Seleção de materiais invertida: da caracterização do material as possibilidades de aplicação no design de produto

    Danieli Maehler Nejeliski, Eliana Paula Calegari,Lauren da Cunha Duarte,Branca Freitas de Oliveira

Seleção de materiais invertida: da caracterização do material as possibilidades de aplicação no design de produto

 Inverted material selection: from material characterization to application possibilities in product design

Danieli Maehler Nejeliski

Doutoranda  no Programa de Pós- Graduação em Design e Tecnologia da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – danielinejeliski@gmail.com– orcid.org/ 0000-0002-4487-539X

Eliana Paula Calegari

Doutora em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –

 elianapaulac@gmail.com – orcid.org/ 0000-0001-5568-4620

Lauren da Cunha Duarte

Doutora em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –

 lauren.duarte@ufrgs.br– orcid.org/ 0000-0001-5690-0794

Branca Freitas de Oliveira

Doutora em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –

branca@ufrgs.br– orcid.org/ 0000-0003-3383-4581

Resumo

A seleção de materiais tradicional parte de um conceito ou produto para a pesquisa e definição de materiais adequados para o projeto. Entretanto, em casos de uso de novos materiais ou materiais não convencionais ocorre uma inversão: parte-se de um material para a pesquisa e definição de produtos possíveis. O objetivo da inversão da seleção de materiais é a introdução de um novo material ou de um material não convencional no mercado. Este trabalho apresenta uma proposta de modelo para a seleção de materiais invertida, constituído pelas etapas de caracterização do material, consideração dos aspectos ambientais, comparação com materiais convencionais, processos de fabricação e definição de aplicações. A partir desse modelo, foram realizados dois estudos de caso com materiais sustentáveis: compósitos com casca de arroz e porongo. Com os estudos de caso, foi possível validar o modelo de seleção de materiais invertida.

Palavras-chave: Design de produto; Produtos novos - Aspectos ambientais; Cascas de Arroz; Lagenaria siceraria; Seleção de materiais.

Abstract

Traditional material selection starts from a concept or product to research and definition of suitable materials for the project. However, in cases of use of new materials or unconventional materials an inversion occurs: starting with a material for research and definition of possible products. The purpose of reversing the selection of materials is to introduce a new material or an unconventional material on the market. This paper presents an inverted material selection model proposal, consisting of the material characterization steps, consideration of environmental aspects, comparison with conventional materials, manufacturing processes and definition of applications. Based on this model, two case studies were carried out with sustainable materials: composites with rice husks and porongo. With the case studies, it was possible to validate the inverted material selection model.

Keywords Product design;  New Product - Environmental aspects; Rice hulls; Lagenaria siceraria; Selection of materials.

Recebido em: 28/07/2020

Aceito em: 27/07/2021


1 INTRODUÇÃO

A evolução no cenário dos materiais teve início na antiguidade, desde então novos materiais são desenvolvidos e introduzidos na indústria. Beylerian e Dent (2007) exemplificam o desenvolvimento dos materiais nas últimas décadas com o estudo dos polímeros, que avançou rapidamente depois da segunda guerra mundial. Já nos anos de 1980 ocorreu a pesquisa de metais e o desenvolvimento de superligas, a década de 1990 abordou questões ecológicas e introduziu uma larga série de materiais que visam a sustentabilidade. Atualmente, vive-se em um momento único de pesquisa em materiais que é de vanguarda.

O desenvolvimento de novos materiais e a pesquisa para o uso de materiais não convencionais pode ser considerada uma linha de pesquisa tecnológica fundamental para estimular a inovação nas áreas de engenharia, design e arquitetura. Os novos materiais e os não convencionais podem ser fonte de inspiração para designers de produto pelo fato de sugerirem novas soluções visuais, táteis, esculturais e espaciais (ASHBY; JOHNSON, 2011). Além disso, também podem apresentar novas ou distintas propriedades mecânicas, físicas, químicas e outras, o que possibilita novas aplicações.

 Muitas das novas alternativas de materiais que estão surgindo procuram minimizar impactos ambientais. De acordo com Faruk et al. (2012), o aumento da consciência ambiental e a existência de regulamentações ambientais aumentaram a demanda pela utilização de materiais não convencionais, surgindo o desenvolvimento de materiais de origem renovável, recicláveis, biodegradáveis, sustentáveis e ecológicos.

A utilização estratégica de materiais é um dos mais influentes meios de que os designers podem  se valer para comunicar e criar conexões emotivas entre os produtos e os usuários (DIAS, 2009). A seleção de materiais é um processo complexo que tem como objetivo otimizar um produto no que diz respeito a vários aspectos como os métodos de produção, as funções do produto, as demandas estruturais, de mercado ou do usuário, design, preço, impacto ambiental, ciclo de vida, entre outros (LJUNGBERG, 2007). O objetivo do processo de seleção de materiais é a conversão de um conjunto de insumos, os requisitos de projeto, em um conjunto de resultados, uma lista de materiais e processos viáveis (ASHBY; JOHNSON, 2011).  

