Dossiê

Pesquisa artística no Brasil: mapas, caminhos e trajetos

Artistic research in Brazil: Maps, paths and tracks

Bibiana Bragagnolo 1

Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, Brasil

Leonardo P. Sanchez 2

Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Brasil

 

Revista Orfeu

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2525-5304

Periodicidade: Semestral

vol. 7, núm. 2, 2022

revistaorfeu@gmail.com

Recepção: 12 Outubro 2021

Aprovação: 27 Janeiro 2022

 

Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de um mapeamento da produção acadêmica de Pesquisa Artística em música entre os anos de 2010 e 2020. Para tal, foram estabelecidos como locais de busca os anais dos congressos da ANPPOM, SIMPOM e ABRAPEM e os periódicos Música Hodie, Per Musi, Opus e Vórtex. Ao fim do levantamento foram encontrados 45 artigos que atendiam aos critérios estabelecidos. Essa produção é apresentada e analisada neste artigo a partir de sua natureza e locais de publicação, do referencial teórico utilizado e da análise das palavras-chave. A partir destes três elementos pudemos compreender algumas peculiaridades da Pesquisa Artística em música no Brasil e relacioná-la com a produção fora do país, apresentando-a enquanto termo polissêmico e elencando alguns possíveis caminhos.

Palavras-chave: Pesquisa Artística, Mapeamento, Produção acadêmica brasileira.

Abstract: This paper presents the results of a mapping of the Artistic Research’s academic production in music between 2010 and 2020. For this, we stablish as search places the proceedings of ANPPOM, SIMPOM and ABRAPEM conferences and the journals Música Hodie, Per Musi, Opus and Vórtex. At the end of this search, we found 45 papers that attended the stablished criteria. This production is presented and analyzed in this paper from its nature and places of publication, from the theoretical basis used and from the analysis of its keywords. Based on these three elements we could comprehend some peculiarities of music Artistic Research in Brazil and relate it with the production outside the country, presenting Artistic Research as a polysemic term and listing come possible paths.

Keywords: Artistic Research, Mapping, Brazilian academic production.

Caminhos dos entendimentos acerca da P(p)esquisa A(a)rtística

“When something seems ‘the most obvious thing

in the world’ it means that any attempt to

understand the world has been given up” (Brecht, 1964, p. 217).

O termo pesquisa artística transita entre entendimentos que nos fazem intuir que todo fazer artístico também se subentende em um trabalho de pesquisa. O fazer artístico por si só significa explorar as corporificações, os conhecimentos situados, as diversas formas de fazer ou pensar arte. Neste entendimento, a pesquisa artística subscreve os gestos que antecedem e acompanham todas as etapas do processo do fazer artístico. Aproxima-se da notada necessidade do/da artista em conhecer algo pelo propósito de natureza geral e de mover-se de forma “indefinida”, mas repleto de tendências, ao lento clarear do gesto criador. Segundo Salles (2004, p. 37), ao apresentar sua noção de projeto poético, “são gostos e crenças que regem o seu modo de ação: um projeto pessoal, singular e único”.

A pesquisa artística também se materializa num projeto repleto de fios condutores relacionados à princípios, à singularidades e às diversas conexões humanas e não humanas. Assim, a noção de pesquisa artística confunde-se com o movimento intencional ou não do/da artista, na busca de se consolidar o gesto criador. Como referido, é a ação exploratória que antecede e acompanha todo o fazer artístico de forma geral.

Entretanto, quando nos referimos à Pesquisa Artística (PA)[3] nos direcionamos a uma modalidade de pesquisa acadêmica na qual as figuras do/da pesquisador/a e do/da artista se juntam no/a pesquisador/a artista, que atua como pesquisador/a sem deixar de lado sua atividade como artista. Neste gênero de pesquisa, o/a artista, seja ele/ela compositor/a ou performer (no caso da música), atua como pesquisador, no sentido tradicional da palavra, sem abrir mão de seu papel de artista. Ao mesmo tempo em que ele/ela observa, é observado/a por si mesmo, de modo que “o artista investiga suas próprias práticas, materiais e fontes a fim de encontrar novas significações e composições” (COESSENS et al., 2009, p. 24). Isso significa que um duplo papel é atribuído a um mesmo indivíduo, de modo a gerar um processo autorreflexivo, que é intransferível e pessoal. Neste sentido, a noção de Pesquisa Artística é algo que desafia a percepção acostumada a definir pesquisa pelos resultados que podem ser confiantemente transferidos para outros contextos (COESSENS et al., 2009, p. 14). Assim, “a pesquisa artística envolve uma desterritorialização da cultura de pesquisa em artes que é atualmente dominada por abordagens científicas e epistêmicas” (COESSENS et al., 2009, p. 99). Segundo Duby e Baker (2017), a PA é fruto da aproximação do/da artista ao meio acadêmico e da reterritorialização (DELEUZE; GUATTARI, 1995) de suas práticas incorporadas, tácitas e no caso da música mormente sonoras, às práticas acadêmicas de símbolos mnemônicos, como escrita e notação textual, e outras linguagens e convenções específicas do meio. Borgdorff nos lembra que:

A prática artística pode ser qualificada como pesquisa caso o seu propósito seja aumentar nosso conhecimento e compreensão, levando adiante uma pesquisa original em e através de objetos artísticos e processos criativos. A pesquisa em arte inicia fazendo perguntas pertinentes ao contexto da pesquisa e ao mundo da arte. Os pesquisadores adotam métodos experimentais e hermenêuticos que mostram e articulam o conhecimento tácito que está localizado e encarnado em obras e processos artísticos específicos. Os processos e os resultados da investigação são documentados e divulgados de maneira apropriada para a comunidade acadêmica e o público mais amplo (BORGDORFF, 2012, p. 53).

Num entendimento similar, Kahr (2021) nos diz que as instituições de pesquisa começaram a incorporar o potencial criativo e epistêmico da Pesquisa Artística impulsionados pelo interesse genuíno em novos conhecimentos e novas obras de arte. Esta perspectiva se distingue por múltiplas conexões entre a prática artística, abordagens sistemáticas acadêmicas/ científicas e novos formatos discursivos. Neste mesmo entendimento, Duby e Baker (2017) defendem que a Pesquisa Artística traz para o tronco[4] conservador da produção científica a possibilidade de redesenhar e dirimir a falsa impressão de hierarquia na produção e reflexão de conhecimento na qual coloca as artes e as humanidades como segundo escalão ou menor em relação às “ciências duras”.

Esta mudança de perspectiva proposta pela PA não visa de modo algum uma substituição da ciência pela arte, “mas sim o reconhecimento de uma relação essencial entre estas duas diferentes maneiras de nos posicionarmos no mundo – a primeira com metas orientadas, focada em identificar e resolver problemas baseada no método dedutivo, e a outra concernindo questões, imagens e experiências através de meios indutivos que levam em consideração o individual na sociedade” (COESSENS et al., 2009, p. 72). Além disso, a PA vem auxiliar metodologicamente no processo de inserção da voz do/da artista nos processos reflexivos e no contexto da pesquisa em arte. Ao se tratar do porquê da Pesquisa Artística, dois pontos principais emergem: o primeiro diz respeito à lacuna de metodologias próprias das artes, que tratem os fenômenos artísticos em suas especificidades; e o segundo se refere à transferência da responsabilidade da investigação dos processos artísticos para indivíduos que estão eles/elas mesmos/as fora deste processo.

Sobre o primeiro aspecto, métodos emprestados de outras disciplinas são muito frequente e desajeitadamente aplicados à criatividade artística, porém eles falham em criar um insight real, eles reduzem as artes ao que é demonstrável (COESSENS et al., 2009, p. 22). Os problemas estéticos têm sido tratados na pesquisa de um ponto de vista filosófico, contextual ou histórico/analítico, criando novas teorias e explicações. Porém, nenhuma dessas disciplinas olhou a arte a partir do ponto de vista da prática artística – a visão de dentro do processo (COESSENS et al., 2009, p. 44).

