Design pró-sustentabilidade na formação de mulheres e a falta de divulgação do produto de moda nas mídias digitais
Mariana Moreira Carvalho
Doutoranda, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC / marimoreirac9@gmail.com
Orcid: 0000-0002-4735-2359 / Lattes
Berenice Santos Gonçalves
Doutora, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC / berenice@cce.ufsc.br
Orcid: 0000-0002-0740-4281 / Lattes
Luiz Fernando Gonçalves de Figueiredo
Doutor, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC / lff@cce.ufsc.br
Orcid: 0000-0002-3327-9170 / Lattes
Neide Köhler Schulte
Doutora, Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC / neideschulte@gmail.com
Orcid: 0000-0001-5690-5819 / Lattes
Enviado: 29/07/2022 // Aceito: 16/03/2023
Design pró-sustentabilidade na formação de mulheres e a falta de divulgação do produto de moda nas mídias digitais
RESUMO
Neste estudo apresenta-se uma estratégia educativa desenvolvida pela ONG Instituto Trama Ética durante o curso de moda “Mãos à Ecomoda”, realizado entre outubro e dezembro de 2021 na cidade de Florianópolis/SC. Tem como objetivo evidenciar a formação de mulheres voltada para o design pró-sustentabilidade e como o processo educacional pode estar atrelado ao aporte do ambiente digital das redes sociais. O referencial teórico empregado na abordagem do objeto contou com pesquisa bibliográfica sobre os temas upcycling, circularidade na cadeia de produção e consumo, moda ética, moda sustentável e mídias digitais. Por se tratar de uma pesquisa aplicada, utilizou-se de relatórios como suporte para descrever as atividades desenvolvidas durante o projeto, e da análise de conteúdo como recurso para tratar dos relatos coletados. Os principais resultados apontaram para uma boa aceitação da temática pró-sustentabilidade na moda entre as participantes do referido curso, bem como a relevância de investimentos em projetos de extensão voltados a temática da sustentabilidade, sendo uma ferramenta para a redução de impactos socioambientais causados pelo setor de moda. Por fim, as considerações finais revelam um distanciamento da comunidade observada em relação às tecnologias digitais, sinalizando desigualdades sociais e informacionais.
Palavras-chave: Formação de mulheres. Design pró-sustentabilidade. Mídias digitais.
Pro-sustainability design in the training of women and the lack of dissemination of the fashion product in digital media
ABSTRACT
This study presents an educational strategy developed by NGO Trama Ética Institute during the fashion course “Mãos à Ecomoda”, held between October and December 2021 in the city of Florianópolis/SC. It aims to highlight the training of women focused on pro-sustainability design and how the educational process can be linked to the contribution of the digital environment of social networks. The theoretical framework used in the approach of the object included bibliographical research on the topics upcycling, circularity in the production and consumption chain, ethical fashion, sustainable fashion and digital media. Because it is an applied research, reports were used as support to describe the activities developed during the project, and content analysis as a resource to deal with the collected reports. The main results pointed to a good acceptance of the pro-sustainability theme in fashion among the participants of this course, as well as the relevance of investments in extension projects focused on the theme of sustainability, being a tool for reducing social and environmental impacts caused by the fashion sector. Finally, the final considerations reveal a distancing of the community observed in relation to digital technologies, signaling social and informational inequalities.
Keywords: Training of women. Design pro-sustainability. Digital media.
Diseño pro-sostenibilidad en la formación de mujeres y falta de divulgación del producto de moda en los medios digitales
RESUMEN
En este estudio se presenta una estrategia educativa desarrollada por ONG Instituto Trama Ética durante el curso de moda “Mãos à Ecomoda”, realizado entre octubre y diciembre de 2021 en la ciudad de Florianópolis/SC. Tiene como objetivo evidenciar la formación de mujeres volcada para el diseño pro-sustentabilidad y cómo el proceso educativo puede estar vinculado al aporte del ambiente digital de las redes sociales. El referencial teórico empleado en el abordaje del objeto contó con investigación bibliográfica sobre los temas upcycling, circularidad en la cadena de producción y consumo, moda ética, moda sostenible y medios digitales. Por tratarse de una investigación aplicada, se utilizó de informes como soporte para describir las actividades desarrolladas durante el proyecto, y el análisis de contenido como recurso para tratar de los relatos recolectados. Los principales resultados apuntaron a una buena aceptación de la temática pro-sustentabilidad en la moda entre las participantes de dicho curso, así como la relevancia de inversiones en proyectos de extensión centrados en la temática de la sostenibilidad, siendo una herramienta para la reducción de impactos socioambientales causados por el sector de la moda. Finalmente, las consideraciones finales revelan un distanciamiento de la comunidad observada en relación a las tecnologías digitales, señalando desigualdades sociales e informacionales.
