A nova estética vestimentar feminina da elite carioca nas aquarelas de Debret (1817-1827)

Charles Roberto Ross Lopes

Pós-doutorando, Universidade Feevale / lopes.chrr@gmail.com
Orcid: 0000-0003-2608-8891 /
Lattes

Enviado: 23/01/2023 // Aceito: 15/03/2023

A nova estética vestimentar feminina da elite carioca nas aquarelas de Debret (1817-1827)

RESUMO

Este artigo investiga o vestuário nobre feminino na corte do Rio de Janeiro, em princípios do século XIX, a partir das aquarelas de Jean-Baptiste Debret. Em virtude da grandiosa dimensão da obra desse artista, foram selecionadas 5 aquarelas acabadas, pertencentes à Coleção Castro Maya, nas quais é possível explorar os detalhes dos trajes. Assim, na perspectiva de uma História Social do vestuário, analisa como a indumentária portuguesa influenciou na elaboração do vestuário utilizado pelas senhoras das elites locais, o que possibilita compreender de que modo os valores civilizatórios europeus são difundidos e incorporados pela sociedade carioca, a partir da criação de uma nova estética vestimentar.

Palavras-chave: Jean-Baptiste Debret. Moda. Rio de Janeiro.

The new feminine clothing esthetic of the carioca elite on Debret´s watercolors (1817-1827)

ABSTRACT

This article investigates the noble feminine clothing from the Rio de Janeiro court, at the beginning of the 19th century, based on Jean-Baptiste Debret´s watercolors. Due to the great dimension of this artist’s work, 5 finished watercolors were selected, belonging to Castro Maya Collection, in which it is possible to explore the details of the costumes. The academic basis embranced in the argumentative construction of the text is based on the premise that the social fabric can be understood, among other elements, from clothing and fashion. Thereby, in the perspective of a Social History of clothing, it analyzes how the Portuguese dress influenced the elaboration of the clothing used by the ladies from local elites, which makes it possible to understand how the values of the European civilization are disseminated and incorporated by the society of Rio de Janeiro, starting from the creation of a new clothing aesthetic.

Keywords: Jean-Baptiste Debret. Fashion. Rio de Janeiro.

La nueva estética del vestuario femenino de la élite carioca en las acuarelas de Debret (1817-1827)

RESUMEN

Este artículo investiga la indumentaria noble de las mujeres en la corte de Río de Janeiro, a principios del siglo XIX, a partir de las acuarelas de Jean-Baptiste Debret. Debido a la gran escala de la obra de este artista, se seleccionaron 5 acuarelas terminadas pertenecientes a la Colección Castro Maya, en las que es posible explorar los detalles del vestuario. Así, desde la perspectiva de una Historia Social de la indumentaria, analiza cómo la indumentaria portuguesa influyó en la creación de prendas utilizadas por las damas de las élites locales, lo que permite comprender cómo los valores civilizatorios europeos son difundidos e incorporados por la sociedad carioca. , basado en la creación de una nueva estética de ropa.

Palabras clave: Jean-Baptiste Debret. Moda. Rio de Janeiro.

1. INTRODUÇÃO

As transformações históricas e socias vivenciadas na corte carioca desde a chegada da Família Real portuguesa, em 1808, impactaram diretamente a cultura vestimentar das nobres senhoras. Desde então, surgiram traços híbridos que remetem à estética da moda europeia, como poderemos observar nas aquarelas acabadas elaboradas por Jean-Baptiste Debret, entre as décadas de 1810 e 1820. Optou-se em trabalhar com as denominadas aquarelas acabadas, ou seja, as composições ricamente elaboradas que deram origem às gravuras que tornam Debret famoso. Elas constituem “a ‘nata’ da produção de Debret, tanto do ponto de vista do interesse histórico quanto do mérito artístico” (BANDEIRA; LAGO, 2017, p. 14). Sempre de tamanho semelhante (cerca de 17cm x 23cm) e na sua maioria datadas e assinadas pelo artista, essas aquarelas foram confeccionadas pacientemente, no decorrer dos anos, como um bordado do dia a dia brasileiro. De acordo com os estudiosos da obra debretiana, elas constituem o último estágio antes das gravuras.

Constituindo a indumentária em um importante elemento de manifestação sociocultural no período, ao formular os seus registros pictóricos, o artista dedicou especial atenção a sua composição. Em algumas de suas aquarelas representou em detalhes os vestidos, os sapatos, as bolsas, os penteados, as joias e demais adereços. Nesse caso, a análise de sua obra ao auxiliar na observação das cenas do cotidiano possibilita a verificação, ainda que especulativa, por se tratar do olhar do pintor, do vestuário que passa a ser utilizado pelas mulheres das elites locais. Essa vestimenta permite revelar não apenas seu prestígio social, assim como, seus conhecimentos de conduta, de civilidade e seus gostos estéticos. Nesse sentido, as aquarelas realizadas por Debret assumem o caráter de importante fonte histórica para compreender a indumentária e a moda nesse contexto.