Geralmente, no projeto de um produto é realizada a seleção de materiais levando em consideração as características do produto e os requisitos do projeto. Há diversas pesquisas sendo realizadas no meio acadêmico com o objetivo de criar novos materiais, que possuam características inovadoras em termos de propriedades físicas, químicas, mecânicas, térmicas, entre outras (JESUS et al., 2019; SILVA et al., 2019; SIVA et al., 2019). Contudo, muitos desses novos materiais desenvolvidos não são estudados do ponto de vista da aplicação, ou seja, do design de produto. E, assim, faltam informações para que, tanto novos materiais como materiais não convencionais, sejam aplicados no design de produto.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo descrever o modelo de seleção de materiais invertida, que permite explorar as características dos novos materiais e dos materiais não convencionais para direcioná-los para aplicações adequadas. Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a seleção de materiais no design de produto, tendo como principais bases teóricas os estudos de Walter (2006), Karana, Hekkert e Kandachar (2008), Dias (2009) e Ashby e Johnson (2011). A partir disso, foi proposto o modelo de seleção de materiais invertida. A fim de demonstrar o modelo de seleção de materiais invertida, foram apresentados dois estudos de casos, um sobre compósitos com casca de arroz e outro sobre o porongo.

2 Seleção de materiais no design de produto

O design tem como objetivo buscar soluções significativas para os usuários, que promovam novas experiências e impactem de maneira positiva a sociedade, e a seleção de materiais é determinante neste cenário (BARAUNA; RAZERA; HEEMANN, 2015). Walter (2006) propõe uma tríade para o entendimento da aplicação dos materiais: estrutura, propriedades e processamento. A estrutura é o arranjo dos átomos através das ligações químicas, é responsável pelas propriedades dos materiais. As propriedades, por sua vez, são as características que distinguem os materiais entre si. Já o processamento é o conjunto de técnicas a que se submete o material para dar-lhe a forma desejada, muitas vezes modificando a estrutura e as propriedades do material. Nesse contexto, a seleção de materiais pode ser definida como a relação entre a estrutura, as propriedades, o processamento e a aplicação dos materiais (Figura 1) (WALTER, 2006).

Figura 1: Relação entre os aspectos que determinam a seleção de materiais

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente[a]

Fonte: adaptado de Walter (2006)

A seleção de materiais é fundamental no design de produto e permeia todas as etapas do processo. Nela, os materiais desempenham dois papéis que se sobrepõem, o de proporcionar funcionalidade técnica e o de criar personalidade para o produto (ASHBY; JOHNSON, 2011). Os atributos tangíveis estão relacionados com o perfil objetivo e com informações técnicas que tem como propósito quantificar o comportamento em relação às propriedades físicas, mecânicas, térmicas, entre outras. Podem ser medidos, possuem valores exatos e uma série de normas que especificam os ensaios e os resultados. Já os atributos intangíveis estão relacionados com o perfil subjetivo do material, como a percepção estética e simbólica de cada indivíduo (DIAS, 2009).

Ashby e Johnson (2011) classificam os atributos tangíveis em gerais, técnicos, ambientais, sociais e econômicos. Os atributos gerais são o custo e a densidade do material. Nos atributos técnicos estão todas as características relacionadas com as propriedades dos materiais, como comportamento físico, mecânico, térmico, elétrico. Os atributos ambientais consideram aspectos legais, uso de recursos naturais, impactos da extração, resíduos e emissões. Os atributos sociais englobam os aspectos decorrentes da extração dos recursos e dos processos de manufatura envolvidos. Por fim, os atributos econômicos estão relacionados com os custos do ciclo de vida dos materiais aplicado ao produto.

Dias (2009) classifica os atributos intangíveis em estéticos, práticos e simbólicos. Os atributos estéticos estão relacionados com as impressões causadas pelos sentidos, como forma, figura, texturas, sensação do tato. Já os atributos práticos estão relacionados com o uso, manuseio e experiência dos usuários com o material, como usabilidade, ergonomia, conforto e segurança. Por fim, os atributos simbólicos estão relacionados com aspectos psíquicos e sociais, sujeitos a variações culturais e diferenças individuais, como identidade, memória, cultura e associações.

Karana, Hekkert e Kandachar (2008) avaliaram o processo de seleção de materiais no design de produto com o objetivo de identificar os aspectos que são significativos para os designers durante o processo de projeto. Os entrevistados acreditam que os atributos intangíveis dos materiais são importantes em suas seleções e as propriedades sensoriais são um dos aspectos mais vitais para a criação. A maioria dos participantes afirmou que faz suas seleções preliminares com base na aparência do material, considerando a textura, o acabamento da superfície, as cores e todas as propriedades que atraem os sentidos.