Palabras clave: Fomación de mujeres. Diseño pro-sostenibilidad. Medios digitales.
1. INTRODUÇÃO
A omissão de informação e a falta da popularização da lógica da transparência dentro do sistema de moda e de outros setores da indústria ainda é predominante, apesar de se notar um aparente crescimento acerca da percepção de responsabilidade sobre suas etapas produtivas.
A falta de uma divulgação da informação sobre produtos de redesign¹ - provenientes de materiais têxteis descartados, mas, que ainda possuem vida útil -, causa ruídos, inconsistências e desvalorização dentre os atores e etapas que compõem a cadeia produtiva, necessitando, portanto, de ações que viabilizem a horizontalidade em relação ao conhecimento e à educação, bem como de meios midiáticos e tecnológicos voltados a este suporte informacional. Isso é importante para fortalecer toda a cadeia, em especial, a identidade dos pequenos produtores locais.
Sugere-se haver intensa comunicação e atuação mais participativa e colaborativa por parte dos envolvidos neste sistema, aliados ao aprendizado sobre design pró-sustentabilidade, o qual utiliza os princípios da sustentabilidade para reduzir os impactos causados pela indústria da moda. Pois, entende-se que o funcionamento da cadeia produtiva da moda está, também, atrelado ao processo de divulgação de suas atividades no ambiente virtual das redes sociais, em um mundo globalizado pelo ciberespaço e pelas imagens que ali circulam.
Nesse contexto da moda presente nos meios e plataformas digitais, pode-se observar que as marcas legitimam o discurso sustentável por meio do greenwashing (lavagem verde, em tradução literal), uma comunicação que se utiliza de recursos do marketing para que se venda seu produto como sustentável, mas, que na verdade, se trata de uma espécie de maquiagem para vender mais.
O acesso à informação no espaço virtual das redes sociais é reconceituado pela conectividade da mídia digital. E, a organização de metadados é articulada de tal modo para que as pessoas percebam que há um sentido maior quando se trata da produção de moda em prol da sustentabilidade. O acesso a insumos de menor impacto socioambiental, por exemplo, deve ser avaliado em todas as etapas por meio da cooperação entre os indivíduos, a começar pela fase de concepção do projeto de design. E o próprio design, enquanto fenômeno social, trabalha com o pensamento e a organização visual nesse ambiente.
Em seguida, atentar para a mão de obra justa, avançando na etapa de produção dos artefatos de moda e processos produtivos coerentes com as problemáticas da indústria, referentes à diminuição dos impactos causados nas etapas de distribuição, consumo e final do ciclo de vida do produto.
Sendo assim, a proposta desta pesquisa está inserida no campo da educação para uso consciente de insumos dentro da cadeia produtiva de moda, e busca, a partir da atuação de mulheres participantes de um projeto social, responder ao seguinte questionamento: De que modo a comunidade observada tem usado, como meio de processos educativos, as mídias digitais para divulgar suas práticas pró-sustentabilidade no contexto do design de moda? Para tanto, o objetivo é evidenciar a formação de mulheres voltada para o design pró-sustentabilidade na moda e como o processo educacional pode estar atrelado ao aporte do ambiente digital das redes sociais, indicando atores, práticas, matérias, espaços e etapas que compõem essa cadeia produtiva.
