A relevância do setor da Moda na Indústria Criativa

Milena Cherutti

Mestre, Universidade Feevale / mcherutti@hotmail.com
Orcid / Lattes


Cristiano Max Pereira Pinheiro

Doutor, Universidade Feevale / maxrs@feevale.br
Orcid / Lattes

Enviado: 30/01/2023 // Aceito: 28/04/2023

A relevância do setor da Moda na Indústria Criativa

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo demonstrar a relevância do setor da Moda na Indústria Criativa. Esta pesquisa torna-se pertinente na investigação de novos conceitos acerca da área, delineando, assim, as classificações sobre os setores criativos e suas definições, além de apresentar dados importantes do setor da Moda, por meio de uma pesquisa bibliográfica, de cunho exploratório e analisada de forma qualitativa. A partir disso, vê-se a relevância do setor da Moda, em diálogo com o Design, entre os setores criativos, pois antes do surgimento do termo Indústria Criativa eles já vinham comercializando bens e serviços desenvolvidos a partir da criatividade.

Palavras-chave: Indústria Criativa; Criatividade; Moda.

The relevance of the Fashion sector in the Creative Industry

ABSTRACT

This study aims to demonstrate the relevance of the Fashion sector in the Creative Industry. This research becomes relevant in the investigation of new concepts about the area, thus outlining the classifications on the creative sectors and their definitions, in addition to presenting important data from the Fashion sector, through a bibliographical research, of an exploratory nature and qualitatively analyzed. From this, one sees the relevance of the Fashion sector, in dialogue with Design, among the creative sectors, because before the emergence of the term Creative Industry they were already selling goods and services developed from creativity.

Keywords: Creative Industry; Creativity; Fashion.

La relevancia del sector Moda en la Industria Creativa

RESUMEN

Este estudio pretende demostrar la relevancia del sector Moda en la Industria Creativa. Esta investigación cobra relevancia en la indagación de nuevos conceptos sobre el área, esbozando así las clasificaciones sobre los sectores creativos y sus definiciones, además de presentar datos importantes del sector Moda, a través de una investigación bibliográfica, de carácter exploratorio y analizado cualitativamente. A partir de ahí, se ve la relevancia del sector Moda, en diálogo con el Diseño, entre los sectores creativos, pues antes del surgimiento del término Industria Creativa ya vendían bienes y servicios desarrollados desde la creatividad.

Palabras clave: Industria Creativa; Creatividad; Moda.

1. INTRODUÇÃO

A criatividade permeia o âmbito da intangibilidade, utilizando, em suma, da propriedade intelectual para desenvolver novos produtos/serviços de forma autoral e simbólica. Perante isso, começa-se a admitir valor significativo dentro das empresas, transformando o seu sistema produtivo, de forma que a criatividade e a capacidade de inovação, nos processos criativos de uma empresa, tornaram-se vantagem competitiva entre os setores, além de ser o recurso principal para a geração de valor de uma marca, devido ao aumento de concorrentes diretos.

Além disso, a Indústria Criativa sofre influência de contextos culturais, sociais e políticos, nos quais a gestão do desenvolvimento de capital intelectual emerge de maneira a melhorar o estilo vida das pessoas, a partir da criação de novos produtos e modelos de negócios combinando ética, sustentabilidade e inovação. Em relação por exemplo às mudanças ocasionadas pela pandemia da Covid-19 desde o ano de 2020, o setor da Moda precisou adaptar-se a elas, abraçando o ambiente virtual de plataformas de e-commerce e redes sociais, procurando antever comportamentos pós-pandêmicos ou ainda alterando certos posicionamentos sobre produtos e serviços (Cherutti; Pinheiro, 2021).

Assim sendo, a presente pesquisa torna-se pertinente na investigação de novos conceitos sobre a Indústria Criativa, delineando as classificações referente aos setores criativos e suas definições, bem como, demonstrar a importância do setor da moda entre eles. Isso porque o seu sistema ocorre a partir da constante busca pelo novo e pela vontade de expressão da individualidade, aliado a valores e significações culturais urbanas e contemporâneas. Dessa forma, o objetivo geral é demonstrar a relevância do setor da na Indústria Criativa. Para tanto, ir-se-á: conceituar esta última; contextualizar e apresentar dados sobre o setor da na Indústria Criativa.

