O ensino de moda para a sustentabilidade nas regiões sul e sudeste do Brasil

Bruna Lummertz Lima

Doutora, Instituto Federal de Santa Catarina / bruna.lummertz@ifsc.edu.br

https://orcid.org/0000-0001-5135-8270/ http://lattes.cnpq.br/4995854921357616

Suzana Barreto Martins

Doutora, Universidade Estadual de Londrina / suzanabarretomartins@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-4574-2441/ http://lattes.cnpq.br/0071417904869981

Enviado: 30/12/2022 Aceito: 03/10/2024

O ensino da moda para sustentabilidade nas regiões sul e sudeste do Brasil

RESUMO

Nos últimos anos, especialmente no Brasil, temos avançado quanto às discussões sobre a sustentabilidade na cadeia da moda. De modo a contribuir com os estudos na área, essa pesquisa objetiva discutir o ensino para a sustentabilidade, em cursos de graduação em Design de Moda. A pesquisa iniciada num levantamento bibliográfico acerca das publicações sobre o ensino de moda em periódicos nos últimos dez anos culminou na criação de um questionário, que foi aplicado com doze professores. Como resultado, espera-se contribuir com a formação de profissionais de moda para um contexto mais alinhado com o desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Curso de graduação; Ensino; Moda; Sustentabilidade.

Teaching fashion for sustainability in the south and southeast regions of Brazil

ABSTRACT

In recent years, especially in Brazil, we have advanced in discussions about sustainability in the fashion chain. In order to contribute to studies in the area, this research aims to discuss teaching for sustainability in undergraduate courses in Fashion Design. The research started with a bibliographic survey about publications on fashion teaching in journals in the last ten years, which culm in the creation of a questionnaire, which was applied to twelve teachers. As a result, it is expected to contribute to the education of fashion professionals for a context more aligned with sustainable development.

Keywords: Graduation course; Teaching;. Fashion. Sustainability.

Enseñando moda para la sostenibilidad en las regiones sur y sureste de Brasil

RESUMEN

En los últimos años, especialmente en Brasil, hemos avanzado en las discusiones sobre sustentabilidad en la cadena de la moda. Con el fin de contribuir a los estudios en el área, esta investigación tiene como objetivo discutir la enseñanza para la sostenibilidad en los cursos de graduación en Diseño de Moda. La investigación partió de un levantamiento bibliográfico sobre publicaciones respecto la enseñanza de la moda en periódicos en los últimos diez años y culminó con la elaboración de un cuestionario, el cual fue aplicado a doce docentes. Como resultado, se espera contribuir a la formación de profesionales de la moda para un contexto más alineado con el desarrollo sostenible.

Palabras clave: Curso de graduación; Enseñanza; Moda; Sustentabilidad.

1. INTRODUÇÃO

Os cursos de graduação em Design de Moda no Brasil remontam ao final da década de 1980 (PIRES, 2008). Originalmente, a maioria desses cursos surgiu como uma adaptação de programas estrangeiros, frequentemente sem levar em conta as particularidades da identidade brasileira (LIMA, 2018). Por outro lado, o slow fashion, termo cunhado para designar a moda sustentável, vem sendo discutido nos últimos doze anos para denominar os processos de desenvolvimento e produção de produtos que consideram a sustentabilidade em suas dimensões ambiental, social e econômica (Fletcher, 2008).

De acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Ensino Superior, o Brasil conta atualmente com 142 cursos superiores de Tecnologia e 53 cursos de Bacharelado em Design de Moda (Ministério da Educação, 2022). Nesse contexto, com o avanço nas discussões sobre sustentabilidade e sua incorporação em empresas e projetos de moda, é fundamental refletir acerca da integração do ensino de moda e sustentabilidade, visando à formação de profissionais mais bem preparados para enfrentar os desafios do mercado.

Neste contexto, Lima (2018) analisou em sua tese de doutorado como os cursos de Bacharelado em Design de Moda no Brasil têm incorporado a sustentabilidade em seus currículos. Segundo a autora, a forma como se estuda e se insere a sustentabilidade em cursos de moda precisa mudar, especialmente porque “a sociedade e seus desafios contemporâneos encontram-se em constante transformação”.