A metodologia de abordagem do objeto se valerá da análise de conteúdo de relatórios gerados durante o curso em de moda “Mãos à Ecomoda”, realizado entre os meses de outubro e dezembro de 2021 na cidade de Florianópolis/SC. O curso “Mãos à Ecomoda” focou nas questões do empoderamento feminino por meio da independência financeira de mulheres de comunidades em vulnerabilidade social, e é subsidiado financeiramente pela parceria entre os projetos de extensão Asas & Raízes e Ecomoda Udesc, ambos da Universidade do Estado de Santa Catarina. As mulheres participantes são mães, solteiras, matriarcas, esposas, filhas. Todas unidas pela costura e pela vontade de complementar suas rendas com a produção de produtos acessíveis com valor agregado da sustentabilidade e que possam ser comercializados.
A capacitação em design pró-sustentabilidade para a moda, proposta pelo curso, visa a reutilização de materiais têxteis da cadeia produtiva da moda e do pós-consumo - que se amontoam em aterros ou outros locais inadequados para descarte. O acesso aos materiais de “segunda mão” torna viável a prática de upcycling (extensão do ciclo de vida)2, de modo que estes são transformados em insumos para a produção de novos produtos. A formação voltada à produção de peças novas com o reuso de materiais, a princípio, descartados, ajuda as alunas a conseguirem produzir produtos com pouco investimento, mas podendo ter um bom retorno financeiro, tornando assim a cadeia de moda mais circular, rumo a modelos pró-sustentabilidade de produção e consumo.
As referências que sustentam esta proposta vão ao encontro de temas como a moda e a sustentabilidade, ressaltando os conceitos da ética de transparência (SCHULTE, 2015) e da rastreabilidade da cadeia produtiva de moda (GWILT, 2014), ciclo de vida dos produtos e upcycling (BRAUNGART; MCDONOUGHT, 2013), as tecnologias de informação comunicação na cadeia da moda, pelo viés da sociedade no ciberespaço e mediada pela tecnologia e pelas imagens no meio digital (SANTAELLA, 2003; CASTELLS, 2016), e com aspectos levantados por Jenkins (2009) sobre acesso à mídia e desigualdade.
A partir do objetivo proposto, a pesquisa visa trazer contribuições para se alinhar com formas e padrões de produção e consumo mais responsáveis e sustentáveis. Além do mais, faz refletir sobre como a organização visual para a rastreabilidade e a transparência se insere no fluxo de criação do produto de moda pró-sustentabilidade, avaliando maneiras sobre como triar o que circula e o que fica retido em termos de reaproveitamento de resíduos, e como eles podem ser usados na produção de moda.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O ser humano se vê em meio a uma transição do mundo analógico para um mundo digital e midiatizado. E, em meio a isso, vive-se um momento em que a sociedade se encontra diante de mudanças no ambiente natural causadas pela forte atuação industrial, que gera poluição das águas, do solo e do ar, devido à falta de cuidado ambiental e consequente descuido com os resíduos que são descartados inapropriadamente.
A teoria ambiental traz a questão do cuidado ambiental e sustentável como sendo um “conjunto de ações intencionais, dirigidas e efetivas, que respondem a exigências sociais e individuais e resultam em proteção do meio ambiente” (PATO; CAMPOS, 2011, p. 125). Este é um conceito que vai de encontro ao princípio da sustentabilidade de uso dos recursos naturais sem desperdício, dentro dos limites do meio ambiente.
As consequências da falta de um comportamento pró-sustentabilidade adequado são reveladas devido a uma estrutura linear de produção e consumo. Para os autores Braungart e McDonough (2013, p. 32-33):
Nossa compreensão da natureza mudou drasticamente. Novos estudos indicam que os oceanos, o ar, as montanhas e as plantas e os animais que os habitam são mais vulneráveis do que jamais poderiam imaginar os primeiros inovadores. [...] Nem a saúde dos sistemas naturais nem a consciência de sua delicadeza, complexidade e interconectividade têm feito parte da agenda do projeto industrial. [...] a infraestrutura industrial que temos hoje é linear: concentra-se em fazer um produto e em obtê-lo para um cliente de maneira rápida e barata, sem muitas outras considerações.