No que diz respeito à metodologia, classifica-se a natureza da pesquisa como básica, ou seja, pretende-se gerar novos conhecimentos sem intenção de aplicação prática. Por meio de uma pesquisa bibliográfica – elaborada a partir da consulta de livros, revistas, artigos publicados, dissertações, entre outros – serão apresentados os principais conceitos e termos relacionados à pesquisa (Prodanov; Freitas, 2013) e os dados apresentados serão analisados por meio de uma abordagem qualitativa e descritiva.

Este artigo estrutura-se a partir de três seções, de forma que, após a Introdução, a segunda seção abarcará a conceituação acerca dos termos Indústria e Economia Criativa, a partir da pesquisa bibliográfica de autores como Florida (2011), Howkins (2013), Reis (2008), UNCTAD (2010), Ministério da Cultura (2011), entre outros. Já a terceira seção apresentará uma contextualização e um levantamento de dados sobre o setor da Moda, mostrando a importância do mesmo na Indústria Criativa, utilizando como referência autores como Santos (2016), Treptow (2014), Howkins (2013), Carvalhal (2016), Lipovetsky (1989), entre outros; bem como importantes instituições ligadas às Indústrias Têxtil e Confecção, FIRJAN (2014; 2022) e ABIT (2023). Por fim, expressam-se as Considerações Finais.

2. INDÚSTRIA CRIATIVA

O termo Indústria Criativa começou a ser pauta em 1994, na Austrália, através do lançamento do relatório Creative Nation1. Tal relatório possuía por intenção preservar e elencar a importância do trabalho criativo, através da contribuição do mesmo para a economia do país, bem como, o auxílio da tecnologia na política cultural vigente (Reis, 2008).

Conforme Howkins (2013, p. 17), foi em 1997 que o tema ganhou maior visibilidade, através de uma iniciativa do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha em mapear os setores criativos no país que, “embora originalmente incluísse todos os setores ligados à propriedade intelectual, no final decidiu deixar de fora as ciências”. Segundo Reis (2008), tal mapeamento fez-se tão importante em função de seus quatro principais objetivos, de

1) contextualizar o programa de indústrias criativas como resposta a um quadro socioeconômico global em transformação; 2) privilegiar os setores de maior vantagem competitiva para o país e reordenar as prioridades públicas para fomentá-los; 3) divulgar estatísticas reveladoras da representatividade das indústrias criativas na riqueza nacional (7,3% do PIB, em 2005) e com crescimento recorrentemente significativo (6% ao ano, no período 1997-2005, frente a 3% do total); 4) reconhecer o potencial da produção criativa para projetar uma nova imagem do país, interna e externamente, sob os slogans “Creative Britain” e “Cool Brittania”, com a decorrente atratividade de turismo, investimentos externos e talentos que sustentassem um programa de ações complexo (Reis, 2008, p. 16).

Este mapeamento realizado pelo Department of Culture, Media and Sport (DCMS)2 auxiliou na definição acerca dos setores que abrangeriam as indústrias criativas, entre eles estão a Publicidade e a Propaganda, a Arquitetura, o Mercado de Artes e Antiguidades, o Artesanato, o Design, o Design de Moda, o Cinema, os Softwares, a Música, as Artes Performáticas, a Televisão e o Rádio. A inclusão desses setores como criativos, dá-se pela sua origem na criatividade individual (Blythe, 2001).

Dessa forma, “o termo indústrias criativas é aplicado a um conjunto produtivo muito mais amplo, incluindo bens e serviços produzidos pelas indústrias culturais e aqueles que dependem da inovação, incluindo muitos tipos de pesquisa e desenvolvimento de software” (UNESCO, 2013, p. 20, tradução nossa). O Creative Economy Report3, lançado em 2013 pela Unesco, utiliza os termos indústrias criativas e culturais como complementares para realizar a sua classificação, alegando a dificuldade em classificar determinados eventos, pois contemplam tanto aspectos culturais, quanto criativos. A partir do estudo de diversos setores criativos e culturais no mundo inteiro, elaborou-se um mapeamento acerca dos Domínios Culturais, dividindo-os em seis grandes grupos: a) Cultura e Herança natural; b) Performance e celebração; c) Artes Visuais e Artesanato; d) Livros e Imprensa; e) Audiovisual e Mídia Interativa; e f) Design e Serviços Criativos, conforme representado na Figura 1, abaixo.

