Proposta de vestuário para indivíduos idosos com mobilidade reduzida
RESUMO
O design para necessidades específicas requer estudos antropométricos personalizados que compreendam o usuário final, se conectando à ergonomia física, a qual corresponde ao estudo da adaptação do ambiente ao indivíduo, englobando questões de conforto, esforço, bem-estar e atividade motora. Assim, o presente estudo toma por objetivo relatar uma proposta de confecção de uma peça de vestuário adaptada para indivíduos com mobilidade reduzida, coligando o fenômeno da inclusão social com o design inclusivo e a moda. Para o desenvolvimento do artigo, foi realizada uma revisão bibliográfica de moda inclusiva, mormente de artefatos para deficiências de natureza motora. Foi executado um estudo de caso com uma PCD deste grupo. A metodologia projetual utilizada foi o Inclusive Design Toolkit, do Engineering Design Centre (2017). Para a realização da proposta, foram projetados, via software, croquis, representando a peça a ser confeccionada, com auxílio de modelagem digital. Conforme resposta da usuária, a peça não restringiu seus alcances, permitindo maior mobilidade de membros superiores, e facilitou o ato de vestir e despir. A compreensão de atividades rotineiras e de necessidades da usuária sobre o objeto roupa, partindo do estilo imaterial à escolha tangível e têxtil da peça, foi fundamental para entregar um resultado ajustado às necessidades específicas da usuária e que fosse de seu agrado. As propriedades térmicas do tecido e a vestibilidade agradaram à usuária, contudo, testes a médio prazo são necessários.
Palavras-chave: Moda inclusiva; Design inclusivo; Mobilidade reduzida; Ergonomia.
Garment proposal for elderly individuals with reduced mobility
ABSTRACT
Design for specific needs requires customized anthropometric studies that consider the end user, connecting to physical ergonomics, which involves the study of adapting the environment to the individual, encompassing aspects of comfort, effort, well-being, and motor activity. This study aims to report on a proposal for the design of a garment adapted for individuals with reduced mobility, linking the phenomenon of social inclusion with inclusive design and fashion. To develop the paper, a literature review was conducted on inclusive fashion, with a particular focus on artifacts for motor-related deficiencies. A case study was carried out with a user from this group. The design methodology used was the Inclusive Design Toolkit from the Engineering Design Centre (2017). To develop the proposal, sketches representing the garment to be manufactured were designed using software, with the aid of digital modeling. According to the user’s feedback, the garment did not restrict her range of motion, allowing for greater mobility of the upper limbs and making it easier to put on and take off. Understanding the user’s routine activities and needs regarding the clothing object—from the immaterial style to the tangible and textile choice—was essential to delivering a result tailored to her specific needs and preferences. The thermal properties of the fabric and the wearability pleased the user; however, medium-term testing is necessary.
Keywords: Inclusive fashion; Inclusive design; Reduced mobility; Ergonomics.
Propuesta de indumentaria para personas mayores con movilidad reducida
RESUMEN
El diseño para necesidades específicas requiere estudios antropométricos personalizados que comprendan al usuario final, conectando con la ergonomía física, la cual corresponde al estudio de adaptar el entorno al individuo, abarcando cuestiones de comodidad, esfuerzo, bienestar y actividad motora. Por lo tanto, este estudio tiene como objetivo informar sobre la creación de una ropa adaptada para personas con movilidad reducida, vinculando el fenómeno de la inclusión social con el diseño inclusivo y la moda. Para el desarrollo del artículo, se realizó una revisión de literatura sobre moda inclusiva, abordando principalmente deficiencias relacionadas con la movilidad. Se llevó a cabo un estudio de caso con una persona con discapacidad de este grupo. La metodología de diseño utilizada fue el Inclusive Design Toolkit del Engineering Design Centre (2017). Para desarrollar la propuesta, se diseñaron sketches que representaban la ropa a fabricar mediante software. Según el feedback de la usuaria, la ropa no restringio su movimiento, que permitió una mayor movilidad de los miembros superiores y facilitó el acto de vestirse y desvestirse. Comprender las actividades rutinarias y las necesidades de la usuaria en relación con la ropa, desde el estilo hasta la elección textil, fue fundamental para ofrecer un resultado ajustado a sus necesidades y preferencias específicas. Las propiedades térmicas del tejido y la comodidad al vestir fueron del agrado de la usuaria; sin embargo, es necesario realizar pruebas a mediano plazo.