Dentre as características que envolvem o formato industrial linear, estima-se que mais de 90% da matéria extraída para a produção de bens duráveis, nos Estados Unidos, viram lixo quase que de imediato, sendo o produto muitas vezes pouco durável e com um ciclo de vida que acaba na fase do descarte (BRAUNGART; MCDONOUGH, 2013). Em um cenário não muito diferente daquele descrito pelos autores supracitados, produtos do sistema da moda são projetados com obsolescência programada, caracterizada por uma vida útil pré-determinada e que estimula o abandono do produto e a compra de um novo, ao final de seu ciclo de vida. Sendo que,
produzir sem destruir e conceber um objeto do cotid0iano, do mais elementar ao mais sutil, tornando seu uso durável e seu fim assimilável por outros processos de vida, deve ser a finalidade de uma reflexão global que consideraria a complexidade dessa relação (KAZAZIAN, 2005, p. 28).
De acordo com Lipovetsky (1989), a moda permitiu certa autonomia individual em se tratando de aparência, de modo que estabeleceu uma nova relação entre o “átomo individual” e a “regra social”. Ao passo em que a moda impôs uma regra de conjunto, como forma de integração ou pertencimento a certos grupos ou classes sociais, também deu lugar para o manifesto pessoal: “é preciso ser como os outros e não inteiramente como eles, é preciso seguir a corrente e significar um gosto particular” (LIPOVETSKY, 1989, p. 40). Portanto, a moda, interconectada à arte e ao design, pode ser entendida como instrumento de expressão visual pessoal a qual diferiu, ao longo do tempo, tribos, classes, culturas e gostos.
Porém, o sistema da moda incentiva o descarte devido à produção e consumo excessivos. Os produtos são denominados úteis quando estão na moda ou seguem as tendências, e o ritmo do entrar e sair da moda vem se acelerando cada vez mais, com coleções que superam as quatro estações do ano. É um processo que se retroalimenta: compramos, pois mudamos durante nossa vida, fazendo com que as marcas possam vender suas mercadorias. Nesse contexto, o progresso rumo à sustentabilidade da moda que é criada pelas marcas deve, cada vez mais, fazer sentido (PINHEIRO; PINHEIRO, 2007), em detrimento de ser uma peça de roupa sem apelo ou significado, tendo em vista que seres humanos e meio ambiente são usados de forma desumana e cruel para mover uma estrutura que se mostra inviável em pleno século XXI, diante de crises socioambientais que afetam diretamente a manutenção de vidas humanas e não humanas.
Neste terreno, o design encontra o tema da transição em direção à sustentabilidade, de modo potencialmente fértil. É cada vez mais evidente a necessidade de mudança de estilos de vida e dos modelos produtivos para reduzir o impacto ambiental. [...] É necessário uma transformação não só na esfera tecnológica mas, sobretudo, na esfera social – nos comportamentos, nos hábitos e modos de viver. Devemos aprender a viver melhor, consumindo menos e regenerando o tecido social (MANZINI; MERONI, 2009, p. 14).
Para Santaella (2003), uma possível resposta em direção a mudanças nesse cenário que se vê desconectado - a natureza distante do homem, e não integrada -, seria incluir o aparato digital na tentativa de mediar ações mais conscientes e responsáveis, tornando a nossa existência de vida, enquanto humanos, uma experiência mais proveitosa para todos.
A relação entre real/digital e humano/natural torna-se latente no ambiente das redes sociais, pois, é um espaço que serve como uma ponte entre o particular e o público. Essas conexões devem ser mais próximas, sendo vistas de maneira global e conjunta, e não separadamente. Desse modo, a utilização de plataformas interativas, tais como Instagram ou Facebook, por exemplo, evidencia aspectos imagéticos dos processos da criação e da produção da cadeia produtiva de vestuário e moda que, na maioria das vezes é invisibilizada, e poderia facilitar o acesso e a circulação do conhecimento em prol da sustentabilidade e reutilização de resíduos na confecção de novos produtos, a todos os sujeitos dessa cadeia.
A interação se dá, portanto, dentro de uma perspectiva sistêmica, em que há uma preocupação com ações pró-sustentabilidade em âmbito local, abrangendo aspectos não só ambientais, relativos à questão dos resíduos gerados, mas também sociais e econômicos, por envolver toda uma rede de sujeitos pertencentes à cadeia produtiva de moda (Figura 1).
Figura 1. Pensamento sistêmico e mecanismos de ciclo de vida no design de moda
Fonte: Adaptado pelos autores (2023) com base em Braungart e Mcdonough (2013).
