Cartas entre artistas pesquisadoras professoras
�Letters among women-researchers-teachers artists
Estela Vale Villegas
Doutoranda em Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mineira, professora com forma��o em dan�a, mestra em artes c�nicas, doutoranda
em artes, pesquisadora de performance, jogo e fluxo na educa��o �
�estelavalevil@gmail.com � https://orcid.org/0000-0002-2299-1648
Ines Saber de Mello
Doutoranda no Programa de P�s-Gradua��o em Teatro
da UDESC. Professora-estudante, faz uma meta-pesquisa sobre e com corpo,
escrita, dan�a, performance e poesia, buscando a��es, espa�os e experi�ncias
coletivas de outras escritas-
inessaber@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-9427-9844
Juliana Lima Liconti
Doutoranda em Artes C�nicas pela Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO), bolsista Capes. Artista-pesquisadora-docente que
investiga a arte da performance como um processo de desacostumar o olhar pr�-conceituoso para abrir-se aos encontros. Membro da
plataforma quandonde (www.quandonde.com.br) e do
Grupo N�made (@nomadegrupo)
juliana.lima.liconti@gmail.com
� https://orcid.org/0000-0002-6997-9064
Raquel Purper
Professora do curso de Licenciatura em Dan�a do Instituto Federal
de Bras�lia (IFB). Doutora em teatro pela UDESC, mestra em Artes C�nicas pela
UFRGS. Professorartista pesquisadora com experi�ncias
m�ltiplas em dan�a e teatro. Meditadora. Investigadora de processos em dan�a
contempor�nea desde 2009. Diretora de espet�culos e eventos de dan�a. Terapeuta
Reiki. Professoramiga confidente dos alunos. Consteladora Familiar (em forma��o)� raquelita0406@gmail.com- https://orcid.org/0000-0003-2502-0385
Resumo
Uma
conversa, um compartilhar experi�ncias. Este texto � um conjunto de tr�s cartas
entre pesquisadoras-artistas-professoras. Estela escreveu a primeira delas
relatando sua experi�ncia como professora-artista em busca de pedagogias da
performance. O formato de sua carta suscitou o desejo de di�logo entre outras
mulheres cuja experi�ncia era semelhante. Sendo assim, Ines, Juliana e Raquel
dispuseram-se a respond�-la falando sobre suas metodologias e refletindo sobre
os desafios que enfrentam nas salas de aula da escola, da universidade e do
instituto federal. Al�m de serem pesquisadoras-artistas-professoras,
entrela�am-se os interesses no campo da performance e da dan�a seja pensando na
cena, no ensino-aprendizagem ou nas possibilidades de escrita acad�mica.�
Palavras-chave: Artes na
educa��o. Escrita e arte. Ensino-Metodologia. Performance (Arte)
Abstract
A conversation, a sharing of experiences.
This is a set of five letters between researchers-artists-teachers. Estela Vale
Villegas wrote the first one of them reporting her experience as a
teacher-artist in her research of performance pedagogies. The content of her
letter evoked a desire for dialogue between other women whose experience was
similar. Therefore, Juliana Liconti, Ines Saber and
Raquel Purper, willing to write her back, shared
their methodologies and the challenges they face in classrooms, at school and
at the university. In addition to being researchers-artists-teachers, their
interests in the field of performance are intertwined, whether they are
thinking about the scene, the teaching-learning experience
or the possibilities of academic writing.
Keywords: Arts in education. Writing and art.
Teaching-Methodology. Performance art.
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0018
Recebido em: 10/06/2020
Aceito em: 29/07/2020
Belo Horizonte, 7 de Outubro,
2019.
Querida leitora,
Como falar da minha pesquisa? Talvez esta
carta me ajude a encontrar uma forma diferente de diz�-la. Tenho pesquisado
sobre os Estudos da Performance desde o mestrado e agora no doutorado continuo
tateando sua imensa complexidade. Performance pode ser entendida de diversas
formas: como linguagem, como cotidiano, como comportamento social, como
manifesta��o cultural, como uma forma de arte, como a emerg�ncia de um novo
paradigma ou vis�o de mundo a partir do corpo. Esta �ltima forma, a da
performance como uma nova vis�o de mundo, � a que eu mais gosto. Tenho pensado
muito sobre a performance como corpo e como processo de ensino-aprendizagem.
Como professora de Artes na escola, desde o in�cio da minha pesquisa tenho me
perguntado qual seria a rela��o entre os meus estudos sobre performance e a
minha pr�tica docente. Tentar responder essa pergunta n�o � nada f�cil,
primeiro porque a realidade da escola �, totalmente, diferente da realidade
acad�mica. O repert�rio cr�tico que constitui a performance como abordagem
metodol�gica adv�m, em sua maioria, do contexto acad�mico, ou seja, a sala de
aula da universidade.
A realidade da componente curricular
�Artes� na escola p�blica do Estado de Minas Gerais, que tem sido minha
profiss�o, � de uma aula semanal de 50 minutos e, no meu caso, uma carga
hor�ria de 12 turmas que v�o desde o Ensino Fundamental ao Ensino M�dio e EJA
(Educa��o para Jovens e Adultos). Isso significa, na pr�tica: 12 aulas
semanais, 12 di�rios de classe, 12 planejamentos, 12 log�sticas e uma m�dia de
12 x 35 = 420 alunos e alunas. Quatrocentos e vinte pessoas com suas pr�prias
vidas e problemas, que de alguma forma me tocam e me fazem sentir respons�vel.
Voc� pode imaginar que depois de um tempo a exaust�o vence qualquer sonho de um
trabalho maravilhoso, ideal. No fim, estamos gratas por termos sobrevivido ao
ano letivo. Tendo vivido isso no plano profissional, como desenvolver uma
pesquisa que leve em considera��o a realidade do ensino de Artes na escola?