Palabras-clave: Moda inclusiva; Diseño inclusivo; Movilidad reducida; Ergonomía.
A moda inclusiva condiz ao fenômeno de incluir grupos sociais e indivíduos outrora marginalizados em sua produção – roupas. Assim, devido a metamorfoses da sociedade civil e de marcas, os designers passaram a desenvolver vestuário para necessidades específicas e particulares ad hoc e/ou projetar roupas de uso universal.
Neste contexto, a presente pesquisa toma por objetivo relatar o desenvolvimento de uma peça voltada para indivíduos com mobilidade reduzida nos membros superiores. A investigação ocorreu por meio de estudo de caso (Yin, 2015) de uma idosa com mobilidade reduzida dos membros superiores. Para tanto, é fundamental a compreensão da antropometria, o estudo das medidas corporais (Gomes Filho, 2020), que permite compreender os alcances e os limites em diferentes estágios da vida (Tilley, 2005), e as relações com o ambiente relativo a um indivíduo ou grupo estudado (Cambiaghi, 2019; Iida, 2016).
Assim, o corpo deste artigo é dividido nas seções: 2), “moda inclusiva”, a qual é bifurcada em 2.1, “moda inclusiva e design inclusivo”, trazendo conceitos gerais que servem de embasamento para 2.2, “mobilidade reduzida”, em que se relata sobre a necessidade específica estudada e que orientou a adequação projetual, voltada para a usuária final, em 2.3. As metodologias de cunho científico e projetuais são apontadas na seção três, que contém o processo de criação da peça e as decisões projetuais tomadas. Na seção 4, o objeto confeccionado, as alterações e a usabilidade da peça pela usuária são apresentadas. Reflexões e comentários finais podem ser conferidos na última seção, numerada como cinco.
Como posto acima, a presente seção é dividida em “Moda e design inclusivos”, “Mobilidade reduzida” e “Especificações da usuária”.
Dificuldades de coordenação motora provocam mudanças consideráveis no objeto de vestuário. Consequentemente, a modelagem da roupa – uma preconcepção industrial no formato de molde bidimensional – tende a passar por mudanças estruturais concomitantes.
As medidas inseridas na modelagem industrial são oriundas de estudos antropométricos. A antropometria, segundo Gomes Filho (2020), corresponde aos estudos de medidas corporais humanas, com o objetivo de estabelecer padrões e diferenças do sujeito estudado.
Tal estudo é relacionado à ergonomia. Diferente de sua conceitualização inicial, voltada para a adequação de ambiente de trabalho (Dul; Weerdmeester, 2004), o conceito contemporâneo de ergonomia condiz à adaptabilidade das relações indivíduo-ambiente físico, relativo ao labor ou não, englobando elementos de conforto, esforço, bem-estar no uso e atividade motora (Cambiaghi, 2019; Iida, 2016).
Dos três tipos de ergonomia mapeados por Schoenardi, Teixeira e Merino (2011), a categoria física é a que mais condiz com o produto de moda, por tratar de condições anatômicas humanas, medidas antropométricas e biomecânicas para a atividade física do indivíduo.
Nesse ponto, o design de produto voltado ao usuário assume como objetivo compreender a realidade de seu público, suas requisições, especificidades e suas necessidades específicas, a fim de conquistar um nível de bem-estar (Soares, 2022). Para pessoas com deficiência (PCD), uma das formas de alcançar o bem-estar é por meio da inclusão.
O fenômeno da inclusão social, definido pela condição e pelo direito de acolhimento em grupos sociais e pela aceitação individual de todos (Brasil, 2001), provoca mudanças transversais na sociedade. As alterações partem desde o indivíduo e grupos sociais até fatores externos, como as ofertas mercadológicas. Para atender à demanda da diversidade social, a moda como produto necessita se adequar a tais mudanças e, assim, ser repensada. A moda inclusiva ecoa a necessidade de repensar barreiras do modismo, em um contexto de demanda contínua em um mercado relativamente inexplorado (Simões-Borgiani et al., 2020), admitindo o objetivo de humanizar, integrar e aproximar pessoas (Gonçalves, 2013).
Não se trata de adaptar, de modo pretensioso, ou desenhar e propor itens de indumentária que “façam sentido” somente para indivíduos com necessidades específicas, mas de projetar roupas que possam ser utilizadas por todos. Nesse ponto, a moda inclusiva se insere no design inclusivo, classificado como a abordagem do design que traduz com destreza a relação usuário-ambiente aplicada para alguma limitação particular (Simões; Bispo, 2006).