2. DEBRET E O VESTUÁRIO NOBRE FEMININO

Na Europa, com a eminência da Revolução de 1789, a moda passa por significativas transformações. Os volumosos panniers que estruturam as saias dos vestidos não são mais empregados antes mesmo da queda da Bastilha. E o retorno à natureza postulado por filósofos como Jean-Jacques Rousseau, leva a um apelo cada vez mais eminente pela simplicidade.

As modas da nova corte francesa, agora consular e não mais monárquica, se tornam referência de elegância a ser seguida pelas mulheres europeias. Ao invés dos excessos dos grandes volumes, o vestuário tende a seguir gostos mais simples, porém, não menos sofisticados. A partir de 1800, conforme Carl Köhler (2005), a referência greco-romana na concepção do vestuário determina o modelo a ser seguido em termos de elegância, como atesta a leveza do traje francês.

Não tarda para que o então denominado estilo Diretório forneça os principais elementos para uma nova moda chamada Império, que “constituiu uma manifestação da indumentária erudita com características próprias, decorrentes do contexto ideológico e militar da época napoleónica” (TEIXEIRA, 1992, p. 11). A silhueta Império surge na França por volta de 1804, ali prolongando-se como moda até 1815, período em que proliferam peças leves feitas com delicados tecidos, o corte reto, a cintura alta, o decote baixo, as mangas curtas e bufantes, os ricos bordados e a cauda. Essa linha Império teria nascido de uma significativa justaposição de modelos: a chemise, que corresponde ao traje formado por uma única peça; o directoire anglaise, com a silhueta marcada por um decote logo abaixo do busto acrescido de cauda; e o directoire francaise, caracterizado pelo caimento e leveza do estilo greco-romano.

A musselina e a cambraia constituem os principais tecidos usados, pois além de assegurar uma maior leveza no caimento são de fácil lavagem. As saias são colocadas sobre um fundo opaco, diminuindo assim sua transparência. Devido as baixas temperaturas nos meses de inverno, recorre-se aos pesados veludos, algodões, linhos, sedas finas e lãs. Também para aquecer o corpo em dias mais amenos as mulheres usam anáguas confeccionadas com flanela. Outro acessório são os xales, confeccionados com variados tecidos. A preferência por tonalidades claras e o branco faz com que geralmente as cores dos vestidos sejam bastante suaves, o que não impede a existência de outras cores.

O vestido palaciano de linha Império exibe uma calda removível que tanto pode ser de veludo como de cetim ou seda. Ela está presa na cintura alta e é ornamentada com minuciosos bordados em fios de ouro ou prata. Surge uma decoração tipo Império para os bordados, como salientam Maria José Taxinha e Natália Correia Guedes (1975), que exibem motivos característicos como alegorias, coroas, cestos, liras, palmas, folhas de acanto, pequenas palmeiras, flor-de-lis e as famosas abelhas, introduzidas nessa época como elemento decorativo que simbolizava os esforços do trabalho empreendido por Napoleão.
Ainda que a silhueta Império se tornasse moda em Paris, e por extensão nas demais cortes europeias, em Portugal permanecem os rigorosos códigos de etiqueta e de composição da indumentária nobre feminina
1. Mesmo que no restante do continente europeu os panniers, bambolins ou donaires não estivessem mais na moda, em terras lusas, nas cerimonias oficiais e nos casamentos da aristocracia, eles ainda são empregados na toilette. Dessa maneira, inicialmente a moda portuguesa resiste a estética do traje Império, que terá que aguardar pelo primeiro quartel do século XIX para que comece a ser adotada entre as lusitanas.

Passado o primeiro estranhamento diante do estilo Império, se constata que os modelos confeccionados em Portugal seguem, com algumas especificidades locais, a linha ditada pela moda francesa. Grande parte dos tecidos empregados na fabricação dos vestidos tem procedência estrangeira, sobretudo, da Inglaterra e da França. E embora o branco seja a cor de destaque nos trajes, percebe-se uma preferência entre as senhoras lusitanas por tonalidades mais quentes, como o amarelo, o vermelho, o castanho esverdeado, o lilás, dentre outras cores fortes.

As nobres senhoras da alta sociedade portuguesa parecem ter se agradado com a silhueta fluída e longilínea dos vestidos de corte de cintura alta, mangas curtas, com drapejados e cores suaves. Uma simplicidade que evoca a antiguidade clássica, cujo contraste dos xales coloridos complementa a toilette. Além disso, diferentemente do que ocorria em outras cortes europeias, os tecidos indianos passam a ser apreciados pela realeza lusitana, não apenas para o uso cotidiano, como também em determinadas ocasiões formais na corte.

2.1 Roupas e acessórios nas aquarelas debretianas

Na corte do Rio de Janeiro, em princípios do século XIX, fica visível em Jovens da elite (Figura 1) que a silhueta de cintura alta conquista a preferência das damas.

Figura 1. Obra “Jovens da elite” (aquarela, 9cm x 13,3cm, c. 1817-1829. Coleção Castro Maya/RJ).

Fonte: Bandeira e Lago (2017, p. 350).