É importante destacar mais dois resultados significativos deste estudo. O primeiro aspecto é a maneira como a sustentabilidade está integrada nas matrizes curriculares. De acordo com Lima (2018), a inclusão isolada de disciplinas sobre sustentabilidade não é eficaz e não desperta o interesse dos estudantes. O segundo aspecto é a carência de modelos ou estratégias para a incorporação desse conteúdo nos currículos.

Considerando os resultados do estudo de Lima (2018), a motivação pessoal, as vivências e as experiências das autoras, esta pesquisa foi então proposta. O objetivo é identificar as ferramentas e estratégias utilizadas por professores para o ensino de Sustentabilidade em cursos de Graduação em Design de Moda.

2 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Para a metodologia, aplicou-se um questionário via Google Forms com doze professores de cursos de graduação em Design de Moda dos estados do Rio de Janeiro (1 professor - Instituto Federal do Rio de Janeiro), São Paulo (3 professores - Universidade Anhembi Morumbi, Universidade de São Paulo e Faculdade de Belas Artes), Paraná (2 professores - Universidade Estadual de Londrina), Santa Catarina (4 professores - Universidade do Estado de Santa Catarina e Instituto Federal de Santa Catarina) e Rio Grande do Sul (2 professores - Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Escola Superior de Propaganda e Marketing). Os docentes foram previamente selecionados por meio de análise de publicações sobre o tema “ensino para a sustentabilidade” no Google Acadêmico e no Portal de Periódicos da Capes. Além disso, realizou-se uma análise dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq. Com base nos resultados, foram enviados vinte e três convites por e-mail para participação na pesquisa. Foram recebidos doze respostas dentro do prazo estipulado para a realização da pesquisa.

2.1 Seleção da amostra

A seleção da amostra participante ocorreu nas seguintes etapas: a) análise das publicações sobre o ensino de sustentabilidade na moda em periódicos, a partir de pesquisa no Portal de Periódicos da Capes e no Google Acadêmico; b) levantamento de Grupos ou Linhas de Pesquisa registrados junto ao CNPq; c) envio de convite para participação.

Após esse levantamento, chegou-se à seguinte amostra:

Quadro 1. Amostra selecionada.

Autor

Data de Referência

Instituição de Ensino

Disciplina ministrada na área

Publicação em congresso

Publicação em periódico

Linha ou Grupo de Pesquisa CNPq

Docente 1

2022

ANHEMBI MORUMBI

sim

X

X

Docente 2

2022

IFRJ

sim

X

X

Docente 3

2022

BELLAS ARTES

sim

X

Docente 4

2022

UNIRITTER

sim

X

X

Docente 5

2022

UEL

sim

X

X

Docente 6

2022

IFSC

sim

X

Docente 7

2022

ESPM

sim

X

X

Docente 8

2022

UCS

aposentada

X

Docente 9

2022

IFSC

sim

X

X

Docente 10

2022

IFSC

sim

X

X

Docente 11

2022

U.MINHO

não

X

X

Docente 12

2022

UDESC

não

X

X

Docente 13

2022

ANHEMBI MORUMBI

sim

X

X

Docente 14

2022

UNESP

sim

X

Docente 15

2022

USP

sim

X

X

X

Docente 16

2022

UFPI

ver

X

Docente 17

2022

UCS

sim

X

Docente 18

2022

UNESP

ver

X

Docente 19

2022

IFSC

sim

X

Docente 20

2022

UDESC

sim

X

X

X

Docente 21

2022

UFRGS

sim (aposentada)

X

X

X

Docente 22

2022

UNIRITTER

sim

X

X

Docente 23

2022

UNB

não

X

Fonte: Desenvolvido pelas Autoras (2022).

Após essa seleção, o questionário contendo dez questões (oito de múltipla escolha e duas dissertativas) foi enviado individualmente aos docentes selecionados por meio de e-mail. Dos vinte e três docentes contatados, doze responderam à pesquisa. Na seção seguinte, apresentaremos a análise dos dados.

2.2 Análise dos dados

A organização das perguntas, buscou levantar a trajetória profissional do professor, as disciplinas lecionadas, formação e experiências no ensino de sustentabilidade, considerando projetos, parcerias com empresas e boas práticas sugeridas.