Figura 1. Domínios Culturais
Linha do tempo

Descrição gerada automaticamente
Fonte: UNESCO (2013, p. 25 tradução nossa.

No Brasil, iniciou-se o reconhecimento acerca do termo na XI Conferência Ministerial da UNCTAD, em 2004. Em resultado disso, no ano de 2008 foi lançado o seu primeiro Relatório de Economia Criativa, ao ver o potencial da Indústria Criativa em expansão que, contribuíra para o crescimento de países em desenvolvimento (UNCTAD, 2010). Tal relatório surgiu com a necessidade de compreender os setores criativos dentro da estrutura econômica do país, compreendendo “um conjunto de atividades baseadas no conhecimento que produzem bens tangíveis e intangíveis, intelectuais e artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico” (UNCTAD, 2010, p. xvi).

Além da Unctad, o Sistema FIRJAN lançou em 2008, um estudo nomeado “A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil”, usando como base o mapeamento desenvolvido pela DCMS em 1998. A partir das suas atualizações, foi construída uma análise referente aos profissionais criativos, indo além dos estudos já existentes sobre a produção dos setores da Indústria Criativa. Neste mapeamento foi desenvolvido um fluxograma, dividindo a Indústria Criativa em três categorias: a) Indústria Criativa (Núcleo), sendo aquela que admite a ideia como matéria-prima para a geração de valor, dividida entre os subgrupos de Consumo, Cultura, Mídias e Tecnologia; b) Atividades Relacionadas, consistem em empresas que fornecem os elementos necessários para o andamento do núcleo criativo, sendo elas Indústrias ou Serviços e; c) Apoio, o qual atua de forma indireta nas indústrias criativas, através de bens e serviços (Firjan, 2014, p. 7-8).

Florida (2011, p. 8) alega que a classe criativa é composta pelas ciências, engenharias, arquitetura, design, educação, artes plásticas, música e entretenimento, através do seu potencial econômico em “criar ideias, novas tecnologias e/ou novos conteúdos criativos”. Além disso, o autor divide a classe criativa em dois grupos, o Centro Hipercriativo – composta por cientistas, engenheiros, professores universitários, artistas, designers e arquitetos – e, os Profissionais Criativos, que são aqueles que trabalham com serviços financeiros, administradores, profissionais da saúde, advogados e tecnologia da informação (TI).

Já Howkins (2013) divide os setores criativos em quatro grandes grupos: direitos autorais, patentes, marcas e desenhos industriais. Setores criativos são aqueles que trabalham com a propriedade intelectual, ou seja, são intangíveis, tal como é a criatividade, elemento central para a geração da propriedade intelectual. Esta, consiste na capacidade de criar algo, de forma pessoal, original e significativa. “Ela ocorrerá toda vez que uma pessoa disser, realizar ou fizer algo novo, seja no sentido de ‘algo a partir do nada’ ou no sentido de dar um novo caráter a algo já existente” (Howkins, 2013, p. 13). Dessa forma, todas as pessoas são criativas de alguma forma, porém, são poucos os que se desenvolvem e utilizam a criatividade em prol do desenvolvimento econômico, como ponto central de sua vida profissional, comercializando e lucrando com ela.

Howkins (2013) define três condições essenciais para a existência da criatividade, sendo elas a personalidade, a originalidade e o significado no que se faz. De maneira que a personalidade implica na presença de uma pessoa, ou seja, uma característica pessoal, pois é necessário que alguém veja algo que a leve a criar algo. Já a originalidade se dá através da criação de algo novo, seja algo que “veio do nada” ou o retrabalho em cima de algo já existente, no intuito de “dar caráter a algo”. E enfim, essa criação necessita da atribuição de um nome, condicionando a ela um significado.

Segundo dados da Unctad (2010), a Indústria Criativa admite uma grande influência social, a partir da sua capacidade de empregabilidade. Apesar dos setores das indústrias criativas demandarem de um alto nível de qualificação, principalmente de conhecimento, sua contribuição é geralmente significativa, de forma a atingir em torno de 2 a 8% dos trabalhadores, podendo variar de acordo com o setor. A nova edição do Mapeamento da Indústria Criativa (Firjan, 2022) mostra que o número de profissionais do setor cresceu 11,7% de 2017 a 2020 no Brasil, sendo que, hoje existem 935 mil profissionais criativos formalmente empregados, o que equivale a 70% de toda a mão de obra que atua na indústria metal mecânica brasileira. Bem como, a participação do PIB Criativo no total do PIB brasileiro passou de 2,61% em 2017 para 2,91% em 2020, totalizando R$ 217,4 bilhões.