Na imagem, as três jovens ricamente vestidas possuem a cintura marcada logo abaixo do busto por uma fita de seda. Os vestidos de corpo inteiro apresentam tonalidades claras e decote proeminente, cujo arremate é confeccionado com plissados ou galões de seda. Outro traço semelhante nas três peças de vestido é a presença de mangas curtas e bufantes, que como veremos nas demais aquarelas se repetirá na composição dos trajes. No uso cotidiano, sua estrutura não apresentará recortes que possibilitam exibir o forro, como nos vestidos da Imperatriz D. Leopoldina, sendo mais frequentes as decorações com fitas de seda. As luvas longas permaneceram restritas aos trajes cerimoniais. O emprego dos elaborados toucados também ficará limitado às ocasiões festivas, como a participação em cerimônias oficiais, bailes e visitas ao Teatro. No dia a dia, as senhoras prendem os cabelos no alto da cabeça através de penteados ornamentados com requintadas peças de joalheria, flores naturais ou artificias e laços de seda. Ao sair para passeios públicos, as senhoras ainda fixam no penteado volumosas mantilhas de renda que se projetam por quase toda a sua silhueta. Ao escrever sobre o Rio de Janeiro imperial, Adolfo Morales de los Rios Filho menciona que:

Primeiro, os penteados se assinalam pelos cachos colocados na testa, depois se usam os inteiramente lisos, mas com trança muito alta sustentada por grandes pentes, o que denota influência espanhola. A seguir, voltam os cachos pendentes, mas colocados aos lados da cabeça; a trança enrolada e os pentes ainda subsistem. [...] Esses penteados eram quase sempre emoldurados – na rua – por graciosas e longas mantilhas (RIOS FILHO, 2000, p. 382).

Ao contrário da Europa, praticamente não há o emprego de perucas entre as senhoras brasileiras. “Os viajantes, que aqui passaram pela época, são unânimes em afirmar que os nossos avós, em geral, andavam higienicamente de cabeleiras naturais, acrescentando (o que convém saber): muito limpas, muito cuidadas” (EDMUNDO, 2000, p. 216, grifos do autor). Dentre os acessórios que complementam a toilette feminina estão luxuosas joias – colares, brincos, braceletes, tiaras, etc. –, largamente retratas por Debret em suas aquarelas. Aqui apreciamos no colo da figura central um exemplo dessas peças, um colar confeccionado com pedras preciosas. A mesma jovem exibe ainda uma larga tiara de metal nobre, que junto com um ramalhete de flores ornamenta o seu penteado.

Em Um jantar brasileiro (Figura 2), Debret faz um raro registro de uma cena do ambiente doméstico de uma família de posses, como podemos apreender pela mesa farta, pela indumentária dos senhores e dos escravizados que lhes servem.

Figura 2. Obra “Um jantar brasileiro” (aquarela, 15,9cm x 21,9cm, 1827. Coleção Castro Maya/RJ).

Fonte: Bandeira e Lago (2017, p. 177).

Essa imagem parece contrariar o relato de Debret, no texto que a acompanha, sobre a “negligência do traje, tolerada durante a refeição” (DEBRET, 2016, p. 197), ao menos em relação à silhueta da senhora que constitui nosso foco de atenção. Outros viajantes que passam pelo Rio de Janeiro no mesmo período – como, por exemplo, Mary Graham, Theodor von Leithold, Ludwig von Rango e Georg Wilhelm Freireyss – também relatam, em suas crônicas, o hábito corriqueiro das senhoras nobres usarem um vestuário mais despojado na intimidade. Segundo relatos dos viajantes, os cuidados com a aparência são frequentemente negligenciados no espaço feminino doméstico. Nesse ambiente, as senhoras costumam vestir apenas camisolas confeccionadas com tecidos finos e leves. Provavelmente, uma adaptação do traje realizada com o intuito de amenizar o calor decorrente das elevadas temperaturas dos trópicos. Recurso esse interpretado pelos estrangeiros como desmazelo, preguiça e associado à ideia de sensualidade. Entretanto, a inglesa Mary Graham (1990) ao tecer seus comentários, afirma que é difícil reconhecer as senhoras quando saem de seu lar, uma vez que se arrumam com grande refinamento.


Nas mulheres bem vestidas que vi à noite tive grande dificuldade em reconhecer as desmazeladas da manhã de outro dia. As senhoras estavam todas vestidas à Moda francesa: corpete,
fichu, enfeites, tudo estava bem, mesmo elegante, e havia uma grande exibição de joias (GRAHAM, 1990, p. 175).