A percepção dos atributos intangíveis dos materiais sofre influência de características individuais dos usuários, como idade, gênero, experiência, estilo de vida, tendências. Curtis et al. (2017) analisaram a seleção de materiais em produtos desenvolvidos por José Bornancini e Nelson Petzold[1] no design industrial. Através de pesquisa bibliográfica, consulta a dados de primeira mão e entrevistas, estabeleceram parâmetros objetivos na análise das implicações do uso dos materiais. O levantamento de dados constatou o uso recorrente do aço inoxidável e do polipropileno na trajetória dos projetistas e destaca as variantes na percepção dos usuários:

A conjugação de aço inoxidável e material polimérico (...) houve dificuldade na aprovação desses materiais tanto pela direção da empresa como pelos consumidores, devido à cultura tradicional das tesouras forjadas, feitas em aço carbono. Na época, o emprego de polímero foi motivo de estranhamento porque o material não era percebido como sinônimo de qualidade pelo público, que associava o aço forjado à força e à resistência, relata Petzold (CURTIS et al., 2017, p. 140).

Em um estudo onde foram analisadas as propriedades sensoriais dos materiais e os processos de fabricação no processo de atribuição de significados, Karana, Hekkert e Kandachar (2009) destacam a influência dos aspectos simbólicos e individuais. Os participantes enfatizaram que as origens culturais e as experiências passadas dos usuários são eficazes em suas preferências de produtos e materiais. Portanto, entre vários produtos com diferentes materiais e de qualidades técnicas quase iguais, as pessoas podem preferir um produto a outro com base nas características intangíveis dos materiais.

Calegari (2013) analisou a percepção dos designers em relação às características estéticas, simbólicas e práticas dos compósitos biodegradáveis com fibras de curauá (Ananas erectifolius). Os atributos intangíveis destacados estão relacionados com as características estéticas dos materiais, como as cores, a textura e outras associadas ao apelo ecológico, enquanto que os atributos tangíveis são mensurados com base em normas. A subjetividade dos atributos intangíveis muitas vezes dificulta a análise.

Muitos estudos estão sendo realizados no sentido de desenvolver ferramentas e metodologias que auxiliem na compreensão e mensuração dos atributos intangíveis dos materiais, a fim de contribuir com o processo de seleção de materiais (KARANA; HEKKERT; KANDACHAR, 2009; DIAS, 2009; DISCHINGER; KINDLEIN JR., 2010). Portanto, a seleção de materiais é tradicionalmente realizada com foco no aprimoramento das propriedades técnicas, entretanto, pesquisas comprovaram a importância dos atributos estéticos no trabalho dos designers e na percepção que os usuários têm dos produtos (KARANA; HEKKERT; KANDACHAR, 2008; DIAS, 2009; CALEGARI; OLIVEIRA, 2014).

As fontes de informações existentes para apoiar a seleção de materiais consistem em catálogos de materiais, materiotecas (físicas e digitais), softwares e bases de dados que permitem o acesso online. As materiotecas são bibliotecas que possuem coleções de amostras de materiais, utilizadas para a prática e a pesquisa do design (BYKO, 2005). O software CES Edupack (Cambridge Engineering Selector), desenvolvido pelo pesquisador Michael Ashby e outros membros da Granta Design e da Universidade de Cambridge, permite a seleção de materiais com base em restrições de projeto, por meio de gráficos (SÖRENSEN; JAGTAP; WARELL, 2016).

Ramalhete; Senos; Aguiar (2010) realizaram um estudo em que foram descritas oitenta e sete ferramentas digitais para a seleção de materiais, incluindo bancos de dados e softwares. Conforme os autores há uma tendência atual em criar fontes específicas para designers, com menos informações técnicas e mais informações sobre aspectos intangíveis. Contudo, as informações técnicas nunca devem ser menosprezadas, mas conciliadas com outras informações, que são igualmente importantes para o design (RAMALHETE; SENOS; AGUIAR, 2010).

3  SELEÇÃO DE MATERIAIS INVERTIDA - SMI

Tradicionalmente, a seleção de materiais parte de um conceito ou um produto para a pesquisa e posterior definição de uma lista de materiais adequados para o projeto em questão. Entretanto, em alguns casos ocorre uma inversão: parte-se de um material para a pesquisa e definição de produtos possíveis. A inversão da seleção de materiais ocorre quando o objetivo do projeto é a introdução de um novo material ou de um material não convencional no mercado. Nesse contexto, inicialmente é realizada a seleção do material, são definidas as principais propriedades técnicas e os atributos estéticos, para então direcionar a sua aplicação para um ou mais produtos possíveis.

O termo “novos materiais” é aplicado para designar as novidades e lançamentos das indústrias e centros de pesquisas no campo dos materiais (DIAS, 2009). Em um contexto amplo, “o termo exprime um novo ambiente técnico e cultural no âmbito do qual se vem dando a transformação da matéria” (MANZINI, 1989, p. 17). Os materiais compósitos são exemplos do desenvolvimento de novos materiais. Já os materiais não convencionais são assim denominados pelo fato de que a produção, as propriedades e a instalação não são regidas por normas técnicas bem estabelecidas, aceitas e difundidas mundialmente (NOTARIANNI, 2014). Os resíduos agrícolas e demais materiais de origem vegetal são considerados materiais não convencionais, por apresentarem características e propriedades heterogêneas, o que dificulta a padronização.