Para dar início ao levantamento, a primeira pergunta indagou sobre o tempo de atuação do docente. A maioria dos professores participantes (50%) leciona há mais de 10 anos em cursos de Graduação em Moda. Já outros 35,7% lecionam há mais de cinco anos (Gráfico 1).

É importante destacar que este dado reforça a relevância dos critérios de seleção da amostra, comprovando assim que os professores possuem significativa experiência no ensino de cursos de Graduação em Design de Moda.

Gráfico 1. Tempo de atuação docente.

Gráfico

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Com relação às disciplinas ministradas pelos professores (Gráfico 2) 71,4% lecionam disciplinas de desenvolvimento de produto (projeto de moda, projetos de produto, projeto de coleção) e 64,3% ministram disciplinas de sustentabilidade.

Tal dado reforça uma questão importante: a presença do ensino da sustentabilidade para além do ensino teórico de fundamentos e dimensões (social, ambiental e econômico).

Como alguns autores vêm defendendo há algum tempo (GWILT, 2014; FLETCHER, GROOSE, 2011), é necessário que o design para a sustentabilidade na moda seja incorporado ao desenvolvimento de projetos, bem como à concepção de sistemas produto-serviço (PSS). Nesse contexto, é fundamental que os designers considerem premissas sustentáveis desde o início do processo projetual, incluindo a seleção criteriosa de referências, a pesquisa aprofundada de materiais e processos produtivos, bem como a análise detalhada do ciclo de vida do produto.

O fato de os professores respondentes, em sua maioria, lecionarem a disciplina de sustentabilidade demonstra que o ensino desse tema, em cursos de graduação de moda no Brasil, tem caminhado para a inserção natural de conceitos sustentáveis em projetos de cunho acadêmico.

Gráfico 2. Disciplinas lecionadas.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Subsequentemente, os docentes foram indagados acerca da metodologia empregada para abordar a temática da sustentabilidade nas disciplinas que ministravam. 78,6% dos entrevistados (Gráfico 3) informaram que lecionam por meio da incorporação das dimensões da sustentabilidade (ambiental, com ênfase na análise do ciclo de vida do produto; social e econômica), direcionando a proposta de serviços e modelos de negócio com foco na desmaterialização do consumo e na concepção de sistemas produto-serviço. Essa informação ressalta a relevância do embasamento teórico sobre sustentabilidade para a aplicação efetiva e eficaz de seus conceitos em projetos de moda sustentável.

Paralelamente, 64,3% relataram abordar a sustentabilidade por meio de trabalhos interdisciplinares (projetos acadêmicos envolvendo diversas disciplinas e docentes, além da realização de parcerias com empresas e organizações não governamentais).

Gráfico 3. Abordagem da sustentabilidade.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Na quarta questão, os professores foram indagados sobre sua formação específica para o ensino de sustentabilidade (Gráfico 4). 57,1% informaram que não possuem formação específica em sustentabilidade (mestrado, doutorado ou pós-doutorado) e que pesquisam sobre o tema de forma individual. Já 28,6% realizaram pesquisa de doutorado sobre sustentabilidade ou temas relacionados a ela. 7,1% dos professores afirmaram que realizaram pesquisa de pós-doutorado sobre o tema e 7,2% realizaram pesquisa de mestrado.

Esse dado também reforça uma tendência importante: o ensino da sustentabilidade tem progredido em consequência da pesquisa e da prática docente em sala de aula, que têm evoluído no que diz respeito aos resultados obtidos neste estudo. Por outro lado, ainda apresenta deficiências quanto à formação do docente responsável por preparar os novos profissionais para ingressarem no mercado de trabalho.

Gráfico 4. Formação para o ensino de sustentabilidade.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Na questão número 5, os professores responderam sobre a participação em algum curso relacionado à sustentabilidade. 35,7% realizaram minicursos em congressos e 21,4% fizeram cursos de especialização na área (Gráfico 5).

É importante ressaltar a relevância da capacitação, ainda que breve, proporcionada pelos congressos em geral e, especialmente, por aqueles que abordam ou se concentram na temática da sustentabilidade. É possível, por exemplo, que, a partir de um curso de curta duração ou de extensão oferecido em um congresso, um professor passe a revisar sua prática docente ou a incorporar novos conteúdos e metodologias à sua didática. Podem ser citados ainda os cursos de especialização que são mais rápidos de serem realizados em relação a formação de um curso de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado).