Na aquarela analisada, a senhora se apresenta trajando uma bela e alinhada vestimenta. O vestido de corpo inteiro na cor amarelo palha, possui a cintura alta e mangas curtas. A extensão de toda a circunferência da barra da saia apresenta uma aplicação do mesmo tecido formando um leve plissado. O amplo decote retangular exibe parte dos seios da senhora e valoriza seu colo adornado por um exuberante colar, decorado com pedras preciosas. O requinte das peças de joalheria também pode ser observado nos brincos pendentes, no largo bracelete usado no punho direito, assim como, na robusta tiara que decora o penteado dos cabelos presos no topo de sua cabeça. Sobre o ombro direito da dama repousa um amplo xale retangular que cobre parte de seu dorso e se prolonga em um macio panejamento sobre o espaldar da cadeira. Seguindo a tonalidade de cores vibrantes em moda entre as lusitanas, essa peça apresenta uma coloração avermelhada, possuindo nas extremidades bordados que reproduzem o padrão vegetalista na cor azul. A ausência de meias é o único indício na indumentária da senhora capaz de nos revelar que ela está em um momento mais descontraído. O que faz com que calce um delicado chinelo de seda com os pés desnudos.
Na aquarela
Empregado do governo saindo a passeio (Figura 3), o desfile da marcha da família de um servidor da corte saindo de sua residência para passear, revela algumas características do vestuário feminino empregado nessas ocasiões. A representação hierárquica indicada pela distribuição dos personagens no espaço da aquarela sugere se tratar de um evento especial para a família de fortuna tendo em vista os sofisticados trajes usados pela maioria dos indivíduos. Praticamente todos, mesmo os negros que acompanham o cortejo, figuram ricamente vestidos, conforme é possível observar a partir dos detalhes dos adornos dos trajes.


Figura 3. Obra “Empregado do governo saindo a passeio” (aquarela, 19,2cm x 24,5cm, c. 1820-1825. Coleção Castro Maya/RJ).

Fonte: Bandeira e Lago (2017, p. 169).

No centro da cena pictórica, está disposta a figura da corpulenta senhora consorte. Ela veste a indumentária mais luxuosa de toda a composição. Trata-se de um vestido com a cintura marcada logo abaixo do farto busto por uma fita de cetim de seda azul. As mangas curtas e bufantes são compostas por folhos arrematados por um bordado vermelho. A senhora traz as mãos cruzadas logo abaixo do amplo decote oval, o qual permite ver seu colo. A extensão de toda a orla da saia do vestido está ornamentada com ricos bordados em tons de vermelho, que remetem a motivos florais e vegetalistas. A barra do vestido recortada em pequenos triângulos está arrematada por uma fita de cetim de seda, que segue a mesma coloração daquela usada para demarcar a cintura. O comprimento logo acima do tornozelo permite que apreciemos as delicadas meias e sapatos confeccionados com seda branca. Os cabelos estão presos com um coque no topo da cabeça, decorado com flores, de onde cai sobre praticante todo o corpo um grandioso véu translúcido. Essa peça provavelmente é confeccionada com renda de bilros de seda e possui toda a sua base ornamentada com magníficos bordados que dão forma a delicadas flores e ramos. Sua toilette ainda é composta por joias encobertas pelo véu e pela bolsa retícula levada por sua dama de companhia.

De acordo com a lógica de exibir os limites patrimoniais de seus senhores, a mulher escravizada que exerce a função de criada de quarto e dama de companhia aparece exibindo vestes igualmente requintadas. Sobre seu vestido, ela enverga um pesado redingote, algo um tanto curioso se levarmos em consideração as elevadas temperaturas dos trópicos. No entanto, compreensivo, se partirmos do pressuposto que ela, enquanto uma propriedade do senhor, revela para o restante da sociedade o seu poder. Sendo assim, sua indumentária exibe e reafirma o prestígio social da família, como também atesta o uso de sapatos pela negra, que a coloca em um nível hierárquico mais elevado em relação aos demais escravizados representados nessa cena. O pintor ainda a retrata com elaborado penteado, semelhante ao da senhora e usando colar.
Os detalhes que compõem a
toilette de uma abastada senhora ao sair de casa também são registrados por Debret na aquarela Vendedor de flores e de fatias de coco (Figura 4).

Figura 4. Obra “Vendedor de flores e de fatias de coco” (aquarela, 17,5cm x 23,2cm, 1829. Coleção Castro Maya/RJ).Desenho de uma pessoa

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Fonte: Bandeira e Lago (2017, p. 138).

As visitas ao teatro, a participação em saraus e alguns poucos bailes que começam a ser oferecidos, além das cerimônias e festejos religiosos, constituem-se na principal oportunidade para que as damas possam apresentar à sociedade as peças sofisticadas de sua indumentária. Os trajes de quase todos os personagens que compõem a cena são pomposos. A elegância da vestimenta do escravizado de ganho indica que é propriedade de senhores com posses. Prostrado na porta da igreja, ele está incumbido de vender cravos para seu senhor. É interessante registrar o simbolismo que essa flor apresenta no período. De acordo com Debret:

O hábito brasileiro de enfeitar os cabelos com flores naturais pôs na moda o cravo entre as pessoas ricas: [...]. É, pois, como símbolo e como galanteio requintado que se manda um cravo a uma senhora, significando-lhe com isso que ela soube prender um coração. O presente colocado à cabeça da senhora serve também como resposta de um penhor de fidelidade (DEBRET, 2016, p. 451).

O faustoso traje usado pela senhora desvia toda a atenção da cena para a sua silhueta. O vestido de corpo alto possui demarcando a cintura uma fita de cetim de seda na cor amarelo ouro. Ele apresenta um decote retangular avantajado, finalizado por um delicado plissado feito com o mesmo tecido do vestido, adereço que se torna quase imperceptível já que segue a coloração avermelhada presente no busto da peça. Esse padrão decorativo se repete nas mangas curtas bufantes. A saia preta bordada, usada por cima de um forro branco, remete à delicadeza de um cendal (véu fino e transparente para o rosto ou todo corpo), cuja disposição dos bordados se intensifica na extremidade, ornamentando uma larga barra plissada delimitada por uma fita de seda vermelha. O tom escarlate também pode ser apreciado nos sapatos de seda, que contrastam com a alvura das meias.

