Artigos
Composição pela concatenação de fragmentos independentes
Composition by
the concatenation of independent fragments
Liduino Pitombeira 1
pitombeira@musica.ufrj.br
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Revista Orfeu
Universidade do Estado de Santa
Catarina, Brasil
ISSN: 2525-5304
Periodicidade: Semestral
vol. 7, núm. 2, 2022
revistaorfeu@gmail.com
Recepção: 02 Janeiro
2022
Aprovação: 16 Setembro
2022
Autores mantém os direitos
autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.
Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Resumo: Neste
artigo, é descrito um plano de trabalho composicional, de natureza pedagógica,
partindo dos conteúdos teóricos dos seis capítulos do livro de Straus (2013) intitulado Introdução à Teoria Pós-Tonal. A
ideia central consistiu em demonstrar o planejamento, a composição e a
posterior concatenação de seis fragmentos independentes, com participação ativa
de cinco alunos de composição, focalizando os seguintes tópicos: tipos
intervalares, classes de conjuntos, operações entre conjuntos de classes de
alturas, relações de contorno, relação Z, formações escalares, dodecafonismo, combinatoriedade,
derivação, multiplicação e serialismo integral. Concomitantemente ao
referencial teórico pós-tonal, cinco premissas pedagógicas originais serviram
de guia durante cada etapa do trabalho. Os seis fragmentos, cada um com
aproximadamente trinta segundos, foram, em seguida, concatenados, levandose em consideração seis procedimentos originais
propostos pelo autor, de maneira a produzir uma obra coerente de cerca de três
minutos, para quinteto de sopros.
Palavras-chave: planejamento
composicional, teoria dos conjuntos de classes de altura, pedagogia da
composição musical.
Abstract: In this article, a compositional work plan, of a pedagogical
nature, is described, based on the theoretical
contents of the six chapters
of Straus’s (2013) book, entitled Introduction to Post-Tonal Theory. The central
idea was to demonstrate the planning, the
composition, and the subsequent concatenation of six independent fragments, with the active participation
of five composition
students, focusing on the following
topics: interval types, sets classes, operations on pitchclass sets, contour relations, Z-relation, scalar formations, dodecaphonism, combinatoriality, derivation, multiplication, and integral serialism. Concomitant with the post-tonal theoretical framework, five
original pedagogical premises
served as a guide during each stage
of the work.
The six fragments, each with approximately
thirty seconds, were then concatenated,
taking into account six original procedures proposed by the
author, in order to produce a coherent
work of about
three minutes, for wind quintet.
Keywords: compositional planning,
pitch-class set theory,
musical composition pedagogy.
1. Introdução
Os estudos teóricos sobre a produção musical da primeira metade
do século XX, principalmente sob a perspectiva do parâmetro altura, ganharam um
forte impulso com a publicação da obra seminal de Allen Forte, The Structure
of Atonal Music, em 1973. Essa obra introduziu, na
teoria musical, uma nova disciplina que vem se estabelecendo gradualmente nos
currículos universitários (pós-graduação e graduação), ao longo dos quase
cinquenta anos de sua publicação: a Teoria dos Conjuntos de Classes de Altura.
O grande feito dessa teoria é resolver de maneira elegante o problema da
classificação de sonoridades atonais cromáticas, isto é, sonoridades fora do
domínio léxico da prática comum: acordes maiores, menores, diminutos e suas
expansões por empilhamentos de terças. O sistema classificatório de Forte ganha
um componente facilitador com a proposição de Straus (2013) de
identificar as sonoridades por suas formas primas[2],
o que permite uma visualização imediata das classes de alturas, sem a
necessidade de um atalho adicional (os números de Forte)[3].
O sustentáculo do sistema taxonômico proposto pela Teoria dos
Conjuntos de Classes de Altura é o princípio da equivalência de oitava, que
cria um espaço abstrato, no qual as alturas e todas as suas oitavas
correspondentes são equivalentes. Isso significa, na prática, lidar com alturas
em que o registro seja irrelevante e tem como consequência uma definição
precisa do parâmetro altura: uma classe de alturas associada a um registro (por
exemplo Lá4).
Este trabalho descreve o planejamento composicional e a
consequente composição de seis fragmentos para quinteto de sopros (flauta,
oboé, clarinete, trompa e fagote), cada um deles associado a um capítulo do
livro de Straus
(2013). Os fragmentos são, desta forma, independentes em termos de
materiais, mas deverão ser concatenados[4] ao
final do processo, gerando uma obra, a mais coerente possível, de no mínimo
três minutos. O problema metodológico que se coloca é, então: como a
concatenação de fragmentos desconexos e independentes pode resultar em uma obra
coerente? Para responder a essa questão, serão propostos procedimentos de
concatenação de trechos pré-compostos, aplicáveis às
mais diferentes vertentes estéticas. Ao eleger a concatenação como uma
questão-chave, claramente, considera-se, neste trabalho, que o termo “compor”,
sob a perspectiva musical, tem íntima relação com a própria etimologia da
palavra (do latim ponere, colocar) e com a
compreensão de senso comum encontrada, por exemplo, em dicionários: compor é
combinar (BUENO, 1965). Faz-se necessário salientar esse aspecto aparentemente
óbvio tendo em vista afirmativas exatamente contrárias, no âmbito da reflexão
composicional do século XX, tais como: “[…] composição não é de forma alguma um
‘combinar’, mas muito mais um ‘desagregar’ […]” (LACHENMANN, 1996, p.55)[5].
Define-se planejamento composicional como uma metodologia em
três fases. Na primeira fase, denominada particularização, os parâmetros e
materiais musicais envolvidos no processo são determinados a partir de um
conjunto de diretrizes. No caso específico deste trabalho, as diretrizes foram
oriundas de problemas composicionais propostos a uma classe de composição. Caso
os parâmetros sejam de natureza abstrata, isto é, não se localizem diretamente
na superfície musical, como é o caso dos contornos, das formas primas, das
partições texturais, dos eixos inversivos
etc., uma segunda fase – aplicação – mapeia tais parâmetros em parâmetros de
superfície (alturas, durações, dinâmicas etc.)[6].
Por fim, na terceira fase, complementação, cuidam-se dos parâmetros não
declarados no início no processo.[7]
O trabalho se divide em cinco seções: na Seção 2, apresentam-se
as premissas pedagógicas sobre as quais se desenvolve o exercício; a Seção 3
traz uma discussão sobre o conceito de coerência e a proposição original de
seis procedimentos de concatenação; a Seção 4, subdividida em diversas
subseções (uma para cada fragmento), constitui-se no núcleo teórico e prático
do trabalho, ou seja, na descrição detalhada dos planejamentos composicionais
dos fragmentos; na Seção 5, realiza-se a concatenação desses fragmentos e os
necessários ajustes, a fim de gerar uma obra coerente de maior porte; a última
seção faz breves considerações sobre os resultados pedagógicos alcançados. No
apêndice, apresenta-se a partitura integral da nova obra.
2. As premissas
pedagógicas
Considera-se, neste trabalho, que o estudo da composição musical
envolve algumas metas fundamentais a serem atingidas pelo(a) aluno(a) de
composição. A autoconsciência e o aprimoramento do próprio estilo devem ser a
meta prioritária, uma vez que lhe permitirão adquirir conhecimento profundo
sobre os limites e as possibilidades de sua própria voz composicional.[8]
Uma das estratégias para identificar essa voz composicional, de maneira
clara, consiste em isolá-la dos materiais que confortavelmente a ela se
mesclam, formando, por vezes, uma única estrutura simbiótica. O desconforto
resultante da manipulação de materiais estranhos à prática comum do(a)
compositor(a) torna saliente a maneira como ele ou ela lida com aspectos
universais da composição: a proporção das estruturas, a estratificação do
material em camadas com diferenciação cognitiva (elementos de superfície,
estruturas de fundo etc.), a inicialização, as transições, as finalizações, os
diálogos internos entre os gestos, a lógica de construção das sonoridades, a
lógica rítmica, a lógica textural, a carga de
informação (grau de entropia), o equilíbrio entre energia potencial e cinética,
o isomorfismo com estruturas extramusicais, os fatores retóricos, a
direcionalidade, as centricidades, o tempo etc.[9] O contato com novos materiais funciona, de certa
maneira, como um filtro, por meio do qual é possível perceber com maior clareza
as tendências estilísticas próprias, que dependem de diversos fatores
psicológicos, sociais e cognitivos adquiridos durante a vida. Esse filtro
apresenta ainda um segundo efeito colateral benéfico: a expansão do próprio
léxico composicional, que com o tempo passa a integrar a voz composicional de
forma intuitiva. Uma das maneiras mais frutíferas de vivenciar esse contato
consiste em observar na literatura composicional (com o apoio de textos
teóricos) como outros compositores lidaram com materiais específicos e,
partindo dessa perspectiva histórica, realizar experimentos próprios refletindo
sobre os resultados. Um exemplo pode ser avaliar como Stravinsky lidou com o dodecafonismo, como ele incorporou esse método em seu fazer
composicional e que novas técnicas resultaram dessa incorporação[10]. Esse contato com as metodologias de outros
compositores expande também o conhecimento do(a) aluno(a) sobre a literatura
composicional e sobre a notação, o que, de certa forma, convida a uma reflexão
sobre a própria produção composicional. Essa estratégia se constitui na
primeira premissa pedagógica do presente trabalho.
Uma segunda premissa pedagógica, decorrência natural da
primeira, é o olhar para a tradição, para o que já foi feito, e para outras
culturas. O compositor não vive num vácuo – e isso é válido em termos de espaço
e tempo. Essa premissa se desenvolve a partir de um contato com a literatura
composicional. Ouvir o som, ver a partitura (quando for o caso), tentar
compreender questões gerais da composição (como inicia e termina essa obra?
Como o(a) compositor(a) gerencia tempo, proporção e sonoridades? etc.), mesmo
sem realizar uma análise minuciosa, expande a percepção e alimenta o
reservatório intuitivo do(a) jovem compositor(a).
Como terceira premissa pedagógica, cita-se a liberdade estética,
fruto de uma constante reflexão que resulta da experimentação do maior número
possível de técnicas e estéticas, sem, contudo, esboçar imposições com respeito
a uma prática comum universal, seja de tendência vanguardista ou conservadora.