Essa quest�o tem me atravessado e venho
buscando respostas, encontrando mais perguntas e ainda n�o sei bem o que fazer.
Talvez nunca saiba! Mas vou ver no que vai dar pensar-fazer sobre isso. Chegar
� escola e realizar uma experi�ncia metodol�gica em artes � sempre muito
bem-vindo, importante e, na maior parte das vezes, gera resultados positivos.
Entretanto, penso no professor ou professora que assume a componente curricular
�Artes� na escola e tem que elaborar um planejamento anual para 12 turmas de
diferentes faixas et�rias. O que vai fazer? Seguir o livro ou trazer outras
refer�ncias?
Se por um lado existem muitas
possibilidades de pr�ticas metodol�gicas a partir da performance, a exemplo da
etnografia, autoetnografia performativa, escrita performativa, dentre uma
imensid�o de formas de engajamento corporal e forma��o do pensamento cr�tico;
por outro lado, existe um conte�do program�tico a ser �transmitido�. O
famigerado livro did�tico, a Hist�ria da Arte em suas diferentes linguagens e
rela��es resumida em �nico volume (n�o muito volumoso). O que fazer com o
conte�do? Como abord�-lo? Tenho pensado em como a performance pode contribuir
para essa quest�o. A pedagogia cr�tica performativa de Elyse
Lamm Pineau (2002; 2010)
prop�e tomar o corpo como ponto de partida conceitual. Do ponto de vista da
tradi��o educacional, a performance � desenvolvida como demonstra��o, momento
fortuito e, potencialmente, constrangedor do corpo. Uma abordagem de
performance como educa��o desloca o corpo para o centro, ao mesmo tempo em que
faz o corpo englobar todo o processo de ensino-aprendizagem. O desafio posto
pela performance � de uma produ��o de conhecimento a partir do corpo. Como
professora de Artes penso em como trazer uma Hist�ria da Arte e seus conte�dos
atrav�s da perspectiva do corpo e atrav�s de um corpo engajado na investiga��o
de si, do outro e do mundo. Tudo isso em 50 minutos de aula!
Confesso que demorei para escrever esta
carta, fui e voltei v�rias vezes, n�o conseguindo evitar a formata��o acad�mica
da minha pesquisa, querendo me soltar, mas n�o sabendo como. Foi um exerc�cio
dif�cil, mas compensador porque me for�ou a trazer o meu lugar de fala, arejou
espa�os n�o muito ventilados, expandindo meu pensamento para dentro de mim
mesma. Espero que contribua de alguma forma para o trabalho colaborativo.
Com carinho,
Estela Valle Villegas
Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira.
Rio de Janeiro, 5 de novembro, 2019.
Querida
Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira,
Sua carta me tocou fundo. Fui invadida por uma
sensa��o paradoxal. Senti um imenso abismo entre n�s, como se eu n�o fosse
capaz de dimensionar o seu relato, e, ao mesmo tempo, senti muita resson�ncia,
como se n�s duas estiv�ssemos habitando uma zona de frequ�ncia muito pr�xima.
Vou come�ar escrevendo sobre as dist�ncias.
Nunca fui professora de �Arte� na escola p�blica. N�o tenho a viv�ncia de
ministrar aulas semanais de 50 minutos para 12 turmas com diferentes faixas
et�rias. Minha experi�ncia em doc�ncia � no ensino universit�rio e em cursos
livres de teatro. N�o possuo o diploma de licenciatura.
Aproxima��es. Venho pesquisando os Estudos
da Performance desde o mestrado. No doutorado, estou interessada em
pensar-praticar a instaura��o de espa�os performativos de ensino-aprendizagem.
O que mais me interessa no campo da performance e suas diferentes perspectivas
(ali�s, muito bem sintetizadas por voc� em sua carta) � a produ��o de
interrup��es nos padr�es habituais, o contato com o n�o saber, a constru��o de
corpos que saboreiam e tateiam, em detrimento de sujeitos da informa��o, t�o
aclamados nas sociedades ocidentalizadas, que sempre t�m uma resposta para tudo
e pouco se afetam com o que lhes atravessa. Essa perspectiva a meu ver est�
associada � emerg�ncia de uma vis�o de mundo a partir do corpo.
Feito esse invent�rio de algumas
aproxima��es e dist�ncias entre n�s duas, preciso dizer que n�o tenho
respostas. Os seus questionamentos s�o emergentes do seu fazer situado, uma vez
que voc� optou por desviar da norma (normalidade, aquilo que todo mundo faz)
para construir seu pr�prio caminho, que ora se mescla com percursos em
forma��o, ora encara de frente o desconhecido.
De fato, a maior parte dos estudos que
podem ser enquadrados como pedagogias da performance referem-se � sala de aula
universit�ria, uma realidade radicalmente diferente da sua e que est� mais
pr�xima das minhas experi�ncias docentes, mas h� iniciativas de
professores-performers (CIOTTI, 2014), inquietos como voc� (no melhor dos
sentidos), que resistem �s for�as reacion�rias que agem nos corpos a fim de
manter �tudo em seu devido lugar� nas escolas p�blicas, como, por exemplo,
Denise Pereira Rachel (2013) e Thiago Camacho Teixeira (2019).
Com o tempo restrito, uma quantidade imensa
de alunos e alunas e um conte�do preexistente de livro did�tico a ser seguido,
� necess�ria muita for�a subversiva para produzir um espa�o de troca, de
despertar sensa��es e reflex�es sobre si e sobre o mundo. Acho admir�vel que
com tantas for�as opressoras voc� mantenha o seu prop�sito de re-exist�ncia.