Boa parte do traje da dama se encontra encoberto por uma farta mantilha de renda branca finamente elaborada, a qual está presa na cabeça por uma imponente tiara. “Uma senhora de boa sociedade ajusta aos cabelos um lindo véu bordado, preto ou branco, que cobre ao mesmo tempo a parte superior do corpete [...] o chapéu elegante ou simples é em geral proscrito” (DEBRET, 2016, p. 451). Conforme esclarece Rios Filho (2000):


A mantilha – de origem espanhola – foi sempre um sinal de distinção, de elegância, de situação social. Por isso, as mulheres se distinguiam. E as que não possuíam mantilhas punham na cabeça panos coloridos ou xales, à moda das mantilhas. [...] O uso das mantilhas se tinha imposto de tal forma, principalmente depois do afluxo de senhoras hispano-americanas que tinham vindo ao Rio de Janeiro [...] (RIOS FILHO, 2000, p. 382).


Além da peça de joalheria que sustenta o penteado enfeitado com uma flor, longos brincos pendem de suas orelhas, fausto acompanhado pelo conjunto de colares que cobrem boa parte do colo, assim como, pelos inúmeros braceletes que quase alcançam o cotovelo do braço direito, confeccionados com metal nobre e pedras preciosas. A
toilette da senhora é complementada pelo leque que segura fechado na mão direita e pela bolsa retícula pendurada em seu braço.

Em Voto d’uma missa pedida como esmola (Figura 5), figura em primeiro plano uma jovem pedinte ricamente ornamentada. De acordo com sua indumentária, se trata de uma senhora de boa família, ou seja, com posses. Ela esmola por uma missa em sinal de humildade, percorrendo com os pés descalços as ruas da cidade, deixando claro seu gesto de penitência. O pintor imortaliza o momento em que a pedinte recebe “a esmola de um açougueiro de carne de porco, comerciante em geral pouco estimado” (DEBRET, 2016, p. 445).

Figura 5. Obra “Voto d’uma missa pedida como esmola” (aquarela, 16,1cm x 22,1cm, 1826. Coleção Castro Maya/RJ).

Fonte: Bandeira e Lago (2017, p. 160).

O colorido harmonioso do vestido usado pela senhora desperta a atenção do expectador. Sua silhueta de corpo inteiro possui a cintura marcada logo abaixo do busto por uma fita de seda azul. Esse adereço delimita o amarelo ouro da parte superior da peça, do vermelho presente em grande proporção da saia. O quadro de cores eleito pelas senhoras em sua vestimenta é capaz de indicar “o fim de sua missão, pois usa a roupa verde para as almas do purgatório e a vermelha para o Santíssimo Sacramento” (DEBRET, 2016, p. 443).

O formato retangular do amplo decote é arrematado por uma espiguilha de renda da mesma tonalidade do corpete do vestido, recortada em bicos formando pequenos triângulos. As mangas curtas bufantes são finalizadas com uma passamanaria de seda amarelo ouro, que devido a sua coloração, quase passa desapercebida. A saia do vestido apresenta um leve volume e é ricamente ornamentada. Logo abaixo dos joelhos estão dispostos três círculos formados com pequenos babados de renda branca, que antecipam uma larga faixa no mesmo tom de amarelo que visualizamos no busto da peça, enfeitada com laços de fita de seda azul e grandes flores chinesas bordadas em vermelho. A barra ainda é finalizada por passamane que intercala seda azul com o recorte de delicada renda branca.

O mesmo padrão de barrado recortado em semicírculos é apreciado nas extremidades da translúcida mantilha de renda que cobre boa parte do traje. Ao se prolongar até a altura dos tornozelos, o vestido possibilita observar os pés desnudos da penitente. No entanto, mesmo descalça, ela deixa visível os recursos patrimoniais de sua família, ao ostentar luxuosos braceletes e colares cravejados com pedras preciosas, símbolos do grupo social a que pertence.

2.2 A nova estética vestimentar feminina carioca e a europeização dos costumes

Ao observar essas aquarelas fica evidente que o excesso na ornamentação presente nas toilettes das nobres senhoras lusitanas, também irá se desenvolver na corte do Rio de Janeiro. A exorbitância de adereços na composição da indumentária, de acordo com Malerba (2000), “é expressão do ser social que se configurou com a abertura do país e a presença da família real, cuja ostentação de um luxo burlesco, caricato, se manifestava em outros setores da vida cotidiana” (MALERBA, ٢٠٠٠, p. ١٧١).