Aqui evidentemente se descarta o incentivo impositivo à prática de certos tipos
de configuração rítmica, construção tímbrica ou
delineamento formal que, enquanto dão ao jovem compositor, ou à jovem
compositora, um senso de pertencimento a uma comunidade que pratica a arte mais
atualizada possível, reduz as chances de descoberta da voz composicional e da
percepção de uma conexão local. Assim, não se tentará convencer o aluno a
adotar nem uma rítmica associada à Nova Complexidade nem ao Minimalismo; da
mesma forma, o aluno terá plena liberdade de se expressar com sons ou com
notas;[11] em termos formais, não se priorizará
nem uma abordagem top-down nem uma bottom-up[12]. Do cerne dessa
questão brotam dicotomias como forma versus conteúdo, local versus universal,
nota versus som etc., que precisam ser observadas, vivenciadas, discutidas e,
finalmente, desconstruídas. A afirmação de que “tomar um material temático de
tradição oral para utilizá-lo em uma composição de maneira direta significa
produzir uma arte inferior” concorre para um tipo de fundamentalismo estético,
muitas vezes sustentado por um argumentum ad verecundiam[13] (talvez
tendo erroneamente como suporte Wittgenstein, Deleuze, Heidegger ou Adorno, por
exemplo, os quais, como se sabe, não eram compositores). Essa atitude não deve
ter lugar no ensino da composição. Cabe ao professor mostrar os diversos mundos
possíveis (e até impossíveis) e ao(à) aluno(a)-compositor(a) decidir a que
mundo quer pertencer.
A quarta premissa se relaciona ao conceito de ideia musical,
que, neste trabalho, é o mais amplo e diverso
possível, envolvendo tanto insights próximos de uma plena originalidade como
aqueles que são resultado das intertextualidades mais explícitas[14]. Desta forma, colagens por sobreposição, citações
literais, paráfrases, pastiches, modelagens (sistêmicas e de perfil),
ergonomias e fôrmas instrumentais, experimentos sonoros, desenhos, mapas
estelares, cores, mapeamentos de textos etc. são pontos de partida válidos para
se iniciar o planejamento de uma obra musical.
Uma quinta e última premissa diz respeito à compreensão que se
tem do planejamento composicional como uma das atividades pré-composicionais
essenciais, no sentido de que é anterior (a priori) ao ato composicional
propriamente dito (o preencher uma página em branco com elementos de
superfície, por exemplo), diferenciando-o da atividade musicológica, que ocorre
a posteriori[15]. Busca-se primeiro planejar e
imaginar para, em seguida, chegar a estruturas sonoras concretas, que, por sua
vez, retroalimentam o sistema cognitivo, trazendo uma maior previsibilidade a
cada novo planejamento que se propõe (similar ao treinamento de uma rede
neural). Assim, embora o autor do presente trabalho pratique várias abordagens
pedagógicas[16], não se encoraja, na metodologia
específica aqui descrita, que se componha primeiro para analisar depois
(afinal, em muitos casos, uma análise feita pelo próprio compositor se
configura em uma tautologia descritiva). O que pode ser avaliado é o resultado
estético, tendo como referência o próprio planejamento composicional cotejado
com o resultado sonoro.
Essas cinco premissas pedagógicas aqui apresentadas
(experimentação com novos materiais, contato com a tradição, liberdade
estética, conceito expandido de ideia musical e planejamento como base de
trabalho) são propostas originais do autor deste artigo, resultado da
experiência em sala de aula, no ensino da composição em níveis de graduação e
pós-graduação. Como se mencionou anteriormente, uma discussão mais detalhada
sobre essas premissas e sobre o que o autor denominou aspectos universais da
composição serão objeto de um estudo posterior, no qual serão examinadas
diversas perspectivas e modelos relacionados à pedagogia da composição musical.
A aplicação dessas premissas será identificada durante a quarta
seção do artigo, que tem por objetivo descrever o planejamento e a composição
de seis fragmentos para quinteto de sopros (flauta, oboé, clarinete, trompa e
fagote) teoricamente desconectados. Os planejamentos, incluindo o texto
detalhado, e as composições dos fragmentos foram realizados pelo autor do
presente trabalho, em tempo real, como demonstração do conteúdo da disciplina
Composição I, do período 2021.1, na turma do bacharelado em Composição, da
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para cada
fragmento planejado e composto, os seis alunos envolvidos, além de participarem
ativamente em cada fase do processo (conforme se demonstra na próxima seção),
elaboraram, posteriormente, seus próprios planejamentos e fragmentos, que foram
discutidos em conjunto.
Acoplados aos exercícios composicionais, foram também propostos
exercícios puramente teóricos sobre a Teoria dos Conjuntos de Classes de
Alturas. Ao final, cada um propôs as concatenações dos seus próprios fragmentos
compostos, discutindo os critérios e comentando os resultados sonoros[17]. As obras integram o repertório do Quinteto Lorenzo
Fernandez, grupo que realizou a primeira audição mundial, no dia 29 de julho de
2022, no Salão Leopoldo Miguez, da Escola de Música
da UFRJ[18]. Antes de iniciar a descrições dos
planejamentos composicionais, é importante examinar brevemente o conceito de
coerência, que servirá de base teórica para a concatenação dos fragmentos.
3. Sobre concatenação,
coerência e coesão
Considerando-se a independência e, portanto, a provável
desconexão intrínseca entre fragmentos compostos de maneira autônoma (uma
premissa inicial deste trabalho, já mencionada), como a concatenação desses
fragmentos pode resultar em uma obra coerente?
Na tentativa de responder a essa pergunta, deve-se examinar
inicialmente o conceito de coerência. Diversas teorias tratam desse conceito no
contexto da linguística textual (HALLIDAY;
HASAN, 1976; DE BEAUGRANDE; DRESSLER,
1981; BROWN; YULE, 1983 etc.). Halliday e Hasan, por exemplo,
consideram que um texto coerente precisa satisfazer duas condições: 1) consistência
com o contexto no qual é criado e 2) coesão[19].
Embora, segundo Wang e Guo
(2014, p.461), Halliday e Hasan
tenham falhado em elaborar estratégias para a primeira condição, eles estudaram
em profundidade as estratégias de coesão, propondo uma classificação em cinco
grandes áreas: referência, substituição, elipse, conjunção e léxica. Cada uma
dessas áreas apresenta subdivisões. Assim, por exemplo, no período “O menino
não consegue achar sua mãe. Ele ficou muito triste”, ocorre uma referência do
tipo pronominal: “Ele”, na segunda oração, substitui “o menino” da primeira
oração. Há também uma relação teleológica (causa e consequência) entre as
orações: o menino ficou triste porque não conseguiu achar sua mãe. Embora a
primeira oração tenha completude em si mesma, do ponto de vista gramatical,
fica implícita uma necessidade de continuidade, ou seja, há um potencial de
movimento narrativo – o leitor fica curioso em relação à atitude ou à reação do
menino ao não encontrar sua mãe. Esse movimento em potencial sugere uma
interrogação subliminar.
Uma representação musical desse tipo de coesão deve levar em
conta esses três fatores: uma relação causal, uma referencial e outra
interrogativa. No exemplo da Fig. 1, o gesto a (semínimas
em contorno descendente) apoiado por uma harmonia de subdominante é
referenciado de maneira mais compacta no gesto a’, também apoiado por uma
harmonia de subdominante, porém com acordes distintos. O que causa a chegada no
iv (em a’) é um acorde de dominante secundária, de
caráter deceptivo-interrogativo com relação à expectativa da primeira frase
(esperava-se uma chegada no i). Evidentemente, essa representação tem um forte
caráter subjetivo, uma vez que o isomorfismo entre música e linguagem verbal é
um assunto delicado e controverso[20].
Fig. 1
Anagnostopoulou
(1990), ao examinar comparativamente os discursos literários e musicais,
indica que a similaridade (que se manifesta em termos de repetição e variação)
é o fator crucial no estabelecimento da coesão, o que se sintoniza com as
palavras de Kohs
(1976, p.2) sobre a construção formal em todas as artes: “a forma é
alcançada nas artes por meio da organização de unidades inteligíveis de acordo
com regras de repetição, contraste e variação pelo menos provisoriamente
aceitas”[21]. Portanto, procedimentos de
repetição e variação podem ser uma base sólida para que se estabeleça coesão
entre fragmentos independentes.
A segunda condição apontada por Halliday e Hasan (1976, p.23) para o estabelecimento de coerência
– consistência com o contexto no qual é criado – pode se relacionar, no caso da
música, com um léxico comum compartilhado entre os fragmentos. Nos fragmentos
compostos neste trabalho, o léxico comum consistirá nas classes de alturas
ordenadas e desordenadas, manipuladas por meio dos procedimentos propostos por Straus (2013).
Motivado pela hipótese de que a coerência na concatenação de fragmentos
contrastantes pode ser determinada pelo contexto léxico e pelo uso da
repetição/variação, o autor do presente trabalho propõe seis procedimentos de
concatenação[22]. Vale salientar que esses
procedimentos são úteis nos casos em que o(a) compositor(a) deseja realizar uma
conexão suave entre dois fragmentos. Muitas vezes, no entanto, o contraste
intenso é desejado, como pode ser o caso da Moment form, de Stockhausen (KOSTKA, 2006, p.154)[23].
Nessas situações, o simples ajuntamento dos fragmentos é suficiente.
Uma segunda hipótese proposta neste trabalho é a de que os
principais fatores que influenciam uma transição suave entre fragmentos
contrastantes são andamento, dinâmica, métrica, textura, articulação, centricidade e registro. É provável que o peso desses fatores
seja flutuante e dependa do conteúdo de cada fragmento, mas, nos exemplos aqui
apresentados, essa ordem se mostrou satisfatória.
O primeiro (e mais simples) procedimento de concatenação é a
justaposição, que consiste basicamente em colocar lado a lado dois fragmentos
independentes compostos no mesmo contexto léxico[24].
A coesão, nesse caso, depende fortemente do grau de similaridade e continuidade
natural já existente entre os fragmentos. Por exemplo, se tomarmos os compassos
49 a 52 do primeiro movimento do Quarteto de Cordas, Op. 28, de Anton Webern, e a eles justapusermos imediatamente os compassos
254 a 255 do primeiro movimento do Quarteto de Cordas n. 4, Op. 37, de Arnold Schoenberg, o resultado será um trecho coeso: 1) o
andamento dos dois é muito próximo (112 para o fragmento de Webern
e 108 para o de Schoenberg); 2) a métrica é a mesma
(4/4); 3) a textura é muito similar; 4) o contorno da linha melódica do
primeiro violino tem uma continuidade naturalmente descendente[25]; e 5) a dinâmica é compatível, uma vez que o
fragmento de Webern retoma a dinâmica suave inicial
mostrada no início do fragmento de Schoenberg, após
dois compassos em uma dinâmica forte. Como ambas as obras foram compostas no
contexto dodecafônico, a junção dos fragmentos produz um resultado coerente (Fig. 2), ou seja, há consistência no contexto e há coesão
paramétrica.
Fig. 2
WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [26]
O segundo procedimento – interpolação –
também indicado para os casos em que os gestos são similares consiste na inserção
de um fragmento integralmente dentro de outro, como que abrindo um parêntese.
Exemplifica-se esse procedimento com os mesmos fragmentos de Schoenberg e Webern utilizados na
justaposição. Pequenos ajustes na dinâmica e andamento podem ser necessários,
como se observa na Fig. 3.
