Para além do Sol: uma reflexão sobre a Teoria das Cinco Peles aplicada à Moda
Elsbeth Léia Spode Becker
Doutora, Universidade Franciscana- UFN / elsbeth.geo@gmail.com
Orcid: 0000-0002-9867-1835 / Lattes
Rubiana de Quadros Sandri
Mestre, Universidade Franciscana- UFN / rubiana.sandri.moda@gmail.com
Orcid: 0000-0001-6013-2011 / Lattes
Enviado: 22/12/2019 // Aceito: 13/08/2021
Para além do Sol: uma reflexão sobre a Teoria das Cinco Peles aplicada à Moda
RESUMO
No presente artigo, pretende-se alinhavar considerações sobre a espiral de Hundterwasser, também conhecida como a Teoria das Cinco Peles, e sua aplicação no sistema de moda. Assim, fez-se a análise com a intenção de verificar como essa integração acontece e estudou-se a linguagem da moda por meio do vestuário, a construção do “eu” e da identidade social. A metodologia está embasada no estado da arte, na perspectiva de uma cosmovisão engendrada na relação do ser humano com o meio como espaço habitável e na maneira como determina sua existência em harmonia com a natureza por meio da moda como identidade, linguagem, representação social. Pode-se afirmar que há necessidade de maior conscientização humana em relação ao meio ambiente e que as mudanças de comportamento e de consumo são necessárias. Na moda, ressignificar é preciso.
Palavras-chave: Teoria das Cinco Peles. Moda. Sociedade.
Beyond the Sun: a reflection on the Five Skin Theory applied to Fashion
ABSTRACT
In this article, we intend to baste considerations about the Hundterwasser Spiral, known as the Five Skins Theory, and how to apply it to the fashion system. Thus, the analysis was carried out to verify how this integration happens, the language of fashion through clothing, the construction of the “myself”, and the social identity. The methodology is based on the state of the art, in the perspective of a cosmovision engendered in the relationship of the human being with the environment as a liveable space, the way it determines its existence in harmony with nature through fashion as identity, language, and social representation. It can be said that there is a need for greater human awareness of the environment and that changes in behavior and consumption are necessary. In fashion, to re-signify is necessary.
Keywords: Five Skins Theory. Fashion. Society.
Además del Sol: una reflexión sobre la Teoría de las Cinco Pieles aplicada a la Moda
RESUMEN
En el presente artículo, pretendemos alinear las consideraciones sobre la espiral de Hundterwasser, también conocida como la teoría de las cinco pieles, y cómo aplicarla al sistema de la moda. Así, el análisis se hizo con la intención de comprobar cómo se produce esta integración y se estudió el lenguaje de la moda a través de la vestimenta, la construcción del “yo” y la identidad social. La metodología se basa en el estado del arte, en la perspectiva de una cosmovisión engendrada en la relación del ser humano con el medio ambiente como espacio habitable y cómo determina su existencia en armonía con la naturaleza a través de la moda como identidad, lenguaje, representación social. Se puede afirmar que es necesaria una mayor concienciación del ser humano en relación con el medio ambiente y que son necesarios cambios en el comportamiento y el consumo. En la moda, la resignificación es necesaria.
Palabras clave: Teoría de las Cinco Pieles. Moda. Sociedad.
1 INTRODUÇÃO
“O que você faz”?, perguntaram a um índio americano. “Eu ensino meu povo”. E a nova pergunta foi: “O que você ensina”? E a resposta foi”: “Quatro coisas: primeiro, a escutar, segundo, tudo está ligado com tudo; terceiro, tudo está em transformação; quarto, a terra não é nossa, nós é que somos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus filhos. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo” (extraído da carta do chefe Seatle ao presidente dos EUA, em 1854).
Notável por sua capacidade de dizer coisas profundas usando a linguagem dos seus ancestrais, o chefe indígena, Seatle, líder dos povos Suquamish e Duwamish, dizia palavras que vinham de dentro de si como um sussurro soprado pelo vento, um murmúrio suave vindo de longe, da cosmologia; dizia que “o homem pertence à terra” (MUNDURUCU; NEGRO, 2008).
A premissa de que tudo está interligado vem ganhando a atenção de pensadores contemporâneos, como James Lovelok, Fritjob Capra e Edgar Morin, que propõem, novamente, a reconciliação universal com todas as criaturas para o bem da “casa comum”, o planeta Terra. A partir da concepção de cosmologia, de universo e de natureza interligada, traz-se, aqui, também, o pensamento e a proposta de Friedensreich Hundertwasser
James Lovelock (1919), a partir da Teoria de Gaia, propõe que o planeta e a vida constituem um processo inseparável. Apesar de “rochas, águas e céus” não estarem exatamente impregnados aos processos da vida, eles são vistos, na Teoria de Gaia, como totalmente integrados aos processos da vida, não sendo apenas componentes passivos, mas ativos e participantes. Tempo e espaço são considerados indissociáveis, surgidos no mesmo instante. Assim, a origem do universo, pelas descobertas da ciência, é explicada pelo Big-Bang, quando o caos da grande concentração de energia passa a ser ordenado: o universo físico formou-se há, aproximadamente, 15 bilhões de anos e é entendido como infinito e ainda em expansão, formado por imensuráveis Grupos, Galáxias, Sistemas e Planetas. No endereço espacial, os seres humanos estão inseridos no Grupo Local, formado por milhares de galáxias, e a Via Láctea é apenas uma, que, por sua vez, é mantida por milhares de sistemas. Entre esses milhares de sistemas, a humanidade está endereçada no Sistema Solar, formado pelo Sol e seus oito planetas, entre eles, a Terra, o único planeta que apresenta condições de vida (LOVELOCK, 2008).