Em referência ao segundo ponto, uma questão importante se põe: “Nós devemos ceder aos cientistas a responsabilidade de tentar descobrir as trajetórias ocultas por detrás das manifestações artísticas?” (COESSENS et al., 2009, p. 22). Para muitas comunidades artísticas e instituições de pesquisa, a ideia da arte sendo explicada sem artistas, um tipo de melofobia que sustenta trabalhos de “música sem músicos” ou mesmo sem música permanece fortemente problemática. Se a arte possui e produz modos específicos e pertinentes de fazer pesquisa, como mais ganharíamos acesso à experiência da criação artística senão através dos próprios artistas?

O estudo acadêmico da arte negligenciou o singular e idiossincrático em favor do suposto universal. Ele lidou não com o implícito, não discursivo, mas com o explícito e discursivo, não com o empírico (experiencial), mas com as pretensões metodológicas. Suas práticas, linguagens e discursos parecem para nós, pesquisadores artistas, inutilmente diferente da arte em si. São essas disciplinas e arte que elas analisam realmente parte do mesmo mundo? (COESSENS et al., 2009, p 45).

Para López-Cano, no âmbito musical, a PA resulta da relação dialética criada entre três problemas fundamentais. O primeiro refere-se à constante discussão de inserção e reposicionamento das artes no contexto das instituições de ensino e pesquisa superiores e a necessária adaptabilidade de suas peculiaridades às exigências acadêmico-administrativas dos centros de ensino. O problema seguinte, consiste na percepção de crise da música erudita ocidental, que se dá devido “(..) à crise de representatividade como um dos pilares da cultura ocidental; (...) estagnação num repertório canônico e fechado; seus obsoletos rituais performáticos ancorados numa cultura pré-digital e pré-audiovisual (...)”. Por fim, o autor coloca a inclusão e a academização da música popular nos programas de formação superior (LÓPEZ-CANO, 2015, p. 70).

Ainda no meio acadêmico especializado em música, segundo Coessens et al. (2009) e Assis (2018), até pouco tempo atrás as pesquisas em performance musical ou práticas interpretativas, como é denominada em muitos programas de pós-graduação no Brasil também estiveram subjugadas e intimamente ligadas a outras áreas da música e a outras disciplinas. Bragagnolo (2021) argumenta que, dentro da linha de pesquisa das práticas interpretativas ou performance, as análises interpretativas de obras do repertório canônico, constituindo aquilo que se denominou como performance analiticamente informada, ainda representam grande parte das pesquisas desenvolvidas no Brasil. A autora informa que, mais recentemente, surgiram nesta área trabalhos que contemplam as análises de performances, que abarcam na análise o aspecto processual do fazer musical; as pesquisas sobre processos cognitivos e psicológicos relacionados à performance (sobre memorização ou ansiedade na performance musical, por exemplo); os aspectos pedagógicos do ensino instrumental e da performance musical. Entretanto, apesar de bastante válidos e relevantes para a área, estes tipos de pesquisa não trazem a performance enquanto criação artística para o centro das reflexões, sendo esta sempre um objeto de estudo observado por alguma outra disciplina, o que acaba por manter uma ausência epistemológica e metodológica no que se refere à performance enquanto processo artístico e de criação, restringindo, inclusive, a possível atuação do próprio performer enquanto pesquisador artista.

A Pesquisa Artística, sobretudo fora do país, tem sido fonte de muitos debates e vertentes que buscam compreender preceitos, métodos, fronteiras e características para a área (cf. KAHR, 2021; LÓPEZ-CANO, OPAZO, 2020, 2015 e 2014; CHIANTORE, 2020; CORREIA, DALAGNA, 2020 e 2019; ASSIS, 2018; CORREIA & DALAGNA & BENETTI & MONTEIRO, 2018; DUBY, BAKER, 2017; DOGANTAN-DACK, 2015; BORGDORFF, 2012; COESSENS & DOUGLAS & CRISPIN, 2009; COBUSSEN, 2002). Porém, a maioria dos/as autores/as, apesar de algumas diferenças em nível teórico ou filosófico, entende a PA como uma prática na qual o performer se posiciona de maneira crítica e reflexiva e, a partir dessas inquietações, cria (ou repensa) objetos artísticos e musicais.

Nesta senda, para López-Cano e Opazo (2014, p. 188) a Pesquisa Artística além do produto artístico em si também tem como fruto um texto reflexivo, que pode se relacionar de maneira mais ou menos direta com o produto artístico, podendo esta relação ser entendida em três níveis. No primeiro nível, ou nível de apoio, a produção reflexiva textual é relacionada com o tema principal da pesquisa, porém não tem uma relação direta com as propostas da obra artística desenvolvida. No segundo nível, denominado de complementaridade (LÓPEZ-CANO; OPAZO, 2014, p. 192), existe uma relação mais estreita entre o texto escrito e a prática artística. Neste nível o texto explica, fundamenta e oferece provas ou argumentos sobre o que se realiza no âmbito criativo, de modo que a obra criada ilustra e exemplifica as argumentações, discussões e reflexões trazidas no produto escrito. Por fim, o terceiro nível, de interdependência, ocorre quando a pesquisa realizada e consignada no escrito é a responsável direta pela criação artística expressa na obra, interpretação ou qualquer que seja o produto artístico (LÓPEZCANO; OPAZO, 2014, p. 195). Aqui, as diferentes ações e decisões artísticas são fruto das perguntas, reflexões e metodologias adotadas e explicitadas no escrito. O texto escrito recolhe materiais, experiências e momentos do processo criativo, mas não como uma verbalização anexa à criação, mas como uma parte substancial do processo criativo, uma ferramenta com apoio escrito ou gráfico sem a qual esse resultado artístico não seria o mesmo. Neste sentido, a diferença substancial entre o segundo e o terceiro nível se situa, sem dúvida, na sistematização do estudo e pesquisa, no registro contínuo de dados, experimentos, esboços e provas, assim como a reflexão crítica contínua sobre o realizado e o realizável. O autor refere como Pesquisa Artística

uma atividade acadêmica formal, praticada em instituições de educação artística superior, distinta em propósitos, princípios, métodos e resultados à criação, ensino ou gestão artística e à investigação acadêmica universitária, embora compartilhe elementos comuns. Elas são realizadas por estudantes prestes a concluir seus cursos com o objetivo de avaliar algumas das competências profissionais adquiridas ou professores que desejam realizar contribuições significativas para o desenvolvimento profissional, para além da produção da obra artística (LÓPEZ-CANO, 2015, p. 72).

No entanto, López-Cano (2015) é enfático ao apontar que a PA em interpretação musical, por norma, não gera novos conhecimentos sobre o mundo, mas carrega em si a vocação latente de propor mudanças profundas na cena profissional da música.