Fig. 3
WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [27]
O terceiro procedimento, transição, é
indicado nos casos em que se deseja manter intactos dois fragmentos com alto
contraste em termos de dinâmica, andamento e métrica. Desta forma, uma
transição é construída para possibilitar uma gradação suave entre as dinâmicas
e os andamentos. Com relação a esse último aspecto, pode-se empregar modulação
métrica para evitar redução gradual na velocidade e conduzir o ouvinte a passar
de um para outro fragmento de maneira orgânica.
No exemplo da Fig. 5, tem-se os três
compassos iniciais do primeiro movimento do Quarteto de Cordas n. 4, Op. 37, de
Arnold Schoenberg que serão concatenados aos cinco
compassos iniciais[28] do segundo movimento dos
Cinco Movimentos para Quarteto de Cordas, Op. 5, de Anton Webern.
Na transição serão realizadas uma gradação suave da dinâmica e uma modulação
métrica, cujo cálculo é mostrado na Fig. 4.
Fig. 4
É interessante observar que o contexto das duas obras é
levemente diferenciado: a obra de Webern é de sua
primeira fase, atonalismo aforístico, e a obra de Schoenberg é de sua terceira fase, dodecafônica. Mesmo
assim, ambas se situam esteticamente no âmbito do expressionismo atonal
vienense. É importante também observar que as obras de Schoenberg
desse período utilizam agregados cromáticos, sendo o compasso considerado,
nesse quarteto, como a janela de aplicação, ou seja, em cada compasso tem-se a
presença das doze classes de alturas da escala cromática. Essa informação será
levada em conta na construção da transição, que manterá o uso de agregados
durante os cinco compassos iniciais do trecho transicional. Os três últimos
compassos da transição herdarão características mais próximas do fragmento de Webern, tais como o acompanhamento formado pelo segundo
violino e pelo violoncelo, que na transição descem cromaticamente para se
encaixar no original weberniano, e a melodia da viola de Webern,
que, na transição, aparece no primeiro violino com contorno e conteúdo
alterados.
Fig. 5
WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [30]
O quarto procedimento, acoplamento, é
uma variação do procedimento anterior, ou seja, é também utilizado nos casos em
que os fragmentos são contrastantes e se quer mantê-los intactos. A diferença é
que o acoplamento é implementado em duas camadas. Na primeira camada, as
características do primeiro fragmento desaparecem gradualmente, e,
simultaneamente, na segunda camada, as características do segundo fragmento se
revelam. Para exemplificar esse procedimento, serão utilizados os mesmos
fragmentos da transição. A primeira camada, correspondente ao fragmento de Schoenberg, será formada pelos violinos; a segunda camada,
correspondente ao fragmento de Webern, será formada
pela viola e pelo violoncelo. Pode-se observar na Fig. 6como
nos violinos, a partir do quarto compasso do acoplamento, a semelhança com o
fragmento de Schoenberg e a dinâmica começam a se
dissipar gradualmente. Simultaneamente, a segunda camada começa a se aproximar
gradualmente do fragmento de Webern.
Fig. 6
WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [31]
O quinto procedimento, mesclagem, é
indicado nos casos em que os dois fragmentos têm alto contraste em termos de
dinâmica, andamento e métrica, e, diferentemente dos dois últimos
procedimentos, não há interesse do(a) compositor(a) de mantê-los nos formatos
originais. A mesclagem consiste em inserir elementos do primeiro fragmento no
segundo e vice-versa, ampliando o grau de uniformidade entre os dois e, por
conseguinte, criando coesão.[32] Os mesmos
fragmentos do caso anterior serão utilizados para exemplificar a mesclagem. O
procedimento foi efetivado em três fases principais (rotuladas na Fig. 7):
2.
2. Reduziram-se os
valores de dinâmica do fragmento de Schoenberg e
ampliaram-se os valores de dinâmica do fragmento de Webern;
3.
3. Gestos melódicos e
harmônicos de Webern (em azul) foram implantados no
fragmento de Schoenberg, e, da mesma forma, gestos de
Schoenberg (em rosa) foram implantados no fragmento
de Webern. Gestos em violeta serviram para realizar
um encaixe mais suave entre os fragmentos: a melodia principal do fragmento de Webern, na viola, foi duplicada no primeiro violino uma
oitava acima para dar continuidade ao gesto melódico do fragmento de Schoenberg.
O sexto e último procedimento, permutação,
é também indicado nos casos em que os dois fragmentos têm alto contraste em
termos de dinâmica, andamento e, como na mesclagem, eles podem ser modificados
para que se obtenha maior coesão na concatenação. A permutação consiste na
troca de posições de gestos entre dois fragmentos. A diferença entre a
mesclagem e a permutação é que nessa última a troca de gestos é integralmente
realizada, diferentemente do que ocorre na primeira, na qual a inserção é
desordenada e rarefeita. Serão utilizados os mesmos dois fragmentos que
serviram de exemplo na mesclagem.
Uma análise prospectiva identificou que os fragmentos têm uma
similaridade textural importante: ambos podem ser
compreendidos como uma estrutura de duas camadas. A primeira camada é uma linha
melódica e a segunda, um acompanhamento homorrítmico.
Essa característica textural é também um reforço na
questão do contexto e, portanto, um fator que contribui para a coerência.
Considerando-se uma janela de aproximadamente um compasso, as camadas foram
segmentadas e rotuladas utilizando a seguinte nomenclatura, conforme se indica
na Fig. 8: 1sm = primeiro segmento melódico de Schoenberg;
1hm = segmento bloco harmônico de Schoenberg; 1wm =
primeiro segmento melódico de Webern; 1wh = primeiro
segmento harmônico de Webern; e assim por diante. Em
seguida, os segmentos foram permutados de tal maneira que houvesse uma
alternância horizontal e vertical entre gestos schoenberguianos
e gestos webernianos. O andamento foi ajustado para todo o trecho em 112, ou
seja, 40 pontos mais lento. O resultado é mostrado na Fig. 8.
Fig. 7
(WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [33]
Fig. 8
WEBERN, 1939; SCHOENBERG, 1939 [34]
A Fig. 9 resume os seis procedimentos aqui
propostos por meio de uma representação gráfica, de forma que se possa construir
uma intuição visual sobre eles. Como se verificou, esses procedimentos podem
ser classificados em pares no âmbito de três categorias: fragmentos similares
(justaposição e interpolação), fragmentos dissimilares inalteráveis (transição
e acoplamento) e fragmentos dissimilares alteráveis (mesclagem e permutação).
Esses procedimentos foram fundamentais, como se verá adiante, para estabelecer
uma coerência na concatenação de fragmentos compostos de maneira totalmente
independente.
Na próxima seção, serão examinados os planejamentos
composicionais de seis fragmentos, os quais serão posteriormente concatenados
para gerar uma obra coerente de maior porte.
Fig. 9
4. Planejamento
composicional de seis fragmentos
Nesta seção, são detalhados os planejamentos composicionais dos
seis fragmentos compostos em sala de aula pelo professor da disciplina supramencionada,
tomando como ponto de partida restrições específicas circunscritas a
determinados tópicos abordados em cada um dos seis capítulos do livro de Straus (2013). O
primeiro fragmento ficou restrito aos quatro tipos intervalares definidos por Straus. Foram realizados dois experimentos a fim de se
avaliar o impacto do planejamento gráfico e dos tipos intervalares no resultado
final. O segundo fragmento originou-se do planejamento com classes de conjunto.
O terceiro fragmento focalizou as operações de transposição e inversão, as
relações de contorno e a relação Z. O quarto fragmento foi planejado
graficamente considerando diversas estruturas escalares gerenciadas por centricidades. O quinto fragmento resultou de uma aplicação
de séries dodecafônicas partindo de quatro estratégias. O sexto fragmento
utilizou serialismo aplicado às alturas e ao ritmo, rotação hexacordal,
combinatoriedade, derivação e multiplicação bouleziana.
4.1. Fragmento I
Esse primeiro fragmento, com duas seções contrastantes, teve
seus materiais melódicos derivados de quatro diretrizes concernentes a
estruturas intervalares. Na Tabela 1, estão indicados os
intervalos utilizados por cada instrumento do quinteto. A escolha desses
intervalos foi realizada pelo professor, com a participação ativa dos alunos,
adotando o seguinte procedimento: o professor escolheu os três intervalos
ordenados de alturas a serem executados pela flauta partindo de
experimentações, realizadas ao piano, nas quais pequenos trechos foram
improvisados utilizando diversas possibilidades intervalares, sendo a seleção
efetivada por critérios auditivos. A escolha dos intervalos se constitui na
primeira fase do planejamento composicional, a particularização, em que as
diretrizes genéricas se transformaram em objetos concretos. Essa metodologia de
escolha dos materiais básicos a partir da testagem se assemelha ao modelo
composicional proposto por Simon Emmerson (1989), no qual “não importa por que eu
combinei esses sons: eles soam bem juntos?”[35].
Ao comentar esse modelo, Juha Ojala
menciona que
os objetos que
passam no teste são armazenados, e as ações que produziram os objetos
bem-sucedidos são reforçadas e reunidas no repertório de ação. Em contraste, as
ações que produzem objetos com falha são modificadas e tentadas novamente ou
rejeitadas completamente em favor de novas ações. (OJALA, 2009, p.180).[36]
Escolhidos os três intervalos ordenados de altura para a flauta,
os cinco alunos ficaram responsáveis pela sugestão dos dez intervalos
restantes. Assim, o primeiro aluno escolheu para o oboé dois intervalos
desordenados de alturas: 4 e 6; o segundo aluno escolheu para o clarinete dois
intervalos ordenados de classes de alturas: 5 e 7; e assim por diante. Para
cada um dos instrumentos, foram elaboradas listas de alturas ou classes de
alturas partindo de valores iniciais escolhidos pelos alunos (como há cinco
instrumentos e cinco alunos, cada um escolheu um valor inicial). Aqui, por
razões de espaço, será exemplificado apenas o procedimento utilizado para um
trecho da flauta, com 35 alturas, mostrado na Tabela 2,
tendo como altura inicial o Mi5[37]. A
construção dessa tabela foi realizada da seguinte maneira: partindo do Mi5, o
professor escolhia intervalos livremente dentro das restrições já selecionadas
na Tabela 1, ou seja, {-1, +3, -2}, ao mesmo tempo em que
indagava a cada um dos alunos, de maneira sequencial, qual a altura resultante.
Os resultados, em representação musical, são mostrados na Fig.
10. Esse procedimento foi aplicado, como se mencionou, para cada um dos
instrumentos, gerando um repositório de alturas a ser utilizado durante a
composição. É importante mencionar que, no caso das classes de alturas, foi
necessário aplicar a segunda fase do planejamento composicional – aplicação –,
uma vez que às classes de alturas precisam ser atribuídas registros
específicos, convertendo-as em alturas[38]. A escolha
desses registros foi livremente realizada pelo professor, dentro das limitações
de extensão de cada instrumento.