Com exceção das senhoras que pertencem à fidalguia europeia ou as elites locais, poucas são as mulheres que se vestem com certo apuro e distinção na corte carioca. Além desse tipo de dama “que aqui vinha dourar o brasão, com certos hábitos de luxo” (EDMUNDO, 2000, p. 227), percebe-se o mesmo cuidado com a indumentária entre as esposas e filhas dos altos funcionários da administração e da justiça, dos marechais de tropas e as raras burguesas cujos maridos se dedicam ao comércio. “Ser elegante, estar na moda e utilizar as novidades [...] tinha um alto preço e aqueles que não podiam pagar por ele, ficavam marcados socialmente, [...]” (SILVA, 2009, p. 81).

Portanto, os requintes das modas europeias alcançam de fato uma porcentagem bastante reduzida de mulheres, se comparada ao número total da população feminina no período. O acesso às tendências da moda permanece restrito às senhoras das elites que, mesmo possuindo recursos financeiros, ainda não têm a sua disposição muitos objetos de luxo para compra, se comparados àqueles oferecidos pelo mercado europeu de moda.

Na corte do Rio de Janeiro, em princípios oitocentistas, a referência predominante é o gosto francês, com sua estética definindo tanto a composição do vestuário feminino quanto os modos de ser. A indumentária proveniente da Europa é reproduzida nos ateliers das modistas que fixam residência na cidade e baseia-se em alguns elementos do estilo Império. Com certo atraso temporal e confrontadas com as limitações do comércio interno de artigos de moda que ainda está se desenvolvendo, as senhoras procuram seguir a mudança revolucionária ocorrida no vestuário feminino europeu. No entanto, como observamos nas aquarelas de Debret, na corte carioca, a pureza das formas e a frugalidade dos volumes convive lado a lado com o luxo dos ornamentos, dos bordados em fios de metais preciosos, das pedras preciosas que incrustam sofisticadas peças de joalheria.

A abertura dos portos cariocas para embarcações oriundas de diversas partes do mundo, possibilita o desenvolvimento de um comércio de artigos de moda.2 Esses artigos são fundamentais na composição da toilette das damas cariocas, em seu projeto pessoal de reproduzir o vestuário de suas congêneres europeias. Dessa maneira, a “gana de pompa e esplendor, externada em atavios nem sempre harmônicos com o clima e urbanidade do novo cenário, criava uma forma de ser inédita” (MALERBA, 2000, p. 171).

De acordo com o relato de Debret, as damas se apresentam “vestidas de um modo estranhamente rebuscado, com as cores mais alegres e brilhantes” (DEBRET, 2016, p. 187), como pode-se observar nas imagens reproduzidas em suas aquarelas. Tendo em vista que nesse período a maioria da população não sabe ler nem escrever, as cores do vestuário muitas vezes representam um complexo código simbólico. Elas podem expressar vários significados que estão em constante transformação, desde o preto do luto ao branco da pureza, o rosa das boas intenções, o lilás da seriedade e o azul de alma limpa. Por essa razão “o significado de uma cor é, em grande parte, a história da cor. É um significado adquirido pelo movimento através do tempo” (HARVEY, 2003, p. 17). O branco, por exemplo, simboliza riqueza e prosperidade, sendo utilizado principalmente pelas moças nobres. Também proporciona às mulheres um sinal de castidade e pureza. Mas, sobretudo, essa cor condiz com o clima tropical do Rio de Janeiro, na medida em que amenizava o calor.

Não demora para que o modelo de vestimenta feminina trazido pelas senhoras lusitanas passe por adaptações, a fim de responder às demandas impostas por uma nova realidade. Muitas das adequações ocorrem em virtude do clima escaldante habitual nos trópicos, que impossibilita o uso de algumas peças do guarda-roupa europeu, como spencer, redingotes, peles e acessórios como perucas. Uma maior liberdade no trajar ocorre inicialmente no espaço doméstico, onde as senhoras optam por usar tecidos mais leves e finos. “As mulheres em casa usam uma espécie de camisola que deixa demasiado expostos os seios” (GRAHAM, 1990, p. 138).

Com o intuito de evitar o mau odor corpóreo ocasionado pelo suor, assim como, indisposições fisiológicas, as senhoras buscam adaptar o seu vestuário às condições climáticas das terras tropicais. Como menciona Georg Wilhelm Freireyss o “vestuário delas é muito preferível ao das nossas mulheres, porque visa mais à comodidade do que à forma e, de fato, poucas brasileiras há que conhecem o espartilho e menos ainda as que usam dele” (FREIREYSS, 1821, p. 116). Entretanto, sem eclipsar a sua preferência por tecidos sofisticados e ornamentos luxuosos.

Além dos tecidos mais encorpados como a seda, o veludo, o adamascado, o cetim e o tafetá, inapropriados para o calor dos trópicos, outros mais frescos e leves são empregados na confecção dos trajes de luxo, que na maioria das vezes reproduz a silhueta da linha Império trazida pelas nobres lusitanas. Assim como em Portugal, é recorrente a utilização da cambraia de linho e da musselina, uma vez que esses têxteis oferecem uma boa solução para o clima quente, além de proporcionarem o caimento adequado para os vestidos. Dessa maneira, os trajes usados para realizar passeios ao ar livre apresentam aspecto mais fluído, exibindo uma colorida palheta de cores – ao contrário do que se vê entre as lusitanas que optam por tons geralmente mais claros –, uma silhueta mais solta, com a cintura alta e as mangas curtas e bufantes.