A SMI surge no contexto da busca por soluções mais sustentáveis, tanto na área de materiais quanto no design de produto. Pesquisas estão sendo realizadas com foco no desenvolvimento de novos materiais como uma solução para a reutilização de resíduos e na busca por novas alternativas de materiais de fonte renovável e com propriedades biodegradáveis. Notarianni (2014) estabeleceu indicadores de sustentabilidade para a seleção de materiais:

Os indicadores de sustentabilidade são referência para mapear os impactos causados ao longo do ciclo de vida dos materiais, entretanto, dificilmente um material vai em todos os indicadores. A reciclagem é viável apenas para algumas classes de materiais, um material que pode ser reciclado também pode ser reutilizado, mas o inverso nem sempre se aplica. O material ser de fonte renovável é extremamente importante no cenário de esgotamento de recursos não renováveis. Neste contexto, os resíduos sólidos e os materiais de origem vegetal configuram-se como alternativas de matérias-primas sustentáveis.

Resíduo sólido pode ser definido como um material, substância ou objeto descartado cuja destinação final inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético, observando normas específicas. Quanto à origem, os resíduos sólidos podem ser classificados em: domiciliares, de limpeza urbana, comerciais, de saneamento básico, indústrias, de serviços de saúde, da construção civil, de serviços de transportes, de mineração e agrossilvopastoris (BRASIL, 2010). Dentro da última categoria estão incluídos os resíduos agrícolas, provenientes das atividades dos cultivares. Dentre os resíduos agrícolas produzidos no Brasil, destacam-se a casca do arroz, o bagaço da cana-de-açúcar, a casca do coco, dentre outros, dependendo em parte, de cada região territorial.

Os materiais de origem vegetal são provenientes de plantas, cultivadas ou nativas, que após passarem pelas etapas de desenvolvimento, extração, secagem e processamento, adquirem as propriedades técnicas e sensoriais para serem utilizados como matéria-prima no design de produtos ou de novos materiais (NEJELISKI; DUARTE, 2020). A matéria-prima pode ser extraída de diferentes estruturas das plantas, desde as raízes, caule, casca, galhos, folhas, frutos e sementes. Urbaniak, Goluch-Goreczna e Bledzki (2017) destacam que estes materiais permitem uma produção eficiente, uma redução substancial das emissões de CO2 e a diminuição dos resíduos sintéticos, configurando-se como alternativa econômica e ecológica.

Os resíduos sólidos, com destaque para os resíduos agrícolas, e os materiais de origem vegetal contemplam vários indicadores de sustentabilidade. Nesse sentido, vêm sendo utilizados como matérias-primas não convencionais ou no desenvolvimento de materiais sustentáveis. A SMI é o processo para explorar as possiblidades de aplicação destes materiais no design de produto. Para tanto, foi desenvolvido o modelo descrito a seguir.  

3.1 Modelo de seleção de materiais invertida

A SMI surge da necessidade de encontrar aplicações para novos materiais e materiais não convencionais, principalmente, os de caráter sustentável. A proposta da seleção de materiais invertida parte de um novo material ou de um material não convencional e a partir de suas características, os atributos tangíveis e os intangíveis, selecionam-se as aplicações mais adequadas para esse material. O modelo de SMI é linear e dividido em seis etapas, como pode ser observado na Figura 2.

O modelo tradicional (Figura 1) se encerra com a seleção de materiais possíveis para o projeto, enquanto que o modelo invertido tem início com a seleção do material que será utilizado. A segunda etapa é de caracterização, onde são levantadas informações pertinentes sobre características específicas do material. Em um primeiro momento, é importante determinar a origem do material, se é de fonte renovável, se é o resíduo de alguma atividade industrial ou agrícola, enfim, identificar o início do ciclo de vida do material. A caracterização da microestrutura do material é importante para a compreensão do comportamento do material, especialmente em materiais de origem vegetal. É importante também verificar as principais propriedades técnicas, sejam elas físicas, mecânicas, térmicas, entres outras. Por fim, devem ser elencadas as principais propriedades sensoriais do material.

Figura 2: Etapas do modelo de seleção de materiais invertida

Tela de celular com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média Fonte: elaborado pelas autoras

A terceira etapa contempla os aspectos ambientais do material. Além dos atributos técnicos e estéticos dos materiais, os aspectos relacionados aos impactos ao meio ambiente são imprescindíveis no processo de seleção de materiais. De acordo com Ljungberg (2007), a seleção de materiais para o projeto de produtos sustentáveis considera todas as etapas do ciclo de vida dos materiais. Extração, refinamento, transportes, fase de uso do produto, reciclagem ou deposição são exemplos de áreas complexas, que podem impactar o meio ambiente. Deve-se considerar principalmente o impacto final sobre a natureza, sem deixar de lado as demandas do mercado e os fatores econômicos. Nesta etapa é importante mencionar se o material é biodegradável, se pode ser reciclado ou reutilizado e como proceder ao final da vida útil do mesmo.