Martins (2008) afirma que a indumentária da moda inclusiva deve possuir características específicas, as quais devem ser atendidas na fase conceitual do design de produto: facilidade de manuseio, de manutenção e de assimilação (cuidados têxteis indicados), segurança, usabilidade e conforto.
Simões e Bispo (2006) definem por mobilidade reduzida a dificuldade proposta na relação usuário-ambiente, causada por impeditivos relacionados ao sistema motor. A literatura de moda inclusiva se preocupou diretamente com as adaptações necessárias no objeto-roupa. Em sua análise qualitativa, Camargo e Wachholz (2019) ressoam que as roupas podem contribuir negativamente à necessidade específica se sua concepção for errada; desde a modelagem, a escolha do material têxtil e/ou se a porção estética sobressair perante a funcionalidade.
Por possuir propriedades têxteis termodinâmicas, sendo isolante de frio e calor por conta de sua higroscopia, e possibilidade de produção biodegradável, a lã corresponde a uma fibra de considerável adequação para a vestibilidade (Amarilho-Silveira; Brondani; Lemes, 2015), especialmente em titulações mais finas. Contudo, o emprego da lã de boa titulação acaba por encarecer a produção, tendo de se considerar, ainda, que alguns artigos de moda inclusiva são de difícil escalabilidade (altamente personalizados).
Simões-Borgiani et al. (2020) somam ao conhecimento de moda inclusiva ao estudar a adaptação da roupa para a monoplegia, também classificada como deficiência motora. Os autores se posicionam em concordância com Camargo e Wachholz (2019) quanto à usabilidade e ao conforto serem superiores à estética da peça, porém, reafirmando que tal faceta não pode ser ignorada.
O caso estudado neste artigo condiz com as adaptações do usuário, voltadas para a baixa mobilidade de membros de uma pessoa considerada idosa. Costa et al. (2021) prestam apoio valioso a tal particularidade estudada, dado o fato de seu estudo corresponder a idosos e acamados – que recai inevitavelmente na deficiência do tipo motora.
Leão, Poci e Santos (2013) revelam que a maior dificuldade projetual para o corpo idoso corresponde à adaptação da modelagem e à escolha de têxteis. Isso deriva da maior fragilidade de idosos, exigindo atenção específica do molde e da quantidade diminuta de materiais apropriados. Isso sugere o emprego de tecidos munidos de elasticidade. Assim, é fulcral que o molde esteja de acordo com as medidas antropométricas do público. Quem mais conhece as especificações do seu público tende a entregar um resultado funcional adequado.
Todos os autores supracitados ressaltam a importância da adequação têxtil e de acréscimo funcional que apoie a usabilidade e o vestir e despir. Os autores utilizaram as metodologias projetuais para adaptação do projeto, especialmente a desenvolvida pela Universidade de Cambridge, na aplicável metodologia de Inclusive Design Toolkit (2017).
A usuária estudada como caso é uma mulher de ٨٥ anos, aposentada, residente no estado do Rio Grande do Sul, com mobilidade reduzida de membros superiores. Lhe foi disponibilizada uma cópia física assinada do TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – contendo a informação do projeto, as necessidades e os cumprimentos a serem realizados, bem como a identificação dos pesquisadores envolvidos, emitido pela Universidade Feevale.
Medidas das atividades executadas no ambiente da usuária foram coletadas por meio de entrevistas in loco, compreendendo as dificuldades e as necessidades do caso específico. A entrevista é uma ferramenta qualitativa para compreensão do caso estudado (Yin, 2015).
As medidas corpóreas da participante podem ser conferidas na Tabela 1, localizada abaixo.
Tabela 1. Medidas da usuária
Parte |
Medidas (em centímetros) |
Punho fechado |
27 |
Pulso |
17 |
Largura do braço |
35 |
Ombro |
14 |
Circunferência do pescoço |
34 |
Circunferência do busto |
97 |
Busto |
26 |
Circunferência da cintura |
95 |
Comprimento do corpo – frente |
40 |
Comprimento de manga |
101 |
Altura do gancho |
21 |
Costas |
32 |
Comprimento das costas |
40 |
Circunferência do joelho |
48 |
Circunferência do tornozelo |
24 |
Comprimento de calça |
89 |
Circunferência quadril |
108 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024)
Sendo uma proposta de vestuário da parte superior do corpo, as medidas consideradas fundamentais para confecção são: ombros, circunferências de pescoço e busto, busto, largura do braço, comprimento de manga e cintura.
