Design para sustentabilidade: contribuições do design reflexivo para a longevidade emocional de produtos de moda

    Letícia Formoso Assunção, Jocelise Jacques de Jacques

Design para sustentabilidade: contribuições do design reflexivo para a longevidade emocional de produtos de moda

 Design for sustainability: contributions of reflective design to the emotional longevity of fashion products

Letícia Formoso Assunção

Doutoranda em Design da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – 

leticiafassuncao@gmail.com - orcid.org/0000-0001-9595-4795

Jocelise Jacques de Jacques

Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)–

jocelisej@gmail.com - orcid.org/0000-0003-2109-0677

Resumo

Neste artigo, por meio de pesquisa bibliográfica, objetiva-se explorar as contribuições do conceito de design reflexivo (NORMAN, 2008) na expectativa de longevidade dos produtos de moda, em busca de um cenário mais sustentável mediante o despertar de emoções agradáveis e a criação de vínculos afetivos entre os usuários e suas roupas. Considerando que parte da problemática socioambiental provém dos impactos de produção e consumo provocados pelo sistema de moda, opera-se a ideia de desenvolvimento de produtos que possam durar mais em função de seu valor emocional e que, portanto, venham contribuir para a desaceleração dos ciclos de descarte e substituição. Diante deste contexto, tomando como base a teoria do Design Emocional (JORDAN, 1999; DESMET, 2002; NORMAN, 2008), são elaboradas estratégias de design reflexivo que possam auxiliar na concepção de projetos com foco na facilitação de experiências emocionalmente duráveis.

Palavras-chave: Moda - Estilo . Design centrado no usuário. Sustentabilidade.

Abstract

In this article, through bibliographic research, the objective is to explore the contributions of the concept of reflective design (NORMAN, 2008) in the expectation of longevity of fashion products, in search of a more sustainable scenario through the awakening of pleasant emotions and the creation of affective bonds between users and their clothes. Considering that part of the socio-environmental problem comes from the impacts of production and consumption caused by the fashion system, the idea of developing products that can last longer according to their emotional value and that, therefore, will contribute to the deceleration of cycles disposal and replacement. In this context, based on the theory of Emotional Design (JORDAN, 1999; DESMET, 2002; NORMAN, 2008), reflective design strategies are developed that can assist in the design of projects with a focus on facilitating emotionally lasting experiences.

Keywords: Fashion design. User-centered system design. Sustainability.

Recebido em: 03/01/2021

Aceito em: 08/04/2021

1 Introdução:

O esgotamento de recursos naturais, a exploração de mão de obra e a poluição ambiental são alguns dos efeitos nocivos ocasionados pela indústria da moda, a qual figura no topo das indústrias mais problemáticas para a agenda de desenvolvimento sustentável (FLETCHER; GROSE, 2011). O desafio se impõe uma vez que evidencia-se uma contradição básica de valores e interesses entre as duas partes: enquanto a dinâmica do sistema de moda envolve práticas aceleradas de produção e consumo, a lógica da sustentabilidade compreende a conservação do meio ambiente, o equilíbrio econômico e a mitigação das mazelas sociais. Neste sentido, moda e sustentabilidade definem-se, a princípio, como questões de ordens distintas que tendem a ser colocadas em conflito.

No entanto, desde o final do século XX, têm-se questionado os padrões efêmeros da moda por meio de uma leitura crítica dos seus processos, buscando soluções viáveis sob uma perspectiva transformadora. Embora a redefinição das práticas de produção e consumo de vestuário seja um grande desafio, Fletcher e Grose (2011, p. 8) explicam que a sustentabilidade “tem potencial para transformar o setor pela raiz, influenciando a todos que nele trabalham e a todos que lidam diariamente com a moda e os produtos têxteis”. Definindo um cenário praticável e colocando em ação as melhores estratégias para atingi-lo, torna-se possível pensar em caminhos para rearticulação do sistema produtivo e de consumo de moda.

Com efeito, algumas soluções vêm sendo discutidas e testadas no âmbito da moda sustentável. Porém, de acordo com pesquisas realizadas por Perez e Santos (2016), estas soluções têm sido orientadas, sobretudo, aos processos de produção e descarte de produtos e artefatos. Neste contexto, um caminho que vêm sendo explorado diz respeito ao processo de desaceleração do sistema da moda, o qual têm sido pensado sob a ótica do slow fashion (moda lenta), movimento fundamentado em valores que almejam uma mudança na estrutura de produção de artigos de moda, bem como uma redução no volume de mercadorias produzidas (FLATCHER; GROSE, 2011).

Entretanto, há uma carência de estudos que abordem as experiências pós-consumo de produtos de vestuário com análises que tratem das relações e interações entre os usuários e as roupas no contexto da sustentabilidade (PEREZ; SANTOS, 2016). Indo mais além, há uma lacuna teórica nos estudos das emoções como instrumentos de apoio para reflexão de uma moda mais sustentável baseada na longevidade dos seus produtos, com enfoque na redução do desperdício e no aumento da durabilidade das relações e interações estabelecidas entre os usuários e suas roupas.