Fritjof Capra (1982) e sua forma sistêmica de pensar trazem a ideia da vida interligada sobre as bases da existência e da integração do pensamento e das ações humanas no contexto do desenvolvimento, na busca da equação da vida e do progresso equilibrado e sustentado. Especialmente em sua obra “O ponto de mutação”, adverte que a atual crise não é apenas uma crise de indivíduos, governos ou instituições sociais, mas uma transição de dimensões planetárias. Capra coaduna com a ideia de que tudo se interconecta, formando, mesmo nos vazios e na ausência de definições exatas, a solidez da matéria, do pensamento e da estrutura do Universo tangível. O que não é visto, o que não é compreendido, não pode, necessariamente, ser abominado, relegado, sob pena da cegueira estar baseada somente na falta de abertura para o novo.
Nesse sentido, Edgar Morin (1921) adverte para o perigo da cegueira do conhecimento e preconiza o pensamento complexo, que permite abarcar a uniformidade e a variedade contidas na totalidade, ao contrário da tendência do ser humano a simplificar tudo. Ele afirma a importância do ponto de vista integral, embora não descarte o valor das especialidades. A simplificação, de acordo com Morin, está a serviço de uma falsa racionalidade, que passa por cima da desordem e das contradições existentes em todos os fenômenos e nas relações entre eles.
A partir dessa linha de cosmovisão, evidencia-se a Teoria das Cinco Peles ou a Teoria de Hundertwasser, do arquiteto e pintor Friedensreich Hundertwasser (1928-2000). Em seus trabalhos, ao longo de sua vida, o artista ficou conhecido como um oponente da “linha reta” e de qualquer padronização. Essa característica fica visível, especialmente, em seus trabalhos no campo do design de edifícios, expressa pela vivacidade e individualidade, mas, sobretudo, pela inclusão da natureza na arquitetura. Em suas obras, manifestou um compromisso ecológico, que estava intimamente ligado à sua filosofia de vida e de rejeição do racionalismo, a linha reta e a arquitetura funcional.
Hundertwasser defende o “direito à janela” como o direito de cada indivíduo de se inclinar para fora da janela para alcançar o cosmos. Realizou campanhas pela preservação do habitat natural das pessoas e pediu uma vida em harmonia com as leis da natureza. Escreveu manifestos em favor da conservação da natureza, para salvar os oceanos e as baleias, proteger a floresta tropical e contra o desenvolvimento da energia nuclear. Defendeu a harmoniosa relação entre homem e natureza:
[...] a natureza deve crescer livremente onde cai a chuva e a neve, o que está branco no inverno deve ser verde no verão. Tudo o que corre horizontalmente sob o céu pertence à natureza, nas estradas e nos telhados devem se plantar árvores. Deve ser possível respirar de novo o ar do bosque na cidade, A relação entre o homem e a árvore deve adquirir proporções religiosas, Assim, finalmente as pessoas entenderão a frase – a linha reta é a teia (HUNDERTWASSER apud FRANCO, 2013, p. 6).
Mas as ideias de Hundertwasser iam além do estético e do ecológico e fundavam uma visão de mundo centrada na espiral, forma que determinaria a maneira como os humanos se relacionam com a realidade exterior. Para Hundertwasser, no centro de cada pessoa está seu “ser”, que, ao longo da vida, vai se rodeando de camadas de significação que começam a determinar sua relação com o universo. Para expressar essa ideia, desenvolveu a Teoria de Hundertwasser, que se refere a cinco peles: a primeira pele, a epiderme; a segunda, o vestuário; a terceira, a casa do homem; a quarta, o meio social e a identidade; a quinta, a humanidade, a natureza e o meio ambiente.
O objetivo deste artigo é o de refletir sobre a Teoria das Cinco Peles e sua possível aplicação na moda, alinhavando uma conexão entre os dois assuntos, que por sua vez envolvem tantos outros subtemas, tais como identidade, linguagem, representação social.
O texto apresenta-se em duas seções principais, além da introdução, da metodologia e das considerações finais.
Na primeira seção, “A Teoria de Hundertwasser: as Cinco Peles”, introduz-se a ideia contida na teoria, ou seja, as cinco peles estão interligadas com o Universo infinito, e a existência humana está condicionada à qualidade dos intercâmbios realizados nesse sistema.