A circunferência do pescoço é uma medida indispensável, pois a peça criada (cf. seções 3 e 4) possui um fechamento estratégico nesta região. Dispensar a utilização da medida de pescoço pode restringir o movimento da cabeça e causar mal-estar na região.
Do mesmo modo, a circunferência do busto e o busto são medidas fundamentais para a construção de peças para membros superiores. O público-alvo pode necessitar de boa amplitude do busto, visto que sua mobilidade é debilitada. A utilização das pences está ligada às medidas supracitadas, visto que provocam a transferência de tecido.
As medidas de punho fechado e pulso podem ser dispensadas no caso de criação de uma peça de manga curta ou sem mangas. Por se tratar de uma camisa, a peça imaginada possui mangas longas, assim reconhecendo e acoplando tais medidas.
Mesmo que não sejam tão importantes para a criação de roupa da parte superior, medidas de membros inferiores precisam ser consideradas, visto que algumas modificações na peça – como comprimento do corpo – podem se estender para tais membros.
Para adequar a peça ao ambiente da usuária, refletindo a razão do estudo ergonômico (Dul; Weerdmeester, 2004), a entrevistada relatou que suas atividades usuais são: se sentar, ler, assistir à televisão, ir à igreja, caminhar ao redor do lar para exercício físico, tomar chimarrão na varanda e conversar com vizinhos. A usuária necessita de auxílio de ao menos um cuidador para todas as atividades supracitadas, sendo incapaz de cozinhar, ir sozinha ao banheiro, se vestir e despir, levantar e caminhar (sem o auxílio de andador).
A necessidade específica da usuária é originária de sua idade avançada. Os comprometimentos motores surgiram quando completou 80 anos. Além disso, um acidente vascular cerebral (AVC), aos 83 anos, provocou danos maiores, restringindo ainda mais a capacidade de movimentação e o alcance dos membros superiores. Apesar da baixa mobilidade afetar ambos os membros, o braço esquerdo se tornou o mais atingido pelo AVC. Tais ocorrências acabaram por afetar o vestir e o despir. Isso gerou a necessidade de usar andador ortopédico.
Ademais, a usuária informou dados a serem considerados pelos designers. Como indicado, peças de membros superiores, quando desprovidas de elastano, dificultam o vestir e o despir. A abertura frontal de peças não adaptadas é desejada, mas também traz dificuldades no processo. Calças sem elastano e desprovidas de elástico no cós são difíceis de serem vestidas. Esses relatos contribuem para a compreensão de necessidades materiais por parte dos autores.
Desde o início do projeto, foi evidente a necessidade de facilitar a atividade do responsável pelo vestir e desvestir da usuária. Com efeito, esse problema foi tomado como um dos principais objetivos para o desenvolvimento do projeto. A fase de pré-desenvolvimento foi finalizada com a tomada das medidas necessárias e o reconhecimento das necessidades, respaldadas pela entrevista.
A presente seção se encontra dividida em: metodologias; e, aparatos científicos e projetuais.
A pesquisa se classifica como aplicada por admitir a obtenção de um fim específico (Prodanov; Freitas, 2013), com uma abordagem qualitativa porque opera com elementos sociais dificilmente quantificáveis em número e que permite doses de subjetividade e palpabilidade de dados (Demo, 2008). Apesar disso, alguns dados quantitativos foram apropriados (cf. Tabela 1).
Dentre os aparatos apropriados, foi realizado um estudo de caso com a usuária final do produto planejado. O estudo de caso, segundo Yin (2015), corresponde a um aparato de investigação empírica, o qual analisa um fenômeno e sua aplicação no mundo real; o que acaba, inevitavelmente, por se conectar com a ontogenia do design: a solução de problemas (Simões; Bispo, 2006). Para embasar os conceitos, os autores utilizaram a revisão bibliográfica de fontes primárias (Gil, 2022).
Com a mudança na direção de uma nova lógica dominante de design (voltado ao usuário), bem como o crescimento e propagação do fenômeno da inclusão social, diferentes metodologias de projeto têm surgido, potencializando os aparatos e os métodos de solução de problemas de um grupo específico. De modo a exemplificar isto, há o Inclusive Design Toolkit (2017), da Universidade de Cambridge, a metodologia Oikos de Martins (2005), e o método D4Inc de Almada (2020).