Afinal, qual a trajetória social dos produtos de moda e por quais razões estes produtos são acolhidos ou rejeitados? Qual a capacidade das roupas de promoverem experiências e desencadearem emoções? Como os designers de moda podem auxiliar na redução da necessidade de consumo propondo produtos duradouros, com significados e funções simbólicas resistentes ao tempo? O que faz com que certas roupas tornem-se especiais, estabelecendo vínculos afetivos com os usuários, os quais passam a cuidá-las e mantê-las?

Estas questões conduzem a construção do objetivo deste estudo, que é o de analisar as contribuições do design reflexivo – conceito proposto por Donald Norman (2008) – na expectativa de longevidade dos produtos de moda, em busca de um cenário mais sustentável,  por meio do despertar de emoções agradáveis e da criação de vínculos afetivos entre os usuários e suas roupas. A partir desta análise e tomando como base as ferramentas teóricas do campo de estudos do Design Emocional (NORMAN, 2008; JORDAN, 1999; DESMET, 2002), são desenvolvidas, ao final do trabalho, estratégias projetuais que possam auxiliar os designers a projetarem com foco nas emoções, com a intenção de proporcionar experiências positivas e duradouras.

No âmbito das reflexões sobre o Design Emocional encontra-se o conceito de design reflexivo, que é parte do que Norman (2008) apresenta como “os três níveis de design”, junto ao design visceral e ao design comportamental. Embora estes três níveis se complementem e estejam presentes em qualquer experiência real com um produto, o nível de design que corresponde à atração reflexiva servirá especialmente ao objetivo do presente estudo. Esta escolha verifica-se pois, segundo Norman (2008), este nível relaciona-se à memória afetiva e aos significados que podem ser atribuídos às roupas e seus usos, abrangendo particularidades individuais e culturais. Assim, por estar associado a relações de longo prazo e a construção de sentimentos decorrentes de interação prolongada, o conceito de design reflexivo dá sustentação a proposta de pensar na redefinição do sistema de moda enquanto um desafio à “sociedade descartável”, como uma estratégia de transição para sustentabilidade.

2 Design, Emoção e Reflexão

O lugar da emoção no design é um tema que vem sendo discutido por pesquisadores desde o final da década de 1990, a partir da fundação da Design & Emotion Society, uma rede internacional de diálogo de profissionais que compartilham interesses no desenvolvimento de produtos orientados para a experiência emocional. Neste cenário, a emergência do campo denominado Design Emocional vêm possibilitando o desenvolvimento de teorias, métodos e ferramentas que servem de apoio ao designer na criação de um relacionamento produto-usuário emocionalmente eficaz e valoroso (NORMAN, 2008).

Este campo, alinhado aos fundamentos da Psicologia e às abordagens centradas no usuário, vem fornecendo conhecimento para a condução do processo de design segundo o intuito de despertar ou evitar emoções previamente definidas. Isto ocorre porque, segundo Norman (2008), Hekkert e McDonagh (2003), o design não é uma atividade neutra, mas resultado de um processo consciente e intencional, que expressa o modo de interpretar realidades humanas. Contudo, os autores salientam que os designers não projetam efetivamente as emoções por meio dos produtos, mas são capazes de construir as condições necessárias para que tenham maiores chances de acontecer. Desta maneira, entende-se que não é possível moldar nem prever uma resposta emocional, apenas criar estímulos e condições que permitam aproximações a certas experiências planejadas.

Estes elos emocionais e subjetivos existentes entre os seres humanos e os objetos, vêm sendo fortemente pesquisados no campo do Design Emocional, com destaque para o trabalho de três autores, os quais são reconhecidos, segundo Tonetto e Costa (2011), como marcos inspiracionais para a área, são eles: Patrick Jordan (1999), Pieter Desmet (2002) e Donald Norman (2008). Em seus estudos, Jordan (1999) dedicou-se à análise das diferentes fontes de prazer relacionadas aos produtos, propondo que podem ser fisiológicas (sensações corporais), sociológicas (interações sociais), psicológicas (reações relacionadas ao “eu”) e ideológicas (reflexões sobre a experiência). Já Desmet (2002), pesquisou a forma como a aparência de um objeto pode evocar determinadas emoções, utilizando como base a Appraisal Theory (FRIJDA, 1986), a qual propõe que emoções são respostas automáticas dos usuários ao efeitos gerados pelo produto ao seu bem-estar. Por fim, Norman (2008) conduziu o seu trabalho na busca por compreender como as pessoas percebem e interagem com um produto e a influência deste processo nas emoções, buscando auxiliar o designer a projetar de forma estratégica. O autor, sob o enfoque teórico das ciências cognitivas, identificou e organizou o processamento das emoções segundo “três níveis de design”: o design visceral, o design comportamental e o design reflexivo, os quais operam entrelaçados, mas requerem abordagens de trabalho diferentes.

O design visceral diz respeito aos aspectos físicos e ao primeiro impacto causado por um produto. É a camada automática voltada às relações pré-programadas, como a adoração, o desejo e a atração. Neste nível, a aparência, o toque, o peso e o som dominam as escolhas. De forma geral, nos termos de Norman (2008, p. 89), “os princípios subjacentes do design visceral são predeterminados, consistentes entre povos e culturas”. Assim, conceber produtos com enfoque nesta esfera, de acordo com regras, é relativamente simples e são grandes as chances de aceitação por parte dos usuários.