Contudo, mesmo os vestidos usados em ocasiões cotidianas são ricamente ornamentados com bordados, fitas, galões etc. Outra opção consiste no uso do fino linho na elaboração de apenas algumas partes da veste, recurso que torna o traje mais arejado. Além dos vestidos de passeio, o linho também está presente na vestimenta usada pelas senhoras em sua intimidade doméstica. Ainda a fim de amenizar o calor provocado pelas altas temperaturas, os leques figuram como indispensáveis na composição da toilettes das elegantes senhoras.

Assim, ao levar em consideração a estética de luxo trazida do velho continente, adequada aos usos e costumes locais, as damas cariocas procuram se apresentar em público vestidas com todo o requinte. Nessas ocasiões exibem todo o excesso característico da composição de suas toilettes. “O luxo das mulheres é indescritível. Jamais encontrei reunidas tantas pedras preciosas e pérolas de extraordinária beleza quanto nos beija-mãos de gala e no teatro, [...]” (LEITHOLD; RANGO, 1966, p. 29-30). Um exemplo corriqueiro são os toucados ornamentados por uma profusão de joias exuberantes, como diademas de pedras preciosas e pérolas, aigretes, assim como, as plumas vindas de Paris, geralmente colocadas para a frente. “O uso de plumas nos toucados repete-se em quase todas as figurações da dama tropical, em cerimónias de gala e de corte” (MORAIS, 2014, p. 391).

Portanto, o processo de europeização dos costumes em curso na corte do Rio de Janeiro, com a imposição de uma série de normas de etiqueta e de conduta,3 também se reflete na nova estética vestimentar usada pelas senhoras das elites locais. É inevitável a adoção dos valores europeus em um cenário marcado pelo convívio com a aristocracia lusitana migrada, assim como, com os estrangeiros de outras nacionalidades que circulam pela cidade. O contato com esses referenciais estéticos, morais e comportamentais, assegura que as senhoras brasileiras possam consolidar sua aproximação com as mulheres pertencentes à nobreza europeia, e adotá-los é fundamental para aquelas que aspiram conquistar títulos nobiliárquicos. “Esse processo, contudo, não se restringiu à moda e aos costumes, atingindo uma dimensão mais ampla” (RAINHO, 2002, p. 54).

De acordo com Freyre (1985), desde a chegada da corte portuguesa, em 1808, é colocado em prática um processo de ocidentalização do Rio de Janeiro. Em outras palavras, são adotadas pelos governantes lusitanos uma série de medidas que visam promover a desorientalização da cidade, o seu desassombramento, removendo as influências orientais, tanto no planejamento urbano e arquitetônico quanto nos costumes e hábitos vestimentares. A abertura dos portos, acompanhada inicialmente pela entrada de uma profusão de mercadorias inglesas, superando os produtos vindos da Ásia (Índia, Macau e China – nomeadamente dos portos de Goa e Bengala), contribui significativamente para esse processo de europeização do país. Quadro esse que se intensifica ainda mais após 1814, quando ocorre a entrada intensa de franceses no Rio de Janeiro, responsáveis por modificar comportamentos e, sobretudo, a moda feminina.

No interior dessa dinâmica, o processo civilizador em andamento nas novas terras tropicais encontra forte respaldo na europeização dos costumes. Desde então, o refinamento dos modos será acompanhado pela adequação da indumentária feminina aos padrões da moda europeia. A “adequação e a distinção no vestir tornaram-se um símbolo e uma condição necessária àqueles que desejavam igualar-se à aristocracia européia” (RAINHO, 2002, p. 56). Assim, há uma preocupação cada vez maior em tornar visível, por meio do vestuário, o distanciamento existente entre as senhoras da corte e o restante da população feminina.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise das aquarelas acabadas de Debret, é possível constatar que o costume vestimentar europeu fornece os elementos para a elaboração de uma estética de luxo que caracteriza a indumentária usada pelas senhoras pertencentes às elites locais. Com o estabelecimento da Família Real e o séquito de fidalgos que a acompanha, assim como, com a crescente circulação de estrangeiros, sobretudo de franceses após 1814, desenvolve-se gradualmente no Rio de Janeiro uma sociedade de corte que pauta suas preferências estéticas nas toilettes vindas de além mar. Posteriormente, em 1816, a apreciação dos modos europeus é acentuada ainda mais com a chegada da Missão Artística Francesa. Além disso, o processo de abertura dos portos, ao possibilitar a entrada e comercialização na corte carioca de inúmeros artigos vinculados ao vestuário, é fundamental para que as elites locais possam usufruir do luxo das modas provenientes da Europa. Esse consumo contribui para que se estabeleça uma forte valorização e ostentação da própria aparência, reforçando a permanência de uma cultura indumentária do Antigo Regime.

A moda usada pelas fidalgas lusitanas incita o desejo da elite local em se vestir com trajes cada vez mais elaborados. Se na Europa os ordenamentos reais estabelecem os limites estamentais do vestuário, através de leis suntuárias, no Rio de Janeiro preceitos morais pautados na lógica dessas pragmáticas buscam orientar o que deve ou não compor a indumentária feminina.