A principal ferramenta para design de produto “geral” aqui empregada é embasada por Rozenfeld et al. (2006), como o processo de desenvolvimento de produto (PDP), que divide as etapas geríveis do projeto em: a) pré-desenvolvimento (planejamento estratégico geral e noção do produto a ser desenvolvido); b) desenvolvimento (definição de especificidades e conceito do produto, preparação, materialização e lançamento nas redes mercadológicas) e; c) pós-desenvolvimento (acompanhamento da performance do produto no mercado e abandono ou descontinuação). Tal metodologia de design de produto pode ser conferida na Figura 1.
Figura 1. Visão esquemática do PDP
Fonte: Rozenfeld et al. (2006, p. 44).
Soma-se ao método dos autores supracitados o Inclusive Design Toolkit (2017), da Universidade de Cambridge. A metodologia se divide em quatro principais fases: gerenciamento, pesquisa, criação e avaliação. Algumas das etapas compartilham padrões com o PDP de Rozenfeld et al. (2006), contudo, enquanto esta abriga o desenvolvimento de produto em bases gerais, não é voltada para o design inclusivo, diferente do Inclusive Design Toolkit (2017), justificando a utilização de duas metodologias suplementarmente.
A fase geracional, similar ao pré-desenvolvimento PDP, condiz à definição do projeto, refinando as metas a serem atendidas e os próximos passos. Ao final dessa fase, é necessário obter as respostas para a) qual problema será resolvido; b) quais são os problemas e empecilhos a serem enfrentados? e c) qual solução será proposta e qual seu diferencial das demais soluções a priori dadas?
Sequencialmente, a fase dois – pesquisa – condiz com o estudo das necessidades do público-alvo definido para o projeto (na fase inicial) e os critérios que o produto final deverá atender. Compreender o público-alvo por meio de observação, relatos e/ou trocas de conhecimento é o principal norteador da segunda fase, ao passo que orientará as propriedades do produto. A pesquisa é indispensável para qualquer projeto de design (Seivewright, 2015). O emprego de desenhos e/ou moodboards é fundamental para demonstrar para todos os usuários envolvidos no projeto as propriedades, as referências e as informações (Pazmino, 2015).
O estudo de caso de Yin (2015), metodologia supracitada, permite visualizar as considerações, as restrições e os requisitos do beneficiário do projeto a partir das necessidades mapeadas na pesquisa e das soluções a serem elaboradas. Para o estudo de caso, os autores triangularam fontes primárias de literatura, medidas da usuária e entrevistas com a mesma.
Tida como a terceira fase, a etapa de criação corresponde às possíveis soluções para atender aos critérios percebidos na fase anterior. Essa fase é paralela com a etapa de desenvolvimento de Rozenfeld et al. (2006). O produto mirado é permeado então por ideias oriundas do processo criativo, no qual entram métodos criativos, como o brainstorming, definido pela sugestão de ideias de maneira ágil para a solução de um problema (Pazmino, 2015). A prototipagem de uma peça entra nessa fase, a fim de promover testes de vestibilidade.
Adentrando a fase de desenvolvimento, classificada por definição de especificidades, conceito e preparação do produto, os autores realizaram uma busca de similares em e-commerce de moda inclusiva. Quantitativamente, foram conferidas 204 peças de sete marcas diferentes. No resultado afunilado, a peça norteadora correspondeu à blusa transpassada para idosos, da marca Freeda. A marca, radicada em Minas Gerais, compreende o segmento de moda inclusiva, atendendo nichos de acamados, indivíduos com Alzheimer, cadeirantes, indivíduos com mal de Parkinson e ambulantes. Atuante na modalidade ready-to-wear, seus produtos compreendem tanto o sexo feminino quanto o masculino, com o mix de produtos envolvendo saias, camisas, vestidos e casacos (Freeda, [s.d.], não paginado).
A peça conta com facilitador de vestir e desvestir via botões de pressão, eliminando a necessidade da usuária de levantar seus membros superiores. A peça tomada por base pode ser conferida na Figura 2, localizada abaixo.
Figura 2. Camisa com abertura estratégica nas costas
Fonte: Retirado de Freeda ([s.d.], não paginado).
