Breves relatos de uma bailarina gorda

Stories of a fat ballerina

Jussara Belchior Santos

Bailarina gorda. Em seu trabalho solo Peso Bruto (2017) investiga sobre os tabus e preconceitos sobre as gordas. Mestra (2017) e Doutoranda em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) com a pesquisa Investiga��es pesadas. Pesquisadora da dan�a, diretora, assistente de dire��o, interlocutora e cr�tica em parceria com outras artistas. Integrou o elenco do Grupo Cena 11 Cia de Dan�a entre 2007 e in�cio de 2018. Interessa-se po�ticas e pol�ticas de movimento e posicionamento atrav�s da dan�a

jusbelchior@gmail.com � https://orcid.org/0000-0002-8592-6229

 

Resumo

Este texto apresenta uma cole��o de fragmentos a respeito do fazer art�stico-acad�mico da bailarina gorda Jussara Belchior. A escrita trata de quest�es que discutem e interseccionam a gordofobia como a cria��o coreogr�fica do trabalho solo Peso Bruto (2017), a no��o de representatividade gorda, experi�ncias de inven��o e reflex�o sobre os modos de fazer (arte e pesquisa), um referencial gordo que cruza diversos campos do conhecimento, saberes que se constituem pela proposi��o de que o pessoal � pol�tico, de Carol Hanisch e uma escrita bruta que se d� atrav�s de procedimentos da pr�tica em dan�a da autora

Palavras-chave: Escrita e arte. Performatividade (Filosofia). Discrimina��o contra pessoas com sobrepeso. Performance (Arte).

 

Abstract

This text presents a collection of fragments about the artistic-academic research of fat ballerina Jussara Belchior. The writing deals with issues, discussions and intersections of the fat phobia such as the choreographic creation of the solo piece Peso Bruto (2017), fat representation, experiences of invention and reflection on the ways of creating (art and research), fat references that crosses several fields of knowledge, informations constituted by the proposition personal is political, by Carol Hanisch and a gross writing that takes place through the author's dance practice procedures.

Keywords: Writing and art. Performative (Philosophy). Discrimination against overweight persons. Performance art.

 

 

DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0024

 

 

Recebido em: 10/06/2020

Aceito em: 13/07/2020


 

 

Mapa da gordura

[ou Apresenta��o]

 

Esta � uma cole��o de relatos, ensaios, contos, reflex�es, listas e desabafos sobre um fazer art�stico-acad�mico. Os pequenos textos tratam de coisas do passado, do presente e do futuro da pesquisadora. N�o s�o fragmentos ligados por uma continuidade [nem temporal, nem argumentativa], tal formato permite uma leitura n�o linear, entre saltos, interrup��es e vai e vem. Nesta experi�ncia: a cor das p�ginas atua como forma de trazer unidade, de modo a abra�ar uma pluralidade que n�o cabe apenas em um t�tulo generalista; as diferentes cores das letras s�o interven��es que marcam justificativas, reflex�es e deboches que ocorreram durante a escrita e a formata��o centralizada � escolhida por apresentar um texto gordo, cheio de curvas e dobras, como um corpo fora do padr�o. O que une esses textos � o modo como as tem�ticas atravessam o corpo da autora. Da brutalidade do corpo e da escrita, da inven��o de outros modos, da rela��o com o tempo e da dan�a em Peso Bruto. Quest�es que se entrela�am e desdobram em problematiza��es de uma artista-acad�mica bailarina gorda.