Definidas as principais propriedades do material e os aspectos ambientais, parte-se para a quarta etapa, de comparação, onde as propriedades relacionadas são comparadas com as de materiais convencionais, tradicionalmente utilizados no design de produto. Para isso, podem ser utilizadas ferramentas de seleção de materiais, como os softwares e bibliotecas de seleção de materiais. Após estabelecer uma relação de materiais convencionais com propriedades similares ao material em questão, é realizada a comparação dos produtos em que os materiais tradicionais são comumente aplicados. A comparação dos produtos vai servir de referência para as possíveis aplicações do material.  

As etapas seguintes contemplam os processos de fabricação e as aplicações em produtos. Na quinta etapa são realizados testes com processos de fabricação utilizados nos materiais convencionais similares, a fim de verificar se os processos utilizados podem ser empregados no material. Na sexta etapa são estabelecidos os requisitos para a aplicação do material em um ou mais produtos. A partir das possiblidades de aplicações de materiais similares, levantadas na etapa de comparação, é analisado se o novo material ou o material não convencional atende aos requisitos das aplicações. As etapas de processos de fabricação e aplicações são flexíveis, dependendo das características do material, a ordem de execução das mesmas pode ser alterada.

4 ESTUDOS DE CASO

Na sequência  são descritos dois estudos de caso realizados com base no modelo de SMI proposto: o primeiro caso descreve a aplicação de novos materiais, compósitos com casca de arroz; e o segundo caso descreve a aplicação de um material não convencional de origem vegetal, o porongo. O objetivo é demonstrar a aplicação do modelo de SMI tanto em novos materiais como em materiais não convencionais

4.1 Compósitos de casca de arroz

4.1.1. seleção DO MATERIAL

A casca de arroz é o principal subproduto da indústria arrozeira e corresponde a 20% da massa total do arroz. É considerada uma capa protetora, formada durante o crescimento do grão (SOUZA; YAMAMOTO, 1999). A casca de arroz é um material abrasivo, de baixo valor nutritivo, de baixa densidade e é o subproduto mais volumoso da cultura, assim, o armazenamento e a eliminação constituem-se em um problema (DELLA et al., 2006). Em relação à sua utilização, o destino primário é a compostagem, o que reduz a sua carga orgânica, contudo, demora aproximadamente 5 anos para ser decomposta, gerando grande quantidade de metano. Apesar de haver destinos para a casca de arroz, não são suficientes para utilizar todo o volume de produção (MAYER;HOFFMANN; RUPPENTHAL., 2006).

Assim, a proposta para um novo uso da casca de arroz é na produção de compósitos (ARJMANDI et al., 2015). Para Neto e Pardini (2006) a característica básica dos compósitos é combinar, em nível macroscópico, no mínimo, duas fases distintas denominadas de matriz e reforço. A matriz é a fase contínua sendo responsável pela transferência de tensões e o reforço está distribuído na matriz, geralmente, é mais rígido e resistente do que a matriz.

Conforme Rowell et al. (1997), as fibras vegetais mais utilizadas como material de reforço em compósitos poliméricos são as fibras de sisal, juta, coco, e banana, além de fibras de madeira, bagaço de cana-de-açúcar e bambu. Conforme Machado et al. (2010) no Brasil, há uma grande variedade de materiais lignocelulósicos que possuem potencial para serem utilizados em compósitos, devido ao clima favorável para a agricultura, o solo fértil e largas extensões territoriais. As vantagens na utilização de fibras vegetais e outros materiais lignocelulósicos em compósitos incluem o baixo custo, baixa densidade, menor abrasão comparada às fibras sintéticas, atoxidade, baixo consumo de energia no processamento, reciclabilidade, tempo de moldagem reduzido (em até 30%), baixo coeficiente de expansão térmica e isolamento acústico, além da promoção de trabalho e renda na área rural (SATYANARAYANA, 2010).

Na pesquisa realizada por Calegari (2018) foi utilizada a casca de arroz para a produção de compósitos poliméricos. O objetivo da pesquisa foi criar novos materiais utilizando a casca de arroz, verificar as propriedades mecânicas (atributos tangíveis), e a partir disso, investigar as possibilidades de produtos que os compósitos com casca de arroz desenvolvidos podem ser aplicados. Para a fabricação dos compósitos foi empregada a casca de arroz inteira (Figura 3a), casca de arroz inteira e moída (Figura 3b) e casca de arroz moída (Figura 3c).

Figura 3: Compósitos com casca de arroz: a) Compósito com casca de arroz inteira, b) Compósito com casca de arroz inteira e moída e c) Compósito com casca de arroz moída

Mapa

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Calegari (2018)

A produção dos compósitos com casca de arroz foi feita com matriz à base de resina poliéster insaturada. Foi utilizada a moldagem por compressão que resultou em placas e estas foram utilizadas para a confecção de amostras para a realização da caracterização dos compósitos.