Gráfico 5. Cursos na área.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Na sexta pergunta (Gráfico 6), os professores foram questionados sobre sua própria atuação em empresas ou a realização de parcerias corporativas, visando identificar estratégias utilizadas em sala de aula para o ensino da sustentabilidade.

Dentre os entrevistados, 35,7% já estabeleceram parcerias com empresas no contexto das disciplinas lecionadas. 21,4% já as realizaram com organizações não governamentais e a mesma porcentagem já atuou em empresas.

O objetivo dos docentes ao estabelecer parcerias, seja com empresas e/ou órgãos governamentais, trazendo projetos e situações do mercado, é proporcionar aos estudantes a oportunidade de trabalhar na resolução de problemas reais. Além disso, traz uma experiência importante dos professores, que já atuaram em empresas reais do mercado e podem trazer essas falas e situações profissionais para qualificar debates e projetos em sala de aula.

Na sétima questão (Gráfico 7), os docentes foram indagados sobre sua formação acadêmica, especificamente se cursaram alguma disciplina relacionada à sustentabilidade e como as atividades nessa área eram conduzidas. 71,4% dos respondentes afirmaram que não tiveram disciplinas sobre a temática, o que demonstra que o ensino de sustentabilidade em cursos de graduação em Design de Moda é ainda recente, cerca de 10 anos.

Conforme levantado nas questões quatro e cinco, respectivamente, foi possível identificar que a formação dos professores entrevistados ocorreu, em sua maioria, após a conclusão de sua graduação (por meio de pesquisas de mestrado, doutorado e de forma autônoma).

Gráfico 6. Atuação e parcerias com empresas.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Em contraponto, no gráfico 7, 21,4% afirmaram que tiveram disciplinas de sustentabilidade e para 7,1% dos respondentes as atividades eram desenvolvidas por meio de projetos interdisciplinares.

Gráfico 7. Graduação e as disciplinas de sustentabilidade.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

Na oitava questão, os participantes foram indagados sobre os entraves ao ensino da sustentabilidade (Gráfico 8). 57, 1% apontaram que está na falta de formação de docentes sobre o tema e 50% evidenciaram a inexistência de disciplinas específicas de sustentabilidade em Projeto Político Pedagógicos.

É importante destacar que os dois aspectos estão intrinsecamente ligados, visto que, para a implementação de unidades curriculares voltadas à sustentabilidade e seus respectivos conteúdos, é fundamental que os professores possuam a formação adequada para tal propósito. Parte-se do pressuposto de que as disciplinas de sustentabilidade nos cursos de graduação fundamentam o desenvolvimento das atividades, projetos e reflexões críticas dos estudantes. A partir deste ponto, considerado primordial para o ensino, outras estratégias podem ser implementadas nas instituições, visando tratar a sustentabilidade como eixo central e, simultaneamente, transversal. Isso pode ser feito por meio de um programa de disciplina específico que dê suporte às demais disciplinas do curso, as quais deverão trabalhar de forma alinhada e sistêmica.

Por outro lado, sem formação docente adequada e sem disciplinas específicas, os cursos de Design de Moda não conseguirão avançar no ensino e na formação de designers de moda mais comprometidos com os princípios da sustentabilidade. Isso ocorre porque a falta de fundamentação teórica compromete a análise aprofundada da questão.

Gráfico 8. Obstáculos para o ensino de sustentabilidade.

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

As questões nove e dez eram dissertativas e de resposta livre. Para tanto, para realizar a análise de dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2011). Inicialmente, os depoimentos dos entrevistados são reproduzidos na íntegra. Na segunda etapa, realiza-se uma análise semântica dos discursos e, em seguida, criam-se categorias para facilitar o processo de análise textual. Esta análise visa extrair o máximo de informações de cada quesito. Por essa razão, em algumas respostas, mais de uma categoria foi apresentada. Por fim, após definir as categorias, as mensagens são agrupadas de acordo com seu significado e tabuladas para posterior análise textual.

A partir da análise das respostas, foram estabelecidas seis categorias para a nona pergunta, levando em consideração o significado das declarações dos entrevistados.