 


 

Tempo de artista-acad�mica[1]

 

J� se foi o primeiro ano de doutorado. Agora j� � tempo de pensar na qualifica��o, na escrita, nos livros e artigos empilhados na mesa ou salvos no computador. Em um ano muita coisa muda: as disciplinas influenciam, descobrem-se refer�ncias muito relevantes, pessoas cruzam nosso caminho sugerindo coisas e despertando d�vidas. A pesquisa ora trava, ora desata a andar loucamente. � preciso calma [talvez n�o seja s� calma] para se organizar, para dar conta das leituras, do grupo de estudos, dos eventos acad�micos, dos prazos e burocracias. Mas n�o � s� isso, al�m da vida acad�mica, tem mais a vida de artista. Ali�s, vida acad�mica (desta autora) s� existe por causa da vida de artista. Ent�o, administrar o tempo envolve tamb�m os ensaios, as apresenta��es, os projetos art�sticos para encaminhar para editais, as fichas de inscri��es de mostras e festivais, ler e responder e-mails de produ��o. Ufa! Agenda, � imprescind�vel aprender a usar a agenda [ou um aplicativo de tarefas, ou inventar algum m�todo de anota��o que ajude]. [Estou usando uma caderneta em que todos os dias anoto o que tenho que fazer. Ordeno as tarefas pelos prazos. Risco as coisas que finalizei. No dia seguinte crio uma lista repetindo itens n�o cumpridos e inserindo tarefas]. � preciso encarar o tempo. Tempo de artista. Tempo de acad�mica.

 

N�o pelo tempo mas pelo ac�mulo de fun��es, cabe aqui a proposi��o do artista e professor Ricardo Basbaum sobre a no��o de artista-etc[2]. Antes, seria mais justo apresent�-lo segundo seus termos: o artista-etc Ricardo Basbaum prop�e que artistas-etc tragam �para o primeiro plano conex�es entre arte&vida e arte&comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferen�as culturais e sociais, e o pensamento�. Em outras palavras, ser artista-etc implica um modo de operar que est� sempre a refletir e questionar sobre o seu fazer.

 

Artista-etc. Artista-acad�mica (ressaltando especificidades).

 

Administrar uma vida art�stico-acad�mica � muito desgastante, por�m, indispens�vel para algumas (como para esta autora). Tal complexidade se verifica na constante sensa��o de se estar vivendo duas vidas [ou etc vidas], mesmo que uma esteja implicada na outra. Um final de semana, por exemplo, pode se dividir entre descanso, estudos e tempo de lazer com familiares e amigos. Ou um final de semana pode se dividir entre tempo de viagem, montagem, aquecimento, apresenta��o e viagem de volta. � ineg�vel (no caso desta artista-acad�mica) que a experi�ncia de estar em cena colabora com as quest�es da tese em constru��o. Contudo, acumula-se o cansa�o e a leitura. Por um momento tal ac�mulo passa a ser sentido como uma trai��o [!!!]. � coisa demais, falta bra�o, falta corpo e falta tempo. Tem tamb�m a culpa [aquela aprendida na cria��o cat�lica]. Culpa de gastar o tempo fazendo coisas desimportantes, culpa de empilhar a lou�a do caf� da manh�, almo�o e janta na pia da cozinha, culpa de assumir muitos compromissos. (Os mesmos erros da �poca do mestrado). Muitas apresenta��es, uma rotina de ensaios intensa, a sensa��o de trair a pesquisa acad�mica e de perder o controle do tempo. Vida dupla. Ser� que � poss�vel levar essa vida dupla? Talvez o problema seja encar�-la como dupla.

 

Este texto � um exerc�cio para isso, para romper essas dualidades. � preciso reaprender a lidar com o tempo. Sim, h� prazos a serem cumpridos, mas o tempo da produtividade art�stico-acad�mica precisa encontrar o seu jeito. N�o se trata apenas de passar algumas noites sem dormir, escrevendo durante as madrugadas. N�o � sobre correr atr�s do tempo perdido ou ganhar tempo. � sobre entender um outro tempo. Tempo de artista-acad�mica. [N�o � o objetivo aqui aprofundar a reflex�o sobre o tempo (dura��o[3] e irreversibilidade[4]). Por ironia, n�o h� tempo suficiente para isso]. Importa entender que para ser artista-acad�mica � necess�rio administrar o tempo em inconst�ncias. Cada pessoa tem que descobrir suas varia��es, como atribuir prioridades e como cumprir prazos. � como entrar em um jogo de manipular e ser manipulado pelo tempo.