Dessa forma, com o crescimento da indústria e o aumento de concorrentes diretos, a criatividade e a capacidade de inovação tornaram-se vantagem competitiva entre os setores, além de ser o recurso principal para a geração de valor. Portanto, a criatividade sozinha não possui valor econômico, ela consiste no mecanismo para alcançar um valor comercial a partir do desenvolvimento de um produto ou ideia comercializável. Para que isso aconteça, um mercado ativo com vendedores e compradores precisa existir, além de outras convenções da economia tradicional, como instruções acerca de leis e contratos que constituem uma empresa consistente. Fora desse âmbito, a criatividade deixa de ser pertencente à economia criativa, pois não desenvolveu algum produto ou ideia que possua valor econômico (Howkins, 2013).

Assim sendo, a próxima seção intenta por elencar os principais conceitos acerca da Economia Criativa.

2.1 Economia criativa


A economia tradicional, tal como se conhece, define-se através de um sistema de produção, troca e consumo de bens e serviços. Em contrapartida, vê-se a criatividade como uma atividade econ
ômica, que possui como resultado um produto criativo, sendo ele um bem ou serviço. “Essa transição de abstrato para prático, de ideia para o produto, é difícil de definir. Não existe nenhuma definição abrangente do momento dessa mudança que preveja todos os casos” (Howkins, 2013, p. 13).

De acordo com o Ministério da Cultura (2011, p. 24), “a economia criativa é, portanto, a economia do intangível, do simbólico”, pois sua particularidade é a abundância de recursos, reconfigurando os modelos tradicionais, a partir da construção de novos modelos de negócio com base na consciência dos “novos tempos”. Dessa forma, novas instituições emergiram a fim de apoiar e auxiliar a economia criativa, sendo elas “(1) novos sistemas voltados para a criatividade tecnológica e o empreendedorismo, (2) modelos mais eficazes para a produção de bens e serviços, e (3) um vasto meio social, cultural e geográfico propício a todo tipo de criatividade” (Florida, 2011, p. 48).

Portanto, Howkins (2013) sintetiza a economia criativa na qual a matéria-prima consiste no talento humano e a sua moeda mais preciosa são as ideias e a propriedade intelectual. Isso explica a importância do investimento na educação, fator impulsionador da economia do conhecimento, atuando no ramo da intangibilidade. Todavia, o principal recurso das indústrias criativas quanto economia, “relaciona os conhecimentos tradicionais de um lado da cadeia de valor ao consumidor final na outra extremidade, é a sua capacidade de servir os objetivos culturais e econômicos do processo de desenvolvimento” (UNCTAD, 2010, p. 38).

O Ministério da Cultura (2011) constituiu os seguintes princípios norteadores para a economia criativa brasileira: diversidade cultural, sustentabilidade, inclusão social e inovação, conforme ilustrado na Figura 2, abaixo.

Figura 2. A economia criativa brasileira e seus princípios norteadores
A economia criativa brasileira e seus princípios norteadores (MinC, 2011)
Fonte: Ministério da Cultura (2011, p. 32).

Segundo o Ministério da Cultura (2011), a diversidade cultural gera riqueza e um leque de possibilidades de criação, a partir da valorização das expressões culturais, bem como é agente causador do desenvolvimento de comunidades, povos e nações. É sinônimo de originalidade e forma. O termo sustentabilidade, nesse sentido, vai além da preocupação com o meio ambiente – apesar de o uso descontrolado dos recursos naturais terem causado desequilíbrio ambientais – e admite um conceito mais amplo, abrangendo a preocupação com trabalhadores (pagando salários justos) e com consumidores (através de um comércio justo).