Em uma perspectiva mais pragmática, Chiantore (2020), a partir de uma extensa revisão na qual visita e analisa documentos europeus que fundamentam a regulamentação da pesquisa em música dentro da comunidade europeia, cunhou quatro condições de sustentabilidade da PA dentro do marco acadêmico: 1) a Pesquisa Artística é artística na medida em que assenta sua produção de conhecimento nos métodos e processos intrínsecos das práticas artísticas. Segundo o autor, “não se trata assim de investigar sobre a prática nem para a prática, senão de gerar experiências artísticas que não haviam existido sem a investigação realizada” (2020, p. 65); 2) a PA é pesquisa na medida que guarda em seu cerne a produção de conhecimento inédito. Segundo Chiantore “por isso deve se articular em torno de projetos que identifiquem com clareza os elementos de novidade e a contribuição ao conhecimento coletivo” (2020, p. 65); 3) a junção destes dois elementos descritos deve culminar na apresentação de resultados que combinem produção artística e documento reflexivo que contemple os processos, os referenciais teóricos/metodológicos utilizados e todo tipo de informação considerada significativa para compreensão das idiossincrasias dos projetos de pesquisa; 4) ainda que todo o processo de pesquisa/investigação tenha produzido conhecimento com potencial artístico para ser apresentado e divulgado em salas de concerto e/ou gravações, sua validação em um âmbito acadêmico e universitário é insétil do debate entre pares. Segundo o autor, devido a estas características, “deve-se definir, documentar e transmitir nos espaços próprios do mundo acadêmico: congressos, revistas especializadas com revisão por pares, foros especializados e sociedades científicas” (CHIANTORE, 2020, p. 65).

O processo subjetivo da Pesquisa Artística revela a natureza própria das práticas culturais, que é idiossincrática e nunca homogênea (idêntica), mas homóloga (semelhante) e capaz de imitação e hábito, sendo o corpo humano o meio e o portador das ferramentas necessárias para lidar com o mundo social, adicionando e inventando práticas individuais dentro da ampla gama de práticas culturais. Neste entendimento, o eixo central da PA converge para um tipo de pesquisa que busca investigar e iluminar as práticas artísticas e seus conhecimentos inerentes, tendo aqui o ponto de vista do/da artista pesquisador/a como foco. A Pesquisa Artística pode ser definida como o conhecimento advindo do processo de criação e não de seu resultado. É passivo que a PA ofereça um relato das trajetórias nas práticas artísticas, não uma explicação real ou uma previsão de onde ela levará. Nela os resultados não necessariamente tomam a forma de conhecimento transferível que pode ser fielmente aplicado em cada ocasião da mesma maneira. Ao invés, os resultados se apresentam como possibilidades, mais individuais do que generalizáveis (COESSENS et al., 2009, p. 25).

No Brasil, as pesquisas e publicações na área ainda são incipientes. Em pesquisas realizadas informalmente e em discussões em congressos especializados da área, percebemos que há no Brasil; por um lado o desconhecimento sobre o que é a Pesquisa Artística e, por outro, dentre o restrito meio que a pratica, há a coexistência de muitos tipos diferentes de pesquisa (muitas vezes bastante contrastantes) autointituladas como Pesquisa Artística. Assim, em meio a relevância do tema e as lacunas percebidas, foi desenvolvido um projeto de pesquisa de mapeamento da PA no Brasil que tem como objetivos: buscar e analisar a produção brasileira dentro do âmbito da Pesquisa Artística; caracterizar a produção nacional na área; vincular a Pesquisa Artística com outras subáreas da música, como a pedagogia de ensino instrumental; propor metodologias de pesquisa artística para o cenário brasileiro e especialmente fomentar a produção de PA na academia nacional e latino-americana. Para tanto e junto à pesquisa desenvolvida na UFMT e UFPE fundou-se o “Observatório e Laboratório de Pesquisa Artística: performance, criação e cultura contemporânea”. O presente artigo traz os resultados decorrentes das fases de busca, análise e caracterização da produção acadêmica em Pesquisa Artística no Brasil.

Itinerários metodológicos

A primeira etapa deste mapeamento da produção em Pesquisa Artística consistiu na criação de critérios para a sua realização. Neste momento, estabelecemos o período temporal a ser pesquisado (2010 – 2020) e os meios de publicação (anais de eventos e periódicos). Estabeleceu-se o período de tempo de dez anos a partir do ano de 2010 para o mapeamento inicial, compreendendo que com ele possivelmente nos remeteríamos às proximidades do início da Pesquisa Artística no Brasil.

Sobre os locais de publicação, optamos por elencar os principais (em termos de número de participantes) eventos acadêmicos do país que englobassem a área da Performance Musical. Assim, foram selecionados os congressos da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), da ABRAPEM[5] (Associação Brasileira de Performance Musical) e o SIMPOM (Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música). Além destes, foram selecionados também quatro dos periódicos da área de música com Qualis CAPES A1 e A2 e com mais anos de existência, especificamente a Revista Música Hodie, a Revista Opus, a Revista Vórtex e a Revista PerMusi.

Definidos os anos e locais de publicação, optamos pela busca nominal do termo “pesquisa artística”. Assim, foram elencados os artigos nos quais este termo aparecesse no título e/ou nas palavras-chave e/ou no resumo. Através deste critério, buscamos neste mapeamento encontrar os trabalhos que se autointitulam como Pesquisa Artística e que se vinculam diretamente a esta vertente de pesquisa em performance musical e à Pesquisa Artística enquanto conceito. Na sequência foi realizado o levantamento das publicações.

Locais e natureza das publicações

Nesta seção apresentaremos alguns dados de caráter quantitativo e mais geral, que auxiliarão a refletir e compreender a produção encontrada através dos critérios de busca estabelecidos. Neste mapeamento foram encontrados 45 artigos publicados entre 2012 e 2020 nas bases de dados mencionadas acima e contendo o termo “pesquisa artística” no título e/ou resumo e/ou palavras-chave, sendo que nos anos de 2010 e 2011 não foi encontrado nenhum artigo. A tabela abaixo (Tab. 1) traz os 45 trabalhos encontrados, bem como algumas das principais informações sobre os mesmos:

Tabela 1

Artigos encontrados e suas principais informações.

Ano

Título

Autoria

Local de publicação

Instituição

Palavras-chave

2012

O intérprete (re) situado: uma reflexão sobre construção de sentido e técnica na criação de Intervenção para piano expandido, interfaces e imagens: centenário John Cage

Catarina Leite Domenici

Anais da ANPPOM

UFRGS

Performance musical; Improvisação; Construção de sentido; Técnica; Pesquisa Artística.

2012

A voz do performer na música e na pesquisa

Catarina Leite Domenici

Anais do SIMPOM

UFRGS

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2013

Embodying music through (un)notated gestures: Reexamining musicianship through the transformed musical horizon of the sign language Soundpainting

Bruno Coimbra Faria

Anais Performa

Lund University

Soundpainting; Musical Indeterminacy; Artistic Research; Classically trained musicians.

2013

Contribuições da antropometria direcionada à pesquisa artística em música: Reflexões sobre comportamento postural e desempenho pianístico

Vânia Eger Pontes; Maria Bernardete Castelan Póvoas

Anais Performa

Universidade Federal de Campinas, UDESC

Anthropometry; Piano performance; Ergonomics; Posture; Extended techniques.

2013

A audição de gravações como ferramenta colaboradora para o preparo para uma performance: um estudo de caso

Daniel Vieira; Any Raquel Carvalho

Anais ANPPOM

UFRGS

Audição de gravações; Tradição de performance; Pesquisa artística; Filosofia da performance.

2013

O Intérprete (Re) Situado: uma reflexão sobre construção de sentido e técnica na criação de “Intervenções para Piano Expandido, Interfaces e Imagens – Centenário John Cage”

Catarina Leite Domenici

Revista Música Hodie

UFRGS

Performance musical e pesquisa; Construção de sentido e técnica instrumental; Improvisação musical; Pesquisa artística; Piano expandido.

2014

El dilema de la investigación artística

Rúben López-Cano; Úrsula San Cristóbal Opazo

Anais SIMPOM

ESMUC

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2015

Perspectivas recentes da Pesquisa em Performance Pianística: Estado do Conhecimento de teses e dissertações em Performance Musical e Práticas Interpretativas no Brasil (2007-2012

Renata Coutinho de Barros Correia; Mário Rodrigues Videira

Anais do Performa

USP

State of the Knowledge; Piano Performance; Methodology of Research; Academic production on musical performance (Brazil).