Na segunda seção, “A moda no contexto de natureza e sociedade”, apresenta-se aspectos relacionados à Teoria de Hundertwasser e analisa-se a necessária integração entre natureza e sociedade e as possibilidades viáveis na moda. No alinhamento dessa reflexão, a aproximação da linguagem da moda por meio do vestuário, com a identidade social, remete a uma importante inserção na subjetividade do “ser” em vez do “ter”.
Esse percurso reflexivo e de pensamento ganha especial conotação na atual sociedade pós-moderna, que busca novos conceitos e novas formas de vida, permeados pela sustentabilidade e pelo direito à existência de todos. Na moda como na vida, vive-se um momento de ressignificação de posturas para a construção de um novo mundo. Ressignificar é preciso!
2 METODOLOGIA
A metodologia está embasada no estado da arte, por meio de pesquisa bibliográfica, seguindo a abordagem descritiva da Teoria de Hundertwasser - a Teoria das Cinco Peles - revelada na arquitetura e na filosofia da interação entre homem e natureza e nas questões ambientais. O percurso do pensamento da escrita foi engendrado na cosmovisão da relação do ser humano com o meio por intermédio do espaço habitável e como pode determinar sua existência em harmonia com a natureza, por meio da moda como identidade, linguagem, representação social.
3 A TEORIA DE HUNDTERWASSER: AS CINCO PELES
Friedensreich Hundterwasser (1928-2000) (Figura 1a) nasceu em Viena, na Áustria, e se tornou um dos grandes pensadores do século XX. Além de artista, arquiteto e ativista, ficou conhecido pela arte da sua arquitetura (Figuras 1a, 1b e 1c) inspirada na natureza e para a identidade de cada pessoa.
Figura 1. Friedensreich Hundterwasser (a) e as fachadas de seus prédios inspirados na natureza (b), cujas janelas (c, d) expressavam a identidade da pessoa que ali vivia
Fonte: FRANCO (2013, p. 87).
Um de seus projetos mais conhecidos é o edifício de apartamentos ‘Hundertwasserhaus’ (Figura 1b), unidades de baixo custo, localizadas em Viena, na Áustria. O prédio foi pioneiro em apresentar coberturas verdes, técnica inovadora para a época, anos 1970, e grandes árvores que crescem no interior dos recintos, com seus galhos saindo pelas janelas. O piso do prédio incluía superfícies onduladas que, segundo Hundterwasser, “é uma melodia para os pés” (FRANCO, ٢٠١٣).
Percebe-se, portanto, que a arte de Hundterwasser revela uma profunda inspiração na natureza e em seus movimentos e denota a ideia de entrelaçamento e de teia, como percebido nas palavras dos ancestrais americanos, que sabiam que não eram donos da Terra, mas irmãos do Universo e conscientes de que, para além do Sol, uma cosmologia se estabelecia, possível de ser sentida na quietude do mistério da vida. Sob a perspectiva dos ancestrais, faz sentido a citação a seguir: “apenas um sábio mantém o todo constantemente na mente, jamais esquece o mundo, pensa e age em relação ao cosmo” (GROETHUYSEN apud MORIN 2007, p. 63).
Hundterwasser talvez tenha compreendido o que nem todos os homens são capazes de compreender: que a vida é um mistério para ser contemplado e vivido com a certeza de não se estar só, ao desenvolver a Teoria de Hundterwasser na qual revela a espiral das Cinco Peles: a primeira, a epiderme; a segunda, o vestuário; a terceira, a casa do homem; a quarta, o meio social e a identidade; a quinta, a humanidade, a natureza e o meio ambiente (Figura 2).
Figura 2. A espiral de Hundterwasser
Fonte: HUNDERTWASSER (1964, p. 12).
A partir da espiral de Hundterwasser (Figura 2), observa-se que a epiderme é a primeira pele considerada pelo artista, pele natural e inata, matéria orgânica. Para o artista, é o invólucro do nosso “eu profundo”, do qual somos provenientes (BARROS, 2008). A epiderme é a camada mais superficial da pele, em contato com o ambiente, formada por tecido epitelial estratificado pavimentoso e queratinizado. O nome deriva das palavras gregas epi, que significa acima, e derme, que significa pele. Assim, tem como significado acima da pele, e a principal função é relacionar o interno e o externo, ou seja, servir como uma barreira de proteção do organismo; absorver os raios ultravioletas provenientes da radiação solar; evitar a perda de água; promover a sensação de tato.
As roupas, conforme a Teoria de Hundertwasser, são a segunda pele, cuja função é encobrir parte da primeira pele e deixar-se visível ao mundo. Assim, o vestuário não se limita a esconder, mas tem a função de revelar a subjetividade do ser humano para o universo exterior. Barros (2008) afirma que o vestuário protege a epiderme, mas também opera como um canal de comunicação com o universo interno e externo de cada indivíduo, assim como a epiderme.