A inovação também ganha outras dimensões na economia criativa pois, além de proporcionar um olhar crítico e pensamento estratégico, admite o aprimoramento sobre algo já existente, chamada de inovação incremental e, a criação de algo jamais visto, indica uma inovação radical (Ministério Da Cultura, 2011). E, por último, em países como o Brasil – em desenvolvimento – onde ainda há bastante desigualdade e o acesso à cultura segue com baixos índices, a inclusão social é de extrema importância para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a economia criativa.

Por conseguinte, dados estatísticos do Ministério da Cultura (2011) acerca da economia criativa nacional são escassos, pois os poucos estudos sobre a área apresentam categorizações e até procedimentos muito distantes uns dos outros, o que gera conflitos ao invés de soluções. Dentre os fatores, podemos citar a falta de diretrizes de políticas públicas sobre a regulamentação e enquadramento dos setores criativos, além da ausência de levantamentos específicos sobre as atividades e produtos criativos. Portanto, para que a economia criativa se desenvolva, o envolvimento do governo com políticas públicas eficazes voltadas para a criatividade, investimento em infraestrutura, tecnologia, comunicação e, principalmente, na educação são de extrema importância.

Logo, “os produtos criativos são a base não apenas da informação e de novas tecnologias, mas de toda a economia moderna, de softwares a calçados” (Howkins, 2013, p. 236). Observando seu grande potencial comercial, a moda consiste em um setor da Indústria Criativa o qual merece receber certa atenção, pois consiste em uma área em expansão e que procura sempre acompanhar as tendências comportamentais mundiais (UNCTAD, 2010).

3. O SETOR DA MODA NA INDÚSTRIA CRIATIVA

“Em uma sociedade contemporânea dominada por imagens, sons, textos e símbolos, a conectividade está influenciando nossas atitudes e sendo uma parte integrante de nossos estilos de vida” (Unctad, 2010, p. 37), contexto no qual se insere a economia criativa, através da educação e trabalho, mas também no entretenimento e atividades de lazer. Segundo a definição da UNCTAD, o design de moda pertence à categoria de Criações Funcionais, pois ele é composto por diversas atividades dotadas de propriedade intelectual, possuindo um propósito de mercado além de todo o seu valor cultural.

Nesse sentido, o design de moda consiste em uma segmentação do design industrial, onde a formação em moda tem se aproximado cada vez mais dos conceitos de design no intuito de conhecer e compreender as tecnologias existentes ao desenvolvimento de produtos focados no seu público-alvo, procurando a sua aceitação. Pois “sua preocupação deve centrar-se não apenas na comercialização do produto, mas na funcionalidade e nos benefícios que possa proporcionar ao usuário, ainda que, sobretudo no design de moda, esses benefícios sejam atributos intangíveis” (Treptow, 2013, p. 42).

Conforme Santos (2016, p. 104) a função primordial da moda é a de vestir, de forma que “a criatividade envolvida no processo de concepção das peças destina-se à produção de um objeto feito para ser utilizado como vestuário, seja na forma de roupas, calçados ou demais itens de adorno pessoal”. Isso mostra a dimensão da área da moda, abrangendo uma ampla gama de produtos além de peças de roupas, entre eles bolsas, cintos, joias, perfumes e acessórios. A utilização da criatividade para o desenvolvimento de coleções de moda requer um olhar crítico e pensamento estratégico, visto que uma de suas principais características é que ela se modifica com o tempo, renovando-se a nova estação – ou, pelo menos (re)interpretando tendências passadas – de acordo com as mudanças do comportamento humano. Esse caráter transitório da moda é identificado através do princípio norteador de inovação da economia criativa (Ministério Da Cultura, 2011).

A comercialização de moda acontece de duas formas, a contar do segmento de alta-costura e do prêt-à-porter. O primeiro deles, surgiu juntamente à criação da Maison de Charles Worth, no final do século XIX, precursor da moda a partir da criação de novos modelos, desenhados especialmente para cada cliente. Ela consiste na confecção artesanal e sob medida de peças únicas e exclusivas, normalmente costuradas à mão, o que restringe o seu público à classe alta e nobreza, dado elevado valor do produto. Atualmente tal segmento admite um mercado consumidor de cerca de duas mil mulheres no mundo inteiro. Já a segunda forma, de prêt-à-porter, expressão francesa que se traduz como “pronto para vestir” e ganhou grande popularidade após a Segunda Guerra Mundial, trazendo à população praticidade, variedade de oferta e preços acessíveis. O termo designa-se a produtos desenvolvidos para um público consumidor específico e, não exclusivamente para uma pessoa, apesar de, atualmente, existirem marcas que apostam em itens com maior exclusividade e valor agregado, abrangendo algum conceito e/ou identidade de marca (Treptow, 2013).