2015

O que nos move, o que nos dobra, o que nos instiga: notas sobre epistemologias feministas, processos criativos, educação e possibilidades transgressoras em música

Laila Rosa; Isabel Nogueira

Revista Vórtex

UFBA, UFRGS

Feminismo; Criação Musical; Pesquisa Artística; Pós-colonialidade.

2016

A inclusão da performance na análise musical: problemas e possibilidades metodológicas

Bibiana Bragagnolo

Anais do SIMPOM

UFPB

Análise musical; Performance; Metodologia de pesquisa.

2017

A aplicação da coarticulação sônicogestual nas Seis Danças Romenas de Béla Bártok

Mariana Brito; Catarina Domenici

Anais do Performa

UFRGS

Corpo na performance musical; Objetos sônicogestuais coarticulados; Construção da performance musical; Béla Bártok.

2017

Experimentação artística: novos caminhos para pesquisa e/em performance

Bibiana Bragagnolo

Anais do Performa

UFPB

Performance; Experimentação; Pesquisa artística; Morfologia.

2017

A narratividade e a 6ªValsa de Esquina para piano de Francisco Mignone

Sigridur Malaguti

Anais do Performa

UNIRIO

Valsa de Esquina Nº6; Narratividade; Análise musical; Eero Tarasti; Francisco Mignone.

2017

Aspectos da Pesquisa Artística e Morfologia Musical na montagem da obra Child of Tree (John Cage) 1975

Carlos Henrique de Morais Alves

Anais da ANPPOM

UFRN

Performance; Percussão; Pesquisa Artística; Morfologia Musical; John Cage.

2017

Análise da sonoridade em Ressonâncias de Marisa Rezende: uma perspectiva a partir do toque pianístico.

Bibiana Bragagnolo; Thiago Cabral

Anais da ANPPOM

UFPB

Análise da sonoridade; Toque pianístico; Pesquisa artística.

2017

O conflito das faculdades: sobre teoria, prática e pesquisa em academias profissionais de artes

Henk Borgdorff (trad. Daniel Lemos Cerqueira)

evista OPUS

UFMA

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2017

Análise da sonoridade em Ressonâncias de Marisa Rezende: uma abordagem a partir da performance

Bibiana Bragagnolo; Didier Guigue

Revista OPUS

UFPB

Análise da sonoridade; Performance; Piano; Pesquisa artística.

2017

Lugar de fala, lugar de escuta: Criação sonora e performance em diálogo com a pesquisa artística e com as epistemologias feministas

Isabel Nogueira

Revista Vórtex

UFRGS

Performance; Criação sonora; Pesquisa artística; Epistemologias feministas.

2017

Repetitivo e Barulhento Uma proposta de música (popular) extrema

Luciano Zanatta; Ricardo De Carli

Revista Vórtex

UFRGS

Pesquisa artística; Música experimental; Ruído; Composição; Performance.

2018

Articulação e ornamentação na Sonata K30 de Domenico Scarlatti: Um estudo autoetnográfico

Uaná Barreto; Luciana Noda

Anais ABRAPEM

UFPB

Autoetnografia; Articulação; Ornamentação; Sonata K30; Domenico Scarlatti.

2018

Preparação de repertório e processo de desenvolvimento musical: estudo aplicado à Density 21.5 de E. Varèse, Joueurs de Flûte de A. Roussel

Lucas Gomes Caetano de Paula Fonseca; Solon Santana Manica

Anais ABRAPEM

UFBA

Pesquisa Artística; Interpretação; Roussel; Varèse; Técnica Instrumental.

2018

A prática deliberada e o planejamento da execução instrumental: reflexões para a aplicação no processo de preparação de um repertório pianístico

Isabella Perazzo C. Campos

Anais ABRAPEM

UFPB

Prática deliberada; Planejamento da execução instrumental; Piano; Pesquisa artística.

2018

Pesquisa artística na performance musical: um estudo da peça Sonatina para flauta e violão de Radamés Gnattali

Berta Mascarenhas Pitanga; Solon Santana Manica

Anais da ABRAPEM

UFBA

Performance; Pesquisa artística; Análise.

2018

7 Estratégias de estudo para o solista de orquestra

Fabricio Ferreira da Silva; Ezequias Oliveira Lira

Anais da ABRAPEM

UFRN

Estratégias; Estudo; Pesquisador/ intérprete.

2018

Applying Feminist Methodologies in the Sonic Arts: The Soundwalking as a Process

Linda O Keeffe; Isabel Nogueira

Anais da ANPPOM

Univsersity of Lancaster; UFRGS

Soundwalking; Feminist Epistemologies; Artistic Research.

2018

Articulação e ornamentação na Sonata K18 de Domenico Scarlatti: uma abordagem autoetnográfica

Uaná Barreto Vieira

Anais do SIMPOM

UFPB

Autoetnografia; Articulação; Ornamentação; Sonata K18; Domenico Scarlatti.

2018

Corpo-imagem-som: uma experiência no campo da pesquisa artística

Felipe Merker Castellani

Anais do SIMPOM

UFRGS

Pesquisa artística; Criação musical; Investigação-ação.

2018

E isso pode? Uma pesquisa-ação artística em Práticas Interpretativas

aniel Lemos Cerqueira

Anais do SIMPOM

UNIRIO

Práticas Interpretativas; Performance Musical; Pesquisaação; Pesquisa artística.

2018

Bumba-meu-boi do Maranhão no Morro do Querosene: uma proposta de estudo do sotaque da Ilha no contrabaixo

Tamiris Duarte Carpin; Leandro Barsalini

Anais do SIMPOM

UNICAMP

Contrabaixo; Música Popular Brasileira; Bumba-meu-boi; Cultura Popular; Performance.

2019

Visão prismática nas práticas interpretativas: estudo de caso no Noturno Op. 20 N. 1, de Leopoldo Miguéz

Ana Paula da Matta Machado Avvad

Anais da ANPPOM

UFRJ

Visão prismática; Artista-pesquisador; Piano; Práticas interpretativas.

2019

Um processo criativo centrado no corpo: a construção da performance das Seis Danças Romenas de Béla Bártok sob uma perspectiva corporificada

Mariana do Socorro da Silva Brito; Catarina Leite Domenici

Anais da ANPPOM

UFRGS

Pesquisa artística; Cognição incorporada; Corpo na prática pianística; Gesto musical.

2019

Pesquisa artística como espacio de decolonización de la producción de conocimiento musical

Susana Castro Gil; Ana Cláudia de Assis

Anais da ANPPOM

UFMG

Modernidad y colonialidad en música arte occidental; Performer decolonizado; Producción de conocimiento musical; Investigación artística.

2019

Musicalidades de Noel Guarany: transcrições para violão em partitura e tablatura

Jair dos Santos Gonçalves

Anais da ANPPOM

UFSM

Musicalidade “Missioneira”; Noel Guarani; Transcrição para Violão; Performance e Pedagogia; Pesquisa Artística.

2019

Memorial de performance dos Cinco Estudos para violão de Štěpán Rak

Jean Lopes

Anais da ANPPOM

UFRGS

Pesquisa artística; Construção de performance; Cinco Estudos de Štěpán Rak.

2019

Pilares para criação e pesquisa feminista: o caso da performance feita à mão

Isadora Nocchi Martins

Anais da ANPPOM

FRGS

Gênero e música; Pesquisa artística; Epistemologias feministas.

2019

Metodologias da impermanência em escuta, diálogo e criação: pesquisa e prática artística feminista

Isabel Porto Nogueira

Anais da ANPPOM

UFRGS

Epistemologias feministas; Criação sonora; Musicologia; Artivismo.