O design comportamental, por sua vez, destaca a efetividade do uso e o prazer que pode proporcionar a adequada funcionalidade de um produto. Este campo atua sob um ponto de vista objetivo em que o desempenho passa a receber importância. Têm como características percebidas, principalmente, a compreensibilidade, a usabilidade, a sensação física e a utilidade. Neste contexto, Norman (2008, p. 92) explica que “o primeiríssimo teste comportamental pelo qual um produto deve passar é satisfazer necessidades”. Aqui o designer deve centrar-se no ser humano, procurando compreender e satisfazer estas necessidades, mesmo que, algumas vezes, nem os próprios usuários saibam determinar quais são elas.  

O design reflexivo, por fim, refere-se ao uso sob o ponto de vista subjetivo, envolvendo a parte contemplativa do cérebro. Representa os aspectos de ordem intangível, onde residem os mais altos graus de emoção, sentimento e cognição. O prazer originado neste nível envolve consciência, interpretação, compreensão e raciocínio. É o campo, nas palavras de Norman (2008, p. 107), em que tudo “diz respeito à mensagem, tudo diz respeito à cultura, tudo diz respeito ao significado de um produto ou seu uso”. Aqui, por meio da reflexão, da memória retrospectiva e da reavaliação, o usuário lembra do passado e considera o futuro. Portanto, esta camada corresponde a relações de longo prazo; diz respeito às lembranças pessoais que os produtos evocam e se relaciona aos sentimentos de satisfação e orgulho. Além disso, trabalha com o sentido de identidade própria, a partir da interação entre o produto e o usuário, com vistas à construção da sua autoimagem. Em termos de atuação profissional, projetar para atração reflexiva pressupõe entender significados e ter ciência de que produtos podem ser mais do que a soma das funções que desempenham. Sob este viés, entende-se que o valor reflexivo é, inclusive, capaz de superar as dificuldades comportamentais de uso (NORMAN, 2008).

Cada um dos três níveis – visceral, comportamental e reflexivo – desempenha um diferente papel ao dar forma à experiência do usuário. Com efeito, na busca pelo sucesso de um produto, é indicado que o designer explore estas três camadas em todo o processo de desenvolvimento, a partir de uma abordagem holística das necessidades e desejos do público-alvo. Entretanto, Norman (2008) argumenta que a aparência da superfície e a utilidade comportamental dos objetos passam a desempenhar papeis relativamente pequenos quando a intenção projetual se relaciona à noção de interação prolongada entre pessoas e produtos. Segundo o autor, o que realmente importa neste cenário “é a história da interação, as associações que as pessoas têm com os objetos e as lembranças que eles evocam” (NORMAN, 2008, p. 66). Nesse sentido, entende-se que o sistema de moda, atualmente operante sob a lógica da sedução, da obsolescência e do desuso acelerado, tem apagado os possíveis significados emocionais associados aos seus produtos. Ou seja, o caráter frívolo organizado pela exaltação do novo, tem desfeito as relações de longo prazo estabelecidas entre as pessoas e suas roupas, inibindo a criação de vínculos afetivos e demonstrando a fragilidade do lado reflexivo do design.

3 O guarda-roupa emocional

        A partir de uma crônica sensível, Peter Stallybrass (2000), em sua obra “O casaco de Marx: roupas, memórias e dor”, descreve a história de vida do filósofo alemão Karl Marx e o dilema com os seus pertences, especificamente o seu casaco de inverno, constantemente penhorado entre os anos de 1850 e 1860 devido a dificuldades financeiras. É durante a escrita de “O Capital”, que se encontra o conflito de Marx entre possuir um bom casaco para frequentar o Museu Britânico, local onde realizava as suas pesquisas, ou converter o dinheiro arrecadado da penhora deste casaco em alimentos para sua família e papeis para o seu trabalho de jornalista. Foi a esse desfazer sistemático da perda que Marx se dedicou por longos anos. Ao penhorar o seu casaco, o filósofo desnudava-o de memória, na medida em que era transformado em moeda de troca. Por outro lado, ter o seu próprio casaco, significava apegar-se a si próprio, ao próprio passado e ao próprio futuro.

Neste jogo que se desenvolve em torno do casaco de Marx, Stallybrass (2000) reflete sobre duas complexas relações: a das roupas como objetos de uso, que revelam-se como sistemas de memórias; e a das roupas como mercadorias, que podem ser transformadas em dinheiro e reduzidas em abstração. Define-se, assim, de um lado a perspectiva do usuário, que procura nas vestimentas a apropriação de significados simbólicos - não mais somente funções de enfeite, proteção e pudor, como há muito apontava Flügel (1966) - e de outro a  perspectiva do mercado, representada pelo sistema de moda e pela noção de poder e posse.