Instrumento |
Intervalos |
|
Flauta |
Intervalos ordenados
de alturas |
-1, +3, -2 |
Oboé |
Intervalos
desordenados de alturas |
4, 6 |
Clarinete |
Intervalos ordenados
de classes de alturas |
5, 7, 9 |
Trompa |
Classes intervalares
|
1, 3 |
Fagote |
Classes intervalares
|
2, 4, 5 |
Tabela 1
Intervalos |
-1 |
+3 |
-2 |
+3 |
+3 |
-1 |
+3 |
|||||||
Classes de alturas |
Mi5 |
Ré#5 |
Fá#5 |
Mi5 |
Sol5 |
Si≈5 |
Lá5 |
|||||||
Intervalos |
-1 |
-2 |
-1 |
-1 |
+3 |
-1 |
-1 |
|||||||
Classes de alturas |
Dó6 |
Si5 |
Lá5 |
Lá≈5 |
Sol5 |
Si≈5 |
Lá5 |
|||||||
Intervalos |
-1 |
-1 |
-1 |
-1 |
-1 |
+3 |
+3 |
|||||||
Classes de alturas |
Lá≈5 |
Sol5 |
Sol≈5 |
Fá5 |
Mi5 |
Ré#5 |
Fá#5 |
|||||||
Intervalos |
-1 |
+3 |
-1 |
-2 |
+3 |
-1 |
+3 |
|||||||
Classes de alturas |
Lá5 |
Sol#5 |
Si5 |
Si≈5 |
Lá≈5 |
Dó≈5 |
Si≈5 |
|||||||
Intervalos |
-1 |
-1 |
-1 |
-1 |
-1 |
-1 |
||||||||
Classes de alturas |
Ré≈6 |
Dó6 |
Si5 |
Si≈5 |
Lá5 |
Lá≈5 |
Sol5 |
Tabela 2
Fig. 10
O próximo passo no planejamento composicional do Fragmento 1
consistiu na complementação (terceira fase dessa metodologia), em que
parâmetros não declarados nas restrições iniciais foram determinados. Dessa
forma, nessa fase, foram realizadas inicialmente as escolhas do andamento e da
métrica. Optou-se por um andamento lento (72 bpm), em
compasso quaternário simples (4/4), para que a composição pudesse ser
concretizada confortavelmente durante a primeira aula. Em termos de
planejamento composicional, isso indica que seriam necessários nove compassos
para produzir 30 segundos de música. Essa informação forneceu subsídios para a
proposição da forma básica do trabalho: a primeira seção, A, com 4 compassos, e
a segunda, B, com 5 compassos. O diagrama da Fig. 12 mostra
o planejamento composicional gráfico da forma do Fragmento 1. Nesse diagrama,
estão indicados os instrumentos (horizontalmente) e os compassos
(verticalmente). Conforme a legenda de símbolos da Fig. 13,
as linhas indicam gestos melódicos; os quadrados pequenos indicam notas curtas,
que podem ou não estar em sincronia vertical com outras notas do mesmo tipo; e
os retângulos verticais indicam simultaneidades sonoras, ou seja, gestos homorrítmicos, não necessariamente de curta duração, como
os quadrados.
Propôs-se, em seguida, uma estrutura rítmica para ser acoplada
às alturas produzidas pelas diretrizes da Tabela 1, uma vez
que o parâmetro ritmo não foi especificado nessas diretrizes iniciais. Essa
estrutura (Fig. 11) foi livremente elaborada pelo professor
para exemplificar a metodologia. O resultado do acoplamento pode ser visto na
linha da flauta da Fig. 14.
Fig. 11
Fig. 12
Conforme o diagrama da Fig. 12, a seção A
deve iniciar com flauta e oboé em um gesto melódico homorrítmico
resultante das restrições intervalares especificadas na Tabela
1; os outros três instrumentos realizam, a partir do segundo compasso,
intervenções de gestos verticais (simultaneidades), os quais ocorrem na metade
do terceiro compasso. Após um momento homorrítmico
que envolve todos os instrumentos, encerra-se a seção.
Fig. 13
Um solo de clarinete desponta dessa última simultaneidade (c.
5), dando início à segunda seção. Em seguida, uma estrutura polifônica se desenrola
a partir do compasso 6 com as entradas da trompa e do oboé, acompanhados por
intervenções síncronas de notas curtas da flauta e do fagote. Esses gestos
culminam em uma simultaneidade vertical, no compasso 9, e a obra finaliza com
um trecho da flauta rememorando gestos anteriores.
Partindo-se desse planejamento, que possibilitou a produção dos
gestos melódicos para cada um dos instrumentos (conforme se demonstrou para os
quatro compassos iniciais da flauta), realizou-se a composição da Seção A (Fig. 14), diretamente no aplicativo Finale,
mas sem testes auditivos durante o processo, ou seja, a simulação MIDI do
Fragmento 1 só foi escutada após o término de sua completa elaboração
composicional. Esse procedimento é importante para educar o sistema
cognitivo-perceptivo dos compositores com relação à expectativa sonora,
encorajando-os a exercitarem uma independência do feedback auditivo, nem sempre
de boa qualidade, proporcionado pelos atuais programas de editoração de partitura.
Uma vez concluído o Fragmento 1, examinou-se a macro-harmonia[40] de cada
compasso, na busca de identificar alguma tendência à saturação cromática[41] como consequência da escolha dos intervalos (Tabela 1). Uma contagem de classes de alturas, dessa seção,
por compasso produziu os resultados mostrados na Tabela 3.
Observa-se, nessa tabela, uma rápida saturação cromática, com a presença de um
agregado e um quase agregado (11 classes de alturas) no compasso 3, e de um
agregado e dois quase agregados no compasso 4. A curva da Fig.
15 demonstra o crescimento da tendência à saturação cromática na seção A.
Fig. 14
Tabela 3
Fig. 15
O mesmo procedimento foi aplicado à seção B (Fig.
16), e o resultado foi similar ao obtido para a seção A em termos de
saturação cromática. Esse resultado pode ser observado claramente na Tabela 4 e no gráfico da Fig. 17. No caso
da seção B, após o momento de saturação máxima do compasso 8, no qual se tem um
agregado e um quase agregado, o compasso 9 apresenta um gesto residual[42].
Fig. 16
Tabela 4
Fig. 17
A questão que se colocou para reflexão foi: que resultados
poderiam ser obtidos ao serem aplicados intervalos que configurassem mais propriamente
um vocabulário tonal, ou seja, formações intervalares que engendrassem tríades
maiores, menores e, em menor quantidade, diminutas? Para responder a essa
questão, novas configurações intervalares foram aplicadas à mesma textura
rítmica. Na Tabela 5 sugerem-se novos intervalos para cada
um dos instrumentos do quinteto, e na Fig. 18
exemplificam-se algumas possibilidades para essas novas configurações.
Verificou-se uma maior aproximação com o vocabulário tonal, exceto para a
última configuração. O resultado é mostrado na Fig. 19. A Tabela 6 e o gráfico da Fig. 20 mostram que
a saturação cromática existe na primeira seção da obra, mesmo com os novos
intervalos. Observa-se também que, na segunda seção, a sonoridade de tons
inteiros é bastante saliente. No penúltimo compasso há claramente uma centricidade em torno do acorde de Si bemol aumentado
(subconjunto da escala de tons inteiros). O gesto final é praticamente a escala
de tons inteiros (0 2 4 8 A), faltando somente o Fá#, cuja presença é abundante
no compasso anterior e permanece, portanto, na memória.
Instrumento
|
Intervalos
|
|
Flauta |
Intervalos ordenados
de alturas |
-4, -5, +2 |
Oboé |
Intervalos
desordenados de alturas |
7, 3 |
Clarinete |
Intervalos ordenados
de classes de alturas |
2, 3, 4 |
Trompa |
Classes intervalares
|
3, 4 |
Fagote |
Classes intervalares
|
1, 2, 5 |
Tabela 5
Fig. 18
Tabela 6
Fig. 19
Fig. 20
Realizou-se ainda um terceiro experimento utilizando os
intervalos originais aplicados a outro planejamento. Nesse plano (Fig. 21), as linhas vermelhas onduladas indicam ostinati ou padrões repetitivos, e as linhas verdes
contínuas indicam melodias. Há uma articulação formal na metade do gráfico, com
uma linha azul vertical, indicando uma mudança textural
brusca após um impacto produzido por todos os instrumentos. Na segunda parte do
gráfico, as melodias se alternam nos três instrumentos superiores, em uma
textura mais esparsa. O fragmento conclui com a trompa executando uma linha
melódica e rememorando os ostinati iniciais. Na Fig. 22 se observam os compassos iniciais dessa nova proposta
para o Fragmento 1, que foi a versão escolhida para a montagem do quinteto de
sopros.
Fig. 21
Na elaboração do Fragmento 1, além do uso da metodologia do Planejamento
Composicional, com suas três fases, como base do trabalho, foram consideradas
ainda as seguintes premissas pedagógicas: 1) experimentação com novos materiais
– essa foi a premissa principal, que convidou os alunos a expressarem sua
criatividade por meio do filtro de novos materiais – as tipologias
intervalares; e 2) conceito expandido de ideia musical – ao partir de uma
diretriz numérica e não de uma singularidade sonora, para usar um termo de Delalande (2017, p.17), o(a) aluno(a) experimentou na
prática o planejamento de uma composição em que a motivação inicial não foi
explicitamente sonora.
Fig. 22
4.2. Fragmento 2
Esse segundo fragmento teve seus materiais derivados de duas
classes de conjuntos, escolhidas por sorteio: 037 e 027[43].
Pensou-se em um trecho de no mínimo 30 segundos, com um andamento de 112 bpm. Como a métrica sugerida foi novamente 4/4, isso indica
um total de 14 compassos. Esses compassos foram organizados em três seções
contrastantes (ABC) no planejamento gráfico mostrado na Fig. 23.
Nesse gráfico, elaborado pelo professor em sala de aula, os materiais em cor
vermelha correspondem à classe 037, e os materiais em azul, à classe 027.
A primeira seção (A) foi planejada com três compassos em uma textura
predominantemente homofônica: o oboé executa uma melodia formada pela
justaposição de tricordes da classe 027, enquanto os demais instrumentos o
acompanham executando acordes formado por tricordes da classe 037. Em outras
palavras, o critério de utilização das classes 027 e 037, nessa primeira seção,
é, respectivamente, horizontal e vertical.
Fig. 23
Na seção central (B), com sete compassos, a textura é formada
por uma linha melódica, construída com a classe 037, que se alterna entre
flauta, oboé e, finalmente, conclui com o clarinete. Na primeira parte dessa
seção (aproximadamente dois terços iniciais), só atuam os três instrumentos
superiores, à exceção de um ataque de todos os instrumentos, que ocorre
aproximadamente no final do primeiro terço; na segunda parte, os dois instrumentos
mais graves acompanham o clarinete, enquanto flauta e oboé executam gestos em staccato.