2019

An artistic research proposal from an A/R/ TOGRAPHY perspective: a study of the first movement of Strauss’s Oboe Concerto

Maria Paz LópezPeláezCasellas; Cecilio GarcíaHerrera

Revista Música Hodie

Universidade de Jaén; Conservatorio Superior de Música de Jaén

Artistic research; Methodology; A/r/tography; Conservatories.

2019

Da tradição às formas abertas: o papel da hermenêutica na constituição do texto musical contemporâneo

Samuel PeruzzoloVieira

Revista Opus

Universidade de Aveiro

Hermenêutica; Notação; Composição; Interpretação musical.

2020

Vertente nordestina: uma releitura das composições armoriais Forró de Salú, Forró e Lamento do São Francisco de Egildo Vieira

Leonardo Araujo; Rucker Bezerra

Performus’20

UFRN

Música Armorial; Egildo Vieira; Aspectos técnicointerpretativo; Edição crítica.

2020

A pesquisa situada e a autoetnografia performativa: apaziguando o conflitodasfaculdades

Luiz Ricardo Basso Ballestero

Performus’20

USP

Pesquisa artística; Pesquisa qualitativa; Autoetnografia performativa.

2020

Assemblage Sonora: uma composição performática de estratos

Bibiana Bragagnolo

Performus’20

UFMT

Performance; Experimentação; Sonoridade; Pesquisa artística.

2020

Repertório violonístico do eixo geográfico Ásia Menor-Bálcãs: concepções interpretativas em diálogo com a música tradicional

Filipe Almeida Malta; Flavio Terrigno Barbeitas

Anais da ANPPOM

UFMG

Violão; Ásia Menor; Bálcãs; Música tradicional; Interpretação culturalmente informada.

2020

Em busca de uma poética composicional: Teoria das Tópicas e intertextualidade na elaboração de uma Peça de Música-teatro

Pedro Leal David

Anais do SIMPOM

UNIRIO

Teoria das Tópicas; Intertextualidade; Pesquisa artística.

2020

Autoetnografia da Prática Interpretativa: um levantamento de teses e dissertações brasileiras

Rebeca Vieira

Anais do SIMPOM

UNIRIO

Autoetnografia; Prática Interpretativa; Metodologia.

2020

Si amanece, nos vamos for solo guitar: Using multiphonics in a new way

Rita Torres

Revista Vórtex

Universidade NOVA de Lisboa

Técnicas performativas não convencionais; Timbres invulgares; Pesquisa tímbrica; Música contemporânea para guitarra; Los Caprichos.

dos autores.

No gráfico abaixo (Fig. 1) observa-se a evolução destas publicações por ano:


Figura 1
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada nos anais de eventos e periódicos selecionados entre 2012 e 2020

Fonte: dos autores.

Os dois primeiros artigos encontrados dentro dos critérios estabelecidos aparecem em 2012. A ausência nos anos de 2010 e 2011 possivelmente indica que o lapso temporal de dez anos coincide com o início da Pesquisa Artística no país. Os dois artigos encontrados no ano de 2012 são da mesma autora, Catarina Domenici, assim como um dos trabalhos encontrados em 2013, que consiste na ampliação do artigo referenciado como Domenici, 2012a. Estes três artigos da autora (DOMENICI, 2012a, 2012b e 2013) são utilizados enquanto referência em outros artigos encontrados, o que trataremos mais a fundo em uma seção subsequente sobre as referências mais utilizadas.

Ainda analisando este gráfico, os números demonstram um significativo aumento na produção em Pesquisa Artística nos últimos quatro anos, o que acompanha o aumento de produções na área ocorridos no exterior (cf. KAHR, 2021; CHIANTORE, 2020; LÓPEZ-CANO, OPAZO, 2020; CORREIA, DALAGNA, 2020 e 2019; ASSIS, 2018; CORREIA, DALAGNA, BENETTI, MONTEIRO, 2018; DUBY, BAKER, 2017) e, possivelmente, se relaciona diretamente com tal.

No gráfico que vem em seguida (Fig. 2), as publicações se encontram subdivididas por ano e por local de publicação, o que possibilita a visualização mais detalhada:


Figura 2
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada entre 2012 e 2020 separada por local de publicação

Fonte: dos autores.

É relevante salientar que os dois primeiros artigos encontrados, em 2012, foram publicados em anais de congressos (da ANPPOM e do SIMPOM). Em 2013 surgiu o primeiro artigo encontrado em um periódico, na Revista Música Hodie, e o seguinte apareceu somente em 2015, na Revista Vórtex. Compreendendo que os trabalhos publicados em anais de eventos consistem muitas vezes em artigos preliminares (por se tratar de artigos menores em dimensão), estes dados corroboram a hipótese mencionada anteriormente de que o marco temporal selecionado coincide com o início da Pesquisa Artística no Brasil.

Abaixo, o gráfico mostra a quantidade de produções por evento ou periódico (Figura 3).

Figura 3
Gráfico da produção de Pesquisa Artística encontrada e separada por local de publicação entre 2010 e 2020
Fonte: dos autores.

Observa-se uma produção mais frequente de Pesquisa Artística publicada nos anais de evento do que nos periódicos. Entendendo que frequentemente as publicações em anais de eventos, para além de mais numerosas, correspondem aos resultados (totais ou preliminares) de pesquisas de mestrado e doutorado, enquanto as publicações de artigos em periódicos, em menor número, expõem pesquisas em estágios mais avançados e/ou finalizadas, compreendemos que boa parte da produção em Pesquisa Artística no país tende a estar localizada em teses e dissertações. Isso indica um possível interesse na área por parte de novos pesquisadores/as, ou pesquisadores/as em formação e, de certa forma, aponta para a falta de permeabilidade no tema em textos introdutórios como os criados nos contextos das iniciações científicas e monografias de final de curso. Esta perspectiva foi contemplada pelo extenso texto de caráter metodológico desenvolvido por López-Cano e Opazo (2014). Ou seja, acreditamos que a PA no Brasil ainda se inscreve mais no contexto das pós-graduações que nos das graduações. O gráfico seguinte (Fig. 4) apresenta a quantidade de trabalhos encontrados entre 2012 e 2020 dividida a partir da região do Brasil relativa à filiação institucional dos/as autores/as. No caso de dois/duas autores/as atuantes profissionalmente em regiões distintas, foram consideradas as duas regiões.


Figura 4
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada nos anais de eventos e periódicos selecionados entre 2012 e 2020 separada por região.
Fonte: dos autores.

O gráfico aponta para a maior produção centrada no Sul, Nordeste e Sudeste, respectivamente. Por outro lado, nas regiões Centro-oeste e Norte apenas um artigo foi encontrado. Esses dados remetem também a dados mais gerais sobre a pesquisa em música no país, cujos programas de pós-graduação estão, de fato, mais centrados nas três regiões onde a produção em Pesquisa Artística se mostrou mais efetiva. Também foram encontrados nos locais de busca 6 artigos cujos autores/as estavam vinculados a instituições do exterior.

Abaixo os três gráficos (Figs. 5, 6 e 7) demonstram a produção encontrada nas regiões Sul, Nordeste e Sudeste separados por ano:


Figura 5
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada na região Sul entre 2012 e 2020.
Fonte: dos autores.


Figura 6
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada na região Nordeste entre 2012 e 2020.
Fonte: dos autores.


Figura 7
Gráfico da produção de Pesquisa Artística geral encontrada na região Sudeste entre 2012 e 2020.
Fonte: dos autores.

Comparando os gráficos, verifica-se que o início da produção em Pesquisa Artística no país ocorre na região Sul, que mantém uma produção relativamente constante e que se amplia a partir de 2017. O gráfico que apresenta os dados da região Nordeste, por sua vez, nos mostra que a produção tem o seu início em 2015 e cresce significativamente nos anos de 2017 e 2018, com grande participação de pesquisadores nos congressos da ANPPOM e da ABRAPEM nestes dois anos. A região Sudeste, por fim, tem sua primeira produção encontrada em 2013 nos anais do congresso da ABRAPEM, mas é também a partir do ano de 2017 que se mantém constante e se amplia a partir de 2018.