A centralidade do corpo nos processos de
aprendizagem, a meu ver, � fundamental para que o famigerado �conte�do� n�o
seja uma mera informa��o, mas sim experi�ncia incorporada, com mem�ria, com
sensa��o, com vida.
A quest�o que sempre me captura e est�
associada � dimens�o do fazer �: como? Como desacostumar o olhar de
normalidade? Como desacostumar as rela��es de ensino-aprendizagem por meio da
performance? Como transformar conte�do em corpo? Como...? S�o perguntas que
produzem respostas tempor�rias a serem continuamente atualizadas. S�o quest�es
produtoras de respostas circunstanciais. S�o questionamentos a serem
reperguntados e que n�o possuem refer�ncias preexistentes de certo e errado,
pois s�o processuais, em constante movimento de forma��o e desvio.
Agrade�o a persist�ncia em escrever sua
carta, apesar das dificuldades que relatou. Foi um encontro de bastante
vivacidade para mim e imagino que ser� para outras pessoas tamb�m. Espero que
voc� encontre reverbera��o nos meus escritos, assim como encontrei nos seus.
Com carinho,
Juliana Liconti
Performer-cart�grafa-pesquisadora-docente.
Florian�polis, 27 de Outubro,
2019.
Queridas Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira, Performer-cart�grafa-pesquisadora-docente,
e outras leitoras e leitores,
Agrade�o imensamente �s duas pela
honestidade e delicadeza de suas escritas, senti vontade de continuar a
conversa, de pensar meu papel de pesquisadora em arte, de professora de Artes.
Se eu vou responder aos questionamentos levantados?�� N��
��� O����� S� E�
I .
Decidi que n�o farei o papel conciliador
daquela que responde com o coment�rio clich� e vazio �n�o h� uma resposta �nica,
muito menos respostas corretas�, porque isso j� sabemos. Ao inv�s
disso, decidi mostrar o meu lugar.
Sempre fui professora[1]. No ensino curricular,
trabalhei pouqu�ssimo tempo em escolas p�blicas como professora de artes (e de
ingl�s), mas trabalhei em escola particular de cidade metropolitana com alunas
e alunos de classe m�dia como professora de Artes no Ensino Fundamental II e
M�dio. Deixei as escolas em abril deste ano, porque tive a oportunidade de ser
contemplada com uma bolsa de doutorado.
Eu entendo bem como a escola � um espa�o
enlouquecedor, s�o muitas for�as atravessando. Coordena��o/dire��o n�o entende
teu trabalho. Dor de garganta e n�o ter tempo de fazer xixi. O mais dif�cil �
que voc� precisa ter muitas turmas de muitos alunos e alunas para conseguir
pagar as contas.� Uma atr�s da outra.
Nunca aprendi muito bem a desligar o
bot�o �planejar aula� e as aulas s�o
curtas. Muitas aulas. Muitas aulas interrompidas pelo sinal. Muita gente. Muita
muita muita gente com muita
hist�ria. Cada pessoa com uma experi�ncia, a��o. Vidas completamente distantes
da minha.
O que mais me assustou, de in�cio, foi a
n�tida diferen�a de comportamento e produ��o de conhecimento entre as crian�as
do quinto e sexto ano, por exemplo, e as/os jovens do Ensino M�dio. Elas t�o
propositivas, desbravadoras � com pensamento aos pulos, cheios de m�os, com
vozes altas, cantarolantes e por vezes incisivas � e
as/os jovens do Ensino M�dio com a autoestima no ch�o, com medo do que vai ser
depois que a escola acabar, sem produzir quase nada. O conhecimento parecia ora
estar longe deles e delas, ora era algo que j� �possu�am�. Para as/os jovens de
Ensino M�dio, conhecimento n�o era um processo, n�o havia investiga��o, existia
cumprir tarefas aparentemente in�teis (assim como diziam); jovens de 15, 16, 17
anos com pensamento sentado[2]. E a
culpa � de quem?
N�o sei. Quando se trata de artes vivas
(performance, teatro, dan�a), vejo sintomas recorrentes nas escritas sobre o
ensino das artes na escola: um qu� idealizador do espa�o escolar, uma cr�tica
ferrenha, uma aplica��o bastante intuitiva com pouca descri��o do m�todo, e o
que n�s temos em comum? O que sobra?� O
livro did�tico.
Eu baixei diversos livros, n�o s� os
utilizados pela escola, mas por v�rias institui��es, p�blicas e privadas. Achei
muita coisa boa no slideshare
(em ingl�s e espanhol - usava assim mesmo, �s vezes sem traduzir a priori), vale dizer que a maioria dos materiais
e das pr�ticas encontrados por mim, no entanto, s�o de Artes Visuais (novidade,
n�?).
A realidade de sala de aula muda de
acordo com diversos fatores e isso influencia demais o nosso planejar e o nosso
fazer. Em Curitiba (PR) as escolas p�blicas tinham (t�m?) aqueles televisores
laranja chamados TV Pendrive[3] em
toda sala de aula, j� em S�o Jos� (SC) as professoras e professores do col�gio
particular disputam a tapa o uso da sala de v�deo.
Nas escolas em que trabalhei, o que vejo
� um bando de gente se preocupando com conte�dos, e
pouqu�ssima preocupa��o no �como� fazer as coisas ou um �porqu�.
Eu vim da dan�a; meu pensamento tem
movimento, a performance � sim uma nova vis�o de mundo e n�o apenas um conte�do
do quarto bimestre do livro did�tico.
Fui ficando mais confiante como
professora de artes com o tempo, com anos, para ser honesta. Nos meus �ltimos,
posso dizer que comecei a entender melhor quais proposi��es minhas eram
interessantes (para mim, para as/os estudantes e para a escola).