Pode-se visualizar, na Tabela 2, as necessidades e as ações de design a serem tomadas ad hoc por meio da observação do estudo de caso (Yin, 2015).
Tabela 2. Medidas da usuária
Necessidade |
Ação |
Baixa mobilidade de membros superiores |
Abertura traseira; fechamento em ombros com colchetes de pressão; tecido com elastano e com propriedades devidas de aquecimento |
Dificuldade de vestir e despir |
|
Sentimento de falta de aquecimento da peça |
Fonte: Elaborado pelos autores (2025, não paginado)
Com efeito, por fins estilísticos, os autores realizaram reimaginações da peça pelo processo criativo. Unido com pesquisas bibliográficas de modelagem industrial feminina, embasada por Leite e Velloso (2017), foi criado um moodboard estilístico e funcional da peça, que pode ser conferido na Figura 3, abaixo.
Figura 3. Moodboard da proposta
Fonte: Elaborado pelos autores.
Os autores desenvolveram três croquis alinhados com a proposta imaginada, respeitando a escolha têxtil apropriada, considerando as necessidades estabelecidas no Quadro 2. O trio de propostas foi levado à usuária, que ficou encarregada pela decisão final. As ilustrações digitalizadas podem ser conferidas na Figura 4, com os números 01, 02 e 03 indicando cada proposta de croqui.
Figura 4. Propostas de croquis 01, 02 e 03
Fonte: Elaborado pelos autores.
A primeira proposta (01) demonstra um colete adaptado com fechamento estratégico. A proposta dois (02) ilustra uma camisa de botões, com fecho em colchetes de pressão nas costas/ombros. Por fim, a terceira proposta (03) condiz a uma versão estendida de comprimento do colete da proposta 01, alongando a silhueta.
A usuária definiu como peça a ser confeccionada a proposta 2, na cor rosa-chá – sua indicação de preferência. O material têxtil a ser usado foi definido como crepe com elastano, apropriado para a proposta mediante suas propriedades físicas que proporcionam conforto na usabilidade. Comprou-se 1,80m de tecido.
A modelagem foi realizada de forma digital, por meio do software Audaces Moldes. Foram feitos sete moldes, correspondentes às peças de: camisa frente, camisa costas (duas partes), manga, punho, gola, limpeza. A Figura 5 ilustra o molde finalizado, na fase de pré-impressão.
Figura 5. Moldes no software Audaces Moldes
Fonte: Elaborado pelos autores.
Com o molde desenvolvido, a etapa de confecção da peça teve início, tomando por consideração as medidas da usuária, os ajustes necessários embasados pelo Inclusive Design Toolkit (2017).
Refletida pelo método Inclusive Design Toolkit, a peça necessitou atender aos quesitos de adequada mobilidade de membro superior, facilidade de vestir e desvestir (livre de dores) e bom aquecimento, conforme a Tabela 2.
Com a peça materializada, se progrediu à fase final, de pós-desenvolvimento do produto, em que se coleta e acompanha o desempenho e a aceitação. Não correspondendo a um produto voltado para a confecção mercadológica, senão um protótipo feito sob medida, a preocupação dos autores foi a utilização e a usabilidade da entrevista, ecoando a metodologia projetual citada acima.
Inicialmente, a peça foi confeccionada em algodão cru, como protótipo inicial. A usuária utilizando essa versão pode ser conferida na Figura 6.
Figura 6. Protótipo na usuária
Fonte: Elaborado pelos autores.
Segundo feedback da usuária, as alterações necessárias foram: a) descida da cava, por conta de desconforto; b) aumento de 5 cm na parte lateral das costas, para garantir maior simetria; c) aumento de 4 cm no ombro, por conta da postura da usuária; e d) diminuição de 6 cm de comprimento frontal, também por conta de conforto postural da usuária.
Os autores retornaram ao laboratório de costura e modelagem para promover as alterações necessárias em modelagem bidimensional. A peça, em sua versão final, foi então confeccionada. A Figura 7, localizada abaixo, permite a visualização frontal (01) e a visualização lateral (02) da usuária utilizando a peça.
Figura 7. Peça nos pontos de vista frontal (01) e lateral (02)
Fonte: Elaborado pelos autores.
Abaixo, na Figura 8, são demonstradas as visualizações da peça de modo frontal (01), lateral (02), close nos botões (03) e a peça no chão, planificada (04).