A importância do setor no cenário nacional iniciou-se nos anos 2000, onde começaram a ser idealizadas instituições específicas para a compreensão da “nova” forma de atuar de alguns setores até então conhecidos como tradicionais, a partir das concepções da atuação da Indústria Criativa. Entre eles estava o setor da moda, pois, até então, a cadeia produtiva de moda no Brasil não era compreendida como criativa, apesar de envolver o processo criativo como etapa de desenvolvimento de produto. Acredita-se que, a partir deste momento, a moda como indústria começou a produzir suas peças com base no “ethos de estilo e a possuir uma preocupação com o design do produto, com as questões formais e estéticas, que, em contextos capitalistas, produzem a diferenciação nos bens e participam no estímulo ao consumo” (Santos, 2016, p, 107).

A partir daí viu-se uma tendência à valorização econômica da intangibilidade cultural e, juntamente a incentivos, a moda começou a ganhar destaque como Indústria Criativa. Reis (2008) aponta como exemplo de visibilidade e crescimento do setor a criação da SPFW (São Paulo Fashion Week), evento que emprega cerca de cinco mil pessoas direta e indiretamente, rendendo aproximadamente 350 milhões de reais em mídias, além de estar entre as cinco principais semanas de moda do mundo inteiro. Este evento elevou o conceito do trabalho dos estilistas brasileiros, de forma a ser percebido como o desenvolvimento de produtos artístico culturais, utilizando como elementos a diversidade cultural do país e alterando a forma como ele era visto mundo afora (Santos, 2016).


A indústria têxtil é a segunda maior empregadora do país e a que mais utiliza mão de-obra feminina, mas até meados da década de 1990 havia uma desorganização no calendário da moda no país, gerando dificuldades na logística de produção de tecidos, vestuário e comércio e no entendimento das oportunidades de negócios. A São Paulo
Fashion Week foi criada em 1996 pela iniciativa privada e sem apoio governamental, para criar relações estratégicas entre os diversos setores e entidades, conciliando o valor tangível do têxtil ao intangível da criação brasileira. [...] Mais do que o impacto econômico da moda nacional, os valores da cultura brasileira passam a ser divulgados no exterior e, internamente, inspiram setores com credenciais de inovação e tecnologia, como o automobilístico, o de celulares e o de cosméticos de ponta (Reis, 2008, p. 135-136).

Apesar de possuir grande impacto visual nas passarelas, a moda enquanto cultura ainda não gera lucro para a indústria, pois consiste em um bem simbólico e não possui um público consumidor. Nos últimos anos, a sociedade vem se conscientizando acerca de sua importância, porém o interesse de mercado investidor ainda é bastante pequeno. A partir desta percepção, respalda-se a necessidade de apoio governamental e de políticas públicas com diretrizes fundamentadas para a maior comercialização desses bens. Dessa forma, a moda influencia diversos aspectos da vida, tais como arte, negócios, consumo, tecnologia, corpo, identidade, modernidade, globalização, mudança social, política, meio ambiente, além da valorização e representação de diferentes expressões culturais ao redor do mundo, o que reforça o pilar de diversidade cultural da economia criativa (Ministério Da Cultura, 2011).

Nesse sentido, há uma propensão a caracterizar o setor da moda como manifestação cultural, dado seu envolvimento com a cultura, apesar de estar diretamente relacionada às tecnologias de desenvolvimento de tecidos e maquinário, bem como, de mercado. “Assim, de diferentes maneiras, busca-se acentuar que a moda é algo além de sua produção industrial básica de objetos têxteis e de vestuário, aproximando-a do campo da produção de significados” (Santos, 2016, p. 111).