No entanto, segundo Stallybrass (2000), os produtos de moda em sua condição flutuante são constantemente transformados de moeda de troca em meios de incorporação, ao passo que mudam de mãos e são permeados e moldados por quem os veste. Neste sentido, o autor explica que as roupas, quando inseridas no cotidiano dos consumidores - em seus universos simbólicos e de interação social - tornam-se artefatos ricos em significação, sobre os quais imprimem-se marcas que compõem as suas narrativas pessoais e sociais. Um casaco, uma blusa ou uma calça, por exemplo, deixam de ser somente cultura material e passam a ser a materialização de experiências emocionais atestadoras da existência e da trajetória social dos sujeitos. Neste sentido, Stallybrass (2000) é enfático ao relacionar a roupa com uma segunda pele, a qual opera como uma interface entre o indivíduo e o mundo, e complementa:

a mágica da roupa está no fato de ela nos receber: recebe nosso cheiro, nosso suor; recebe até mesmo nossa forma. E quando nossos pais, os nossos amigos e os nossos amantes morrem, as roupas ainda ficam lá, pendurada em seus armários, sustentando seus gestos ao mesmo tempo confortadores e aterradores, tocando os vivos com os mortos (STALLYBRASS, 2000, p. 13).

O pensamento de Stallybrass (2000) sobre a capacidade das roupas de suscitarem memórias e evocarem ausências, remete à reflexão de Norman (2008) de que os produtos podem ser mais do que a soma das funções que desempenham. De acordo com Norman (2008), o valor real de um objeto deve satisfazer as necessidades emocionais dos usuários, e “uma das mais importantes de todas as necessidades é demonstrar a autoimagem do indivíduo, seu lugar no mundo” (p. 110). A partir do desenvolvimento de um sentido de identidade própria, o sujeito se (re)conhece e se expressa publicamente, elaborando uma narrativa de si, alicerçada em construções culturais e simbólicas que significam suas roupas. No simples ato de vestir-se, com base em operações de nível reflexivo, são corporificadas emoções, experiências e aprendizados que se materializam em discursos sobre uma dada leitura de mundo.

Deste modo, ao se reconhecer a capacidade simbólica das roupas, entende-se que as práticas vestimentares não são neutras, passíveis e estáveis, mas apropriações de significados afetivos que são incorporados no momento em que os sujeitos selecionam entre uma peça ou outra de seus guarda-roupas. As conquistas, as inseguranças, as alegrias, as perdas ou as ansiedades são diariamente “vestidas” e “guardadas” em baús de memórias, o que leva Joubert e Stern (2007) a dizerem que, os sujeitos, ao abrirem seus guarda-roupas, têm a possibilidade de folhear suas peças uma a uma como se fossem páginas de suas histórias de vida. Cada cheiro, cada detalhe, cada cor, cada elemento de cada peça lá acomodada, remete a um traço que possibilita escrever a biografia de uma existência.

4 Contribuições do design reflexivo para a longevidade emocional de produtos de moda

Como abordado anteriormente, as roupas estão intimamente associadas à memória e adquirem significados emocionais que remetem à experiências afetivas particulares. Com efeito, um guarda-roupa não é apenas um composto de mercadorias, mas também um espaço formado por peças tomadas de cargas simbólicas que atestam e guardam informações sobre a trajetória emocional, social e cultural de um sujeito. Porém, as práticas vestimentares, ainda que ocorram em espaços privados e que sobre elas incidam experiências pessoais, não estão livres de pressões socioculturais e padrões estéticos ditados pela moda. Em consequência, o processo de construção da imagem de um indivíduo vem sendo, constantemente, afetado pela atual lógica de consumo e sua tríade da sedução, do efêmero e da obsolescência (LIPOVETSKY, 2009). No atual cenário, a cultura consumista tornou-se a mola propulsora que opera a condição dos sujeitos, definindo seus papeis sociais e identitários.

Ao problematizar o conceito de sociedade de consumo, Bauman (2008) descreve a relação do poder de compra com a condição e integração dos indivíduos como parte da sociedade. Em outras palavras, no modelo cultural vigente, o consumo assume formas e contornos que refletem diretamente no processo de construção de identidades. Na ótica do autor, o mercado vem ditando o ritmo das relações entre os indivíduos e seus bens, com base em uma postura antropofágica, em que a cada novo ciclo de consumo se estabelece uma promessa de felicidade e satisfação de necessidades que, em seguida, é desfeita, perpetuando a infelicidade e a insatisfação dos sujeitos. Este entendimento corrobora a colocação de Barthes (1998, p. 119, apud BALDINI, 2006, p. 59), o qual sublinha que o sistema de moda baseia-se em um sentimento violento do tempo, pois constantemente destrói o que idolatrou e idolatra o que irá destruir. Mas é, justamente, a não-satisfação dos desejos e das necessidades que impulsiona e confere êxito à sociedade de consumo.

Bauman (2008) explica que a perpétua insatisfação dos sujeitos tende a ser atingida a partir de dois caminhos diferentes: o primeiro relacionado à desvalorização e depreciação dos produtos pouco tempo após serem incorporados na rotina dos consumidores (a partir de uma obsolescência programada e/ou percebida[1]); e o segundo vinculado à promoção de novas necessidades e desejos, em que “o que começa como um esforço para satisfazer uma necessidade deve se transformar em compulsão ou vício” (BAUMAN, 2008, p. 64). Estes caminhos refletem no adensamento do consumo, o qual é fortalecido com base em um ciclo incessante de satisfação e aniquilação dos anseios, esperanças e buscas identitárias dos sujeitos.