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4.1.2  caracterizaçâo

Em relação às propriedades físicas dos compósitos com casca de arroz foi avaliado o desempenho mecânico dos compósitos desenvolvidos, como a resistência à tração, o módulo de elasticidade, a resistência à flexão, a dureza e a resistência ao impacto, e comparados com os valores da matriz. Como resultado, em geral, com a inserção da casca de arroz na matriz obteve-se leve aumento das propriedades avaliadas. Entre os compósitos estudados, aquele que é constituído por casca de arroz moída (Figura 3c) resultou nos melhores resultados, tendo sido mais eficaz para os resultados das propriedades mecânicas.

Foi verificada a absorção de água e foram avaliados os efeitos do intemperismo natural nos compósitos desenvolvidos. No que diz respeito à absorção de água, foi menos acentuada no compósito com casca de arroz moída (Figura 3c), assim, esse compósito possui maior potencial para ser utilizado em aplicações que estarão em contato com a umidade. Em relação aos efeitos do intemperismo natural, constatou-se que o efeito combinado da chuva, temperatura e da radiação solar, durante o período de 6 meses, não provocou alterações significativas nos compósitos, conforme apontaram os resultados das propriedades mecânicas e dos aspectos visuais analisados.

4.1.3  aspectos ambientais

Em relação aos aspectos ambientais, salienta-se a utilização de 80% de casca de arroz para a produção dos compósitos,  possibilitou a produção de uma placa de qualidade visual adequada, com uma distribuição uniforme da carga na matriz. Esse percentual de casca de arroz foi definido para utilizar o máximo possível de resíduo de origem vegetal, e o mínimo de material polimérico na fabricação dos compósitos. Como uma possibilidade de aproveitamento dos compósitos com casca de arroz após o descarte dos produtos feitos com esses materiais, ou seja, ao final do ciclo de vida do produto, podem ser destinados para o desenvolvimento de novos materiais, na medida em que os compósitos com casca de arroz sejam moídos e misturados com uma resina polimérica. No entanto, esse processo precisa ser investigado para analisar a qualidade do material resultante, em termos técnicos e estéticos.

4.1.4 comparação

Para a investigação das possibilidades de produtos que podem ser  produzidos com o uso dos compósitos com casca de arroz, primeiramente foi realizada a comparação de materiais com atributos tangíveis similares aos dos compósitos com casca de arroz, que resultou em madeiras e derivados. Assim, a partir das propriedades mecânicas, com o uso do software para seleção de materiais CES, foi possível verificar quais materiais convencionais possuem essas propriedades próximas às dos compósitos com casca de arroz.

Foram também verificados os atributos estéticos de madeiras e materiais derivados e comparados com os atributos estéticos dos compósitos com casca de arroz. Conforme apontou essa análise, os compósitos com casca de arroz compartilham atributos estéticos com as madeiras utilizadas para fabricação de móveis, como cor, padrões de superfície, textura. Esses atributos estéticos estão associados à naturalidade, a qual remete ao apelo ecológico e à sustentabilidade. Assim, os aspectos estéticos dos compósitos com casca de arroz se inserem em uma tendência de apelo ecológico e sustentabilidade, muito valorizada na atualidade e relacionada com a preocupação com os impactos ambientais.

4.1.5 aplicações

No software de seleção de materiais foram pesquisadas as aplicações dos materiais convencionais similares, madeiras e materiais derivados.  A partir disso, foi realizada a análise sincrônica e morfológica de produtos que são confeccionados com estes materiais, concluindo-se que os compósitos desenvolvidos podem ser utilizados para a produção desses produtos genuinamente produzidos com madeira e derivados, especialmente como uma alternativa para a produção de mobiliário.

4.1.6 processos de fabricação

A partir da definição da aplicação, foi avaliado o comportamento e o acabamento dos compósitos a partir da experimentação com processos de fabricação utilizados na indústria moveleira. A experimentação com processos de fabricação apontou que podem ser empregados processos e ferramentas utilizadas na indústria moveleira nos compósitos com casca de arroz. Para o corte foram utilizados o serrote, a serra de fita (Figura 4a) e a serra esquadrejadeira, a usinagem (Figura 4b), o lixamento foi feito com lixas manuais e com lixadeira automática (Figura 4c). Foram também realizados furos com furadeira automática e foi feita a inserção de parafusos nas placas de compósitos.

Figura 4: Processos de fabricação: a) Corte com serra de fita, b) Corte com usinagem e c) Lixamento com lixadeira

Fonte: Calegari (2018)Uma imagem contendo mesa, foto, comida, mulher

Descrição gerada automaticamente

Foram obtidos bons resultados de acabamento com a experimentação com os processos e ferramentas utilizados na indústria moveleira, principalmente para os compósitos com casca de arroz inteira e moída e para os compósitos com casca de arroz moída. Assim, os compósitos com casca de arroz oferecem uma oportunidade de inovação para o design aplicado ao setor de móveis.