Nessa perspectiva, o vestuário além de representar um símbolo hierárquico de distinção, também é empregado como meio de teatralização e exibição, de acordo com os parâmetros da sociedade de corte, na qual a norma é a figuração. Rígidos códigos vestimentares e de conduta, baseados naqueles existentes há séculos na Europa, fornecem em terras brasileiras os parâmetros para o ser e para o parecer apropriados à nova dinâmica social que se desenvolve no Rio de Janeiro. Essas regras contingenciais além de estabelecer o comportamento desejado das senhoras, definem as peças, o corte, os modelos e os adereços que devem constituir seu vestuário. Segundo essa lógica, a imagem individualizada do ser está intimamente atrelada à normas que autorizam, limitam ou proíbem a esfera do parecer. Assim, há a necessidade de se vestir de modo racional e civilizado. Será esse o contexto para a exibição formal do luxo, bem como, para os excessos presentes na indumentária das damas da corte carioca.

Sendo assim, as aquarelas elaboradas por Debret nos levam a refletir que na corte do Rio de Janeiro, a indumentária feminina se transforma em um importante elemento representativo do status de uma senhora. Ela consiste em um dos artifícios adotados pelas elites locais para simbolizar o seu poder, que é exercido diariamente por meio do uso do vestuário de luxo.

Entretanto, não podemos esquecer que nem tudo que vem da Europa é instantaneamente aceito e usado pelas brasileiras. A indumentária feminina no Brasil passa por inúmeras transformações desde que a chegada dos portugueses. No momento em que aportam nos trópicos, as senhoras mais idosas da corte ainda vestem os vestidos ao redondo, ou seja, com saia rodada, silhueta já fora de uso em muitas das cortes europeias. A nova moda em voga é o modelo Império aderido pelas princesas e nobres mais jovens. E é essa composição mais longilínea, de cintura marcada logo abaixo do busto e com mangas curtas bufantes, que logo conquista a preferência das damas pertencentes as elites locais.

Ao seguir, o modelo da indumentária das aristocratas portuguesas, pautado no padrão estilístico da moda francesa, as damas cariocas realizam uma apropriação e tradução desses referencias estéticos a sua própria realidade. Dessa maneira, são colocadas em prática uma séria de adaptações que levam em consideração as adversas circunstâncias locais, impulsionando um movimento criativo no processo de confecção dos trajes usados no país. A apreciação das condições locais atrelada a uma forte valorização da forma do vestir europeu fomentam as condições necessárias para que ocorra um expressivo desenvolvimento da moda na sociedade brasileira em princípios do século XIX. Desde então, a mulher brasileira inicia um processo de releitura da moda europeia. E como resultante surgem novos modelos vestimentares que refletem a fusão desses elementos estéticos.

Antes de finalizar, cabe ressaltar que essas aquarelas não devem ser concebidas como retratos fiéis ou documentos inquestionáveis de uma realidade passada. Torna-se imprescindível procurar entender os sentidos aludidos por essas imagens enquanto uma construção histórica. Não podemos esquecer que pautando seu trabalho como pintor da corte em toda uma tradição artística francesa, Debret é incumbido de elaborar uma imagem para a recém instituída monarquia brasileira, função que em alguns momentos também perpassa a criação dos trajes femininos reproduzidos em suas aquarelas. Dessa maneira, o pintor fez concessões estéticas a fim de contemplar as aspirações da monarquia, a qual estava preocupada em legitimar seu estabelecimento no Brasil, colocando em prática um processo de “regeneração” do país em relação ao seu passado colonial.

Portanto, as aquarelas debretianas aqui analisadas, configuram-se como uma importante construção imagética que resgata o discurso produzido em torno da indumentária e do vestuário na corte carioca, possibilitando compreender a complexidade de uma realidade social mais ampla. Ao problematizar sobre as relações estabelecidas entre essas aquarelas com as sociabilidades e os modos de vestir do período em que são executadas, examinamos os diversos elementos constitutivos da indumentária nobre feminina. Procedimento esse que nos permitiu investigar tais imagens para além do sentido de uma simples representação dos costumes, do vestuário e da moda vigentes na sociedade de corte do Rio de Janeiro em princípios do século XIX.


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de Pós-Doutorado Júnior, para a continuação da pesquisa desenvolvida no doutoramento em História, da qual esse artigo é fruto.

Notas de fim de texto

¹ O estudo desenvolvido por LOPES (2021), explora as transformações radicais que ocorrem no vestuário feminino após a Revolução Francesa e o desenvolvimento da indumentária e da moda lusitana nesse contexto. Nele, é possível compreender como Portugal absorveu as tendências estrangeiras, sobretudo, as da moda francesa, no processo de elaboração de suas vestimentas.

2 A análise detalhada do nascente circuito da moda na corte carioca, a partir dos anúncios publicados na Gazeta do Rio de Janeiro, pode ser consultada em LOPES (2021).

3 Essa dinâmica das normas de etiqueta e conduta presente nas cortes europeias é compreendida a partir dos conceitos de Sociedade de Corte e Processo Civilizador, tendo como sustentação teórica a argumentação desenvolvida por Nobert Elias (2001 e 1994).

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