Ainda acerca do vigente modelo de mercado, Bauman (2008) explica que os valores relativos ao consumismo estão, em parte, associados à lógica de acumulação e apossamento de bens, mas o motivo mais permanente que torna a efemeridade imperativa, refere-se ao ciclo de descarte e substituição, fundamentado em relações de desapego aos produtos. Na atual sociedade, anseia-se, particularmente, a demonstração do poder de desprendimento, o que leva o autor a expor que “na cultura ‘agorista’, querer que o tempo pare é sintoma de estupidez, preguiça ou inépcia” (BAUMAN, 2008, p. 51). É na ação de desfazer-se de um produto para abrir espaço para outro mais novo que vai residir o hedonismo da economia orientada para o consumo.

 Alimentando-se do movimento das mercadorias, o sistema da moda segue à risca os preceitos do atual modelo de produção e consumo. A estruturação do mercado, definida pelo imediatismo e pela valorização de produtos com ciclos de vida efêmeros, vêm comprometendo valores ecológicos e colocando a humanidade em risco. O descarte precoce das peças de roupa e a consequente substituição por novas formas, detalhes e cores, estão entre os grandes responsáveis pelos impactos nocivos ao meio ambiente. Considerando a desarticulação dos ecossistemas e a resultante interferência na qualidade de vida humana, Manzini e Vezzoli (2016) refletem sobre a necessária e profunda transformação do sistema produtivo e de consumo como meio de transição para a sustentabilidade. Para os autores, o caminho para construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente amigável “não pode prescindir da necessidade de uma profunda mudança nos comportamentos e nas escolhas de consumo” (MANZINI; VEZZOLI, 2016, p. 65).

Neste contexto de crítica em favor de um desenvolvimento sustentável, volta-se a atenção para a ideia de produtos com qualidades relacionadas à durabilidade, que venham a minimizar os seus atributos descartáveis, contribuindo para a desaceleração dos ciclos de substituição. Sob esta perspectiva, Manzini e Vezzoli (2016, p. 108) explicam que “de fato, se um produto dura mais que outro, de um lado reduz a geração de descartes e, de outro, evita indiretamente o consumo de novos recursos para a produção e distribuição de produtos destinados a substituir aqueles de vida mais breve”. Tal ideia justifica-se na premissa de que o atual sistema produtivo e suas modalidades de funcionamento só adquirem sentido e força em virtude de corresponderem a uma demanda social. A procura por produtos – neste caso, produtos de moda – é que dá fundamento à oferta dos mesmos.

Especialmente na indústria da moda, os produtos duráveis e de uso mais intenso estão em direção contrária no que toca a evolução do gosto e dos valores sociais. Atualmente, as práticas vestimentares vêm sendo carregadas de qualidades fugazes alinhadas às tendências de momento e ao assentimento da opinião pública. As coleções de moda, que antes eram criadas e apresentadas duas vezes ao ano (nas estações de primavera-verão e outono-inverno), agora chegam a ser disponibilizadas nas lojas, por meio do sistema fast-fashion[2], semanalmente ou quinzenalmente. Com tamanha velocidade, a interação afetiva estabelecida entre os usuários e suas roupas vem sendo significativamente minimizada, uma vez que, como salienta Norman (2008, p. 251), são as experiências, o tempo e as histórias que tornam as coisas especiais.

A longevidade emocional dos produtos se vincula, justamente, à ideia de tornar especial uma peça, um objeto ou uma experiência, conectando os princípios do Design Emocional à sustentabilidade. A proposta considera a criação e a escolha de produtos que possam ser reconhecidos como melhores porque adquirem valor com o seu tempo de uso, o que ocorre a partir do momento em que são cercados “com uma esfera de afetividade e de atenções” (MANZINI; VEZZOLI, 2016, p. 187). Neste sentido, as roupas especiais são, frequentemente, aquelas com recordações ou associações particulares, que ajudam a evocar um sentimento singular em seus donos. Elas tendem a vencer o teste do tempo quando estabelecem uma associação pessoal significativa com o usuário, podendo ser apreciadas mesmo depois do uso contínuo.

Assim, quanto mais intensa a relação afetiva entre os usuários e as roupas, maior a chance de que estas tornem-se insubstituíveis, pois, como explica Morris (2010) quanto maior apego emocional que se tem por um produto, menor a chance de jogá-lo fora. E estes resultados não ocorrem em virtude, especificamente, da peça de roupa em si, sua forma ou suas cores, mas dos julgamentos, ponderações e considerações sobre o que a peça representa; quais os significados e sentimentos evocados a partir do seu uso. Com efeito, aspectos relacionados ao design visceral, como a textura e a aparência das roupas, importam no que tange à criação de vínculos emocionais. Importam também, neste viés, os elementos associados ao design comportamental, como a usabilidade, o toque e a sensação física das peças. No entanto, de acordo com Norman (2008), nem o nível visceral nem o comportamental podem determinar motivos, considerar ocorrências ou realizar julgamentos mais complexos. É papel da reflexão compreender, interpretar, encontrar razões e atribuir causas que originam as emoções mais ricas e profundas.