Percebi logo que as alunas e alunos n�o
entendiam/ n�o se relacionavam com o que estava escrito nas apostilas. S� em
2017 que fiz do livro did�tico um aux�lio e n�o mais uma coisa para cumprir.
��
A professora acha que o livro � um Mang�[4]
escrito em japon�s, e que a gente que tem que traduzir � diziam os meninos do sexto ano.
O livro quase sempre se tornava, em algum
momento, parte da li��o de casa. Com as alunas e alunos do Fundamental II a
gente fazia a �tradu��o da mat�ria�, e a brincadeira com o Mang� � porque eu fazia muita coisa de tr�s-pra-frente. Eu ditava
textos que criava (�s vezes na hora) adaptados dos meus estudos, dos materiais
trazidos por alunas e alunos, das pesquisas que elas e eles faziam sobre o
conte�do.
�Acho que essa coisa de dividir a a��o entre
mim e as alunas e alunos quase que igualitariamente veio da minha forma��o como
professora de l�nguas � acredito em li��o de casa, em cadernos, e que aula ruim
� uma aula centrada na a��o do professor.
Nos �ltimos anos percebi que me
organizava a partir de grupos de trabalho �
as crian�as, as/os jovens e eu. Todas e todos n�s
t�nhamos a��es a serem feitas e estudadas, todas as aulas, pelo menos algum
grupo. Acredita?
No come�o isso era um trabalh�o, ficava
com bastante dor de est�mago, mas depois fui pegando o jeito, e tamb�m descobrindo quais alunas eram boas em tradu��o,
gest�o, proposi��o, s�ntese, oposi��o, etc. O importante � que a gente tenha
a��o e saiba que a execu��o tem etapas e precisa ser feita em coletivo. As
a��es �s vezes eram �bobas�: perceber de quantas formas podemos colocar e tirar
o t�nis, como criar m�todos, como perceber melhor o ambiente, como descrever
atrav�s de diversas m�dias. Isso tudo dependia do bimestre, da turma, do ano,
do que tinha no livro did�tico.
Pesquisar seres m�ticos para saber a diferen�a
entre eles e os seres hist�ricos; perceber tradi��es greco-romana, europeia,
africana, dos povos origin�rios; perceber como tanta coisa se repete, e se
assemelha com o seu lugar, o seu tempo, e como depois volta; pensar de fato
rela��es e diferen�as � a pintura corporal caiap�, a dos casamentos indianos e
das tatuagens Yakusa,
e as tatuagens t�m ou n�o rela��o?; pensar a viol�ncia, o nosso discurso, o
nosso lixo; entender nuan�as entre real e ficcional; descobrir poesia (nas coisas,
nas a��es, nos livros, nas m�sicas e na internet); entender que tem muita coisa
no Google, mas n�o tudo; entender que precisamos desconfiar do Google a partir
de debates sobre as obras, vida e morte do Van Gogh, da Frida Kahlo, etc.
Trabalhar o sonho, o non-sense, o dada�smo; trabalhar a met�fora e os s�mbolos,
e os nossos segredos, o compartilhar e o proteger; propor e bancar; pedir
desculpas; propor solu��es.
Com as turmas do Fundamental II � sextos,
s�timos, oitavos, nonos � eu tinha duas aulas por semana (incr�vel, n�?) ent�o
cada m�s eu trabalhava (pelo menos mais profundamente):� um tema; um(a) artista consagrado(a); um(a)
artista/ grupo contempor�neo/a (de prefer�ncia brasileiro/a);� uma t�cnica.
No Ensino M�dio eu tinha metade da carga
hor�ria de aulas � o que me deixava muito frustrada no in�cio. Al�m de levar em
considera��o o que as pessoas (a dire��o da escola, os pais e m�es) conhecem e
esperam de uma aula de artes, as coisas que acreditamos serem importantes numa educa��o libertadora[5], tinha que lidar com o
sinal, e turmas com muita muita muita
muita muita gente. Um
des�nimo por parte das alunas e alunos. Assustador!
Depois que descobri as estimativas de
taxa de suic�dio entre jovens no Brasil[6] fiz um projeto de
produzir segredos an�nimos baseada no projeto estadunidense PostSecret[7], para criar um tipo de movimento, para mostrar que estamos juntos
e juntas, que seu segredo � meu segredo, ou talvez seja, j� que n�o sei mesmo
se aquele segredo dif�cil � o seu.
Eu sinto que minha �miss�o� enquanto
professora de artes � ensinar a pesquisar, artista � um/a investigador/a, e
quase todo mundo tem um lado pesquisador/a dormente.� E n�s, artistas-etc[8],
somos muitas coisas interligadas, n�o-contrapostas, ao mesmo tempo.
Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira,
Performer-cart�grafa-pesquisadora-docente, artistas-etc,
seu trabalho � important�ssimo. � mais
f�cil ver o que funciona depois das f�rias.
Ser professora de
artes � o exerc�cio de um pensamento n�o objetivista que parte do pessoal, do
coletivo, da a��o. Ser professora � estar professora, e estar em movimento.
Espero que voc�(s) venha(m) a receber
mais cartas al�m da minha, afinal somos muitas artistas-etc
por a�, fazendo trocentas coisas, inclusive fazendo pesquisas e agindo em sala
de aula.
Que possamos compartilhar mais nossos
caminhos.