Nesse processo sistêmico de produção e consumo, busca-se tomar conhecimento e prever o sistema-produto por completo, a fim de identificar mais facilmente os impactos e as consequências das escolhas projetuais. Ao mesmo tempo, sugere-se a adoção de ciclos de vida circulares para os produtos de vestuário e moda, sempre atentando para a comunicação e divulgação dessas escolhas, até mesmo como uma forma das marcas tornarem-se referências pró-sustentabilidade. De acordo com Castells (2016, p. 69):
Há uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo.
A disseminação das tecnologias da informação e comunicação, somadas à ampliação do acesso à internet, alteraram a dinâmicas organizacional e econômica da sociedade, gerando transformações significativas nas relações sociais e no estilo de vida das pessoas. A possibilidade de produzir e acessar conteúdos diversos de qualquer lugar do mundo relativiza distâncias e permite que culturas sejam permeadas por outras culturas, ocasionando alterações profundas nos comportamentos sociais (CASTELLS, 2016).
De fato, é percebido que em uma sociedade mediada pela tecnologia, a transparência de atividades, de processos, de materiais e de atores é favorecida por essa cultura visual e cada vez mais participativa que, aliada ao conceito de inteligência coletiva, é apresentada por Jenkins (2009, p. 28-46):
Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades. A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência. [...] Comunidades de conhecimento formam-se em torno de interesses intelectuais mútuos; seus membros trabalham juntos para forjar novos conhecimentos, muitas vezes em domínios em que não há especialistas tradicionais; a busca e a avaliação de conhecimento são relações ao mesmo tempo solidárias e antagônicas. Investigar como essas comunidades de conhecimento funcionam pode nos ajudar a compreender melhor a natureza social do consumo contemporâneo de mídia. Essas comunidades podem nos revelar como o conhecimento torna-se poder na era da convergência das mídias.
Aliar a produção e o consumo de moda ao contexto midiático e tecnológico é um caminho possível para repensar padrões vigentes, além de gerar e disseminar o conhecimento. A moda tem significativa importância cultural e econômica para a sociedade e, por isso, é preciso questionar e desafiar convenções e modelos de negócios como são conhecidos, pois, essa “pode ser uma oportunidade para melhorar e continuar com mais responsabilidade socioambiental, o que contribuirá para a criação de uma indústria de transformação para um mundo melhor” (SCHULTE, 2015, p. 57).
Por meio da comunicação, da informação, e de redes interligadas, é possível perceber a complexidade que cerca a estrutura do sistema tradicional de moda, a quem são aliadas para que este siga existindo. O ciberespaço, na mesma medida, colabora para o aumento da desigualdade entre os que tem e os que não têm acesso à rede. Sendo assim, é preciso explorar as “potencialidades contraditórias” (CASTELLS, 2016) que envolvem a exposição do produto de moda pró-sustentabilidade no ambiente virtual.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método escolhido para responder à problemática da pesquisa, quanto ao uso, por parte de comunidades, das redes sociais (mídias visuais digitais) na divulgação de práticas sustentáveis no contexto do design de moda, foi a análise de conteúdo dos relatórios gerados no curso com ênfase na moda pró-sustentável “Mãos à Ecomoda”, entre os meses de outubro e dezembro de 2021 na cidade de Florianópolis/SC (Figura 2).
Figura 2. Espaço físico do Instituto Trama Ética
Fonte: Acervo Instituto Trama Ética (2021).
Realizou-se um levantamento qualitativo por julgar ser o mais adequado a investigar a formação de um grupo de mulheres, com foco em sistematizar o conhecimento de maneira progressiva, e compreender como ocorreu o fenômeno experienciado (GUERRA, 2014). Por isso, recorreu-se à descrição das atividades do Instituto Trama Ética durante o referido curso.
Após realizar a revisão de literatura com base em conceitos e teorias que cercam a experiência prática da realização do curso “Mãos à Ecomoda” foi possível descrever as experiências vivenciadas em sala de aula durante as capacitações em design pró-sustentabilidade para a moda. Assim, os procedimentos empregados para o tratamentos dos dados foram: (a) pré análise, (b) exploração do material incluindo codificação, unidades de contexto e categorização e (c) interpretação (BARDIN, 2004).