Por fim, a última seção do fragmento (C), planejada com quatro
compassos, traz oboé e flauta executando, com entradas defasadas, melodias baseadas
na classe 037, enquanto trompa e clarinete realizam a mesma função partindo da
classe 027. Simultaneamente, o fagote se alterna entre as duas classes de
conjunto para se unir à trompa e ao clarinete nos momentos finais.
Tabela 7
Essa descrição é apenas um plano. Partindo, então, desse plano,
com foco na forma e nas classes de conjuntos, os materiais para cada um dos
instrumentos foram gerados previamente, tomando as transposições (Tn) e inversões (TnI) para as
duas classes de conjuntos (Tabela 7). A Tabela
8 mostra o planejamento das sonoridades tricordais
para a seção A. Da mesma maneira que foi realizada no Fragmento 1, neste
fragmento foi elaborada previamente uma estrutura rítmica para ser acoplada às
alturas, as quais foram obtidas na fase de aplicação, em que os registros foram
escolhidos. As demais seções seguiram o mesmo procedimento utilizado na seção
A. Deve-se observar que o emprego de tricordes em quatro instrumentos determina
que haja repetição de uma classe de alturas por vez. Essas classes de alturas,
ao serem traduzidas para o domínio das alturas, podem produzir elementos
diferenciados em termos de registro. Os dois primeiros sistemas do Fragmento 2
são mostrados na Fig. 24.
1 |
2 |
3 |
||||||||
Flauta |
5 |
7 |
B |
A |
5 |
0 |
B |
9 |
8 |
7 |
Oboé |
(249) |
(35A) |
(B16) |
|||||||
Clariete |
2 |
7 |
B |
2 |
1 |
7 |
6 |
6 |
3 |
4 |
Trompa |
A |
2 |
6 |
7 |
5 |
3 |
B |
9 |
9 |
B |
Fagote |
A |
B |
2 |
7 |
A |
0 |
3 |
2 |
2 |
7 |
Tabela 8
Fig. 24
As premissas pedagógicas vivenciadas na construção do Fragmento 2
foram: 1) experimentação com novos materiais (as classes de conjuntos); 2) o
conceito expandido de ideia musical (especialmente com relação ao sorteio das
classes de conjuntos); e 3) o planejamento composicional como base de
construção.
4.3. Fragmento 3
O terceiro fragmento, projetado para ter duração mínima de 30
segundos, partiu das seguintes restrições iniciais, que foram transmitidas aos
alunos no formato de exercício (Trabalho 3) para ser entregue no prazo de duas
semanas:
b. A linha melódica de um dos
instrumentos deveria ser inteiramente construída a partir de um único contorno
de 4 pontos (e de suas transformações).
c. Dois instrumentos deveriam
utilizar tetracordes, cujas interconexões ocorreriam
por transposição (excetuando-se T0) com a manutenção de no mínimo uma nota
comum.
d. Os dois instrumentos
restantes deveriam utilizar tetracordes pertencentes
à mesma classe de conjuntos (diferente da classe de conjuntos utilizada no item
d). As mudanças entre os tetracordes dar-se-iam por
inversão com a manutenção de no mínimo uma nota comum.
e. Uma coda,
que não se guia pelas regras anteriores, deveria ser construída a partir de
dois conjuntos com relação Z.
Para a diretriz b, foram escolhidos a trompa e o contorno
<0312>, bem como suas transformações básicas mostradas na Tabela
9[44]. A ordenação desses contornos e as
alturas a eles associados foram escolhidos livremente durante a composição.
Para a diretriz c, um dos alunos escolheu a classe de conjuntos
0167, cujo vetor intervalar é 200022. Duas classes de alturas comuns por
transposição entre os membros dessa classe de conjuntos ocorrem em T1
(ou T11) e T5 (ou T7); por sua vez, a
transposição T6 produz o mesmo tetracorde.
As transposições (e inversões) para a classe de conjuntos 0167 são mostradas na
Tabela 10a. No fragmento foram utilizados todos os tetracordes conectados pela operação T1,
iniciando com o (0167). Esse foi o material da flauta e do clarinete.
Original |
Inverso |
Retrógado |
ROT1 |
ROT2 |
ROT3 |
<0312> |
<3021> |
<2130> |
<3120> |
<1203> |
<2031> |
Tabela 9
a |
b |
|||||||
0 |
1 |
6 |
7 |
0 |
2 |
6 |
8 |
|
1 |
2 |
7 |
8 |
1 |
3 |
7 |
9 |
|
2 |
3 |
8 |
9 |
2 |
4 |
8 |
A |
|
3 |
4 |
9 |
A |
3 |
5 |
9 |
B |
|
4 |
5 |
A |
B |
4 |
6 |
A |
0 |
|
5 |
6 |
B |
0 |
5 |
7 |
B |
1 |
Tabela 10
Procedimento similar foi adotado em relação à diretriz d na definição
do material do oboé e do fagote. A classe de conjuntos 0268 foi escolhida por
um segundo aluno para gerar esses materiais. Como se sabe, diferentemente do
vetor intervalar, o vetor de índices (viabilizado via tabela de adição) é único
para cada membro da classe de conjuntos, ou seja, o procedimento não pode ser
generalizado para todos os membros da classe, como se faz com relação à
transposição (utilizando o vetor intervalar). Mesmo sem o cálculo do vetor de
índices, observa-se na Tabela 10b que, se o conjunto
inicial for (0268), as inversões com índice par produzem os conjuntos (0268),
(248A) e (46A0), enquanto as inversões com índice ímpar produzem os conjuntos
(1379), (359B) e (57B1); se, por outro lado, o conjunto inicial for (1379), as
inversões com índice par produzem os conjuntos (1379), (359B) e (57B1),
enquanto as inversões com índice ímpar produzem os conjuntos (0268), (248A) e
(46A0). Em outras palavras, as inversões com índice par produzem conjuntos que
pertencem à escala de tons inteiros, que é superconjunto
do conjunto inicial, enquanto as inversões com índice ímpar produzem conjuntos
pertencentes à escala de tons inteiros, que não é superconjunto
do conjunto inicial. No fragmento foram utilizados o (359B) e as operações T4I,
T2I e T0I, ciclicamente. Por fim, a coda
foi construída a partir de dois hexacordes com
relação Z entre si: [012579] e [013578]. As formas normais utilizadas foram
(012579), (678B13), (013578) e (679B12).
A disposição textural desses elementos
no fragmento foi bastante simples: uma linha melódica da trompa acompanhada por
ostinati dos demais instrumentos, cujo conteúdo foi
especificado acima. Esses ostinati permutam
internamente suas configurações rítmicas, ou seja, o oboé e o fagote permutam
entre si suas configurações a cada compasso; o mesmo ocorre entre flauta e
clarinete. Uma introdução, sem trompa, apresenta os tetracordes
em uma atmosfera tranquila. Na coda, uma figura
rítmica utilizada pela trompa (que silencia durante essa seção) é explorada de
maneira imitativa por todos os instrumentos. A Fig. 25
mostra os quatro compassos iniciais do Fragmento 3 (esse fragmento aparece
integralmente entre os compassos 19 e 34 da partitura mostrada no Apêndice).
As premissas pedagógicas vivenciadas na construção do Fragmento
3 foram idênticas às premissas do Fragmento 2, ou seja: 1) experimentação com
novos materiais (nesse caso, os contornos); 2) o conceito expandido de ideia
musical (com relação ao sorteio do segmento de contorno inicial); e 3) o
planejamento composicional utilizado como recurso de preparação de todo o
material antes de iniciar a composição.
Fig. 25
4.4. Fragmento 4
O planejamento composicional referente ao quarto fragmento
partiu de um exercício sobre o conteúdo do quarto capítulo de Straus (2013),
que focaliza o conceito de centricidade e as
formações escalares. O exercício solicitava a composição de um trecho para
quinteto de sopros com as seguintes características:
b. As sonoridades deveriam ser
empregadas de acordo com o diagrama da Tabela 11;
c. Nos doze primeiros
compassos, a centricidade deveria ocorrer em uma
classe de altura e, nos doze últimos compassos, em outra classe de altura
(observe as estratégias para valorizar as centricidades);
d. A textura deveria ter um
alto grau de variedade (por exemplo, ser sempre diferenciada para cada oito
compassos).
1-4 |
5-8 |
9-12 |
13-16 |
17-20 |
21-24 |
Octatônica |
Tons inteiros |
Eixo 0-6 |
Eixo 1-7 |
Hexatônica |
Modo 3 (ou 4 ou 5 de
Messiaen |
Centricidade x |
Centricidade y |
Tabela 11
A demonstração de uma das possíveis resoluções desse exercício em
sala de aula produziu como resultado esse quarto fragmento. O exercício,
proposto na forma de quatro diretrizes e uma tabela (Tabela 11),
convidou o aluno a planejar o trabalho em três camadas com diferentes
temporalidades: centricidades, materiais e texturas.
A distribuição dos materiais nessas camadas gerou naturalmente o plano formal
mostrado na Tabela 12.
Centricidades |
A |
B |
||||
Materiais |
a1 |
a2 |
a3 |
b1 |
b2 |
b3 |
Texturas |
C |
D’ |
D’ |
C’ |
Tabela 12
Partindo dessas tabelas, iniciou-se a particularização dos objetos (primeira fase do planejamento composicional). Nos doze primeiros compassos, a centricidade deveria ocorrer na classe de alturas Dó e, nos doze últimos compassos, na classe de alturas Sol. Os materiais deveriam variar a cada quatro compassos, de acordo com o plano mostrado na Tabela 13: escala octatônica OCT0,1 (c. 1-4), tons inteiros TI0 (c. 5-8) e sonoridades em torno do eixo 0-6 (c. 9-12), centricidades em torno do eixo 1-7 (c. 13-16), escalas hexatônicas HEX2,3 e HEX3,4 (c. 17-20) e, finalmente, o modo 5 de Messiaen (c. 21-24). Essa particularização é mostrada na Tabela 13. Os conjuntos associados aos dois eixos são mostrados na Fig. 26.
1-4 |
5-8 |
9-12 |
13-16 |
17-20 |
21-24 |
Centricidade: Dó |
Centricidade: Sol |
||||
OCT 0, 1 |
TI0 |
Eixo 1-7 |
HEX2, 3 |
Messiaen 5 |
|
Homofonia |
Polifonia |
Polifonia |
Homofonia |
Tabela 13
Fig. 26
A textura, por sua vez, deveria ser diferenciada para cada oito compassos,
aproximadamente. Desta forma, nos sete primeiros compassos, a textura
predominante foi melodia acompanhada (textura C). Essa melodia deveria se
iniciar na trompa e passar para o oboé (c. 1-7). Em seguida (c. 8-12), uma
melodia no clarinete seria acompanhada pelos demais instrumentos de maneira
polifônica (D), culminando em um tutti, o qual demarcaria o final da seção A (centricidade Dó). Uma textura D’, de natureza imitativa,
deveria se desenvolver no primeiro terço da seção B (centricidade
Sol). Nos dois terços restantes de B, a textura retornaria à homofonia (C’) e
gradualmente se aglomeraria em direção ao final.