A terceira pele é a casa, o teto, as paredes, as janelas e as portas, que abrigam o ser humano (RESTANY, 1999). O habitat que o humano constrói para nele habitar é, também, a expressão da subjetividade humana, revelada por cores e formas. A casa reflete a subjetividade do interior humano, o jeito de ser, de receber e de perceber o mundo.
A quarta pele é a identidade, o meio social, os grupos de trabalho e de amigos, as relações humanas que o indivíduo constrói e mantém. Barros (2008) se refere à identidade como algo que se constitui pelo reflexo no outro. Assim, por meio da interação com o mundo, promove possíveis modos comportamentais, considerando que a identidade é, em si, uma construção performativa. Na espiral de Hundertwasser, e seguindo a linha de raciocínio, pode-se induzir que o ser humano faz parte de um contexto no qual se deve engajar no sentido da comunidade, mas também se individuar, mantendo sua personalidade. Portanto, nessa perspectiva, o reconhecimento de si se dá por meio da interação com o outro. O outro é importante para o desenvolvimento do eu, isto é, a individuação passa pela socialização tanto quanto a norma comunitária implica a pluralidade de vozes participando da ação comunicativa.
A humanidade, a natureza e o meio ambiente configuram a quinta pele, a pele planetária do humano. Para Morin (2007), conhecer o ser humano é situá-lo no universo, e não o separar dele, e vai além quando escreve que o homem deve questionar sua posição no mundo. Pode-se inferir que Morin (2007) compartilha das ideias de Hundertwasser ao afirmar que é necessário aprender a “estar aqui” no planeta. E, para estar aqui, no planeta, é necessário aprender a ser, a viver, a dividir e a se comunicar como humanos no planeta, ou seja, repensar o humano enquanto participante de uma sociedade.
Cabe salientar a importância da consciência social no decorrer da espiral de Hundertwasser e, a partir dela, sugerir uma consciência social como racionalidade ética e senso de coletividade pautadas no diálogo, no respeito mútuo e no estar junto com o outro, ou seja, de uma integração social que afirma cada vez mais a identidade dos sujeitos e reforça a importância da identidade do “eu” na relação com a comunidade.
Ao esboçar sua teoria, Hundterwasser revela que deve haver um equilíbrio na espiral das peles que não deve ser rompido. Se uma delas for rompida, será rompida, também, a harmonia que mantém “o céu suspenso”, no dizer do povo Guarani (MUNDURUCU; NEGRO, 2008, p. 30). Para Hundertwasser, a epiderme reveste o corpo humano, que é o eixo central e abstrato denominado eu-profundo, considerado o início de um espiral rumo ao infinito.
4 MODA NO CONTEXTO DE NATUREZA E SOCIEDADE
Considera-se a sociedade contemporânea como evolutiva, inovadora e multifacetada, alicerçada em três eixos fundamentais: o mercado, a eficácia tecno-científica e a democracia liberal individualista (LIPOVETSKY; CHARLES, 2003, p.64). O mundo contemporâneo, portanto, adquire características que se mostram efêmeras, transitórias, velocidade de novos acontecimentos e divulgação instantânea e planetária. Dessa forma, segundo Santaella (2008), pode-se dizer que a moda é uma das sintomáticas da contemporaneidade, por possuir características afins.
não há nada mais eficaz do que a moda para dar expressão teatral à experiência alucinatória do mundo contemporâneo. É a moda que exibe, por meio de signos mutantes, a corporificação, a externalização performática de subjetividades fragmentadas, sem contornos fixos, movediças, escorregadias, mutáveis, flutuantes, voláteis. Em razão disso, a moda se constitui em laboratório privilegiado para o exame das subjetividades em trânsito (SANTAELLA, ٢٠٠٨, p.١٦٥).
Dito isso, a moda contemporânea, como também as manifestações sociais e culturais na pós-modernidade, está aberta à multiplicidade e à inter-relação com outras áreas do conhecimento.
Como fenômeno multifacetado, a moda permite inúmeras abordagens de análise, absorvendo e reinventando valores por meio de condicionantes, como a economia, a cultura e o comportamento e, nesse contexto, funciona como um “radar social”. Assim, procura-se estabelecer uma aproximação entre a Teoria de Hundertwasser e a moda, pois acredita-se que a primeira possa oferecer uma contribuição criativa à segunda.
Na referida Teoria, a primeira pele, a epiderme, dá a forma, delimita a relação do entorno com o espaço do corpo, considerado como entidade física e psicológica. Dessa maneira, constituindo o espaço individual, ele é transformado e transformador no decorrer da sua vida. Para Hundertwasser, a primeira pele é a nossa causa determinante, modelo singular que envolve e dá a forma a todos os seres humanos (RESTANY, 1999).
Afirma Chataignier (2006, p. 19) que “O homem é um ser embalado”, desde seus órgãos internos, devidamente protegidos por membranas, peles, até suas partes externas; derme, cabelos, pelos e unhas recebem um acabamento apropriado para manter as funções vitais. Nessa perspectiva, pode-se considerar a epiderme como a primeira embalagem do corpo, ou seja, o invólucro externo que envolve o corpo, e que é a imagem bíblica de Adão e Eva, imagem que marca uma fronteira entre o homem-animal e o homem-pensante, que precisa se cobrir, principalmente por proteção e conforto.