Cabe destacar que o projeto foi estruturado de modo a atender quatro módulos: o primeiro módulo com conteúdos voltados para uma introdução à moda, ao empreendedorismo e à sustentabilidade; o segundo módulo procurou abordar o design pró-sustentabilidade para a moda e as técnicas manuais, como o bordado, por exemplo; o terceiro módulo direcionou-se para a introdução à modelagem e costura básica; e, por fim, o quarto e último módulo trouxe como foco o upcycling e a customização.
O módulo 1 foi lecionado pela professora Ágatha Tardi, que conduziu as aulas com conteúdos digitais sobre história da moda, empreendedorismo e sustentabilidade, fazendo uso de computador e projetor para que todas pudessem acompanhar. As alunas tiveram contato com assuntos como precificação, planejamento de produção e geração de renda extra (Figura 3).
Figura 3. Aulas do 1º módulo do curso “Mãos à Ecomoda”
Fonte: Acervo Instituto Trama Ética (2021).
Na sequência, o módulo 2 teve Jussara Dagostim como professora, que conduziu as aulas com conteúdos sobre o design pró-sustentabilidade para a moda e técnicas manuais como: bordado livre, sashiko (bordado japonês), fuxico e patchwork (trabalho com retalhos), para confeccionar bonecas e carteiras (Figura 4).
Figura 4. Produções do 2º módulo do curso “Mãos à Ecomoda”
Fonte: Acervo Instituto Trama Ética (2021).
Já o módulo 3 contou com a colaboração entre as professoras Luiza Souza e Mariana Moreira, que conduziram as aulas com conteúdos sobre modelagem e costura básica (Figura 5). As alunas desenvolveram saias e bolsas com a técnica de upcycling, reutilizando e ressignificando peças já existentes, características de projetos de design pró-sustentabilidade. Ao observar o contexto em que o curso “Mãos à Ecomoda” foi realizado, pode-se destacar que todo o material utilizado foi de reaproveitamento têxtil, proveniente de doações do Instituto Lojas Renner, do Armário Coletivo e do Instituto Trama Ética, e também de resíduos têxteis do ateliê do curso de moda da Udesc, parceira na realização do projeto.
Figura 5. Aulas do 3º módulo do curso “Mãos à Ecomoda”
Fonte: Acervo Instituto Trama Ética (2021).
O módulo 4 foi lecionado pela professora Mariana Moreira, que conduziu as aulas com conteúdos sobre customização e upcycling (Figura 6). Esta técnica pode seguir por dois vieses possíveis: a aplicação no design para conceber uma nova peça de roupa, ou então voltado à reforma de roupas, remodelando peças já existentes (GWILT; RISSANEN, 2011), por meio de trabalhos como a customização, por exemplo, de modo que sejam preservadas suas características e composições. De uma forma ou de outra, haverá aproveitamento de materiais têxteis descartados como matéria-prima em um novo ciclo que é criado, sendo utilizada na criação de novos produtos de vestuário e de moda.
As alunas foram incentivadas a customizarem suas criações, dando foco à processos mais livres de criação e criatividade, e incorporando aspectos do design pró-sustentabilidade para a moda. Deste modo, por meio do ensino da costura para o redesign e o upcycling, focado em sustentabilidade, tornou-se possível orientar as participantes do projeto sobre noções de reaproveitamento, reuso e alguns outros recursos da moda circular e sua aplicação na confecção de vestuário e moda (BRAUNGART; MCDONOUGH, 2013).
Figura 6. Aulas do 4º módulo do curso “Mãos à Ecomoda”
Fonte: Acervo Instituto Trama Ética (2021).
Percebeu-se a necessidade de um módulo extra, ao final do curso, para reforçar alguns conceitos apresentados no módulo inicial. A professora Ana Carolina Virginelli conduziu o último encontro com conteúdos sobre empreendedorismo e produção de moda: apresentação de produto, embalagens, site, logomarca, MEI, fotografia de produto e desenvolvimento de portfólio. A precificação das peças produzidas durante o curso foi calculada pelas alunas com instrução da professora. E, por fim, as peças desenvolvidas durante o curso foram expostas e vendidas ao público na feira Franklin Cascaes, no centro de Florianópolis - SC, em 19 de dezembro de 2021.