É nesta medida que o nível reflexivo encontra-se no centro da base cognitiva das emoções, cabendo aqui esclarecer que um componente cognitivo é responsável por atribuir significados às coisas, enquanto um componente afetivo por imputar valor. Nos níveis visceral e comportamental, existe apenas afeto, mas sem interpretação e consciência; estas são capacidades que ocorrem somente na atração reflexiva (NORMAN, 2008). Por estes motivos, as categorias visceral e comportamental processam-se no “agora”, no momento do uso, ao passo que a reflexão se estende por muito mais tempo. Nos níveis inferiores – visceral e comportamental – os impactos ocorrem imediatamente ou em um curto prazo. Já no nível reflexivo, o impacto passa a ser estendido temporalmente. É somente neste último nível que o pleno impacto tanto do pensamento quanto da emoção é experimentado.

Com base nestas colocações, é possível depreender uma estreita relação entre a durabilidade emocional das roupas e os aspectos do design reflexivo. Esta relação se estabelece a partir do entendimento de que, além de afeto, é preciso que haja racionalização e intelectualização das experiências para que os produtos de moda sejam acolhidos pelas pessoas e alcancem maior longevidade. Os usuários têm de conseguir contar uma história sobre as suas roupas para que aumente a probabilidade de mantê-las e cuidá-las. As peças tendem a tornar-se estimadas e conservadas quando induzem a uma postura mental positiva, resultando em símbolos representativos da autoimagem e do orgulho de quem as possui.

No entanto, Norman (2008) adverte que não é simples manter o relacionamento com um produto após a explosão inicial de entusiasmo. Não é simples produzir bens de consumo que sobrevivam à passagem do tempo e ainda continuem a proporcionar experiências positivas. Em referência ao ponto de vista do usuário, o grande desafio está em refletir e perceber a riqueza dos objetos para que não se tornem lugar-comum. Já em relação ao trabalho do designer, a dificuldade está em desenvolver mercadorias ricas que possam oferecer uma experiência intensa. Considerando a etapa de projeto, Khaslavky e Shedroff, citados por Norman (2008), acreditam que existam três passos básicos para que os momentos de prazer possam ser temporalmente estendidos através da utilização dos produtos; são eles: atração, relacionamento e contentamento. Isto é: “faça uma promessa emocional, continuamente cumpra a promessa e conclua a experiência final de maneira memorável” (NORMAN, 2008, p. 137).

Embora o design integre a equação que resulta na longevidade emocional das roupas, a grande chave encontra-se na interação pessoal estabelecida com estes produtos. De acordo com Norman (2008), ninguém pode, além das próprias pessoas, estabelecer vínculos emocionais com os seus pertences, garantindo durabilidade. No entanto, a partir de uma postura reflexiva, sensível e crítica, o designer é capaz de colocar as ferramentas nas mãos dos usuários para que transformem meras roupas em roupas queridas.

Com base nesta postura, se fortalece o projeto de um modelo denominado “design extraordinário”, o qual é orientado, sobretudo, pelo efeito e não somente pela forma dos objetos (NORMAN, 2008, p. 131). As impressões produzidas e as emoções engendradas passam a ser prioridade no desenvolvimento das mercadorias. Estes valores adquirem importância e se relacionam ao papel do designer na proposta de pensar a longevidade emocional dos artigos de moda enquanto uma estratégia de transição para sustentabilidade. Em busca da desaceleração dos ciclos de substituição das roupas, infere-se que as abordagens projetuais considerem reinserir valores humanos na cultura de consumo, no intuito de tornar as interações entre pessoas e produtos menos impessoais e mais agradáveis.

Designers de moda, para tanto, devem conhecer para quem eles projetam – o destinatário, o interpretador, não somente o seu contratante (NIEMEYER, 2008, p. 54). Quem cria deve se interessar pelas interações do ser humano com os produtos, a fim de entender o relacionamento entre os aspectos físicos e, acima de tudo, simbólicos das peças e suas influências afetivas. Dessa forma, na busca pela longevidade emocional dos produtos de moda, cabe ao designer aplicar o conhecimento construído considerando criações que sejam providas de significados afetivos e relações reflexivas, compreendendo as experiências positivas como fins em si mesmas.

5 Estratégias de design reflexivo para longevidade emocional de produtos de moda

        Uma vez que as experiências emocionais reflexivas foram trabalhadas em relação à longevidade dos produtos de moda, serão apresentadas, neste momento, estratégias de design reflexivo que auxiliem na realização de projetos com foco na criação de vínculos afetivos entre os usuários e suas roupas. Algumas estratégias oferecidas a seguir, baseiam-se nos “princípios fundamentais do amor” desenvolvidos por Russo e Hekkert (2008), em que os autores listam os elementos que governam as experiências amorosas dos sujeitos com os seus objetos. Alguns princípios elencados pelos autores são apropriados para este levantamento após certas complementações, porém outros são adicionados em virtude da natureza dos produtos de moda e do objetivo geral desta pesquisa. Cabe esclarecer que as estratégias aqui apresentadas não seguem ordem de importância ou qualquer hierarquia específica. Os itens elencados a seguir – que podem ser trabalhos em conjunto ou de forma isolada – sustentam a facilitação de experiências emocionalmente duráveis, em busca de um cenário mais sustentável:

Lembrança de memória afetiva: as pessoas tendem a cuidar e guardar as roupas que contêm memória afetiva, pois adquirem um valor simbólico, atuando como “lembretes” de momentos e histórias. Estas memórias podem ser de uma época, de uma pessoa querida ou de um acontecimento importante, por exemplo. Sob este viés, Mugge; Schifferstein; Schoormans  (2005) propõem que designers podem influenciar o apego entre pessoas e produtos ao incentivarem a associação de memórias com a implementação de odores, texturas ou outros componentes que façam referência a diferentes objetos ou experiências.