Isso significa dizer que a epiderme é a camada mais superficial da pele e tem o contato com o exterior. Saltzman (2004, p. 22) aborda a pele como uma “espécie de traje especial” que protege o corpo das condições atmosféricas e viabiliza o tato, sentido que nos torna aptos a experimentar a tridimensionalidade do mundo.
Carvalhal (2016) descreve a importância de se pensar sobre o que se coloca em contato com a pele, afinal é o principal órgão de absorção do corpo humano e está intimamente ligado à segunda pele. Com esse enfoque, pode-se citar a importância da utilização de tecidos orgânicos, o que significa dizer que são tecidos ecologicamente corretos, cuja fabricação não compromete a saúde dos produtores nem dos animais, pois não são utilizados agrotóxicos nem pesticidas, garantindo, assim, a qualidade do ar, da água e do solo. Por conseguinte, também são tecidos antialérgicos no contato com a pele, pois há uma troca entre a corpo e a roupa, uma proximidade considerada por Peter Stallybrass (2008, p. 10) como “a mágica da roupa está no fato de que ela nos recebe: recebe nosso cheiro, nosso suor, recebe até mesmo nossa forma”.
De acordo com a Teoria de Hundertwasser, a segunda pele é o vestuário. Restany (1999) ressalta que Hundertwasser começou a costurar para si quando tomou consciência de sua segunda pele e considerava o tecido muito mais do que um invólucro, ou seja, a roupa é a visibilidade do homem ao mundo. Nessa mesma linha argumentativa, Barros (2008) salienta que a segunda pele é um canal de comunicação com o universo interno e externo de cada ser e, muitas vezes, sinaliza o pertencimento a um grupo social. Chataignier (2006), ao escrever por meio de signos, concorda que o tecido utilizado na confecção de roupas é um dos mais fortes e antigos meios de comunicação. O ponto de partida para tal entendimento é destacar a relação entre texto e tecido. A etimologia da palavra texto vem do termo em latim “téxtus, derivado de tecer, fazer tecido, entrelaçar ou entrançar e, especialmente na língua portuguesa estabelecemos tal relação quando falamos em trama (do tecido ou do texto)” (CHATAIGNIER, 2006, p. 12). Em síntese, o tecido pode ser comparado a um texto que está em constante construção; os tecidos produzem sentido da mesma forma que o texto.
Para a construção do vestuário, faz-se importante e mesmo necessário considerar a epiderme, ou seja, leva-se em conta as características do tecido. No exterior, o tecido apresenta características como cor, brilho, transparência, texturas, estampas, ou seja, aspectos visuais por meio dos quais se processa a comunicação do indivíduo com o seu entorno. No interior, estrutura-se uma espacialidade, e o volume em torno do corpo deve ser concebido conforme as necessidades do usuário e as características do material, como peso, elasticidade, maleabilidade, aderência etc., que, em contato com a pele, provoca sensações táteis (SANTOS; SANTOS, 2010, p. 209).
Chataignier (2006) cita o tecido como um texto que pode ter leitura visual, tátil e estesia. Esse modo de pensar pode levar a uma reflexão de que o tecido pode ser considerado um texto, que, além de suas características básicas, é capaz de explicitar as sensações causadas pela percepção do belo. Assim, a roupa tem características espaciais, mobilidade, tridimensionalidade, movimento e comunica ideologias, pudores e pode servir de proteção. A autora ainda reforça que a roupa é um objeto têxtil que se difere de um objeto de uso cotidiano pela ampla interface com o corpo do usuário. A roupa se orienta a partir do diálogo com o corpo.
Esse diálogo é assim defendido nas palavras de Caldas (2004, p. 81): “nada está mais perto do corpo do que a roupa, nenhum outro material se adapta tão bem a ele quanto o tecido”. Ancorado no pensamento do autor, pode-se inferir que o diálogo em questão faz conexão direta com a silhueta, ou seja, o quanto a roupa está próxima e o quanto ela pode alterar o contorno do corpo. Nesse sentido, segundo Saltzman (2008, p. 306), após o tecido ser transformado em vestuário, ele se assemelha a uma “segunda pele” e transforma a silhueta por meio das relações de aproximação e distância, expansão ou achatamento de volumes e dimensões.
A segunda pele, o vestuário, mantém uma relação de extensão como a primeira. Pode-se dizer que a vestimenta embala o corpo, interagindo com as outras peles. A segunda pele se adapta à estrutura morfológica do corpo, sendo modificada por ela, assim como o corpo é revestido de cores, formas e texturas que o alteram, construindo mensagens e relacionando-se com o espaço a sua volta e o ritmo social (SANCHES, 2017).