 


 

�45 minutos trabalhando em um par�grafo de 11 linhas e ainda assim ficar feliz, orgulhosx e aliviadx quando ele fica pronto.

escrever��

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Princesa Ricardo Marinelli

 


 

Entre os talheres e as panelas

 

Ela lavava a lou�a, eu enxugava e guardava. Mas tinha uma espera entre isso. Entre os talheres e as panelas, sempre tinha espera. Nessa espera eu dan�ava. Apoiava os bra�os na beirada da pia e come�ava a tran�ar as pernas. Eu imaginava uma videodan�a quando eu nem sabia que isso existia. Um enquadramento s� das pernas. Uma passada larga da perna direita para o lado. A perna esquerda se aproxima lentamente, arrastando os dedos do p� no ch�o. Mantenho os p�s pr�ximos. P� direito inteiro no ch�o e p� esquerdo apoiado pelo metatarso, o calcanhar est� fora do ch�o. O joelho esquerdo est� um pouco dobrado. Flexiono ainda mais o joelho esquerdo arrastando o p� pela minha perna direita. Apoio o peito do p� esquerdo nas costas do joelho direito. Pauso. Des�o rapidamente a perna esquerda e assim que meu p� esquerdo toca o ch�o levanto o p� direito. R�pida substitui��o da perna de apoio. Fico com a perna direita suspensa a poucos cent�metros do ch�o. Direciono o p� direito para tr�s na diagonal esquerda, cruzando as pernas. Crois�. Os dois p�s est�o apoiados no ch�o e as duas pernas esticadas. Dobro lentamente o joelho esquerdo para aumentar a dist�ncia entre as pernas. Allong�. Lan�o meu peso para a perna direita me afastando da pia. Dou um passo para frente e pego a escumadeira. Seco-a e guardo-a na gaveta. Levanto o calcanhar esquerdo do ch�o. Inclino meu corpo reto para a direita. Continuidade e recome�o. A dan�a que descrevo aqui � mem�ria inventada revisitando, n�o os passos que eu dan�ava em minha adolesc�ncia, mas um modo de dan�ar. Dan�a entrecortada pelo tempo e pelo pano de prato. Dan�a-atravessamento nas tarefas dom�sticas. (As tarefas dom�sticas realizadas pelas mulheres da casa!)

 


 

Brutalidade

[ou Representatividade gorda]

 

Minha pesquisa parte da experi�ncia em Peso Bruto[5], um solo que trata do estranhamento do corpo gordo na dan�a. A proposta [da tese] � discutir alguns assuntos que t�m se mostrado chave, como representatividade gorda, empoderamento gordo e gordoativismo na arte. Para este texto trago refer�ncias de vil�es e her�is de hist�rias em quadrinhos e anima��es (refer�ncias da minha juventude, que colaboraram no meu entendimento sobre o que � ser gorda) para problematizar a ideia de corpo gordo em nossa sociedade.

 

- Hulk e o Coisa

Ap�s um acidente em seu laborat�rio de pesquisa, o cientista Bruce Banner ganha o poder de transformar-se em Hulk[6], uma criatura verde, de for�a extrema e com o maior fator de cura entre os personagens da Marvel (maior que o do Wolverine!). No entanto, nem sempre � uma escolha de Banner transformar-se em Hulk. A grande criatura toma conta quando o cientista est� furioso e quanto mais ele se irrita mais ele ganha for�a, causando assim muita destrui��o ao seu redor.

O Coisa[7] � outro her�i grande que age com sua for�a f�sica e um certo descontrole. O integrante do Quarteto Fant�stico se torna uma criatura mais dura que pedra. O curioso � que, embora Ben Grimm tenha adquirido seus poderes no mesmo acidente de radia��o que seus parceiros, o Coisa � o �nico deles que n�o consegue alternar sua apar�ncia entre humano e criatura. A problem�tica de seu aspecto monstruoso se intensifica quando o Coisa come�a a namorar uma mulher cega. Ela � a �nica que n�o se incomoda em se relacionar com o homem de pedra, s� ela � capaz de perceber beleza na materialidade daquele corpo que ela conhece pelo toque.