Em todo o curso se utilizou do meio digital, tanto para trazer conteúdos como para explorar e incentivar o uso de ferramentas que possibilitam vendas de produtos on-line.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Tendo em vista o método de análise adotado (BARDIN, 2004), na etapa de pré-análise descreveu-se o fenômeno com base nos relatórios gerados durante as aulas do curso “Mãos à Ecomoda”.
a) Pré-análise: A comunidade observada, ONG Instituto Trama Ética, desenvolve ações para a promoção da autonomia, do empreendedorismo, da geração de renda e da inclusão social, principalmente de mulheres e jovens. Fazem parte da equipe um ecossistema de pessoas que compartilham seus conhecimentos e vivências sobre temas pertinentes ao design pró-sustentabilidade para a moda, com contribuições para a redução dos impactos socioambientais da área de moda, a produção e o consumo responsável, a economia solidária, circular e criativa, o comércio justo e o compartilhamento.
Verificou-se que a Trama Ética busca identificar causas e soluções dos problemas gerados pela indústria da moda, destacando-se entre eles o volume de resíduos têxteis que podem ser utilizados como matéria-prima para outros produtos, ou ter uma destinação correta, por meio da reciclagem, por exemplo. É a intenção da organização que as ações sejam desenvolvidas por meio de projetos, eventos, cursos, palestras, exposições e desfiles, e aconteçam na grande Florianópolis e em outras cidades no estado, no país e até mesmo no exterior.
Após este reconhecimento inicial, a etapa seguinte seguiu com a exploração do material, incluindo codificação, unidades de contexto e categorização.
b) Exploração (codificação e categorização): Diante dos relatórios gerados pela equipe pedagógica e de apoio do projeto, foi construído um mapa conceitual a fim de agrupar os principais conceitos identificados nos textos (Figura 7).
Figura 7. Mapa mental dos códigos identificados na observação
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
A fim de organizar visualmente os temas percebidos, o mapa possibilitou conectar e inter-relacionar os conceitos. Assim, a codificação foi feita por semelhança, e notou-se maior preponderância acerca dos temas sobre a moda (categoria 1) e os principais problemas da sua cadeia produtiva, sobre ações pró-sustentabilidade (categoria 2), bem como o uso das mídias para apoiar as iniciativas do grupo observado (categoria 3).
As categorias foram então destacadas com cores diferentes, para orientar e facilitar a leitura do mapa. E notou-se aproximação entre as categorias e a literatura estudada, confirmando na prática o que é descrito pela teoria.
Na última etapa, realizou-se o tratamento e interpretação dos resultados obtidos por meio de inferência, um tipo de interpretação controlada do material.
c) Interpretação: A partir da experiência obtida por meio da realização da primeira edição do curso “Mãos à Ecomoda”, foi possível observar como resultado que a temática da educação em design pró-sustentabilidade para a moda foi bem recebida pelas alunas participantes do projeto, que puderam adquirir conhecimentos voltados à criação de produtos de moda confeccionados a partir de upcycling e métodos manuais na cadeia produtiva de moda.
Notou-se a proatividade da Trama Ética em pensar a temática ambiental ligada à moda, uma das indústrias mais poluentes do planeta. A implementação de projetos de extensão voltados a esta área, no espaço micro de um grupo focal de mulheres, proporcionou maior aproximação com a temática da moda circular e com conteúdos relevantes, ministrados por professoras capacitadas.
Uma dificuldade percebida durante o curso é a falta de habilidade e acesso ao ambiente virtual das redes sociais, fator que foi identificado no módulo final do curso, quando as participantes do projeto manifestaram não saber utilizar o espaço da internet para fazer pesquisas de conteúdos informacionais de seu interesse ou publicizar seus trabalhos e produtos.
O conteúdo ministrado sobre empreendedorismo foi recebido com muito entusiasmo pelas alunas, que estavam ansiosas em saber como precificar e vender seus produtos, mas ao longo do conteúdo que abordava o uso de internet e possibilidade de vendas on-line, as alunas apontaram que não usam o meio digital e que não se interessam muito em aprender, situação que pode ser interpretada como falta de hábito de uso.