Um planejamento gráfico para esse fragmento é mostrado na Fig. 27. Nesse diagrama há uma linha para cada instrumento: as
regiões coloridas indicam as texturas; as linhas horizontais vermelhas indicam
as linhas melódicas; os retângulos verticais em vermelho indicam ataques em
tutti. O andamento do fragmento foi projeto para 120 bpm
em compasso 7/4 (esses dados constituem a complementação do planejamento). O
primeiro sistema desse fragmento é mostrado na Figura 28.
As premissas pedagógicas vivenciadas na construção do Fragmento
4 foram: 1) experimentação com novos materiais (nesse caso, os eixos); 2)
contato com a tradição no emprego de materiais escalares; e 3) o planejamento
composicional como base metodológica.
Fig. 27
Figura 28
4.5. Fragmento 5
O ponto de partida para o planejamento composicional do
Fragmento 5, em andamento lento, foi a proposição de uma série dodecafônica que
priorizasse classes intervalares 1 e 6: <9 3 2 1 5 4 A B 7 8 6 0>[46]. As classes intervalares dessa série são: (6 1 1 4 2 6 1
4 1 2 6). Construiu-se então a matriz dodecafônica (Fig. 29)[47].
Fig. 29
Foram planejadas quatro seções breves, cada uma com sua
caraterística textural própria. Essa diferenciação textural se deu qualitativamente, ou seja, considerando o
tipo de interação entre as partes instrumentais (polifonia, heterofonia
etc.):
2.
2. A segunda seção
iniciaria com uma melodia executada pelo oboé e acompanhada com notas longas pelos
demais instrumentos (homofonia), utilizando uma forma da série harmonizada
tonalmente (I9);
3.
3. A terceira seção,
polifônica, com atuação de apenas três instrumentos (flauta, clarinete e
fagote), deveria utilizar somente uma forma da série distribuída entre os
instrumentos (RI9);
4.
4. A quarta seção
retomaria uma textura homofônica e utilizaria duas formas da série: uma para
gestos harmônicos (R8), outra para gestos melódicos (P8) executados pelo
fagote.
Os compassos iniciais do Fragmento 5 são mostrados na Fig. 30. As premissas pedagógicas vivenciadas na construção do
Fragmento 5 foram: 1) experimentação com novos materiais (o dodecafonismo);
2) contato com a tradição, ao se utilizar harmonia tonal concomitantemente com
uma série dodecafônica; e 3) o planejamento composicional como base
metodológica.
Fig. 30
4.6. Fragmento 6
O planejamento composicional do sexto e último fragmento se
iniciou com a criação de duas séries dodecafônicas. A primeira é uma série
derivada da classe tricordal 027: <7 0 2 1 6 8 9 4
B A 5 3>. Essa série foi denominada Série 1. A segunda é uma série que
apresenta combinatoriedade R, I. Para isso, partiu-se
da classe hexacordal 023579, gerando a série <3 2
9 0 7 5 8 A B 4 6 1>. Essa série foi denominada Série 2. As séries foram
criadas automaticamente utilizando o aplicativo Lewin (BARBOSA et al., 2015). A
Fig. 31 apresenta as matrizes dodecafônicas para as duas séries.
Fig. 31
Partindo das Séries 1 e 2, respectivamente, foram criadas, pelo
professor, duas linhas melódicas: uma para a flauta e outra para o oboé. Na
linha da flauta, as alturas e os pontos de ataque foram fornecidos pelas formas
P7 e I4 da Série 1 (Fig. 33). Na linha do oboé, as alturas
e as durações foram fornecidas pelas formas P3 e I10 da Série 2. A figura de referência
foi a semicolcheia, que equivale ao valor 0 (Tabela 14).
x |
0 |
xxxxxxx |
6 |
xx |
1 |
xxxxxxxx |
7 |
xxx |
2 |
xxxxxxxxx |
8 |
xxxx |
3 |
xxxxxxxxxx |
9 |
xxxxx |
4 |
xxxxxxxxxxx |
10 |
xxxxxx |
5 |
xxxxxxxxxxxx |
11 |
Tabela 14
Os demais instrumentos deveriam utilizar livremente formas de
ambas as séries que pudessem produzir combinatoriedade:
Série 1: P4 (clarinete) e I1 (trompa), para o primeiro
agregado; Série 2: P11 (trompa) e I6 (fagote) para o
segundo agregado; Série 1: I2 (clarinete) e P5 (trompa)
para o terceiro agregado; Série 1: P4 (trompa) e I1
(fagote) para o quarto agregado; e, finalmente, Série 2: P11
(clarinete) e I6 (trompa) para o quinto agregado. A Série 2 foi
também submetida a um procedimento de rotação stravinskyana,
gerando material utilizado na coda (Tabela
15).
Hexacorde α |
Rotações do Hexacorde β |
Hexacorde β transpostos |
||||||||||||||||
3 |
2 |
9 |
0 |
7 |
5 |
8 |
10 |
11 |
4 |
6 |
1 |
β1 |
8 |
10 |
11 |
4 |
6 |
1 |
10 |
11 |
4 |
6 |
1 |
8 |
β2 |
8 |
9 |
2 |
4 |
11 |
6 |
||||||
11 |
4 |
6 |
1 |
8 |
10 |
β3 |
8 |
1 |
3 |
10 |
5 |
7 |
||||||
4 |
6 |
1 |
8 |
10 |
11 |
β4 |
8 |
10 |
5 |
0 |
2 |
3 |
||||||
6 |
1 |
8 |
10 |
11 |
4 |
β5 |
8 |
3 |
10 |
0 |
1 |
6 |
||||||
1 |
8 |
10 |
11 |
4 |
6 |
β6 |
8 |
3 |
5 |
6 |
11 |
1 |
Tabela 15
Os materiais utilizados em um trecho central, livremente
posicionado, foram obtidos pela multiplicação bouleziana48
do primeiro hexacorde pelo tricorde inicial da forma
P7 da Série 1. O diagrama da Fig. 32 representa
o planejamento gráfico do Fragmento 6. Nesse plano observam-se as linhas da flauta
e do oboé, produzidas pela aplicação das Séries 1 e 2. Observam-se também os
agregados produzidos nos demais instrumentos, pelo uso de formas das Séries 1 e
2 que apresentam combinatoriedade. Uma seção central
produzida por multiplicação bouleziana foi inserida
logo após o segundo agregado gerado pela Série 1. Essa multiplicação foi
efetivada entre o primeiro tricorde e o primeiro hexacorde
da forma P7 da Série 1. O resultado da multiplicação (Tabela
16) é coincidentemente o 7º Modo de Messiaen. Uma
coda final, cujo material provém dos hexacordes alfa e beta (1—6) de uma rotação stravinskyana na Série 2, encerrou o fragmento, cujos
primeiros compassos são mostrados na Fig. 34.
Tricorde |
Hexacorde |
||||||||||||||||
7 |
0 |
2 |
7 |
0 |
2 |
1 |
6 |
8 |
|||||||||
7 |
0 |
2 |
0 |
5 |
7 |
2 |
7 |
9 |
1 |
6 |
8 |
6 |
11 |
1 |
8 |
1 |
3 |
0 |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
8 |
8 |
9 |
11 |
Tabela 16
Fig. 32
Fig. 33
Fig. 34
As premissas pedagógicas vivenciadas na construção do Fragmento
6 foram: 1) experimentação com novos materiais – uma aplicação do serialismo ao
ritmo, a multiplicação bouleziana, as matrizes stravinskyanas, a combinatoriedade
e derivação seriais etc.; 2) conceito expandido de ideia musical – a extensiva
manipulação numérica pré-composicional; e 3) o
planejamento composicional como base metodológica. Na próxima seção, serão
examinadas as possibilidades de concatenação dos seis fragmentos com o objetivo
de gerar uma obra de maior porte.
5. Concatenação dos fragmentos
Compostos os seis fragmentos, a tarefa seguinte consistiu,
primeiramente, em refletir sobre as seguintes questões fundamentais: 1) qual a
melhor ordem de concatenação desses fragmentos? 2) Que procedimentos (dentre
aqueles propostos na seção 3 deste trabalho) poderiam proporcionar coesão entre
fragmentos díspares? 3) Seria necessário construir seções subsidiárias
transicionais para ajustar macro-harmonia, textura,
continuidade melódica etc.? 4) Seria necessário ajustar os andamentos ou
construir modulações métricas? 5) A obra final teria quantos movimentos? 6)
Algum fragmento mereceria ser reexposto de maneira variada? 7) Algum fragmento
deveria ser excluído? 8) Um novo fragmento precisaria ser composto?
Na tentativa de considerar essas questões, foi feito um
levantamento de características para cada fragmento (Tabela 17),
em termos objetivos (duração, andamento e métrica) e subjetivos (caráter, conclusividade, associações extramusicais, estilo etc.).
Partindo das características expostas nessa tabela, diversas concatenações
foram experimentadas, e chegou-se a uma versão na qual os Fragmentos 1, 3 e 5
formam um movimento inicial lento do quinteto Brazilian
Landscapes No.22, de Liduino
Pitombeira.[49] Os andamentos desses fragmentos
(respectivamente 60, 60 e 72) foram ajustados para 66 (média aritmética). A
sequência que melhor se apresentou em termos de sonoridade, proporção e
variedade textural foi 5 — 3 — 5’—1, na qual o 5’ é
variação de 5 em termos de: 1) duplicação livre de linhas instrumentais, com
impacto na densidade textural; 2) ampliação do trecho
em cor cinza escura (c. 15), o qual funciona como uma transição (c. 5052) para
o Fragmento 1; e 3) transposição (T6) do trecho em cinza claro (Fragmento
5: c. 10-15 e Fragmento 5’: c. 45-49), que antecede a seção transicional
mencionada no item 2.
Três outros fatores contribuíram para conferir coesão entre os
fragmentos: 1) uma entrada canônica interrompida no Fragmento 5 (c. 14)
reaparece em outro contexto harmônico no final do Fragmento 3 (c. 31-34)[50]; 2) o legato, com que o Fragmento 5 finaliza, em
todos os instrumentos com exceção do fagote (c. 17-18), predomina em todo o
Fragmento 3;[51]3) um ostinato
que predomina na primeira metade no Fragmento 1 (c. 53-59) é antecipado no
final do Fragmento 5’ (c. 52), propiciando uma transição suave entre os dois
fragmentos[52]. Desta forma, mesmo que a
justaposição pudesse ter sido suficiente para concatenar de maneira coesa os
fragmentos 1, 3 e 5, optou-se pela utilização de alguns recursos oriundos da
mesclagem, para ampliar o grau de coesão. O esquema de concatenação desses
fragmentos é mostrado na Fig. 35.