Embora Hulk e o Coisa sejam her�is com poderes incr�veis, eles causam destrui��o por onde passam e refor�am, assim, a percep��o de que esses corpos s�o incapazes de controlar suas a��es. Al�m disso, a imagem desses personagens corpulentos e, consequentemente, destruidores afasta-os da no��o de humano para aproxim�-los do monstro. A desumaniza��o dos corpos volumosos que perpassa essas narrativas acaba por reverberar nas rela��es com os corpos gordos do cotidiano.

 

- Rei do Crime

Na dire��o contr�ria, o Rei do Crime[8] exibe seu corpo volumoso com muito controle e precis�o. Wilson Fisk trilhou seu caminho at� se tornar o chefe do crime organizado na cidade de Nova Iorque. Sua for�a f�sica n�o adv�m de nenhum poder sobre-humano, no entanto, ele � capaz de esmagar e arrancar partes do corpo de seus advers�rios. Sua a��o � sempre pontual e controlada. Al�m disso, ele tamb�m exerce seu poder criando estrat�gias e delegando tarefas.

A for�a do Rei do Crime contribuiu durante o processo de Peso Bruto para pensar uma brutalidade que n�o estivesse condenada ao descontrole. Ainda que eu n�o seja uma vil�, minha dan�a navega entre a for�a, o controle, estrat�gias e sutileza.

 

- Rose Quartz

Como continuidade da pesquisa, interessa-me pensar em representatividade feminina gorda. A personagem Rose Quartz[9] de Steven Universe, n�o fez parte das refer�ncias no processo de cria��o de Peso Bruto, mas articula modos de desdobrar tais entendimentos e provoca��es.

Rose Quartz lidera uma rebeli�o em defesa do planeta Terra e passa a residir nele com seu grupo de pedras preciosas (alien�genas human�ides). A s�rie se passa cinco mil e quinhentos anos depois dessa guerra e conta a hist�ria de Steven Universe, filho de Rose e do humano Greg Universe. Steven � meio humano e meio joia, ele herda n�o apenas os poderes de sua m�e, mas sua pedra m�gica (aquilo que lhe d� sua forma f�sica), ou seja, os dois n�o podem existir concomitantemente.

Al�m de uma gorda l�der, Rose Quartz � compreensiva e desafiadora. Suas caracter�sticas se desvinculam dos estere�tipos de gordos descontrolados, desajeitados e fracassados. Embora a personagem seja falecida, ela est� sempre presente em Steven, que integra o grupo de joias protetoras dos humanos.

A s�rie aponta ainda algumas quest�es de g�nero interessantes. As personagens pedras m�gicas t�m o dom de se fundir e se tornar um ser mais forte. Garnet[10], a atual l�der do grupo, surge da fus�o entre as pedras Rubi e Safira; estas, decidem viver em fus�o pois encontram mais sentido em viver juntas. Garnet se une a Rose Quartz por ela ser uma l�der que aceita a vida em uni�o dessas joias.

No decorrer dos epis�dios acontecem diversas situa��es que desviam da normatividade, o que se torna refer�ncia para as crian�as, adolescentes e adultos que assistem ao desenho. O assunto da diversidade de corpos e comportamentos exposto nessa fic��o � capaz de gerar outras formas de se lidar com o outro em nosso cotidiano.

 

- Problematizando a representatividade

� importante ressaltar a import�ncia da representatividade gorda para que esses corpos n�o sejam mais invisibilizados, mas � preciso estar atenta para n�o se replicar um modelo de exclus�o. Isto �, a gordura n�o pode ser representada sempre pelas mesmas pessoas, construindo assim um padr�o aceito de gordura, excluindo corpos gordos (principalmente gordos maiores) que n�o se enquandram neste padr�o. A representatividade tem que dar conta de uma diversidade, mas como fazer isso? N�o tenho respostas, mas tenho experimentado algumas estrat�gias e conhecer outras pesquisas gordas tem me ajudado a pensar sobre isso.