O vestuário transmite e traduz a personalidade de seus usuários e, ao mesmo tempo, é artefato fundamental para proteção física do corpo, usado em função de questões culturais e sociais. Sua utilização teve início junto ao homem primitivo como um artefato para cobrir o corpo das ameaças externas. Portanto, não é algo atual (JONES, 2005). Historicamente, é possível perceber que, com o passar do tempo e com a evolução humana, foram acrescentadas novas funções ao vestuário, principalmente após o surgimento da moda como sistema. A moda é uma extensão do corpo e, para Carvalhal (2016), ela ajuda a revelar e a construir a individualidade presente na terceira pele.
A terceira pele, de acordo com a Teoria de Hundertwasser, é a casa, as paredes, as janelas e portas, que protegem e abrigam o humano. Para Hundertwasser, uma casa deve interagir com a natureza, deve ser orgânica, viva e em estado de mudança contínua (SILVA, 2013). A moradia construída carrega, por meio de cores, formas e materiais, a subjetividade, ou seja, a forma de ser e perceber o mundo. Nesse contexto, o vestuário se conecta com a cultura material e se integra ao espaço habitado, que corresponde à terceira pele e pode ser como espaço construído, incluindo moradia (SANCHES, 2017).
Portanto, é importante ainda fazer uma breve aproximação entre a moda e a arquitetura, sob a perspectiva do habitar, sendo relevante “compreendê-las a partir das vivências: uma série de sucessivas relações que partem do corpo em direção à vestimenta, à casa e à cidade. Entrar e sair, vestir e desvestir assumem significados equivalentes” (SOUZA, 2014, p. 89). Tanto a moda como a arquitetura necessitam do corpo para se tornarem dimensionais e ganharem expressividade no espaço, cada uma em sua proporção (PEREIRA, 2017, p. 2017).
Com o objetivo de construir espaços habitáveis, a moda e a arquitetura compartilham, dialogam e expressam-se por meio de linguagens estéticas semelhantes e compõem imagens que permitem a identificação de períodos históricos e realidades socioculturais (SOUZA, 2014). Evidencia-se, dessa forma, que tanto a moda como a arquitetura refletem o espírito do tempo e as influências culturais e sociais. Nessa mesma perspectiva, Sant’Anna (2016, p. 76) define que as roupas são uma espécie de arquitetura têxtil com linhas com sentidos diferentes, que servem “[...] de um lado para cobrir o corpo humano, para proteger e, de outro, para embelezá-lo, ornamentá-lo ou dar-lhe uma característica determinada com o propósito de marcar o seu papel na cena”.
Segundo o artista sul-coreano Do-Ho Suh, “[...] quando você expande a ideia do vestuário como espaço, ele se torna uma estrutura habitável, um edifício, uma casa feita de tecido” (QUINN, 2003, p. 143). A partir dessa ideia, Do-Ho Suh apresenta em seus trabalhos, por meio de tecidos, casas e apartamentos onde viveu, a aproximação entre a arquitetura e a produção de vestuários, tornando-os territórios. Para o artista, a sobreposição dos espaços coincide com a sobreposição e a fusão dos sentimentos e a identidade (Figura 3).
Figura 3. Escultura Some/One do artista Do-Ho Suh
Fonte: SUH (2014, p. 152).
Segundo o artista Do-Ho Suh, a escultura Some/One (Figura 3) simboliza a identidade de cada indivíduo. Em suas obras, nota-se a interação da terceira pele (casa) com a quarta pele (identidade). Nessa mesma linha, outro exemplo do vestuário como território (Figura 4) foi a inspiração da artista Lucy Orta, que percebeu nas ruas a extensão da casa, para muitos moradores que necessitavam de uma delimitação do espaço pessoal na matriz urbana em situações de crise. A artista criou Refuge Wear, City Interventions, 1993-1996 (Figura 4).
Figura 4. Lucy Orta e o Refuge Wear City Interventions
Fonte: ORTA (1997, p. 59).
Os vestuários representados pela artista (Figura 4) são estruturas confeccionadas em tecidos hi-tech, que se materializam como uma espécie de corporal que deixam o corpo como se estivesse numa membrana respirável, ou seja, uma terceira pele que, na Teoria de Hundertwasser, é representada pela casa. Esta, por sua vez, se conecta com o meio social, nesse caso, o território da rua como sendo o único possível na matriz urbana em situação de crise.
A quarta pele, a família, o meio social, os grupos de trabalho, os amigos, são as relações humanas que o ser humano constrói. Crane (2006) explana que as roupas podem ser vistas como um “reservatório de significados”, que podem ser manipulados ou, até mesmo, reconstruídos a partir do senso pessoal de influência. As mudanças no vestuário e nos discursos dele indicam também mudanças nas relações sociais.
