014

42 Imagem disponível em: http://scriptoriumx.wordpress.com/2012/08/17/mapa-del-imperio-inca-origen-y-expansion/. Acesso em: 28 maio 2014

43 Original: “[…] cantos de expresión religiosa, lamentaciones o llantos, cantos de amor como el llamado harawi, danzas como el huaino o el huainito, y la kaswa, que es canto y danza de alegría”

44 Original: “En 1532, los españoles invadieron Perú y en 1538 los incas cayeron dominados por lo españoles, que tenían mejores armas. América sufrió desde entonces el yugo español, del que la liberaron los Libertadores. (Pero sólo del yugo político, porque aún no se ha dado la batalla cultural para su formación como continente autónomo)”

45 Indígenas que habitam no noroeste argentino, nas províncias de Salta e Jujuy e falam o quéchua (MESSINEO; CÚNEO, 2008)

46 Original: “La música de collas e incas pervive en nuestro noroeste y se renueva permanentemente con la inmigración boliviana y peruana. Pero hay además una tradición musical ya asentada por miles de años, que pervive con su cultura”

47 Na década de 1880, época de fundação do nacionalismo acadêmico argentino

48 Segundo Aurelio Miró Quesada, os registros mais antigos que se conhecem do yaraví mestiço são de fins do século XVII

49 Segundo Isabel Aretz, os Nascas moravam ao sul de Lima (Peru) entre os anos 200 a.C. e 700 d.C.

50 Original: “Probably a Spanish variant of the Quechua word ‘harawi’ (or harahui) which, in pre-Conquest times, meant any melody or sung narrative, particularly those chanted by haravecs, the official rhapsodists of the Inca court. Over the centuries this Andean genre has taken on a lyrical elegiac character with a principal theme of the anguish of lost or unrequited love. Frequently set in either a simple two-part (AA’) or a rounded binary (ABA’) form with regular phrase structures, the yaraví characteristically exploits the major and relative minor bimodality inherent in its essentially pentatonic tonal framework; although 3/4 metre occurs regularly, multi-metre schemes reflect the melodic flow of many expressive examples. Several composers, including Ginastera (Impresiones de la Puna, 1934) and Luis H. Salgado (Symphony N°. 1 ‘Ecuatoriana’, 1945–9), have set the yaraví for chamber ensemble or orchestra. Yaravís were published, in musical score, as early as the 1880s by Marcos Jiménez de la Espada”.

51 Original: “Con este instrumento se ejecutan melodías diversas y muy especialmente las pentatónicas de los Incas”

52 Original: “Lyric and ardent but at the same time deep and magical, it evokes a haunting solitude, sounds of kenas, murmurs of the distant Forest with imaginary birds singing ‘Sacher!... Sacher!...’, and the glittering of moon and stars”

53 Músico destacado do folclore da Argentina

54 Original: “A veces pasan de un registro vocal a otro con ciertas notas escapadas (llamadas kenko o kenkito). Se trata de ligados vocales, notas escapadas, bordaduras o glisados (casi siempre descendentes). Ésta es una herencia vocal prehispánica”

55 Original: “A social dance of pre-Hispanic Inca origin. It is found in Bolivia, Peru, northern Chile, Ecuador and northern Argentina. Of enormous popularity, its modern forms are part of the repertory of various ensembles. It is characterized by syncopated, anhemitonic pentatonic melodies beginning with a leap of a perfect 4th and ending with descending pendular motion. The huayno has a binary structure and duple metre, is in moderate tempo and often concludes with a fuga section that repeats the piece at twice the original speed. It is a scarf dance performed in couples, with limited zapateo (foot-stamping), and can be accompanied by sicuri bands or by harp, guitars, bombo (bass drum) and charango (small fretted lute) ensembles”

56 Aerófono é uma denominação usada comumente para os instrumentos de sopro de origem indígena (ARETZ, 2008)

57 Original: “Por su melodía ciertos Huainos no difieren mayormente del Carnavalito y se presentan sobre la gama pentatónica, o bien sobre gamas mestizas o europeas antiguas. Pero además existen una cantidad de melodías particulares, producto en parte de la técnica de algunos aerófonos como la Tarka o la Anata”. Segundo Aretz (2008), as coplas são uma forma poética argentina que tem sua origem na Espanha e se referem aos mais diversos assuntos correspondendo às partes cantadas das danças

58 Segundo Aretz (2008), as coplas são uma forma poética argentina que tem sua origem na Espanha e se referem aos mais diversos assuntos correspondendo às partes cantadas das danças.