Com carinho,
Ines Saber
Pesquisadora-Artista-Desterrada
Curitiba, 23
de abril de 2020
Queridas Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira,
Pesquisadora-Artista-Desterrada e demais leitoras,
Faz quase cinco meses que
escrevi a �ltima carta e, como estou com a minha pesquisa de doutorado em
andamento, cujo tema toca nas quest�es que estamos discutindo por meio destas
cartas � a performance no processo de ensino-aprendizagem �, muita coisa mudou
de l� para c�. Mesmo sem saber se a equipe editorial do dossi� de escrita
performativa e da revista v�o aceitar e incluir esta nova carta, resolvi
escrev�-la.
A professora-performer
Luciana Lyra, durante a disciplina Paradigmas das Antropologias e Filosofias
na Tecedura da Performatividade, vinculada ao
Programa de P�s-gradua��o em Artes da UERJ, dizia que o prefixo per de per.formance est� associado � experi�ncia
(atravessamento), por isso decidi tomar esta posi��o per.igosa,
assim como a performance pode ser, de escrever e propor a adi��o de mais uma
carta a um texto cuja corre��o j� foi conclu�da e s� falta a autoriza��o das
autoras para a publica��o.
Eu n�o havia lido a carta
da Pesquisadora-Artista-Desterrada e a problematiza��o que ela fez da escrita
sobre o ensino das artes na escola, em especial a car�ncia da descri��o de
m�todos, me instigou a compartilhar o que tenho investigado a esse respeito.
A
Artista-Professora-Pesquisadora-Mineira escreveu que busca trazer os conte�dos
da Hist�ria da Arte por meio do corpo e eu tenho experimentado justamente um
modo de fazer isso que vou aqui descrever para disparar outros modos de fazer
em quem porventura entrar em contato com estes escritos.
A pesquisadora Diana
Taylor (2013) comenta que a dizima��o
cultural-ecol�gica-econ�mica-emocional-epist�mica-hist�rica-religiosa-social...
produzida pela coloniza��o acarretou, entre outras coisas, em uma diferen�a de
legitimidade social entre arquivo (materiais mais duradouros, como textos,
monumentos, fotografias etc.) e repert�rio (mat�rias encaradas como ef�meras,
como cerim�nias, rituais, dan�as, a linguagem falada, gestos etc.).
Arquivo, etimologicamente,
refere-se a um lugar de conservar registros, tamb�m pode significar um come�o,
um certo pioneirismo. Ante essas informa��es, Taylor conclui: �o arquival, desde o come�o, sustenta o poder� (2013, p. 49).
Justamente por sua propriedade de conserva��o, ele possibilita a dist�ncia no
tempo e no espa�o, permite a separa��o da fonte de conhecimento da conhecedora[9].
Por outro lado, por mais que resista no tempo-espa�o, n�o est� dado, o contexto
modifica a apreens�o e o modo como o arquivo ser� ou n�o incorporado.
Etimologicamente, segundo
a autora, repert�rio refere-se �quela que encontra, uma descobridora.
Repert�rio tamb�m requer presen�a, � preciso implicar o corpo para cultivar um
repert�rio. Ele se atualiza a cada vez que � performado e seu processo de
aprendizagem � mediado, ou seja, tal como o arquivo, o processo de sele��o,
corporifica��o e transmiss�o ocorre no interior de estruturas e c�digos. Taylor
faz uma defesa do repert�rio como uma pr�tica incorporada, um modo de conhecer
e transmitir conhecimento.
Comecei a explicar as
no��es de arquivo e repert�rio porque tenho entendido o processo de
ensino-aprendizagem como um tr�nsito entre eles. Como transformar um livro
did�tico (arquivo) em repert�rio? Penso que a performance, o engajamento
corporal, � um dos meios que pode propiciar esta transforma��o.
No di�logo com os
repert�rios que estudantes disp�em, apresentar novos arquivos a partir de
programas performativos[10].
Estes proporcionam a transforma��o do que antes era uma mera informa��o,
conte�do, em uma experi�ncia[11].
Para abordar o
expressionismo, por exemplo, propor um roteiro com a��es simples que disparem
diferentes sensa��es para que discentes possam perceb�-las, mape�-las e
encontrar um modo de express�-las, seja pela escrita, desenho, fotografia,
v�deo etc.
Imagem 1 � fotografia de um exerc�cio.� Acervo pessoal.
� certo que um exerc�cio
deste n�o est� colocando as alunas em contato com o expressionismo e sim
construindo um saber da experi�ncia, permitindo uma conex�o com as pr�prias
sensa��es, mas poderia ser uma porta de entrada.
Taylor (2013) sugere a
utiliza��o de roteiros como t�tica para ativar repert�rios. Roteiros s�o
simultaneamente arquivos e repert�rios. Um roteiro � feito para ser agido:
invoca lugares f�sicos; situa a presen�a de cada performer; reativa uma
situa��o, repete-a, sem copi�-la. Embora possua uma estrutura, � male�vel a
modifica��es.
Esta no��o de roteiro como
um meio de transmiss�o de repert�rio me fez pensar em um equivalente poss�vel
no campo da arte da performance � o re-enactment.
O surgimento desta pr�tica data de 2005. Na �poca, Marina Abramovic
prop�s ao Guggenheim Museum a s�rie Seven easy pieces na qual a performer escolheu cinco performances
das d�cadas de 60 e 70 para refazer, al�m de duas que ela mesma havia criado.
Para Tania Alice (2011), o
re-enactment pode ser encarado como uma
maneira de conserva��o ao vivo de uma performance. Implica corpo. � uma forma
de mem�ria que traz � tona uma presen�a. Considero o re-enactment
um dispositivo pedag�gico poderoso na medida em que proporciona a realiza��o de
um roteiro de a��es proposto por outra artista, eventualmente em outro tempo e
contexto sociocultural, atualizado para outro tempo-espa�o. Alice afirma que o re-enactment � como um di�logo entre a artista que
refaz e a que originalmente executou a performance.