O vestuário participa das trocas sociais, por meio do âmbito familiar, geográfico, social e cultural, associando-se na quarta pele, abrigando os espaços individual e coletivo (SANCHES, 2017). Dessa maneira, pode-se afirmar que a moda permite o convívio das pessoas, construindo o meio social a partir de suas regras, imposições quanto aos comportamentos e aos relacionamentos. Assim, a moda tornou-se um dos motores que regem a sociedade, e a sociedade já não pode mais ser concebida ou imaginada sem a moda. Na engrenagem do atual sistema econômico e social, de capitalismo globalizado, a moda impulsiona o consumismo, permitindo que este constitua uma identidade global a partir do que oferece e fornece. Nesse mundo global, a identidade não é mais fornecida apenas por uma tradição, mas também pelas escolhas ancoradas e, muitas vezes, ditadas pelo consumismo.
Nessa linha de pensamento, cabe o conceito de moda, segundo Sant’Anna (2016, p. 16), como “ethos das sociedades modernas e individualistas, que, constituído em significante, articula as relações entre os sujeitos sociais a partir da aparência e instaura o novo como categoria de hierarquização dos significados”. Para a autora, o ethos moda é o responsável pela interação entre os sujeitos e o mundo por meio da experiência estética. As funções social e cultural da roupa, de acordo com Roche (2007), só podem ser entendidas em termos de comunicabilidade. Dessa forma, deve-se analisar o efeito produzido por aquilo que é visto sobre aquele que vê, como em qualquer discurso, o que vem primeiro é o ouvinte e não o locutor.
Svendsen (2010, p. 86) escreve que “procuramos identidade no corpo, e as roupas são uma continuidade dele”, por isso, elas são tão importantes para nós: “são as coisas mais próximas de nosso corpo”. No entanto, o autor cita Barthes para descrever três aspectos do vestuário, afirmando que há uma diferença entre a roupa “real”, a “representada” e a “comprada”. A roupa “real” é a peça física produzida; a roupa “representada” é aquela exposta nos anúncios, nas revistas e nos desfiles; a roupa “usada” é aquela efetivamente comprada e vestida, de acordo com as condições econômicas e, muitas vezes, influenciada pelo contexto cultural da família e da sociedade.
Assim como as línguas falada e escrita são modificadas constantemente por seus usuários, a linguagem da moda também é renovada. Para Oliveira (2014), as palavras ganham novos contextos e imprimem novos significados e, na moda, isso também acontece, pois um mesmo estilo pode ser resgatado em espaço e tempo diferentes, ressignificando seus usuários, ou seja, na linguagem da moda, os signos são constantemente ressignificados. Bakhtin (2003, p. 290) salienta que “a língua se deduz da necessidade do homem de expressar-se, de exteriorizar-se”, e a essência da língua resume-se à criatividade espiritual do indivíduo.
O discurso do corpo se integra ao da moda, na esteira do vestuário, construindo as representações sociais que influenciam o conceito de individualidade e de identidade (CASTILHO, 2004). Pode-se citar, como exemplo de representação social, moda como transmissão de significado, a marca Vandal, que permite a criação da sua própria camiseta. Para o fundador da marca, “a camiseta é a rede social analógica” e, nesse sentido, Carvalhal (2016, p. 86) escreve: “hoje minha vontade é usar camisas de ações sociais por aí, para espalhar essas ideias”.
As ponderações de Roche (2007) são pertinentes na aproximação do vestuário e da moda, pois as vestimentas modelam o corpo, são meios de socialização e que têm o ritmo de passagem. As roupas descobrem a moda, que surge quando existe uma possibilidade de desejar o que os outros desejam.
A conexão entre a moda e o vestuário ganha força nas palavras de Rech (2002, p. 29): “a moda compreende mudanças sociológicas, psicológicas e estéticas, intrínsecas à arquitetura, às artes visuais, à música, à religião, à política, à literatura, à perspectiva filosófica, à decoração e ao vestuário”. Portanto, pode-se afirmar que a moda se refere ao vestuário ou que é um mecanismo, uma lógica ou uma ideologia geral que, entre outras coisas, se aplica à área do vestuário. É difícil conceber algum fenômeno social que não seja influenciado pela moda. A moda atua na imaginação dos significantes e faz parte da cultura (SVENDSEN, 2010). Desse modo, pode-se dizer que a quarta pele agrega o meio social e a identidade, a qual define particularmente o sujeito (primeira pele), mas também o coloca como uma unidade de uma coletividade humana, a quinta pele.
A quinta pele, a última volta da espiral, é a Terra, a humanidade e a natureza. Segundo Restany (1999), para Hundertwasser, é a convivência da ecologia e da humanidade. O modo de vida da humano, considerando a produção e o consumo de produtos e serviços excessivos, tem causado um impacto ambiental muito grande e tem consumido os recursos não renováveis do planeta. A indústria da moda está entre as que mais prejudicam o meio ambiente. Além disso, foca na produção em série, exigindo o trabalho excessivo nas fábricas, análogo ao escravo. Portanto, de acordo com Paul Hawken (apud FLETCHER; GROSE, 2011, p. 5),
[...] está na hora de a moda nos mostrar e nos fascinar com o que é possível, nos propiciar o imperativo moral de mudar cada aspecto da produção e da nossa segunda pele. Acredito firmemente que a humanidade sabe o que fazer quando conhece a tarefa que tem em mãos. Não se poderia pedir melhor descrição do que está acontecendo e do que precisa ser feito para que a moda viabilize a vida na terra.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Carvalhal (2016) escreve que há conexão em tudo o que está vivo nessa grande rede. O autor reflete sobre a importância de mudar o pensamento de “Estou protegendo o mundo, as pessoas, a natureza, as árvores, a água, o ar” para “Sou parte disso tudo e, quando o protejo e cuido, eu me protejo e cuido de mim” (CARVALHAL, 2016, p. 131).