 


 

Gordas

 

Em meu fazer art�stico-acad�mico procuro estabelecer um cruzamento entre as quest�es que me atravessam, sem menosprezar um saber que n�o � necessariamente produzido na academia, que � mais comercial ou que � de cultura de massa.

Muito do material produzido na discuss�o antigordofobia est� em blogs e vlogs que descrevem experi�ncias pessoais {a}. Esses relatos s�o refer�ncias ineg�veis para a constru��o de um campo de discuss�es que se expandem do pessoal para o coletivo[11]. Al�m disso, diversos campos do saber t�m aproveitado o formato das redes sociais para ampliar o debate sobre o corpo gordo. Artistas, acad�micas, ativistas, entre outras, est�o produzindo e divulgando trabalhos e a��es �de�, �com� e �sobre� o corpo gordo{b}.

Seguem abaixo algumas pessoas que tenho encontrado e acompanhado (na medida do poss�vel). Esta listagem est� longe de estar completa, a proposta aqui � de proporcionar uma rede, para fazer circular o saber gordo (termo da autora). Por mais que eu n�o d� conta de conhecer todas as pessoas gordas que est�o ajudando na luta contra a gordofobia, � imprescind�vel compartilhar o trabalho daquelas �s quais eu tenho tido acesso. Acompanhar essas pessoas permite expandir cada vez mais essa rede, conhecendo mais e mais pessoas. Enfim, este � tamb�m um convite para que a discuss�o sobre o corpo gordo n�o esteja restrita a gordos. (Siga pessoas gordas!)

 

{a} Canais de youtube que falam, entre outras coisas, sobre a experi�ncia de ser gorda:

 

-          Ju Romano, de Juliana Romano[12];

-          Bernardo Fala, de Bernardo Boechat[13];

-          Jessica Tauane (ex Gorda de boa), de Jessica Tauane[14];

-          Alexandrismos, de Alexandra Gurgel[15];

-          T� de Bells, de Isabella Trad[16];

-          T� querida, de Luiza Junqueira[17]

 

{b} Artistas, acad�micas e ativistas gordas nas redes (instagram, facebook e youtube):

 

-          Estudos sobre o Corpo Gordo Feminino, de Maria Luisa Jimenez Jimenez[18];

-          Tamanho Grande, de Agnes Arruda[19];

-          Pesquisa Gorda, de Maria Luisa Jimenez Jimenez e Agnes Arruda[20];

-          Manadatreme, de Coletivo Manada com Bruna Puntel, Jussara Belchior, Thais Putti e Gaia Colzani[21]

-          virgietovar, de Virgie Tovar[22];

-          shooglet, de Shoog McDaniel[23];

-          fatbabesclubofcolumbus, de Krystal, Jae, Hannad e Elizabeth[24];

-          a_gorda_, de Ieza Karine[25];

-          Gordas sim chaqueta, coletivo (fundadoras: Diana Pulido, July Rosero, Cristina Uribe, Paola Guiza e �ngela Quiceno)[26];

-          yrfatfriend, an�nima[27];

-          shona_mcandrew, de Shona McAndrew[28];

-          Nat�lia Barchet, de Nat�lia Barchet[29];

-          historicalfatpeople, an�nima[30];

-          collenmwerner, de Colleen M. Werner[31];

-          projetomulheresreais, de Maria Gabriela Calvano[32];

-          lailaalves, de Laila Alves[33];

-          olhardepaulina, de Milena Paulina[34];

-          Margens, de J�ssica Balbino[35];

-          curtase_, de Wise Primo, Lu Vasconcelos e Kat Silva[36];

-          artifats_collection, de Katy Kabloom[37];

-          rakeemc, de Rakeem Cunningham[38].