Conversando com meu
parceiro de trabalho Diego Baffi sobre estas quest�es
que t�m me povoado ele fez a seguinte pergunta/provoca��o: �o que aconteceria
se a gente pesquisasse os modos de fazer de determinado artista, experimentasse
esse modo sem conhecer seus resultados, chegasse em resultados e s� ent�o
conhec�ssemos os resultados que o artista chegou? O quanto essas diferen�as
mostrariam a influ�ncia do Zeitgeist, da
cultura e da biografia em cada uma das obras?�. Eu fiquei bastante estimulada a
experimentar isso como um programa performativo. Considerando que a forma de um
trabalho art�stico se constr�i a partir do processo de cria��o, performar o
modo de fazer de uma artista � uma das maneiras poss�veis de promover um
processo de ensino-aprendizagem incorporado.
Enfim, espero que estes
pensamentos ainda insipientes de uma pesquisa de doutorado em andamento possam
alimentar ainda mais esta discuss�o e que tenhamos mais oportunidades de
di�logo.
Com carinho,
Juliana Liconti
Performer-cart�grafa-pesquisadora-docente
Bras�lia, 29 de maio de 2020
Queridas pesquisadoras-artistas-professoras
e demais leitoras,
Os conte�dos de todas as
cartas aqui expostas me tocaram profundamente e me apresentaram possibilidades
potentes em rela��o � �como� encarar (com leveza e criatividade tamb�m) o
cotidiano de uma professorartistapesquisadora
� denomina��o que me cabe e me acolhe desde sempre, independente da minha
forma��o acad�mica.
Eu poderia fazer da minha
carta uma resposta a todas voc�s e, de fato, o assunto sobre como tudo poderia
vir a ser a partir, com, sob o �corpo� me anima e me inspira. No entanto, neste
momento, estou motivada a escrever-lhes sobre como nasceu a professorartistapesquisadora
Raquel, apresentar a voc�s e aos leitores um processo que n�o foi linear,
tranquilo e que aconteceu cheio de percal�os, d�vidas e aprendizados. Me
interessa falar de processos, sempre. E, a partir da experi�ncia relatada aqui,
acredito (desejo!) que possamos fazer uma reflex�o acerca desse papel, do que
ele representa para n�s, de como ele se d� para cada uma. E se for de uma forma
diferente, que �timo, por que n�o?
Por onde tudo come�ou...
Comecei a minha vida
art�stica fazendo aulas de bal� cl�ssico. Quando passei a frequentar a escola,
iniciei minha experi�ncia com o teatro (tive o privil�gio em ter aulas de Artes
de alt�ssimo n�vel durante toda a minha vida escolar). Com 8 anos, fui
protagonista de uma pe�a de teatro, a qual foi apresentada em um bairro
perif�rico da cidade de Porto Alegre. Eu precisava realizar trocas de
camisetas, pois a minha personagem era um camale�o e lembro que adorei fazer
isso atr�s das ��rvores� representadas por outros colegas.� Anos depois, durante o antigo segundo grau
(hoje ensino m�dio), dirigi uma pe�a de teatro em um festival e ganhei pr�mios.
Eu tinha apenas 14 anos e j� sabia que a arte havia chegado na minha vida para
ficar: dan�a e teatro configuraram-se como atividades essenciais durante toda a
minha inf�ncia e adolesc�ncia. Nascia a� a Raquel artista.
Enfim, a faculdade t�o
sonhada (antes de ingressar nela, me formei em Jornalismo um tanto quanto �
contragosto, confesso)
Fiz gradua��o em teatro �
bacharelado em dire��o teatral e, ap�s a conclus�o, apareceu uma vontade imensa
de enveredar pelo mestrado. Mas da� pensei: �se eu fizer um mestrado, � porque
quero ser professora. Mas ser� que eu quero isso?�
(Quando fiz vestibular,
coloquei a op��o licenciatura, no entanto, no decorrer do curso eu troquei para
bacharelado pois estava apaixonada pelos processos de dire��o teatral. Lembro
como se fosse ontem da entrevista a que fui submetida para a troca. O professor
entrevistador me perguntou v�rias vezes se eu tinha certeza daquilo, pois o
mercado de trabalho para um licenciado era bem maior. Mas eu nem pensava em ser
professora. N�o estava nos meus planos. Naquele momento, eu n�o pensava em
ganhos materiais, somente em ser feliz dirigindo pe�as. Eu achava que a
oportunidade de experimentar a dire��o teatral era ali na faculdade, naquele
momento)
Voltando ao processo de
ingresso (ou n�o) no mestrado...
N�o passei na primeira
sele��o. Meu projeto estava completamente voltado aos processos de dire��o
teatral. De fato, n�o sentia que havia pesquisa na minha proposta.� Acho que, naquela �poca, eu nem sabia
exatamente o que era pesquisa.
Eis que um ano sab�tico
irrompe (sabe aqueles momentos em que tudo p�ra e
voc� n�o faz ideia por qual caminho seguir?). Eu n�o estava motivada a escrever
outro projeto, eu n�o tinha emprego, estava perdida. N�o havia Raquel artista,
nem pesquisadora.
No in�cio do ano seguinte,
me deparo com uma chamada para a Escola Livre de Dan�a de Porto Alegre. Meus
olhos brilharam, mas, ao mesmo tempo, pensei: �Como eu vou voltar a dan�ar aos
32 anos? Ser� que ainda consigo?�. Me inscrevi. Dias depois, recebi um
telefonema do coordenador do projeto me perguntando sobre disponibilidade.