Em seguida, foram realizados experimentos com os Fragmentos 2, 4
e 6, os quais se concatenariam para formar o segundo movimento, em andamento
rápido. Esses fragmentos mantiveram seus andamentos originais, mas entre os
Fragmentos 2 e 6 inseriu-se uma seção transicional construída pela utilização
de um trecho da flauta do Fragmento 6 em um contexto textural
e harmônico diferente: ataques homorrítmicos curtos
com tétrades tipicamente tonais (acordes de sétima) em Mi bemol maior. Desta
forma, foram utilizados os procedimentos de justaposição, transição e
mesclagem. A ordem de concatenação é 2—6—4 (Fig. 36). O
final lento já incorporado ao Fragmento 6 funcionou como um intermezzo
meditativo para preparar as entradas canônicas do Fragmento 4.
Fragmento |
Caract. Objetivas |
Caract. Subjetivas |
|
1 |
Duração |
00:40 |
Lento |
Andamento |
±↑60 |
‘Tonal’ |
|
Métrica |
4/4 |
Ostinato/Polifonia |
|
Final conclusivo
(Mi≈) |
|||
2 |
Duração |
0030 |
Rápido |
Andamento |
±112 |
Scherzando |
|
Métrica |
4/4 |
Quartal |
|
Virtuosístico |
|||
3 |
Duração |
00:50 |
Lento |
Andamento |
±.↑60 |
Impressionista |
|
Métrica |
9/8 |
Noturno |
|
Misterioso |
|||
‘Twilight
Zone’ |
|||
Final interrogativo |
|||
4 |
Duração |
00:40 |
Rápido |
Andamento |
±↑120 |
ABA’ |
|
Métrica |
7/8 |
Tutti forte |
|
Final virtuosístico |
|||
Final marcante e
conclusivo |
|||
5 |
Duração |
01:10 |
Lento |
Andamento |
±↑72 |
Misterioso/Solitário
|
|
Métrica |
4/4 |
Trecho central tonal
|
|
Final interrogativo |
|||
6 |
Duração |
00:00 |
Rápido |
Andamento |
±↑78 |
Borbulhante |
|
Métrica |
3/4 |
Parte central
forte/confusão |
|
Final lento,
meditativo |
Tabela 17
Fig.
35
Fig. 36
Depois de serem realizados pelo professor o planejamento, a
composição e a concatenação desses seis fragmentos independentes, durante doze
aulas de duas horas cada (nas quais também foram introduzidos os conceitos
teóricos), cada um dos cinco alunos realizou seu próprio trabalho, com
acompanhamento pedagógico, no formato de tutorial. Cada aluno teve três aulas
tutoriais (num total de 15 aulas), e três aulas adicionais foram utilizadas
para ajustes de editoração e preparação das partes[53].
Durante as preparações das obras para execução, alguns ajustes de articulação,
dinâmica e enarmonias foram sugeridos pelos músicos.
6. Considerações finais
Neste trabalho, foram planejados e compostos em sala de aula,
com a ativa participação de alunos de composição, seis fragmentos
independentes, para quinteto de sopros, cada um partindo de um diferente
referencial teórico associado à Teoria de Conjuntos de Classes de Alturas e
apoiando-se em premissas pedagógicas propostas pelo autor. Os fragmentos foram
então concatenados pela utilização de procedimentos originais aqui sugeridos,
produzindo, ao final, uma obra em dois movimentos para quinteto de sopros.
Observando-se o experimento realizado e os resultados satisfatórios
das obras produzidas pelos alunos, considera-se que a concatenação de
fragmentos independentes pode se revelar como uma ferramenta pedagógica útil
para o ensino da composição, uma vez que permite ao aluno manipular projetos
composicionais de pequeno porte e produzir, ao final, uma obra de médio porte
pela mesclagem de trechos, estabelecendo marcos de similaridade e, portanto, de
coesão musical.
Referências
ADORNO, Theodor. Music, Language, and Composition. Trad. Susan Gillespie. The Musical Quarterly, v. 77, n. 3, p. 401-414, 1993.
ANAGNOSTOPOULOU, Christina. Lexical cohesion
in linguistic and musical discourse. In: ESCOM, 3.,1997. Proc. […]. [S. l.: s. n.], 1997. p. 655-660.
BARBOSA, Hildegard; SANTOS, Raphael
Sousa; PITOMBEIRA, Liduino. Lewin: desenvolvimento de
uma calculadora de classes de altura com funções analíticas e composicionais. In: Congresso da ANPPOM, 25., 2015. Anais...
2015, p. 1-8.
BOULEZ, P. A música hoje. São Paulo:
Perspectiva, 1972.
BROWN, Gillian; YULE, Geroge. Discourse Analysis. Cambridge: Cambridge University
Press, 1983.
DE BEAUGRANDE, Robert; DRESSLER, Wolfgang. Introduction to Text Linguistics.
London: Longman, 1981.
EMMERSON, Simon. Composing Strategies and Pedagogy. Contemporary Music Review, v. 3, p. 133-144, 1989.
FORTE, Allen. The Structure
of Atonal Music. New Haven: Yale Univ. Press,
1973.
FERREIRA, Esdras Sarmento; SANTOS, Raphael Sousa; LIMA, Flávio
Fernandes de; CARVALHO, Hugo Tremonte de; PITOMBEIRA,
Liduino. Sistema Composicional Intermarkoviano.
Revista Vórtex, Curitiba,
v. 8, n. 2, p. 1-46, 2020.
HARRIS, Simon. A proposed
classification of chords in early twentieth-century music.
New York: Garland, 1989.
GOLDMAN, Jonathan. The Musical Language of Pierre Boulez:
Writings and Compositions. New York: Cambridge Univ. Press, 2011.
HALLIDAY, Michael; HASAN, Ruqaiya. Cohesion
in English. London: Longman,
1976.
HEINEMANN, Stephen. Pitch-class Set Multiplication in Theory and Practice. Music Theory Spectrum, v. 20,
n. 1, p. 72-96, 1998.
HINDEMITH, Paul. The Craft
of Musical Composition.
New York: Schott, 1970.
KOHS, Ellis. Musical Form:
Studies in Analysis and Synthesis. Boston: Houghton Mifflin Company, 1976.
KOSTKA, Stefan. Materials and Techniques
of Twentieth-Century Music.
3. ed. Upple Saddle River,
New Jersey: Prentice Hall, 2006.
KOBLYAKOV, Lev. Pierre Boulez: a
World of Harmony. New York: Harwood,
1990.
KRISTEVA, Julia. A História da Linguagem.
Lisboa: Edições 70, 1969.
LACHENMANN, Helmut. Vier Grundbestimmungen
des Musikhörens [1979]. In: LACHENMANN, Helmut. Musik als
existentielle Erfahrung:
Schriften 1966-1995. Wiesbaden: [s. n.], 1996. p. 54-62.
MAIA, Lucas Simões. Formalismos da
composição algorítmica: um experimento com canções folclóricas
brasileiras. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica) – Programa de
Engenharia Elétrica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2016.
MEDEIROS, Rubem; SANTOS, Raphael Sousa; PITOMBEIRA, Liduino. Modelagem Sistêmica baseada em Cadeias de Markov. In: Congresso da
ANPPOM, 21, 2011. Anais... 2011, p. 1879-1885,
2011.
MENEZES, Flo. Apoteose
de Schoenberg. São Paulo: Ateliê Editorial,
2002.
MESQUITA, Gabriel. A acústica da influência:
uma recomposição da intertextualidade na música. Dissertação (Mestrado em Música)
– Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2018.
OJALA, Juha. Space
in Musical Semiosis: An
Abductive Theory of the Musical Composition Process. Helsinki: Hakapaino, 2009.
PACCIONE, Paul. Chromatic Completion: Its Significance in
Tonal and Atonal Contexts. College
Music Symposium, v. 28, p. 85-93, 1988.
PITOMBEIRA, Liduino. Compositional Systems: Overview and
Application. MusMat:
Brazilian Journal of Music and Mathematics,
v. 4, n. 1, p. 39-62, 2020.
PITOMBEIRA, Liduino. Compositionality as Creative Identity Building. Musica Theorica, v. 4, n. 2,
p.113-133, 2019.
PITOMBEIRA, Liduino. A Systemic Model for Debussy’s Prelude n. 1. MusMat: Brazilian
Journal of Music and Mathematics, v. 2, n. 2, p.
37-56, 2018.
PITOMBEIRA, Liduino. Diálogos entre a
Musicologia e a Composição à luz de três modelos composicionais. In: VOLPE,
Maria Alice. (Org.). Teoria, Crítica e Música na
Atualidade. Série Simpósio Internacional de Musicologia. Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Escola de Música/PPGM, v. 2, p.
261-272, 2012.
SAMPAIO, Marco da Silva. A Teoria de
Relações de Contornos Musicais: inconsistências, soluções e ferramentas.
Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2012.
SOUZA, Rodolfo Coelho de. Sintaxe e parataxe na música moderna e
pós-moderna. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 73-91,
dez. 2007.
STRAUS, J. Introdução à Teoria Pós-Tonal.
Trad. Ricardo Bordini. Salvador: EDUFBA, 2013.
SOUSA, Daniel; OLIVEIRA, Helder; PIRES, Leandro; PADRÃO, Lucas;
RIBEIRO, Roberto; TRINDADE, Vilane; PITOMBEIRA, Liduino. Perfis composicionais como base metodológica para
a modelagem do Prelúdio n.2 de Santoro. Revista Vórtex, v. 9, p. 1-52, 2021.
TYMOCZKO, Dmitri. A Geometry of Music: Harmony and Counterpoint in the Extended Common Practice. Oxford:
Oxford University Press, 2011.
WANG, Yuan; GUO, Ming. A Short Analysis
of Discourse Coherence. Journal of Language
Teaching and Research, v. 5, n. 2, p. 460-465, 2014.
Apêndice: partitura do quinteto de sopros Brazilian
Landscapes No.22 de Liduino
Pitombeira
Notas
2 Os conceitos básicos
da Teoria dos Conjuntos de Classes de Alturas não serão definidos neste
trabalho, por serem já de uso corrente na academia brasileira. Para um maior
detalhamento, sugerimos ao leitor consultar o próprio texto de Straus (2013) com
tradução para o português de Ricardo Bordini.
3 Outras metodologias
de classificação, como a de Paul Hindemith (1947) e a de Simon Harris (1989), não nos permitem
associar diretamente a nomenclatura com a sonoridade.
4 O termo concatenação
se inspira na operação computacional de união de caracteres para formar uma string. Aqui, fragmentos serão unidos um ao lado do outro.
5 Original: “[…] Komponieren nicht nur nicht ‘zusammensetzen’,
sondern schon eher ‘auseinandernehmen’ […]”.