Tabela 1- Distribuição de situações explicitadas pelos respondentes para o exemplo de boas práticas no ensino de sustentabilidade de moda.

Situação explicitada

Número de respondentes

Parceria com Empresa

7

Estudo de conceitos de sustentabilidade

6

Uso de estratégia de Design sustentável

5

Desenvolvimento de coleção/ produto

5

Palestra/ Roda de Conversa com profissionais

3

Fonte: Desenvolvido pelas autoras (2022).

A situação mais mencionada pelos entrevistados foi a realização de parcerias com empresas. Nesse aspecto, as respostas indicam que a participação das empresas ocorre principalmente no desenvolvimento de projetos, voltados à criação de novos produtos, partindo de um briefing ou de um problema específico, que pode considerar materiais excedentes, resíduos, entre outros fatores.

Em seguida, surgem os estudos sobre sustentabilidade. Estes são conduzidos pelos professores, geralmente em disciplinas de sustentabilidade, de caráter teórico. Neste módulo, os docentes exploram os princípios fundamentais do tema, as dimensões da sustentabilidade, o ciclo de vida do produto e o sistema produto-serviço.

Como terceiro e quarto componentes, empatados, surgem o uso de estratégias de design sustentável, tais como upcycling, seleção de materiais e processos de baixo impacto, desperdício zero, produção e distribuição sob demanda, ciclo fechado, entre outros (FLETCHER; GROOSE, 2011; GWILT, 2014; SALCEDO, 2014), e o desenvolvimento da coleção ao produto. Acredita-se que aqui ambos se complementam e que podem ser desenvolvidos de forma concomitante.

Por fim, ocorrem rodas de conversa ou palestras com profissionais do mercado que atuam em áreas relacionadas à sustentabilidade em empresas de moda, abrangendo diferentes etapas do processo de desenvolvimento e produção de produtos.

Na próxima questão, serão apresentadas as categorias elaboradas para possíveis implementações no ensino de sustentabilidade.

Tabela 2- Distribuição de situações explicitadas pelos respondentes para possíveis implementações no ensino de sustentabilidade.

Situação explicitada

Número de respondentes

Sustentabilidade trabalhada transversalmente

8

Disciplina específica de Sustentabilidade

3

Projeto de Desenvolvimento de produto/ Coleção

2

Criação de Grupo de Pesquisa

1

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Na última questão, os participantes foram indagados sobre as possibilidades de implementação do ensino da sustentabilidade nos cursos. A maioria dos docentes entrevistados sugeriu que a sustentabilidade poderia ser implementada de maneira transversal nos cursos de Design de Moda. Ademais, foi proposto que a temática poderia ser abordada em qualquer componente curricular, considerando-se que é um assunto que engloba diversos conteúdos dentro da cadeia produtiva da moda.

Em um segundo momento, os docentes mencionaram a importância de os cursos de Graduação em Design de Moda incluírem em seus Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) disciplinas específicas sobre sustentabilidade, especialmente no primeiro ano, a fim de formar o estudante de maneira crítica logo no início de sua graduação. É importante destacar que essa sugestão foi feita por respondentes que não encontravam essa opção nos cursos em que lecionam.

Por fim, sugeriu-se que os cursos desenvolvessem coleções ou produtos em parceria com empresas ou ainda criassem grupos de pesquisa que fomentem o estudo aprofundado dos estudantes. Em ambos os casos, as sugestões provêm de professores que não adotam essas práticas.

3 Discussão dos resultados

Os dados coletados através do questionário disponibilizado aos professores de cursos de graduação em Design de Moda trouxeram importantes descobertas, que contribuem para uma compreensão diagnóstica deste estudo. Nesta seção, discutem-se os pontos mais importantes.

a) Tempo de docência e atuação em disciplinas:

Conforme apresentado na seção de análise de dados, os docentes participantes demonstraram experiência significativa no ensino de moda, com 50% deles atuando há mais de dez anos na área. Para 75% dos respondentes que atuam em unidades curriculares que abordam o desenvolvimento de produtos, especialmente no âmbito criativo.

b) Formação do professor:

Na compreensão das autoras, emergiram dados preocupantes, particularmente no que tange à formação dos docentes durante sua graduação. Diversos docentes informaram que não cursaram disciplinas específicas sobre sustentabilidade durante sua formação acadêmica. Por outro lado, durante o processo de formação continuada desses docentes, a maioria relata ter se aperfeiçoado por meio de pesquisas individuais ou minicursos em congressos.