Falei que estava cem porcento interessada, mas tamb�m disse a ele que fazia
muito tempo que n�o dan�ava. Parece que isso n�o foi empecilho. Durante o ano
de 2008, fiz parte da Escola Livre de Dan�a de Porto Alegre, na qual eu dan�ava
praticamente o dia todo, pois havia aulas de v�rias t�cnicas e participei
tamb�m do Grupo Experimental dan�ando um espet�culo no final do ano. Eis a
Raquel artista de volta.
A partir dessa experi�ncia
e de volta � dan�a, resolvi escrever meu projeto de mestrado. N�o havia como
ser diferente. Eu estava encantada com essa nova vis�o sobre a dan�a, com essa
possibilidade de a dan�a n�o ser somente para corpos padr�es. Estava seduzida
pela pesquisa em/com/sobre dan�a contempor�nea e foi com um projeto sobre ela
que, finalmente, ingressei no mestrado.
Nascimento da pesquisadora-artista,
de fato.
Atuar no Grupo
Experimental de Dan�a e estar pesquisando sobre ele, ou seja, constituir-me
como uma observadora participante deflagrou um processo intenso, pois, ao mesmo
tempo em que investigava os pap�is do core�grafo e dos dan�arinos nos processos
do Grupo, estava encantada por tudo aquilo. Em raz�o disso, o senso cr�tico n�o
me acompanhava. N�o que tivesse algo que me incomodasse. Eu achava tudo
perfeito, aquele era o meu mundo ideal de dan�a (estudos, processos,
experimenta��es). Para a pesquisa, talvez um distanciamento fosse o mais
indicado, ou n�o... Meu processo foi este.... nascia a pesquisadora-artista-apaixonada-pela-pr�pria-pesquisa.
No mesmo ano em que
defendi o mestrado (2011), fiz um concurso para professora substituta no curso
de licenciatura em dan�a da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul
(UERGS). Eis que, ent�o, nasce a professora-artista.
Aprendi (e aprendo) a ser
professora na troca com meus alunos. Comecei a minha trajet�ria docente a
partir do encontro com eles/elas. Estou em constante reinven��o. N�o h�
possibilidade de acomoda��o. Me sinto muito mobilizada, desafiada e provocada
e, nunca, sossegada. Decidi, a partir do momento em que me tornei
professora-artista, que assumiria riscos, trabalharia de forma ousada, pois, no
meu ponto de vista, o fato de ser professora e artista ao mesmo tempo pede
a��es como o est�mulo � criatividade, provoca��o, escuta e cuidado. A
professora-artista � uma super hero�na? N�o, � uma simples humana que acredita
no potencial do ser humano.
Queria apresentar a voc�s
o meu entendimento da palavra �artista� para que possamos, quem sabe,
desmistificar quest�es a respeito do que venha a ser um professor-artista. A
vejo como um agente de qualifica��o, ou seja, o �estado art�stico� como uma
condi��o da atua��o do professor. Condi��o que n�o � sin�nimo de exig�ncia,
sen�o uma circunst�ncia desejada e libertadora. Fluindo por essa possibilidade
artista enquanto docente, os modos de a��o em sala de aula se reinventam a todo
instante, ainda mais se quisermos compreender a palavra �artista� com sentido
mais aproximado ao de artes�o do que de g�nio. Olhando pelo vi�s do professor-artista
como artes�o, � poss�vel imaginar um constante fazer, um permanente repensar
dos procedimentos.
Ap�s esta experi�ncia,
ingressei no doutorado na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Meu
projeto estava centrado na dan�a, na ideia de reorientar processos art�sticoeducacionais em dan�a contempor�nea a partir de
uma proposta po�ticopol�ticopedag�gica. Neste
momento, a professorartistapesquisadora
tornou-se uma s�, insepar�vel, ou seja, eu n�o me via mais s� professora ou s�
artista ou s� pesquisadora. Era tudo junto sempre, toda hora e em todo o lugar.
Tamb�m passei a usar os nomes unidos na escrita para tentar dar conta deste
sentimento. N�o sei se d�, mas me faz bem.
Ainda durante o doutorado,
tive uma experi�ncia muito marcante em rela��o � doc�ncia. Fui professora do
Ensino M�dio T�cnico Integrado (An�lises Cl�nicas, Vigil�ncia em Sa�de e Meio
Ambiente) e EJA (Enfermagem) no Instituto Federal de Goi�s � campus �guas
Lindas. Eu j� havia desenvolvido toda a parte pr�tica da minha pesquisa em
Florian�polis (que foi realizada com dois grupos: um com pessoas de 19 a 26
anos e outro com pessoas a partir de 50 anos), ou seja, estava dando aulas e
escrevendo a tese. Entretanto, as experi�ncias com os alunos do ensino m�dio
fizeram com que eu enxergasse na pr�tica v�rios conceitos sobre os quais eu
estava refletindo como, por exemplo: invers�o do sentido de beleza,
singularidade, performatividade, pot�ncia, entre
outros[12].
Naquele momento, pude perceber que a pesquisa n�o ia parar. As quest�es
continuavam borbulhando e eu ia me deparando com elas todos os dias. Isso foi
uma surpresa e um grande aprendizado. Sabia que aquela experi�ncia n�o teria
espa�o na tese de doutorado, mas me comprometi a escrever sobre ela,
posteriormente.
Vejo o
professor-pesquisador (da dan�a, neste caso) como aquele que se prop�e a
investigar constantemente procedimentos e estrat�gias que conversem com o
contexto dos seus alunos, que os auxiliem a produzir uma rela��o de confian�a
entre ele, a dan�a e o aluno, que despertem curiosidade pelos processos de
composi��o, que mostrem caminhos nem sempre seguros, mas cheios de
potencialidades, de conhecimento, de experi�ncias. Esse professor est� disposto
a se arriscar, pois entende que o processo de ensino-aprendizagem s� � vivo e
ativo quando permite riscos, quando est� caracterizado por uma atmosfera de
pesquisa e explora��o.