Moda é expressão, visto que, as nossas escolhas refletem aquilo que somos – ou adoraríamos ser (Carvalhal, 2016). Sobre isso, a moda está presente no museu, na indústria, em toda parte pelas ruas e, também, reluzente na mídia. Dessa forma, ela produz conteúdo e informação “24/7”, ou seja, vinte e quatro horas por dia, durante os sete dias da semana, provocando efeitos ambíguos. O seu sistema ocorre a partir da constante busca pelo novo e pela vontade de expressão da individualidade juntamente aos valores e significações culturais modernas. A moda consiste em agradar, surpreender, ofuscar e, principalmente, na mudança. Mudança de si, das pessoas e de formas, consiste em fazer a diferença (Lipovetsky, 1989). Portanto, o autor cita que


A moda irrompe em coleções singulares e incomparáveis, cada criador prossegue sua trajetória própria, avançando seus próprios critérios. A moda aproximou-se ao mesmo tempo da lógica da arte moderna, de sua experimentação multidirecional, de sua ausência de regras estéticas comuns. Criação livre em todas as direções, na arte como na moda: da mesma maneira que os encenadores contemporâneos apropriam-se livremente do repertório oficial e o transgredem, abolindo a autoridade do texto e os princípios exteriores à criação do “palco”, assim também os criadores liquidaram a referência implícita a um gosto universal e reinvestem ironicamente, anarquicamente, nos estilos do passado (Lipovetsky, 1989, p.
125).


Os produtos provenientes da moda são grandes exemplos de potencial comercial da Indústria Criativa, pois, muito antes do surgimento deste termo, vinha-se comercializando bens e serviços desenvolvidos a partir da criatividade, considerando a época na qual se estava vivendo. Além disso, corroborando com a definição do Ministério da Cultura (2011) acerca da sustentabilidade para além da preocupação com o meio ambiente e, sendo estre um dos princípios norteadores da economia criativa, o setor da moda
é a indústria que mais emprega mulheres, auxiliando para a redução da desigualdade de gênero, apesar de, ainda existir um índice alto de exploração e condições precárias de trabalho, principalmente no setor de costura (Santos, 2016). Expressa-se assim o lado ético, inclusivo e de apoio à toda a cadeira de valor dos processos criativos e produtivos de uma indústria, que também fazem parte da temática sustentabilidade.

Segundo o relatório da UNCTAD (2010), a natureza da diversidade cultural existe nos valores culturais e históricos que os produtos de moda carregam, antropologicamente falando, dando à Indústria Criativa a dinamicidade de atrelar conhecimentos considerados tradicionais do passado a tecnologias atuais. Portanto, as criações de estilistas de países em desenvolvimento – como o Brasil – estão ganhando destaque no cenário econômico mundial, a partir da originalidade de têxteis étnicos unidos à diversidade cultural do nacional. Como visto anteriormente, a inclusão social consiste em um assunto de extrema importância em um país em desenvolvimento, de forma que a moda ganha protagonismo ao fazer a aproximação do trabalho de comunidades de artesãos como mão-de-obra para a confecção de coleções, valorizando o trabalho manual e, também, cultural tão rico do país. Através disso, percebe-se o movimento do setor por meio dos quatro princípios norteadores da economia criativa, apresentados pelo Ministério da Cultura (2011).

Segundo a ABIT (2023), a cadeia têxtil e de confecção tiveram, em 2017, um faturamento de US$ 51,58 bilhões, com uma produção média de 8,9 bilhões de peças, incluindo vestuário, meias, acessórios e itens de cama, mesa e banho. Para tanto, a indústria da moda contou, no mesmo ano, com 1,5 milhão de funcionários diretos, além de oito milhões de trabalhadores indiretos, onde destes, 75% consistem em trabalhadoras mulheres.

A indústria da moda existe há quase 200 anos no país, onde é referência mundial no desenvolvimento de produtos beachwear, jeanswear e homewear, com crescimento também nos segmentos fitness e lingerie. Além disso, em 2017 o país contava com mais de cem escolas e cursos de graduação/tecnólogos em moda (Abit, 2023). No que diz respeito ao número de empresas formalizadas a nível Brasil, segundo a ABIT (2023), em 2017 chegou em 27,5 mil, sendo responsável, também, pela maior cadeia têxtil completa do Ocidente, produzindo, no mercado interno, desde fibras (naturais e sintéticas), fiação, tecelagem, beneficiamento, confecção, varejo e comércio, até a apresentação das coleções em grandes desfiles de moda, visto que, a moda brasileira está entre as cinco maiores Semanas de Moda do mundo com a SPFW (São Paulo Fashion Week).