 Reflexos das experiências de uso: materiais que envelhecem com graça e elegância, mostrando marcas de uso de maneira agradável, têm maiores chances de serem adorados e mantidos. Uma calça jeans naturalmente desbotada, um rasgo em um bolso ou até mesmo o acúmulo de sujeira em um tênis, podem ser bem-vindos, uma vez que acrescentam caráter e charme às roupas, refletindo as experiências dos usuários. Aceitar e trabalhar com a ideia de que os produtos mudam, de que eles são manchados, rasgados, desgastados ao longo do tempo, pode ser um interessante caminho em direção a uma moda mais sustentável. Como estratégia de incentivo à criação de afeto, Norman (2008, p. 251) sugere que “o segredo é fazer com que os objetos se desgastem graciosamente, envelhecendo junto com seus donos de maneira pessoal e prazerosa, enriquecendo nossa vida”.

Significado simbólico-social: o ato de projetar roupas com foco nas emoções duradouras requer que o designer volte a sua atenção para as pessoas e o modo como interpretam e interagem com o meio físico e social. A essência aqui está nos significados que são expostos por meio dos produtos de moda para outras pessoas, em um ambiente coletivo. Neste sentido, peças que encorajam e facilitam a construção e comunicação da identidade de um sujeito podem satisfazer prazeres sociais, que são obtidos através da interação com os outros (JORDAN, 2000). Esta estratégia está relacionada a dois cenários específicos, como explicam Russo e Hekkert (2008, p. 41): “(1) as pessoas procuram produtos que já possuem uma identidade, [...] esperando que a identidade seja vista como deles próprios e (2) [...] as pessoas querem comunicar sua identidade, valores intrínsecos e crenças através dos produtos”.

Compartilhamento de valores morais: as pessoas tendem a criar afeto com produtos através dos quais possam compartilhar valores éticos e morais. De acordo com Jordan (1999), a maior motivação para se consumir eticamente é, certamente, a experiência de prazeres sociais que esse tipo de consumo provoca – uma forma abstrata de prazer que é experienciada quando um produto personifica certos valores e transfere um senso de responsabilidade para o usuário. Deste modo, designers que almejam desenvolver roupas que busquem estabelecer vínculos mais prolongados com os consumidores, podem projetá-las agregando valores éticos, sem que haja a exploração de seres humanos, de animais ou do meio ambiente, por exemplo. A preferência por conceitos associados ao desenvolvimento sustentável, é capaz de levar o consumidor a experimentar sentimentos compensadores, que elevam os valores pessoais a partir de experiências gratificantes.

Percepção de raridade, exclusividade: produtos de moda feitos em quantidade restrita ou sob medida, como ocorre com as roupas produzidas pela Alta Costura[3], habitam um imaginário coletivo associado a qualidades de prestígio. Roupas de alto valor financeiro são, geralmente, mais estimadas e cobiçadas do que aquelas acessíveis a um grande público. Da mesma forma, peças difíceis de conseguir em razão de disponibilidade, tendem a ser mais desejadas e, por conseguinte, melhores cuidadas. Segundo Norman (2008), estas questões são todas culturais e se desenvolvem a partir de artifícios do nível reflexivo. A ambição e o apreço por produtos raros e exclusivos são convenções aprendidas socialmente por intermédio da reflexão consciente e das experiências vividas.

Personalização e customização: manifestar um sentido de propriedade e orgulho, ajuda a tornar uma roupa pessoal, qualidade que não é transferível para outros sujeitos. Segundo Norman (2008), personalização significa atribuir um caráter singular, único aos produtos. Este caráter pode ser dado às roupas por meio da inserção de elementos pessoais na sua estrutura, como o uso de estampas particulares e a gravação de nomes de identificação, ou mediante a adequação das características das peças às necessidade e preferências do consumidor, ou seja, a  escolha de tamanhos, estilos, cores e materiais, por exemplo. A customização segue a mesma lógica de singularidade da personalização, com qualidades e características que se vinculam ao usuário. A intenção principal ao se customizar uma peça de roupa é torná-la original e exclusiva, seja por meio da modificação de produtos já adquiridos ou através da alteração da aparência de novos produtos. As peças personalizadas ou customizadas tendem a estabelecer conexões profundas com os usuários, pois geram intensos sentimentos de identificação e de realização.