Trajetos teóricos nos textos mapeados

Além dos dados sobre o quantitativo das produções e seus locais de publicação, através da observação e leitura dos artigos encontrados, notamos a utilização de referências em comum entre eles. Entendendo que o referencial teórico adotado tem forte impacto no direcionamento de uma pesquisa, compreendemos que este seria um caminho importante a ser analisado na produção em Pesquisa Artística no Brasil.

Assim, a partir de uma análise deste aspecto, encontramos quatro autores/ as cujos nomes apareceram referenciados 10 ou mais vezes. Para este cálculo, usamos o número absoluto das menções ao nome do/da autor/a nas referências. Com isso, não nos referimos a trabalhos específicos, sendo que para um/a mesmo/a autor/a foram citados/das mais de um trabalho e em alguns casos havia coautoria. A intenção destes dados é verificar de modo mais amplo os/as autores/as mais frequentes nestes 45 trabalhos encontrados. O gráfico abaixo (Fig. 8) mostra os dados obtidos:


Figura 8
Gráfico dosas autoresas mais referenciadosas nas pesquisas encontradas
Fonte: dos autores.

Rúben López-Cano figura entre os trabalhos encontrados em 18 referências, enquanto Kathleen Coessens aparece em 16 referências e Henk Borgdorff e Catarina Domenici totalizam 10 referências cada. Sobre o autor mais referenciado, López-Cano, vale ressaltar que este tem uma ampla produção na área da Pesquisa Artística e no total 5 trabalhos diferentes do autor (alguns com coautoria) foram utilizados como referências, enquanto que os/as outros/as autores/as tiveram citações recorrentes de no máximo 3 trabalhos. A única autora brasileira que tem sido frequentemente utilizada como referência é a Catarina Domenici, cujos trabalhos consistem nas primeiras produções em Pesquisa Artística encontradas nas bases de dados selecionadas neste mapeamento. Além destes quatro autores, Mine Dogantan-Dack e Paulo de Assis, dois nomes bastante atuantes na Pesquisa Artística fora do país, apareceram nos trabalhos encontrados com três referências cada.

Acerca das obras mais recorrentemente citadas nos textos analisados destacam-se as obras apresentadas no gráfico a seguir (Fig. 9):


Figura 9
Gráfico dos textos mais referenciados nas pesquisas encontradas
Fonte: dos autores.

A referência intitulada AT no gráfico faz referência ao livro de 2009 de Coessens, Crispin e Douglas intitulado “Artistic Turn: a manifesto”, publicado pelo Instituto Orpheus, um centro de Pesquisa Artística localizado na Bélgica, e que foi utilizado em 16 dos trabalhos encontrados. Em seguida, COF indica o livro de Borgdorff de 2012, “The Conflict of the Faculties: Perspectives on Artistic Research and Academia” (e a tradução de um de seus capítulos para o português de 2017), que apareceu como referência em 10 dos artigos encontrados, somando suas versões em inglês e a tradução para o português de 2017. Na terceira coluna IAM indica os 8 trabalhos encontrados que utilizaram referências do livro de 2014 “Investigación Artística en Música: problemas, métodos, paradigmas, experiencias” de Rúben López-Cano e Úrsula San-Cristóbal Opazo. O artigo do autor (2015), “Pesquisa Artística, Conhecimento Musical e a Crise da Contemporaneidade”, em suas versões em inglês, português e espanhol, também aparece como uma referência bastante utilizada, com a qual nos deparamos em 6 dos trabalhos encontrados.

No gráfico a seguir, observam-se as referências mais utilizadas separadas por ano (Fig. 10):


Figura 10
Gráfico das referências mais recorrentes utilizadas nas pesquisas encontradas separadas por ano.
Fonte: dos autores.

O gráfico acima mostra que a partir de 2017, quando começa a haver um aumento na produção, os três referenciais continuam a ser utilizados de maneira recorrente, mesmo o texto de Coessens et al., que já data mais de 10 anos de sua publicação e que continua sem tradução para o português. A partir da observação da literatura internacional em Pesquisa Artística, é plausível conjecturar que o livro de 2009 seja uma das primeiras publicações dedicadas especificamente à Pesquisa Artística e que, em virtude disso e aliado à sua profundidade teórica, se tornou uma referência para a área.

O livro de 2012 de Borgdorff aparece nas referências sobretudo a partir do ano de 2017, no qual um de seus capítulos foi traduzido para o português por Daniel Lemos Cerqueira e publicado pela Revista Opus, o que pode nos levar a supor que a tradução ampliou significativamente a visibilidade do texto no país.

Os textos de López-Cano, por sua vez, possivelmente têm maior utilização no Brasil por algumas razões. Primeiramente, são textos em espanhol, o que torna sua leitura mais acessível, além de que o artigo de 2015 conta com a tradução para o português. Ademais, o livro de 2014 de López-Cano e Opazo apresenta a Pesquisa Artística de modo didático e simples, inclusive indicando possíveis metodologias e variados exemplos de pesquisa, o que presumivelmente ampliou a sua utilização, sobretudo entre pesquisadores/as em formação. Também, López-Cano esteve presente como palestrante convidado no SIMPOM no ano de 2014, o que expandiu a difusão e utilização de seus escritos dentre os/as pesquisadores/as.

Palavras-chave como pistas de conexão entre saberes

Nesta seção apresentamos a análise dos artigos encontrados a partir de suas palavras-chave. Entendendo que as palavras-chave podem situar a pesquisa em termos dos seus temas mais relevantes, metodologias e pressupostos teóricos, buscamos com esta análise compreender com quais outras temáticas a Pesquisa Artística se relaciona. Desse modo, as 163 palavras-chave encontradas nos 45 artigos foram listadas e agrupadas por categorias[6], as quais as mais relevantes serão apresentadas em seguida.

A presença do termo “Pesquisa Artística” (em português ou em outras línguas) enquanto palavra-chave foi utilizada como um dos critérios de busca nas bases de dados. Porém, este não era um critério excludente, uma vez que foram selecionados os trabalhos que contivessem o termo nas palavras-chave ou no título ou no resumo. Assim, dentre os 45 artigos encontrados, a palavra-chave Pesquisa Artística (ou Artistic Research ou Investigación Artística) surge em 27 deles, sendo a palavra-chave mais recorrente. Isso mostra que mais da metade dos trabalhos encontrados se posiciona enquanto Pesquisa Artística, salientando isto com a escolha do termo enquanto palavra-chave.

A partir da análise das palavras-chave, pudemos compreender a maior ou menor relação entre a Pesquisa Artística e as linhas de pesquisa mais usuais na pesquisa em música no Brasil (práticas interpretativas, composição, musicologia, etnomusicologia e educação musical). Destas, a categoria com maior número de palavras foi aquela com termos relacionados à performance musical, com 22 palavras-chave relacionadas, tais como: Performance, Performance Musical, Práticas Interpretativas, Pesquisador/intérprete, Interpretação Musical, entre outras. Este dado indica que a Pesquisa Artística se situa mais fortemente dentro da produção acadêmica da linha de Práticas Interpretativas ou Performance Musical (estes dois termos são utilizados para designar as linhas de pesquisa que abordam a prática instrumental em muitos dos programas de pós-graduação no país)[7].