Diante isso, a Figura 3 abaixo, apresenta uma tabela elaborada pela FIRJAN (2022), que tem por intenção apresentar as dez profissões criativas mais numerosas na categoria de Consumo (publicidade e marketing, arquitetura, design e moda). Dentre elas, pode-se observar, em 6º lugar a profissão de “desenhista técnico” e, em 10º lugar “trabalhadores artesanais da confecção de calçados e artefatos de couros e eles”, admitindo 28,9 mil e 9,9 mil, respectivamente, funcionários formalmente empregados vinculados à área da moda.

Figura 3. Profissões mais numerosas na categoria
Tabela

Descrição gerada automaticamente
Fonte: FIRJAN (2022 p. 29).

Além disso, a categoria de Consumo teve um aumento de 20% no número de profissionais criativos, quando comparado ao ano de 2017. No que diz respeito à área da moda, ela representa um total de 37,1 mil funcionários formalmente empregados que, recebem uma média salarial de R$ 2.030,00, conforme apresenta a Figura 4, na página a seguir.

Figura 4. Salários
Interface gráfica do usuário, Tabela

Descrição gerada automaticamente
Fonte: FIRJAN (2022 p. 28).

Pode-se perceber que, dentre a categoria de Consumo, o setor da Moda admite o menor salário médio em questão de valores e, também, teve uma redução de 13,5% quando comparado com os salários de 2017 no segmento. Esses dados mostram a representatividade do setor da Moda dentre os setores criativos, bem como, o crescimento do cunho criativo e cultural como subsídio para a criação de coleções de moda, em função da qualificação dos profissionais dessa área, com o surgimento dos cursos de graduação em Moda, conforme constatado acima. Portanto, a criação de produtos demanda uma série de processos, desde a sua idealização até o seu uso pelos consumidores.

Dessa forma, conclui-se a revisão bibliográfica acerca do setor da Moda e a sua relevância na Indústria Criativa. A seguir, expressam-se as considerações finais a respeito deste estudo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo admitiu a pretensão de aprofundar-se teoricamente acerca das indústrias criativas e a relevância do setor da moda entre elas. Diante disso, a mesma tornou-se pertinente na investigação de novos conceitos sobre a Indústria Criativa, delineando as classificações referentes aos setores criativos e suas definições. Nesse contexto, demonstrou-se a importância do setor da moda, visto que, seus produtos são grandes exemplos de potencial comercial da Indústria Criativa. Antes do surgimento deste termo, eles já vinham comercializando bens e serviços desenvolvidos a partir da criatividade. Além disso, pode-se fazer uma relação da moda com os princípios norteadores da economia criativa apresentados pelo Ministério da Cultura (2011) - diversidade cultural, sustentabilidade, inclusão social e inovação.

De forma a abordar tal tema, a pesquisa cumpriu com o objetivo de demonstrar a relevância do setor da Moda na Indústria Criativa, por meio de seus objetivos específicos, que consistiram em conceituar Indústria Criativa (conceitos abordados na segunda seção); contextualizar o setor da moda no contexto da indústria criativa (na terceira seção) e; realizar uma pesquisa bibliográfica a partir da explanação desses conceitos, resultado do conteúdo apresentado neste trabalho.

Conforme apresentado pelas pesquisas da FIRJAN (2022), a moda possui dois segmentos entre as profissões mais numerosas na categoria de Consumo (Publicidade e Marketing, Arquitetura, Design e Moda), mostrando alta representatividade na geração de empregos, além de ser a indústria que mais emprega mulheres, o que auxilia na redução da desigualdade de gênero. Apesar disso, a moda possui os menores salários dentro da área de Consumo, onde, acredita-se que esse fato se dá em função da grande parte desses trabalhadores pertencerem aos segmentos de artesãos e costureiros, trabalhos em geral manuais e menos valorizados no mercado, que procura manter seus preços competitivos na produção em larga escala.

Portanto, é notável a relevância do setor da moda entre as indústrias criativas, por meio de seu cunho criativo e cultural, criando assim produtos e coleções que exploram a criatividade em prol do desenvolvimento econômico, comercializando e lucrando com ela.

NOTAS DE FIM DE TEXTO

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1 Nação Criativa, tradução nossa.

2 Departamento de Cultura, Mídia e Esporte, tradução nossa.

3 Relatório de Economia Criativa, tradução nossa.