59 Original: “Por lo general pentatónica, siempre de ritmo binario: se ejecuta en los instrumentos regionales, quena, sikus, charango, etc., acompañados por el bombo; o se canta con coplas, sean españolas, quechuas, o con interesantes mezclas bilingües. En la danza intervienen indistintamente, hombres, mujeres y niños, los cuales bailan en rueda o formando calles”

60 Esta é a notação correta para soar como é executado. 2 – Pode-se achar escrito desta forma, mas deve ser executado como se observa no compasso anterior. 3 – Este tipo de acompanhamento arpejado também deve soar como está escrito no primeiro exemplo

61 1 – Rasguea-se em todas as cordas, desde as bordonas até as primas. 2 – Rasgueam-se somente as bordonas, desde a quarta até a sexta. 3 – Rasgueam-se somente as bordonas, desde a sexta até a quarta. 4 – Rasgueam-se somente as primas, desde a terceira até a primeira. 5 – Rasgueam-se somente as primas, desde a primeira até a terceira. 6 – Chasquido. 7 – O chasquido se consegue tocando nas cordas primas com as unhas anelar, do médio e do indicador. A palma da mão cai junto com o antebraço, amortecendo-se sobre as cordas bordonas, de forma que a primeira e a segunda cordas continuem soando enquanto a mão descansa sobre as cordas graves. 8 – A letra d significa que o rasgueo deve ser realizado com todos os dedos da mão direita, exceto o polegar. 9 – A letra p indica que o rasgueo se realiza com o polegar.

62 Original: “The second movement, Wayno Karnavalito, is a wild and tumultuous Carnival dance on the principal theme ‘eSACHERe’, full of rhythms of charangos and Indian drums, coloures costumes, ponchos and masks, as well as of Indian corn alcohol”

Autor notes

2 Se formou na “Licenciatura en Música de Cámara” na Universidad Nacional de Lanús (UNLa). No ano 2013 se radica em Natal (RN), Brasil, para estudar com o Prof. Dr. Fabio Soren Presgrave. Alí, no ano 2015 finaliza os cursos de “Técnico em Instrumento – Violoncelo” e o “Mestrado em Música (PPGMUS) com especialidade em Práticas interpretativas dos séculos XX e XXI”, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No ano 2019, na Universidad Nacional de Córdoba (UNC), se formou do “Profesorado en Perfeccionamiento Instrumental en Violoncello”.

3 Graduado em Sociologia (UBA), Professor Superior de Violoncello (Conservatório Superior de Música Astor Piazzolla), e atualmente Mestre na UFRN, sob a orientação do Professor Fabio Presgrave. Seus professores incluem Stanimir Todorov e Claudio Peña. Além de seu interesse pela música contemporânea e popular, ele tem um extenso histórico em improvisação e dança contemporânea. Ele atuou em grandes palcos não apenas na Argentina, mas também no Peru, Brasil, Espanha e Alemanha.

4 Bacharel e mestre pela Juilliard School, de Nova Iorque, e doutor pela Unicamp, estudou com Joel Krosnick e Harvey Shapiro. Apresentou-se como solista de diversas orquestras brasileiras como Sinfônica Brasileira, Sinfônica da Bahia, Sinfônica de Minas Gerais, Porto Alegre além da Qatar Philarmonic e Filarmônica de Rosário na Argentina. Tem atuado como intérprete de peças novas para violoncelo escritas no Brasil, realizando diversas estréias e gravações. É Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.