Ainda buscando a relação da Pesquisa Artística com as linhas de pesquisa em música no país, encontraram-se 10 palavras-chave que remetem à análise musical e à musicologia, tais como Análise Musical, Morfologia Musical, Musicologia, Edição crítica, Audição de gravações, entre outras. Alguns dos trabalhos que remetem a estas palavras-chave direcionam para pesquisas de interpretação musical analiticamente informada, nos quais algum tipo de análise musical serve enquanto fonte para decisões interpretativas. Em outros artigos a menção aos termos remete à inclusão da performance na análise musical, ou a crítica à musicologia tradicional. Por fim, foram encontradas 3 palavras-chave que remetem à composição, sendo duas dela o termo Composição e a terceira o termo Notação, e 5 palavras-chave que remetem aos estudos etnomusicológicos, tais como Música Popular Brasileira, Bumba-meu-boi, Cultura Popular, Musicalidade “Missioneira” e Música Armorial. Não foram encontrados termos que aproximam a Pesquisa Artística da educação musical, apenas alguns termos que direcionam para a pedagogia do instrumento, mas dentro de um âmbito autoetnográfico.

Além destas relações com as principais linhas de pesquisa em música, encontramos através das análises das palavras-chave algumas outras categorias que revelaram aspectos importantes sobre os trabalhos elencados. A primeira delas é o grupo de palavras-chave que se alinha com práticas experimentais e música contemporânea. Neste, foram encontradas 18 palavras-chave, tais como Improvisação, Improvisação musical, Criação Musical, Experimentação, Música experimental, Extended techniques, Ruído, Timbres invulgares, Pesquisa tímbrica, Técnicas performativas não convencionais, etc.

Na sequência, segue uma categoria com 16 palavras-chave que remetem à técnica e prática instrumental. Dentre estas, emergiram termos como: Técnica, Anthropometry, Ergonomics, Posture, Construção de sentido e técnica instrumental, Toque pianístico, Articulação, Ornamentação, Técnica Instrumental, Prática deliberada, Planejamento da execução instrumental e Construção de performance. Neste mesmo sentido, que remete à prática instrumental, apresentamos outras duas categorias. A primeira delas, com 13 palavras-chave, traz nomes de compositores e obras, como Béla Bártok, Valsa de Esquina Nº6, Francisco Mignone, John Cage, Sonata K30, Domenico Scarlatti, entre outros. A segunda categoria traz 12 palavras-chave que se endereçam à instrumentos musicais específicos. Dentre estes 12 termos os instrumentos encontrados foram piano (com 7 menções), violão (com 3 menções), percussão e contrabaixo (com uma menção cada).

Em seguida, observou-se uma categoria (com 10 palavras-chave) que conecta a Pesquisa Artística com debates sociológicos, sobretudo relacionados ao feminismo e à decolonialidade, tais como: Feminismo, Epistemologias feministas, Gênero e música, Pós-colonialidade, Modernidad y colonialidad en música arte occidental, Performer decolonizado. Tais termos, e mais especificamente um deles (Artivismo), alinham a Pesquisa Artística a um aspecto mais explicitamente associado a críticas às ideias e comportamentos hegemônicos. Por fim, 6 palavras-chave relacionadas a metodologias de pesquisa foram encontradas. Destas, 4 remetem à Autoetnografia, uma à Investigação-ação e uma à Pesquisa-ação.

Considerações finais

Polissemia na Pesquisa Artística: uma cartografia possível

O campo da Pesquisa Artística, de modo geral, é construído a partir de uma grande variedade de entendimentos ontológicos. Como mencionado anteriormente, fora do Brasil convivem diversas concepções acerca do que é a PA e o que a caracteriza como tal. Após a observação e análise dos trabalhos encontrados neste mapeamento, verificou-se que a produção brasileira segue um caminho semelhante, de coexistência de diferentes concepções e perspectivas sobre a PA. Entretanto, a relação indissociável entre teoria e prática e a figura do pesquisador-artista parecem ser dois pontos comuns à totalidade de pesquisas que se autointitulam enquanto Pesquisa Artística no Brasil.

Em artigo de 2020, López-Cano realizou uma análise da Pesquisa Artística na América Latina e concluiu que uma possível cena de Pesquisa Artística profissional em música na América Latina estaria em fases muito iniciais de construção. Nas palavras do autor, “não conheço na região associações dedicadas exclusivamente a este aspecto: não há revistas especializadas, nem congressos ou reuniões acadêmicas regulares, estáveis e específicas” (LÓPEZ-CANO, 2020, p. 141). Nesta senda, a partir da observação específica da produção brasileira, confirmam-se as perspectivas de López-Cano; a Pesquisa Artística aparece como um campo incipiente, apesar do aumento em produção nos últimos quatro anos no país, não existindo ainda revistas, associações ou congressos especializados da área. Entretanto, como já referido, em 2021 surge o grupo de pesquisa “Observatório e Laboratório de Pesquisa Artística: performance, criação e cultura contemporânea” e se constituem grupos de estudos/pesquisa ligados aos cursos de música das Universidades Federal de Mato Grosso e Federal de Pernambuco e aos cursos de dança da Universidade Federal do Ceará. Além disso, é proposto para o ano de 2022 um dossiê temático pela Revista Claves e um e-book sobre pesquisa artística promovido pelo Observatório e Laboratório de Pesquisa Artística acima referido. Desse modo, nota-se certa movimentação na área em direção à consolidação da PA enquanto campo de pesquisa.

No que concerne às metodologias utilizadas na Pesquisa Artística, entre os artigos encontrados neste mapeamento, destacam-se duas principais categorias. A primeira delas diz respeito aos trabalhos teóricos que pensam sobre as epistemologias da Pesquisa Artística, mas que não necessariamente se vinculam com propostas artísticas ou performances específicas. São pesquisas que buscam consolidar os próprios marcos teóricos da PA e refletir ou questionar sobre sua própria natureza, justificativa e limites. A segunda categoria observada, por sua vez, engloba pesquisas de viés autoetnográfico, diretamente relacionadas com aquilo que se entende também como “pesquisa através da prática” ou “pesquisa baseada na prática” (DOGANTAN-DACK, 2015). Nestas últimas, algum referencial teórico é aplicado à situação prática de performance, com a finalidade última de produzir e/ou aprimorar a performance de determinada(s) obra(s).

As pesquisas que se constituem de trabalhos teóricos sobre as epistemes da Pesquisa Artística compartilham entre si um aspecto peculiar do entendimento da PA enquanto ferramenta crítica. Nestas, apesar de algumas diferenças em nível teórico ou filosófico, a Pesquisa Artística é entendida como uma prática na qual o performer se posiciona de maneira crítica e reflexiva e, a partir dessas inquietações, cria (ou repensa) objetos artísticos e musicais, o que abre caminho para os processos experimentais na performance. Neste entendimento, a PA necessita ser uma articulação da experiência com os cânones da prática, com o corpo de conhecimento da área, ou ainda com o sistema de crenças e valores do/da próprio/a artista, consistindo em um momento de reavaliação e renovação, uma tomada de consciência e reorientação do artista (COESSENS et al., 2009, p. 92). Tal compreensão da Pesquisa Artística necessita que o performer esteja constantemente engajado em repensar a prática, a compreendendo como um processo aberto e dinâmico, em contraste com a prática enquanto reprodução de um conhecimento canônico classificado e imutável.

Nesse sentido, estas pesquisas se relacionam com temáticas como a decolonialidade e o feminismo, por exemplo, deixando evidente a concepção da arte enquanto produto de contextos históricos e sociais. Também, estas pesquisas passam por um questionamento ontológico sobre a própria obra musical, muitas vezes adotando visões alternativas desta, e sobre o papel do performer musical. Fora do Brasil, dentro desta perspectiva, tem-se como exemplo as pesquisas de Assis, que vem aplicando uma dimensão bastante ideológica aos seus projetos, assim como Dogantan-Dack, que considera o papel determinante da Pesquisa Artística face às ameaças do neoliberalismo e autoritarismo ascendentes (CHIANTORE, 2017, p. 3).