6 Para um maior aprofundamento
sobre o conceito de parâmetro abstrato, ver Pitombeira
(2018).
7 A metodologia do
planejamento composicional, segundo a perspectiva do autor deste trabalho, é
demonstrada detalhadamente em Sousa (2021).
8 Outras metas podem
incluir o domínio de técnicas específicas por razões artísticas pessoais, a
criação de um portfólio robusto, uma socialização com instrumentistas
possibilitada pela convivência acadêmica com o objetivo de viabilizar a
execução de suas obras etc.
9 Uma discussão
pormenorizada de tais princípios, com conceitualizações e definições, será
objeto de outro texto. Aqui, busca-se aplicá-los de maneira transparente no
contexto do planejamento composicional, enfatizando um ou outro ponto, quando
se fizer necessário.
10 Pensa-se aqui, por
exemplo, na técnica da rotação hexacordal.
11 Parece haver uma
tendência a se considerar a “composição com sons”, isto é, a abordagem que
pensa no timbre e na harmonia como estruturas únicas (espectralismo),
como esteticamente superior à “composição com notas”, a qual se concentra nas
relações entre alturas. Obviamente, o valor estético de uma obra de arte está
além dessa dicotomia, e o aluno deve ser exposto às duas visões. Essa exposição
não pode ser apenas teórica ou contemplativa, mas deve ser vivenciada em termos
de construção.
12 Na abordagem top-down, parte-se de uma estrutura que é gradualmente
preenchida com materiais. Aqui, forma e conteúdo se diferenciam. Na bottom-up, parte-se do micro em direção ao macro, e a forma
brota naturalmente dos materiais. Nessa perspectiva forma e conteúdo são um
único fenômeno. A visão de vanguarda parece considerar essa segunda categoria
superior à primeira, especialmente graças aos
ensinamentos e à prática composicional de Pierre Boulez. Veja-se, por exemplo, Goldman (2011, p.1): “Pierre Boulez, o
mais rigoroso dos pensadores musicais, só aceitaria uma forma que satisfizesse
as condições de coerência no sentido mais estrito: aquela em que os menores
detalhes microscópicos se refletissem na macroforma”.
Original: “Pierre Boulez, the most
rigorous of musical thinkers, would only accept a form
which satisfies the conditions of coherence in the strictest sense:
one in which the smallest microscopic
details are reflected in the macroform”.
13 Argumento de uma
autoridade.
14 Para um quadro
teórico sobre intertextualidade, ver Mesquita
(2018).
15 Uma atividade pré-composicional ainda mais profunda diz respeito à
elaboração de um sistema composicional. Mais informações sobre esse conceito
podem ser encontradas em Pitombeira (2020).
16 Sobre diferentes
perspectivas composicionais, ver Pitombeira
(2012).
17 Por razões de espaço
e objetividade metodológica, os fragmentos compostos pelos seis alunos não
serão incluídos aqui. Esses fragmentos resultaram nas seguintes obras: 1) Frankenstraus, de Gabriel Barbosa; 2) Azatoth,
o Deus Cego e Idiota, de Gustavo Delgado Rolim; 3) Duna, de Leonardo Sotero; 4) O Carnaval Interrompe o Concerto, NG 8, de Paulo
Richard Ramos; 5) O Navio de Teseu, de Victor Lima; e 6) Vozes na Amazônia, de
Vinícius Braga.
18 O vídeo da estreia
está disponível no link: https://youtu.be/BDQLlXaZt2U.
19 “A text is a passage
of discourse which is coherent
in these two regards: it is coherent with respect
to the context
of situation, and therefore consistent
in register; and it is coherent with
respect to itself, and therefore
cohesive”. (HALLIDAY;
HASAN, 1976, p.23).
20 Diversos autores têm
discutido a questão da similaridade (ou dissimilaridade) entre música e
linguagem verbal, entre eles Adorno (1993) e
Kristeva (1969). Essa discussão, no
entanto, extrapola os objetivos deste trabalho.
21 Original: “form is achieved
in the arts through the organization
of intelligible units in accordance with a least provisionally
accepted rules of repetition, contrast, and variation”.
22 A lista de
procedimentos aqui originalmente propostos não pretende ser exaustiva; pelo
contrário, busca encorajar a proposição de outros procedimentos semelhantes.
23 Uma abordagem que
trata cada parte de uma peça como um fim em si mesmo, sem qualquer relação
intencional com o que a precede ou segue. Original: “an
approach that treats every portion of
a piece as an end in itself. without any intentional
relationship to what precedes or follows it”.
24 Rodolfo Coelho de Souza (2007) examina a
justaposição na perspectiva dos graus de conexões sintáticas (parataxe, hipotaxe e sintaxe).
25 Há também uma
estrutura quase palindrômica em termos de classes
intervalares: 1,3,3,1,1.
26 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/HDT_rwIauSs.
27 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/ZuXbWbi4694.
28 A anacruse original
será contada como compasso de 2/4 em virtude de a transição incorporar essa
métrica intermediária.
29 O trecho superior
(andamento do fragmento de Schoenberg) mostra que a
divisão da semibreve em quiálteras de mínimas produz uma figura com andamento
114, que é muito próxima da semicolcheia do fragmento de Webern
(112). Desta forma, é necessário utilizar as quiálteras de mínimas no início de
transição, realizar a equivalência com semicolcheias e, por fim, utilizar
figuras rítmicas de maior valor para adentrar no fragmento de Webern de maneira suave.
30 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/4vbuAQVQKRk.
31 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/VfmWK9cXS9w.
32 A mesclagem pode ser
efetivada manualmente ou por algum tipo de algoritmo computacional utilizando
cadeias de Markov, por exemplo. Para um maior
detalhamento sobre o uso de cadeias de Markov na
composição musical, ver Maia (2016), Medeiros et al. (2011) e Ferreira et al. (2020).
33 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/OPIKAPV_t8E.
34 A simulação
computacional do trecho pode ser ouvida no link: https://youtu.be/m-bSzq60dfc.
35 Original: “It doesn’t matter why I combined these sounds: Do they sound right
together?” (EMMERSON,
1989, p.136)
36 Original: “Objects that pass
the test are stored, and actions
that have produced the successful
objects are reinforced and collected into
action repertoire. In contrast, actions that produce failing
objects are either modified and tried
again, or rejected altogether in favor of new actions”.
37 Neste trabalho, o Dó
central do piano é o Dó4.
38 Como se mencionou na
Introdução deste trabalho, a fase da aplicação só se faz necessária nos casos
em que os parâmetros são abstratos, o que ocorre quando se utilizam classes de
alturas.
39 Nessa tabela,
transpõem-se as alturas pelos intervalos localizados diagonalmente a elas. Por
exemplo, o Mi5 transposto um semitom abaixo (-1) produz o Ré 5. A tabela foi
organizada com uma quebra de linha a cada sete alturas, por questão de espaço.
40 A macro-harmonia
é um conceito proposto por Tymoczko (2011, p.4) “para se referir à coleção total
de notas ouvidas em intervalos moderados de tempo musical”. Original: “to refer to
the total collection of notes heard over moderate spans of musical time”.
41 Tendência à
completude do espaço cromático. Segundo Paccione (1988), o movimento em direção a uma saturação
cromática tem uma função cadencial. O autor observa
esse recurso já no sistema tonal, em obras de Mozart, Chopin e Wagner.
42 Sobre gestos
residuais como finalização de estruturas saturadas parametricamente, ver Pitombeira (2019).
43 Neste trabalho, classes
de conjuntos são identificadas por sua forma prima. Em algumas situações, a
forma prima pode ser indicada entre colchetes para diferenciá-la da forma
normal, a qual é indicada entre parênteses. Contornos são indicados entre chevrons, por exemplo <0312>. Para a realização do
sorteio, foi utilizado esse simples programa em Python:
from random import
*
classes =
[‘012’,’013’,’014’,’015’,’016’,’024’,’025’,’026’,’027’,’036’,’037’,’048’]
conjunto = sample(classes,2)
print(conjunto)
44 Similarmente à escolha
das classes de conjuntos do Fragmento 2 (ver nota de rodapé 43),
esse contorno foi escolhido por sorteio utilizando o seguinte programa em
Python:
from random import
*
pontos = [0,1,2,3]
contorno = sample(pontos,4)
print(contorno)
45 Para um maior
detalhamento sobre as operações de contorno, ver Sampaio (2012).
46 Essas classes
intervalares foram escolhidas por integrarem o arquétipo weberniano de primeiro
tipo (MENEZES, 2002, p.115),
homenageando, portanto, um dos membros da Segunda Escola de Viena.
47 Para a construção
dessa matriz utilizou-se o programa Twelve-tone
Matrix Calculator, disponível em: https://jameswalkermathmusic.net/mathematicsandmusic/Nav/MusicalMatrixCalculator/MatrixCalc.html.
48 Heinemann (1998)
define três tipos de multiplicação entre conjuntos de classes de alturas. O
tipo que utilizamos aqui é chamado Simples e é mencionado por Boulez (1981,
p.79). Nesse tipo, o multiplicando (o tricorde, em nosso caso) confere o padrão
intervalar que será replicado em cada classe de alturas do multiplicador (o hexacorde). Uma mudança no primeiro elemento, por
reordenação do conjunto, altera o resultado. O segundo tipo, também citado na
mesma obra por Boulez (1981, p.38), é
chamado de Composta e consiste em transpor o resultado de uma multiplicação
simples por um fator igual ao intervalo entre a primeira classe de alturas do
multiplicando e a primeira classe de alturas do multiplicador. O último tipo,
denominado Complexo, foi utilizado por Boulez em Le Marteau
e consiste em transpor o resultado de uma multiplicação Simples por um
intervalo entre uma constante predeterminada e a primeira classe de alturas do
multiplicando. O tipo Complexo é estudado detalhadamente por Koblyakov (1990).
49 A partitura completa
da obra está no Apêndice deste artigo. O vídeo da estreia está no link: https://youtu.be/Ie4f-QK1gvE.
50 Na Fig. 35, esse
recurso é indicado com o termo canon.
51 Na Fig.
21, esse recurso é indicado como leg.
52 Na
Fig. 21, essa figuração rítmica é indicada como ost.
53 Embora a dimensão
deste artigo seja um impeditivo para que se realize o relato dos experimentos
discentes, o autor está certo de que o detalhamento dado ao texto deixa
bastante claro como essa metodologia pode ser aplicada pedagogicamente.
Autor notes
1 Liduino
Pitombeira é professor de composição na Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e integra o grupo de pesquisa MusMat
(PPGM-UFRJ). Suas obras têm sido executadas por diversos grupos no Brasil e no
exterior, entre eles o Quinteto de Sopros da Filarmônica de Berlim e a
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Pitombeira tem Doutorado em
Composição e Teoria pela Louisiana State University (EUA). Tem diversos artigos publicados em
revistas e anais de congressos no Brasil.