4.2 Porongo (Lagenaria siceraria)

4.2.1 seleção do material

O porongo (Lagenaria siceraria) é uma matéria-prima de origem vegetal de ciclo curto, pois após alguns meses está pronto para a colheita e para o processamento. Nessa espécie, o fruto é a parte da planta utilizada, ele passa por um processo de secagem em que perde aproximadamente 90% do peso em água, para então adquirir as propriedades finais. O fruto torna-se oco, o exocarpo impermeável (Figura 5a-1) e o mesocarpo poroso (Figura 5b-2). Possui formas arredondadas e tamanhos variados (Figura 5a), o que favorece a sua utilização como recipiente para alimentos e bebidas. No estado do Rio Grande do Sul é utilizado como matéria-prima para a produção de cuias, recipientes para o preparo do chimarrão, bebida típica da região.

Figura 5: Porongo: a) Variações morfológicas dos frutos; b) Corte longitudinal após o processo de secagem: 1) Mesocarpo; 2) Endocarpo; 3) SementesUma imagem contendo diferente, foto, comida, mesa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: elaborado pelas autoras

A variação morfológica é uma característica da espécie, os frutos possuem variações significativas no tamanho, na espessura do mesocarpo e no formato, podem ser arredondados, achatados ou alongados (SIVA et al., 2019). O fruto é composto por duas camadas distintas, o exocarpo (Figura 5a-1), que é a camada externa, e o mesocarpo (Figura 5b-2), camada mais espessa que proporciona forma ao material. Com o fruto em corte longitudinal é possível observar, além do mesocarpo, o endocarpo (Figura 5b-3) e as sementes (Figura 5b-4).

4.2.2 caracterização

O mesocarpo do porongo é formado por células com espaços vazios que aumentam de tamanho em direção ao centro do fruto, é poroso e com densidade heterogênea média de 0,124 g/cm³, similar à densidade das espumas poliméricas. A comunicação intercelular é eficiente, o que resulta em altos índices de absorção de água, com aumento de massa de cerca de 150% até a saturação (NEJELISKI; DUARTE, 2019),  avaliaram a percepção das propriedades sensoriais do porongo em comparação com a madeira e materiais derivados. Como resultado, o material foi identificado como natural, sustentável e esteticamente agradável. O porongo foi identificado como leve e quente, sendo que esta percepção está relacionada com a sensação de conforto do uso do mesmo. Este é um atributo característico da madeira e é muito explorado no design de móveis e ambientes.

4.2.3 aspectos ambientais

O cultivo e a extração dos materiais de origem vegetal são fonte de renda para muitas famílias, configurando-se em alternativa para os pequenos produtores. O cultivo do porongo é uma alternativa viável devido ao baixo custo de produção, pouca exigência de maquinário e boa adaptação ao clima e ao solo das regiões tropicais e temperadas. Durante o ciclo do plantio há uma redução substancial das emissões de CO₂. Já na etapa de desenvolvimento de novos produtos, são um incentivo a novas indústrias e ao desenvolvimento local. O porongo é um material biodegradável, ao final da sua vida útil, pode ser descartado em uma composteira para a degradação.

4.2.4 comparação

Ao comparar imagens da estrutura celular do mesocarpo do porongo e da cortiça, pode-se observar que a microestrutura do arranjo das células é muito similar. Entretanto, a estrutura celular da cortiça é homogênea, enquanto que a do porongo é heterogênea, com variação nas dimensões que aumentam progressivamente em direção ao centro do fruto. Outro fator relevante é a diferença na composição química dos materiais, a suberina é um composto vedante presente e na cortiça e no porongo foi identificada a presença de lignina nas paredes celulares.

A densidade média encontrada para o porongo foi de 0,124 g/cm³, semelhante à densidade de algumas espumas poliméricas (NEJELISKI; DUARTE, 2019). A cortiça é um material leve devido à suas células ocas e paredes finas, a densidade do tecido de cortiça seco é baixa, em média 0,150 g/cm³ e 0,160 g/cm³, com uma variação de 0,120 g/cm³ a 0,200 g/cm³. A densidade da cortiça varia de acordo com a geometria e a dimensão das células, o que altera a porcentagem de material sólido (PEREIRA, 2007). A densidade média do porongo é similar à densidade mínima da cortiça.

A partir das informações sobre a caracterização da microestrutura do porongo e das suas principais propriedades físicas, pode ser caracterizado como um material leve, permeável a líquidos e isolante térmico. A baixa densidade se deve à grande quantidade de espaços vazios nas células. A comunicação entre as células se dá de forma muito eficiente, através de micro canais, de modo que é um material com alta permeabilidade. A estrutura porosa configura um material isolante térmico, devido ao ar presente no interior das células. Com relação às propriedades sensoriais do porongo, são similares às da madeira.

4.2.5 Processos de fabricação

Com base na similaridade das propriedades sensoriais do porongo com a madeira (NEJELISKI; DUARTE, 2019), foram testados os processos da fabricação da madeira. Inicialmente, foi realizada a limpeza da parte interna dos frutos, com a remoção do endocarpo e das sementes. Os cortes das peças no sentido longitudinal foram realizados na serra de fita (Figura 6a). Neste procedimento foram extraídas peças maiores, com formato do perfil dos frutos, com formas orgânicas e arredondadas. A partir das peças maiores, cortadas na serra de fita, foram cortadas peças com dimensões menores na serra esquadrejadeira.