No segundo grupo de trabalhos mencionado, composto por aqueles que tem “um viés autoetnográfico”, encontram-se textos bastante diferentes, porém que compartilham da adoção de um método de observação da prática pessoal a fim de verificar a aplicação de algum protocolo na prática instrumental, com finalidades variadas, mas que confluem, sobretudo, para o aprimoramento técnico e expressivo da execução instrumental.

Chiantore e López-Cano falaram sobre a centralidade do método autoetnográfico na pesquisa artística nos contextos europeu e latino-americano, respectivamente, em textos de 2020. O primeiro autor coloca que a autoetnografia “se converteu na palavra fetiche da pesquisa artística em nome da qual começaram a florescer textos dos mais diversos (como diversas foram, de fato, as próprias definições do conceito e duas propostas de aplicação ao marco da pesquisa artística)” (CHIANTORE, 2020, p. 75). Chiantore também pontua que muitas vezes o uso da autoetnografia na Pesquisa Artística é, muitas vezes, estéril. López-Cano, do mesmo modo, observa que entre as metodologias mais empregadas na América Latina, como em todo o mundo, se destacam a experimentação e a autoetnografia (LÓPEZ-CANO, 2020, p. 155). O autor também tece uma crítica ao uso da autoetnografia que, em muitos casos, não passa de “mera transcrição de diários de trabalho que não chegam a construir perguntas nem problemas artísticos de pesquisa definidos” (LÓPEZ-CANO, 2020, p. 142).

A tendência ao amplo uso da autoetnografia enquanto método na Pesquisa Artística no Brasil complementa as análises trazidas pelos dois autores acima mencionados, mostrando que há um alinhamento entre o que ocorre na Europa e na América Latina neste sentido. Corroborando as informações trazidas através da análise dos materiais mapeados, em julho de 2021 ocorreu no Brasil a primeira edição do congresso Autoetnografia Brasil[8], que reuniu pesquisadores de diversas áreas, inclusive das artes e, mais especificamente, da performance musical, com interesse neste método.

Ainda sobre os trabalhos com viés autoetnográfico, é relevante mencionar que dentre estes se encontram pesquisas que configuram análises para a performance. Nestes casos, algum procedimento analítico é aplicado em determinada peça e, a partir disso, são tomadas decisões interpretativas. Chiantore (2020) também menciona no contexto europeu a existência de pesquisas que se compreendem enquanto Pesquisa Artística e que realizam aquilo que o autor denomina como “análise performativa”. Entretanto, o autor postula que a partir do referencial teórico elegido, tais análises para a performance podem ter significados bastante diferentes e muitas vezes podem se reduzir a um simples guarda-chuva para uma descrição verbal de nossas decisões interpretativas (CHIANTORE, 2020, p. 75).

Tendo exposto estas características principais extraídas a partir da análise dos materiais encontrados neste mapeamento, confirma-se que os trabalhos que se autointitulam enquanto Pesquisa Artística no Brasil compartilham de uma relação indissociável entre teoria e prática e se centram na figura do pesquisador artista. Por outro lado, as duas categorias encontradas remetem à duas concepções diferentes e, em certo sentido, opostas. Por um lado, há a compreensão da PA enquanto ferramenta crítica e, até mesmo, enquanto ferramenta de transformação das próprias práticas musicais e de questionamento de conceitos estabelecidos, como o de obra musical, por exemplo. Por outro lado, coexiste a Pesquisa Artística como pesquisa através da prática, onde esta dimensão compreendida aqui como ideológica não é requerida.

Percursos (in)conclusivos

Ao revisitar a produção da PA no Brasil procuramos trazer à baila as questões e entremeios que circunscrevem e caracterizam a área, que apesar da pouca produção apresentada, se mostra em pleno crescimento e expansão no país. Este artigo também apresenta pistas e indicações de possibilidades e proposições metodológicas, ontológicas e epistemológicas que nascem deste entendimento de unidade do artista pesquisador na academia. São caminhos a serem caminhados

Caminante son tus huellas

el camino y nada más;

caminante, no hay camino

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar

donde hoy los bosques se visten de espinos

e oyó la voz de un poeta gritar “Caminante

no hay camino,

se hace camino al andar...”

Golpe a golpe, verso a verso...

(MACHADO, 2020).

 

REFERÊNCIAS

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BORGDORFF, Henk. The conflict of the faculties: Perspectives on Artistic Research and Academia. Leiden: Leiden University Press, 2012.

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CHIANTORE, Luca. Retos y oportunidades en la investigación artística en música clásica. Quodlibet, N. 74, 2020.

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CORREIA, Jorge; DALAGNA, Gilvano. Premises for Artistic Research. In: Cahiers of Artistic Research 3. Aveiro: UA Editora, 2020.

CORREIA, Jorge; DALAGNA, Gilvano. Premises for Artistic Research. In: Cahiers of Artistic Research 2. Aveiro: UA Editora, 2019.

CORREIA, Jorge; DALAGNA, Gilvano; BENETTI, Alfonso; Francisco, MONTEIRO. When is research Artistic Research? In: Cahiers of Artistic Research 1. Aveiro: UA Editora, 2018.

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DOGANTAN-DACK, Mine (Ed.). Artistic Practice as Research in Music: Theory, Criticism, Practice. Farnham: Ashgate, 2015.

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MACHADO, Antonio. Poesías completas. Espasa-Calpe: Madri, 1979.

KAHR, M. (Ed.). Artistic Research in Jazz: Positions, Theories, Methods (1st ed.). Routledge. (2021) https://doi.org/10.4324/9780429275838

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado Processos de Criação Artística. São Paulo. SP. 2 Edição. AnnaBlume. Fapesp. 2004.

Notas

3 A utilização do termo Pesquisa Artística, doravante com letras maiúsculas, tem o intuito de delimitar e diferenciar o contexto ao qual nos remetemos nesta pesquisa.

4 Não usamos despropositadamente este termo aqui. Na língua inglesa “stem” também é usado como sigla para “Science, Technology, Engineering, and Mathematics”, o qual representa a estrutura e categorias conservadoras da produção de conhecimento na academia

5 Dentre os congressos promovidos pela ABRAPEM se incluem o Congresso da ABRAPEM, o Performa e o Performus.

6 Algumas palavras-chave, por conta de combinar duas ou mais palavras, foram inseridas em mais de uma categoria.

7 Apesar da composição ser uma área de relevo para a Pesquisa Artística, neste mapeamento, ao observarmos os congressos da ANPPOM, ABRAPEM, SIMPOM e as revistas Música Hodie, Revista Vórtex e Revista Opus, somente 3 artigos da subárea da composição foram encontrados.

8 Mais informações em: https://autoetnografia.weebly.com/

Autor notes

1 Professora efetiva na UFMT nas áreas de performance, piano e educação musical. Doutora em Musicologia pela Universidade Federal da Paraíba, com doutorado sanduíche na Universidade de Aveiro bolsa CAPES. Tem desenvolvido atividades como pianista, atuando principalmente no âmbito da música experimental e, como pesquisadora, sobretudo na temática da inserção da performance na análise musical e no campo da pesquisa artística. Em 2018 recebeu o Prêmio TeMA pelo artigo “Os contrastes sonoros em Contrastes de Marisa Rezende” e em 2015 realizou, como solista, a estreia brasileira do Concerto para Piano Preparado e Orquestra de Câmara, de John Cage.

2 Professor de saxofone no departamento de música da UFPE e pesquisador junto ao Observatório e Laboratório de Pesquisa Artística: performance, criação e cultura contemporânea na América Latina. Doutor em música (Etnomusicologia) pela Universidade de Aveiro (Portugal) e mestre em música pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Saxofonista, musicólogo e educador.