Seis meses se passaram e
eu, enfim, assumia como professora efetiva do Instituto Federal de Bras�lia
(IFB). Estou l� desde janeiro de 2018. Posso dizer que me sinto a professorartistapesquisadora que sempre sonhei em
ser (e que est� em constante aprendizado sempre). A professora que se sente
aut�noma para propor seus processos mais insanos aos alunos. A artista que
dan�a junto aos alunos - nas aulas e at� em apresenta��es. A pesquisadora que,
agora, fazendo parte de um grupo de pesquisa �oficial� ligado ao CNPQ, continua
ousando, arriscando, provocando a investiga��o junto a outras colegas
professoras e a alunos do curso e egressos.
Termino por aqui o meu relato de experi�ncia
e deixo algumas quest�es para que possamos refletir, talvez, em outro
espa�o-tempo ou ainda aqui. N�o sei. N�o sabemos. Deixemos que reverbere, se
assim tiver que ser.
O que � ser pesquisadora?
O que � ser professora? O que � ser artista?
Como esses pap�is
aconteceram/acontecem nas suas vidas?
Com carinho,
Raquel Purper
Professorartistapesquisadora
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27/27156/tde-24092019-163910/pt-br.php. Acesso em: 14
nov. 2019.
[1] Quase nada disso est� no meu Curr�culo Lattes, vou tentar resumir minha atividade docente, n�o
necessariamente em ordem cronol�gica: mais de cinco anos como professora de
dan�a, de artes, de ingl�s em pr�-escolas; mais de dez anos como professora de
artes, escrita, dan�a em escolas espec�ficas, institutos privados e
institui��es p�blicas, com oficinas e cursos de curta, m�dia e longa dura��o,
para universit�rias, para jovens, para idosas;
e tamb�m por um curto e traum�tico tempo, como professora de teatro no ensino
curricular para as primeiras s�ries do Fundamental I.
[2] O comunic�logo Norval Baitello J�nior explica, em seu livro
hom�nimo (2012), que o ser humano alcan�ou o estado civilizat�rio desejado, e
agora sua percep��o est� reduzida ao que chega a este corpo quase im�vel,
sentado em frente a televisores, computadores, em sof�s, poltronas e carteiras de salas de
aula. Por consequ�ncia, h� uma redu��o consider�vel no pr�prio pensar, subtra�do
de caracter�sticas naturais dos seres humanos (ex. a imprevisibilidade e a
inventividade), anestesiado, sedent�rio.
[3] Televis�es com entrada USB e conex�o universal,
desenvolvidas exclusivamente para o Estado do Paran� durante o governo de
Roberto Requi�o - uma m�o na roda para dar aulas, mostrar v�deos, imagens.
[4] Hist�rias em quadrinhos feitas no estilo
japon�s (e que d�o origem aos Animes),
apresentam uma ordem de leitura inversa � que seguimos na cultura ocidental
-� a leitura das p�ginas feita da direita
para a esquerda, daquilo que entendemos como contracapa, at� chegar � capa.
[5] Fa�o alus�o a Paulo Freire, seus pensamentos
sobre as diferentes formas de opress�o, de domina��o e de exclus�o no mundo
neoliberal a partir dos livros Pedagogia da Autonomia: saberes necess�rios �
pr�tica educativa(2004) e Pedagogia do Oprimido (2004).
[6] Segundo
a OMS, provocar o fim da pr�pria vida est� entre as principais causas de morte
entre jovens de 15 a 29 anos. Not�cia dispon�vel em:
[7] Desde 2007, Frank Warren, fundador desse projeto de
arte comunit�ria, tem recebido milh�es de cart�es postais an�nimos contendo
segredos. Cada submiss�o de um postal � uma obra de arte �nica feita � m�o por
pessoas que precisavam compartilhar seus segredos. Aos domingos alguns deles
s�o selecionados e postados na p�gina:�
https://postsecret.com/
[8] Termo
cunhado por Ricardo Basbaum, apresentado no texto Eu amo os artistas-etc (2005) como aquele que traz para o primeiro
plano conex�es entre arte&vida e arte&comunidades,� questionando a natureza e a fun��o de seu
papel e n�o apenas sua produ��o art�stica.
[9] Opto pela flex�o no feminino ainda
que me refira a grupos compostos por mulheres e homens, como estrat�gia de
explicitar o falocentrismo da linguagem e como exerc�cio para desacostumar esse
padr�o em mim e na leitora.
[10] Programa Performativo � uma no��o difundida
pela pesquisadora Eleonora Fabi�o (2008; 2013). Trata-se do enunciado da
performance. A autora sugere que o programa seja sint�tico e esteja escrito no
infinitivo, por exemplo: Dispor em pra�as da cidade dois banquinhos, uma caixa
de correspond�ncia e uma placa com os dizeres: Escrevo cartas que n�o ser�o
entregues. Sentar-se em um dos bancos e esperar, cumprimentando as pessoas que
passam (programa da a��o Cartas Extraviadas que realizo desde 2013). No
ambiente de sala de aula tamb�m utilizo o enunciado em forma de instru��o, com
frases imperativas, aos moldes das instru��es Fluxus: �Pe�a Luz. Acenda um
f�sforo e observe-o at� acabar (YOKO ONO, ver�o, 1953)� (LIMA, 2009, p.266).
[11] No sentido atribu�do por Jorge Larrosa Bondia: �o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca� (2002, p.21).
[12] Para saber mais, acesse: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00005f/00005f2c.pdf