Pode-se dizer, então, que, em se tratando de moda ética, esta, além de levar em consideração o meio ambiente, concentra-se na saúde dos consumidores e nas condições de trabalho das pessoas na indústria da moda, ou seja, dá-se a devida importância tanto no aspecto ambiental como no aspecto social (SALCEDO, 2014).
De acordo com Sanches (2017), as cinco peles se comunicam, simultaneamente, e a existência humana está condicionada à qualidade dos intercâmbios realizados nesse sistema. Infelizmente, há muito tempo, a qualidade dos intercâmbios vem sendo desrespeitada, e o ser humano é o responsável direto por isso e corre o sério risco de se tornar vítima de seu próprio egoísmo e arrogância. Esse discurso, tão atual embora proferido há mais de 150 anos pelo cacique Seatle, é uma profecia e auxilia a lembrar que não somos donos da teia da vida. E, se tivermos consciência e atitude, é possível, ainda, contemplar, por muito tempo o rastro vermelho do pôr do Sol e sentir-se parte do Universo.
Conforme o artista Hundertwasser, o ser humano e a natureza se entrelaçam sob a mesma ótica. Araújo (2018, p. 12) descreve a moda como “narradora dos tempos” e, segundo ele, a moda se encontra numa encruzilhada em que se torna imprescindível a ressignificação de posturas socioambientais. Este é um novo cenário, nunca visto antes, na moda. É por meio de reflexões e tomadas de decisão que se constrói a tal “Moda para um Novo Mundo”, como define o próprio autor.
Aqui, cabe a citação de James Gustave Speth: “Precisamos não só nos tornar peixes mais fortes nadando contra a corrente, precisamos mudar a corrente” (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 168). Para tanto, Hundertwasser, oponente da “linha reta” e de qualquer padronização, está de acordo com Salcedo (2014), que indica a necessidade de deixar de ver as coisas sob uma perspectiva linear, com início e fim, e passar a vê-las de forma circular, em que o fim de alguma coisa é o início de outra. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o consultor em liderança, Simon Sinek, (apud CARVALHAL, 2016) criou o Golden Circle (figura 5), pois acredita que as pessoas não compram o que você faz, mas pelo motivo de fazer o que você faz.
Figura 5. Golden Circle (Círculo de Ouro)
Fonte: SINEK apud CARVALHAL (2016, p.67).
Torna-se aceitável a conexão entre a Teoria de Hundertwasser e a moda quando Carvalhal (2016, p. 76) afirma que, desde as primeiras criações, roupa e moda cumpriram seus propósitos, seja como “adorno, proteção, diferenciação ou legitimação”. Muitas vezes, propósitos como “servir à vida das pessoas, servir aos seus sonhos, servir à construção da sua identidade, servir à busca, ao autoconhecimento e ao estabelecimento de diálogos e laços sociais” se sobressaem à utilidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conexão estabelecida entre a Teoria de Hundertwasser e a moda permite inferir algumas considerações em torno da necessidade de mudanças de pensamento e de comportamento frente à sociedade contemporânea e sua relação de expropriar a natureza. Assim, a Teoria das Cinco Peles expõe a íntima conexão existente entre elas e a maneira como elas são influenciadas e influenciam umas às outras.
No mundo da moda, enquanto sistema, isso acontece da mesma forma e torna-se visível na representação do vestuário. O vestuário exerce um papel importante de expressão visual, de comunicação e de representações sociais, ou seja, a comunicação entre o ser humano e o seu entorno. Por meio do vestuário, é possível identificar e compreender as mudanças sociais e culturais, pois a ressignificação da linguagem e da linguagem da moda é constante, ressignificando a sociedade como um todo, de tempos em tempos. A natureza da moda é ser transitória, e é notória a busca de uma nova linguagem na pós-modernidade, por meio da moda ética e justa com a natureza e com a sociedade.
Diante desse contexto, é pertinente salientar que as novidades trazidas pela moda ética estão sendo comunicadas com o intuito de atrair novos adeptos a essa temática, além de abranger a conscientização com relação ao consumo e à produção de produtos mais responsáveis. O que se vê, talvez seja o início de um processo revolucionário no mundo contemporâneo, que incentiva mais tempo para se ter mais qualidade, mais ética e para contemplar a conexão com o meio ambiente.
A grande mudança da moda decorrerá, possivelmente, da mudança de nós mesmos e, sob esse propósito, a Teoria de Hundertwasser aponta para um modo de vida, uma reflexão importante sobre ser e estar na Terra.
REFERÊNCIAS
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