Figura 6: Processos de fabricação: a) Corte dos perfis na serra de fita; b) Lixamento das peças curvas em lixa adaptadaUma imagem contendo pessoa, no interior, comida, mesa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: elaborado pelas autoras (2020)

Após o processo de corte, as peças  resultam com formas irregulares, com diferentes espessuras devido às variações na porosidade do mesocarpo. Neste contexto, a próxima etapa do beneficiamento das peças é o lixamento, que tem como objetivo a remoção dos resíduos e a padronização da espessura e das dimensões externas. As peças com dimensões menores e formas mais regulares, quadradas e retangulares, podem facilmente ser lixadas manualmente. Já para lixar a parte interna das peças mais curvas, foi necessária a adaptação de um cilindro com uma lixa no eixo da furadeira de bancada ( Figura 6b).

4.2.6 aplicações

As formas orgânicas são características do porongo, agregam valor estético ao material e favorecem algumas aplicações, como a produção de recipientes.  Do mesmo modo, inviabilizam a padronização das formas e das dimensões, pois cada fruto tem características únicas. O processamento do material por meio do corte de diferentes seções dos frutos é uma alternativa para valorizar as propriedades sensoriais do porongo. O aproveitamento dos resíduos de porongo através do corte de peças com dimensões reduzidas possibilita tanto o uso dos frutos inteiros descartados nas lavouras, quanto das partes de frutos descartadas na produção de cuias.

A partir da abordagem do design de superfícies tridimensionais, as peças podem ser usadas na composição de módulos e de padrões. Neste contexto, a produção de revestimentos modulares a partir dos resíduos do porongo se configura como uma alternativa para a padronização na forma de módulos e para a valorização da integridade do material (Figuras 7 e 8).

Figura 7: Revestimento modular de porongo: a) Módulo pastilhado; b) Detalhe das propriedades sensoriais do material

Pão cortado ao meio

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: elaborado pelas autoras (2020)

Figura 8: Revestimento modular do porongo: a) Módulo com peças orgânicas; b) Detalhe das peçasTexto

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: elaborado pelas autoras (2020)

Os revestimentos modulares produzidos a partir do porongo, além de valorizar as propriedades sensoriais, aproveitam as propriedades isolantes do material. Podem ser utilizados no design de interiores, como revestimento de superfícies para o conforto ambiental, e podem ser aplicados como divisor de ambientes. Ainda, no design de produto, os módulos podem ser utilizados na composição de peças de mobiliário e luminárias.  

5 considerações finais

Este trabalho teve como objetivo descrever o modelo de SMI, o qual permite explorar as características de novos materiais e de materiais não convencionais com o intuito de direcioná-los para aplicações no design de produto. Foi realizado um estudo de modelos de seleção de materiais convencionais e observou-se que esses modelos partem das características e requisitos de produtos para a seleção de materiais, no entanto, quando se tem novos materiais e materiais não convencionais, ainda não se sabe quais as aplicações adequadas para esses materiais.

Dessa forma, foi proposto um modelo de seleção de materiais invertida, em que são levadas em consideração as características dos novos materiais e de materiais não convencionais para direcionar para possíveis aplicações. Esse modelo de SMI foi construído, principalmente, do ponto de vista do design de produto, o qual busca levar em consideração não só atributos tangíveis, mas também atributos intangíveis, processos de fabricação e os aspectos ambientais dos materiais e dos produtos.

A partir da proposição do modelo foram realizados dois estudos de caso a fim de demonstrar a aplicação do referido modelo. No primeiro estudo de caso trata sobre novos materiais, os compósitos com casca de arroz. Nesse estudo, além dos atributos tangíveis, evidenciou-se a importância dos atributos intangíveis para a investigação de seleção de aplicações para os novos materiais. O segundo estudo de caso trata sobre o uso de um material não convencional, o porongo. Após a caracterização do material, as aplicações no design de produto procuraram evidenciar as propriedades isolantes e sensoriais do material.

Com os estudos de caso, foi possível demonstrar e validar o modelo de seleção de materiais invertida. Por fim, o modelo elaborado neste trabalho possui um papel relevante no incentivo ao uso de novos materiais e materiais não convencionais, oferecendo grandes possibilidades de renovação no repertório de perspectivas e oportunidades criativas para designers e outros profissionais.

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DOI: http://dx.doi.org/ 10.5965/18083129152021e0025


[1] A parceria entre José Carlos Bornancini (1923-2008) e Nelson Ivan Petzold (1931-2018), iniciada em 1963, destaca-se no contexto da prática projetual sul-rio-grandense. Juntos, desenvolveram mais de duzentos projetos de design, nas mais variadas áreas (CURTIS et al., 2017).

[a]Figura atualizada