Figura 8. Visualização frontal da peça planificada
Fonte: Elaborado pelos autores.
Assim como proposto, o teste final de usabilidade consistiu na usuária utilizar a peça por até 6 horas, mantendo suas atividades rotineiras. Após os ajustes na modelagem, foram verificados: a) a peça não interferiu negativamente na mobilidade, permitindo a livre movimentação dos membros superiores, por conta da utilização de têxtil com elastano e crepe e da adaptação da modelagem; b) a abertura estratégica nas costas proporcionou maior facilidade ao processo de vestir e desvestir, tal como eliminou as dores outrora provocadas; c) o aquecimento foi tido como positivo, contudo, para dados comparativos, seria ideal a utilização da peça em diferentes estações, dada a grande variação de tempo interestações no estado do Rio Grande do Sul e d) diante da utilização da cartela de cores preferidas da usuária e de consideração a seu estilo, a peça foi de seu agrado.
A união das porções de usabilidade de peça e o bem-estar da usuária final em vestir o artigo – portanto, usufruindo da parte intangível e de significados – conotam o sucesso na criação e aceitação da peça. Tais elementos estilísticos e funcionais precisam sempre ser dosados e equilibrados por parte da equipe responsável pela pesquisa e design.
Este artigo relatou sobre a usabilidade de uma peça de moda inclusiva, tomando como público-alvo uma usuária idosa e com mobilidade reduzida nos membros superiores.
Por meio de estudo de caso e utilizando a metodologia Inclusive Design Toolkit (2017), os autores buscaram compreender as necessidades e o cotidiano do público-alvo, bem como agir de maneira projetual em referência às demandas de baixa mobilidade de membros superiores, dor e dificuldade no vestir e despir e falta de aquecimento da peça. Via tomada de medidas da usuária e criação computadorizada da modelagem 2D, os autores confeccionaram uma peça com crepe e elastano, empregando uma gola com abertura traseira e fechamentos no ombro com colchetes de pressão.
O elevado grau de customização da peça confeccionada denota o grande desafio do design de moda inclusivo: sendo uma unidade industrial, a moda precisa levar em consideração a escalabilidade e a produção padronizada. Se cada caso de necessidades específicas for altamente customizado, o problema se projeta também para uma necessidade particular. Cada necessidade específica pode requerer uma gama de variáveis que devem ser compreendidas no processo de design. É função do designer de moda inclusiva saber reconhecer seu público e ter estudos antropométricos e ergonômicos alinhados com as reais necessidades.
A usuária final aprovou a peça, ao passo que permitiu uma amplitude de movimentos de seus membros superiores, eliminando as dores e o desconforto de vestir e despir. A temperatura, apesar de aprovada, necessita de mais testes a médio prazo. E deverão ser realizados com tecidos com diferentes propriedades térmicas, já que apresentam a capacidade de regular a troca de calor entre o corpo humano e o ambiente externo.
Ressalta-se que, apesar da parte funcional ter atendido às demandas, o processo criativo deve compreender tanto o designer quanto o usuário final, sob a ótica de que o estilismo da peça agradou à usuária, não podendo, assim, se desvincular da porção funcional do objeto confeccionado. Tal agrado por parte da usuária, unido ao reconhecimento e utilidade da funcionalidade da peça e ao processo criativo, que une a visão do designer e a solução de problemas para o usuário final, denotam o sucesso de uma abordagem voltada para o indivíduo.
Os autores sugerem que pesquisas de mobilidade reduzida sejam aplicadas com usuários do sexo masculino, visto que esse público implica diferentes medidas antropométricas a serem adaptadas. Outra oportunidade, agora longitudinal, é realizar testes de vestibilidade e de adaptação térmica a médio prazo.
A equipe percebeu o alto grau de personalização necessário ao adequar – por meio de estudos ergonômicos e antropométricos – uma proposta de vestuário para PCDs. O ato de se desprender (mas não descartar) da parte estética – que é o núcleo da indústria da moda como produto – se mostrou como um exercício complexo pelo fato de ecoar o motivo maior do design e da ergonomia: a solução de problemas e a adequação indivíduo-ambiente. Realizar o ato de empatia por uma necessidade específica denota uma tarefa complexa, porém, fundamental ao design.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a disponibilidade da usuária, bem como as modelistas e costureiras Natália Vitali Zocche, Gabrielly Miranda Guimarães e Carolina Forpagel.
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