Como já mencionado, uma questão crucial aqui identificada é a escassez de formação específica em sustentabilidade por parte dos docentes, que relatam não terem cursado disciplinas específicas sobre o tema em suas graduações. Essa formação acaba ocorrendo por meio de pesquisas individuais ou pela participação em minicursos oferecidos em congressos.

Neste ponto, haveria uma lacuna significativa para o avanço do ensino da sustentabilidade nos cursos de moda: ampliar a capacitação dos docentes, especialmente com instituições oferecendo cursos livres e formações continuadas.

É importante destacar que o exercício da docência frequentemente exige do professor um constante aprimoramento. Contudo, devido à sua elevada carga horária, que em algumas instituições pode ultrapassar 40 horas semanais, esse profissional muitas vezes não dispõe de tempo suficiente para se qualificar adequadamente.

Nesse contexto, os cursos livres e as formações continuadas podem ser estratégias viáveis, desde que apresentem uma estrutura que facilite o ingresso e a permanência dos professores.

c) Parcerias com empresas:

No que diz respeito às parcerias com empresas, é possível destacar como um ponto positivo das estratégias de ensino para a sustentabilidade o fato de que diversas instituições já estão articuladas com organizações, especialmente aquelas pertencentes ao seu arranjo produtivo local, visando o desenvolvimento de produtos ou a resolução de problemas.

Contudo, é importante destacar que as questões abertas revelaram que esses projetos estão, em sua maioria, vinculados ao desenvolvimento de produtos concretos utilizando recursos próprios das empresas parceiras. Como lacuna nesse quesito, destaca-se a ausência de projetos relacionados à criação de serviços de moda ou à análise do ciclo de vida de produtos já existentes, por exemplo.

d) Obstáculos e possibilidades de implementação:

Como principais constatações neste aspecto, podemos destacar: a necessidade de todos os cursos de graduação em moda incluírem pelo menos uma disciplina de sustentabilidade em sua grade curricular e a importância de abordar a sustentabilidade de forma transversal, permeando todas as disciplinas oferecidas. No entanto, para que esses dois pontos sejam implementados pelas instituições de ensino, é necessário aprimorar outro aspecto mencionado: a capacitação dos docentes na temática da sustentabilidade. É importante ressaltar que esse processo formativo pode ocorrer em diversos formatos, além dos cursos de especialização, mestrado e doutorado. É possível considerar formações continuadas, como cursos de extensão, a participação de professores em palestras, congressos e simpósios temáticos, ou ainda o incentivo das instituições à pesquisa acadêmica.

De modo geral, para progredirmos nessa direção, é fundamental aprimorarmos a capacitação dos docentes, proporcionando acesso a cursos, destinando carga horária para especializações, reformulando e fortalecendo projetos político-pedagógicos, estabelecendo parcerias com empresas, entre outras medidas.

Como possibilidade de ampliação desta discussão, poderíamos considerar ainda a importância de ensinar a sustentabilidade de forma sistêmica, na qual todas as unidades curriculares de um curso de graduação em Design de Moda são relevantes para esse ensino e fazem parte dele.

Por outro lado, com base nas respostas obtidas, conclui-se que o ensino de moda, de maneira geral, ainda está vinculado à instrução de projetos que resultam em produtos (projetos de coleção, projetos interdisciplinares, trabalhos de conclusão de curso), como bens de consumo direcionados a um público-alvo específico. Conforme apresentado na análise prévia das questões, diversos projetos desenvolvidos pelos docentes nos cursos de graduação estão vinculados à criação de produtos mais sustentáveis, partindo de desafios enfrentados por empresas, particularmente no que diz respeito ao aproveitamento de materiais excedentes.

Neste contexto, é pertinente abordar a necessidade de desenvolver conceitos e resultados que eliminem a obrigatoriedade de produtos e, consequentemente, o consumo excessivo. Isso pode gerar alternativas, como serviços relacionados à moda (sistemas produto-serviço, PSS), mudanças no comportamento de consumo de moda, visando novos cenários e estilos de vida mais sustentáveis, entre outras possibilidades.