O processo criativo também foi percebido com fragilidades. As alunas preferem que lhes seja dito o que deve ser feito, ao invés de explorarem os materiais e se arriscarem sem medo de ousar com ideias mais criativas. Os produtos que tinham moldes e uma ordem operacional de confecção foram recebidos com mais segurança e interesse pelas alunas, sendo produzidos em maior quantidade e de forma mais rápida. Pois, a realidade de ter algo reproduzível e escalável é muito importante para estas mulheres. Sendo assim é importante que o produto de upcycling seja além de acessível, simples de ser feito.
Evidencia-se, que a questão que conduziu esta pesquisa, em que buscava-se investigar o uso das mídias para divulgação das produções de moda sustentável pelo grupo observado, foi esclarecida. No entanto, não de forma afirmativa, pois se mostrou vulnerável quanto a esse aspecto, revelando-se o pouco domínio e uso das mídias sociais como impulsionadora de vendas ou de conteúdos com características de moda pró-sustentabilidade.
As dificuldades encontradas refletem as desigualdades informacionais e sociais, de uma parcela da sociedade à margem das tecnologias digitais, tão presentes no cotidiano de muitos brasileiros, mas tão distantes de outros.
Acredita-se que um maior investimento educacional a grupos, como o que foi observado, pode impulsionar essa perspectiva da gestão da criatividade, pois, o ciberespaço pode se apresentar como uma fonte de conteúdos, de cultura visual e como banco de referências, importantes para quem deseja criar produtos por meio de redesign.
É preciso, além de tudo, reforçar o potencial que -principalmente - as redes sociais têm, em facilitar a disseminação de conteúdos que serviriam tanto para dar suporte informacional e educacional aos usuários, como para alcançar um maior número de pessoas que estejam dispostas a adotar atitudes pró-sustentabilidade e conhecer mais sobre estas práticas e produtos de moda confeccionados a partir de upcycling, por exemplo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objeto de moda no contexto da sustentabilidade pode ser entendido como uma interface, dialogando com pessoas e criando conexões entre as diferentes esferas sociais que habita. A criatividade, dentro do processo produtivo de reutilizar materiais para fazer algo novo, é algo a ser instigado, de modo a expandir as possibilidades de criação de novos modelos de peças por meio do upcycling e do redesign, técnicas que estão associadas à criação de projetos de design pró-sustentabilidade para a moda.
Este cenário parece produzir um caminho inverso ao que se tinha no sistema tradicional da moda. Enquanto se via nas passarelas as principais tendências da próxima estação, agora as referências e as relações sociais do mundo real são realocadas para as telas, por meio de imagens que se organizam numa espécie de vitrine digital. No entanto, o estudo identificou a falta de habilidade e acesso ao ambiente virtual das redes sociais por parte das participantes do curso “Mãos à Ecomoda”.
A Trama Ética, nesse contexto, é uma iniciativa que tem como propósito disseminar os princípios da sustentabilidade na moda por meio da educação, da produção mais limpa e do consumo responsável. Tem como foco o protagonismo das mulheres, dos jovens e o reuso ou transformação de materiais para criação de novos produtos de moda por meio da ecomoda.
Espera-se, a partir desta pesquisa, expandir o acesso a informações que dizem respeito a uma cadeia produtiva de moda mais justa e limpa. A repercussão mostra-se vantajosa para os sujeitos integrantes da cadeia produtiva de moda e das comunidades, que terão mais acesso a estes conhecimentos e, com isso, alcançarão maior transparência na cadeia da moda.
Notas de fim de texto
¹ Redesign pode ser entendido como a recriação de um produto, ou seja, o trabalho se dá a partir da reformulação de um artefato já existente.
2 O termo upcycling tem origem na língua inglesa e se refere a uma forma de prolongar o tempo de vida útil de uma peça já manufaturada e descartada, para evitar prejuízos ao meio ambiente. Ressalta-se que se trata de uma “técnica de se aprimorar e agregar valor a um produto ou material, que, de outra forma, seria jogado fora, de modo que permite que você aumente o aproveitamento e o valor de um material, prolongando sua vida [útil]” (GWILT, 2014).
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa só foi possível, a partir do financiamento da Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
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