Marcas que marcam: quando logotipos são impressos em roupas ou acessórios, o simples aparecimento do nome “fala” aos outros sobre o seu sentido de valor. Em termos gerais, o nome de uma marca é um símbolo que representa a experiência com uma mercadoria e o nível de confiança com a empresa produtora. “No mundo de produtos, uma marca é um sinal de identificação, o símbolo que representa uma empresa e seus produtos. Determinadas marcas produzem uma resposta emocional que atrai o consumidor para o produto ou que o afasta dele” (NORMAN, 2008, p. 81). Sob esta perspectiva, a construção eficaz de uma marca e do universo de valores que ela é capaz de incorporar, pode levar a sólidos envolvimentos afetivos entre as pessoas e suas roupas. Assim, as reações emocionais estabelecidas com um público por meio das marcas, podem ser entendidas como potenciais ferramentas para se atingir a longevidade dos produtos de moda.

6 Considerações finais

        Neste artigo, procurou-se analisar as contribuições do design reflexivo para a longevidade emocional de produtos de moda como um percurso possível para sustentabilidade socioambiental. Esta proposta foi desenvolvida com base no entendimento de que produtos emocionalmente duráveis possibilitam a redução dos atos de consumo e, por conseguinte, a minimização do uso de novos recursos de produção. O design reflexivo - um dos “três níveis de design” propostos por Norman (2008) - deu sustentação à pesquisa por ser o nível em que residem os significados e as memórias afetivas, além de outros aspectos da ordem do intangível. Argumentou-se, desta forma, que os fundamentos relacionados ao nível reflexivo, por implicarem tempo, interpretação e consciência, possuem relação direta e podem contribuir com o estabelecimento de relações de empatia duradouras entre usuários e produtos.

Com auxílio do Design Emocional, tornou-se possível o levantamento de estratégias projetuais de design reflexivo que possam servir de apoio ao desenvolvimento de produtos de moda com foco em emoções estáveis e duradouras. Estas estratégias foram pensadas considerando a possibilidade transversal de atuação do designer enquanto parte da solução para uma moda mais sustentável. Salientou-se, porém, que o profissional de design não é capaz de manipular experiências e garantir a criação de vínculos com os produtos, mas, adquirindo competências com base em métodos, teorias e técnicas específicas, pode tornar-se qualificado a projetar segundo uma abordagem holística no intuito de despertar ou evitar certas emoções.

Considerando que, para além dos preceitos estéticos, ergonômicos e funcionais, o design pode estar em concordância com as questões de significação e valorização emocional de um produto, entende-se positiva e necessária a presença dos usuários enquanto sujeitos ativos no processo criativo de peças de roupas. Recorrendo à noção de design participativo, os designers, em conjunto com as demais partes interessadas, podem tornar-se aptos a interpretar as necessidades e os anseios sociais de maneira mais assertiva (FUAD-LUKE, 2009). A proximidade dos designers com as carências expostas pelos usuários e, portanto, com a atividade de pesquisa, tende a auxiliar na garantia de respostas projetuais mais eficazes no que diz respeito à expectativa de longevidade emocional dos produtos de moda (TONETTO; COSTA, 2011).

No entanto, cabe refletir sobre uma transição gradual nas dimensões social e ambiental do atual sistema de moda para obtenção de resultados socialmente apreciáveis, culturalmente atraentes e, ao mesmo tempo, favoráveis ao meio ambiente. Uma mudança progressiva de hábitos é requerida, pois a proposta aqui apresentada se relaciona com dinâmicas complexas de inovações socioculturais, sobretudo com a remodelação dos padrões fugazes de produção e consumo. Neste sentido, entende-se que as respostas para uma moda mais sustentável baseada na longevidade emocional de seus produtos podem se manifestar a longo prazo, por meio de contínuas mudanças de comportamento, segundo um processo coletivo de adaptação através da aprendizagem. Porém, ainda que este percurso possa vir a ser árduo e custoso, ele indica a possibilidade de desenvolvimento do design para a sustentabilidade centrado na proposição e estímulo de novos cenários que correspondam ao aumento do bem-estar social sem o comprometimento dos recursos ambientais.

REFERÊNCIAS

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DOI: http://dx.doi.org/ 10.5965/18083129152021e0015


[1] A obsolescência pretende instigar no comprador o desejo de possuir algo mais novo, melhor e mais rápido que o necessário. Vance Packard (1965, p. 51) define a obsolescência programada como aquela relacionada à qualidade, ou seja, o produto é projetado para ser gasto em menor tempo que o normal. Já a obsolescência percebida se relaciona à desejabilidade de um produto que, em plenas condições, passa a ser considerado antiquado.

[2] O fast-fashion (moda rápida) é um sistema que, a partir dos anos 1990, vem sendo o sucesso das grandes empresas de varejo e redes de distribuição. Possui o propósito de sedução dos clientes com roupas a preços baixos, com apelo de moda, de qualidade questionável e concebidas em vista de uma obsolescência programada e/ou percebida (FLETCHER; GROSE, 2011).

[3] A alta-costura (haute couture) nasce em Paris no final do século XIX, caracterizando-se por ser uma confecção original centrada no luxo, no fazer à mão e sob medida. Este tipo de criação em escala artesanal opõe-se à produção em série e barata, chamada “ready-to-wear” (pronto para usar ou prêt-à-porter). (LIPOVETSKY, 2005, p. 44)