Tais questões vão de encontro aos níveis superiores de atuação do design para sustentabilidade, propostos por Manzini e Vezzoli (2002): projetos de novos produtos-serviço e novos cenários sustentáveis, e partem de uma narrativa mais estratégica para o design.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou identificar as ferramentas e estratégias utilizadas por professores no ensino de Sustentabilidade em cursos de Graduação em Design de Moda nas regiões Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) e Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro). Portanto, acredita-se que o objetivo foi alcançado de maneira satisfatória, visto que, a partir das respostas obtidas, foram identificadas ferramentas e estratégias que já estão sendo implementadas.

Por outro lado, é importante destacar que esta pesquisa evidenciou algumas lacunas, principalmente como o ensino de moda ainda está vinculado ao desenvolvimento de produtos, contrariando o que a literatura das áreas de design de moda sustentável e design para sustentabilidade vem preconizando há algum tempo (PSS, análise do ciclo de vida do produto, desmaterialização, revisão do processo de consumo, entre outros).

Ao encontro dessas lacunas, surge outro dado relevante: a carência de capacitação de docentes que ministram projetos ou disciplinas relacionados à sustentabilidade. Consideram-se aqui, como já mencionado, várias possibilidades para essa formação, incluindo cursos de extensão, participação em congressos e palestras, desenvolvimento de pesquisas, entre outras. Conforme explicitado, os respondentes do questionário aplicado foram selecionados com base em suas publicações e/ou participação em grupos de pesquisa. Ainda assim, uma amostra significativa declarou não possuir formação específica em sustentabilidade para moda.

Durante o percurso desta pesquisa, outros dados foram mapeados, incluindo a realização de um estudo para levantamento do estado da arte do ensino de sustentabilidade na moda no Brasil, publicado no congresso Fashion & Sustainability ocorrido em novembro de 2022, em Portugal.

Naquela ocasião, considerando o contexto analisado, que se baseava em uma amostra reduzida, as autoras já identificaram indícios de que o ensino da sustentabilidade estava vinculado ao uso de técnicas e ao desenvolvimento de produtos, o que constitui um problema real que precisa ser solucionado.

Em ambos os estudos, de autoria própria, os resultados revelam que é necessário revisar o processo de ensino de sustentabilidade nos cursos de graduação em moda. Especialmente no que tange aos princípios norteadores para que docentes de moda possam seguir e qualificar a aprendizagem dos alunos, com foco na inserção desses novos profissionais no mercado, que cada vez mais se preocupa com a sustentabilidade.

É importante ressaltar que o estudo apresentado aqui constitui uma etapa de uma pesquisa de pós-doutorado, que identificou professores e pesquisadores da área de ensino e sustentabilidade a partir de registros de Grupos de Pesquisa cadastrados no CNPq e de publicações em periódicos e congressos especializados na área. Com base nesse levantamento, professores de diversas regiões do Brasil e uma professora de Portugal (com orientações e publicações no Brasil sobre o tema) foram convidados a participar do questionário. Considerou-se apenas a amostra apresentada neste trabalho, uma vez que foi recebida dentro do prazo estipulado.

Como sugestão para estudos futuros, propõe-se a elaboração de uma proposta didática que inclua estratégias e ferramentas com o objetivo de orientar docentes, visando contribuir para a qualificação do ensino de moda voltado à sustentabilidade em cursos de graduação. No entanto, essa proposta ainda considerará a percepção dos discentes desses cursos.

REFERÊNCIAS

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FLETCHER, K; GROOSE, L. Moda e sustentabilidade: design para mudança. Tradução de Janaína Marcoantonio. São Paulo: Senac. 2011.

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LIMA, Bruna Lummertz; MARTINS, Suzana Barreto. Sustainability In Fashion Design Courses:: strategies and tools for teaching.. In: FASHION & SUSTAINABILITY, 1., 2022, Lisboa. Book of Abstracts. Lisboa: Lusófona University, 2022. v. 1, p. 22-23. Disponível em: https://flconf.ulusofona.pt/wp-content/uploads/2022/11/FLConf_bookOfAbstracts.pdf. Acesso em: 30 ago. 2022.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior Cadastro e-MEC. 2022. Ministério da Educação. Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em: 13 dez. 2022.

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