 


 

 

�narrativas que transformam o mundo�

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Jessica Balbino

 


 

Biblioteca

 

�s 6h03min o despertador toca. Sempre coloco n�meros quebrados. Sabe, dormir mais cinco minutos �s vezes parece pouco, e dormir mais dez minutos parece muito. Por que n�o dormir mais sete minutos? Soneca de sete minutos, nem muito, nem pouco. Gasto quase uma hora para sair de casa, sou lenta quando acordo. Pego o �nibus, desanimo com o tr�nsito. Chego na universidade, tomo um caf� com leite e vou para a biblioteca. O sil�ncio da biblioteca ajuda, o ar condicionado tamb�m. O terceiro andar da Biblioteca Central da UDESC nem � muito silencioso, aqui pode-se estudar em grupo. Poderia ficar no primeiro ou segundo andar, mas eu gosto das mesas aqui e da claridade que vem de fora. Al�m disso, a biblioteca est� em reforma, sil�ncio n�o tem. Trabalho. Olho no rel�gio e j� s�o quase 11h30. � por isso que j� estou com fome. Julgo o quanto consegui trabalhar, o quanto o esfor�o de estar aqui rendeu. Almo�o. Mais um caf� ou uma coca-cola se estiver um dia quente. Volto para a biblioteca. Retomo os trabalhos. Vou at� dar fome de novo ou at� a cabe�a fritar. Como alguma coisa. Volto para casa. Banho e cama.

 


 

Jussar�nes - inventando palavras, inventando modos

 

Ines Saber[39] e eu criamos um grupo de estudos em que nos juntamos para estar cada uma com sua pesquisa em 2015 ou 2016, quando ainda est�vamos no mestrado[40]. No in�cio este grupo teve poucos encontros, era dif�cil conciliar as agendas. Da minha parte, era dif�cil estar por muitas horas seguidas na biblioteca, j� que eu ensaiava todos os dias da semana com o Grupo Cena 11 Cia de Dan�a[41]. No in�cio de 2018, com meu afastamento da companhia, pensamos em estudar juntas para o processo seletivo do doutorado[42]. Estabelecemos um compromisso rigoroso de dois encontros semanais. Foi um rico aprendizado e agora, aprovadas no programa, seguimos juntas nesse jeito que estamos inventando.

 

Apelidamos carinhosamente nosso grupo de Jussar�nes. �s vezes tamb�m chamamos de Marjur�nes, quando Marcos Klann[43] nos acompanha. Algumas pessoas estranham que nos juntamos para n�o fazer, necessariamente, algo em comum. �s vezes estamos em atividades bem distintas, lendo, escrevendo e dan�ando coisas diferentes. Mas h� troca, estamos dispon�veis uma para a outra, em discuss�es sobre conceitos, ou sugest�es de palavras, troca de refer�ncias e assim por diante.

 

Ines Saber n�o fez parte da equipe de Peso Bruto[44], mas foi a primeira pessoa �de fora� a assistir ao ensaio do processo. Ela acompanha desde o in�cio essa pesquisa sobre meu lugar de mulher e bailarina gorda. Com seu jeito de juntar refer�ncias e vontade de agir no mundo ela me incentiva e desafia a expandir meus limites. Nossa parceria tem se mostrado indispens�vel para mim. Acredito que eu tamb�m a provoque de alguma forma. Prezo muito nosso grupo de estudos n�o t�o usual. Ainda que com o tempo tenhamos que reinventar outros jeitos de estarmos juntas, acho que j� temos um pequeno tesouro, afinal, pesquisar � sobre inventar outros modos.

 


 

Escrita bruta

 

Pensar sobre a escrita de minha pesquisa tem sido um exerc�cio desde que comecei a cursar o doutorado. Tenho experimentado uma escrita mais ensa�stica, organizada em fragmentos (como fa�o neste texto) que parte da descri��o de situa��es para gerar a reflex�o e cruzar refer�ncias. Escrevo, principalmente, a partir das conversas que tenho com o p�blico ap�s as apresenta��es do meu trabalho solo. Sinto que este formato � justo com a tem�tica de minha pesquisa, que vem da pr�tica para a academia. Tenho observado que em diversos campos do saber a reflex�o sobre o corpo gordo tem sido realizada a partir de relatos pessoais. Atrav�s desses relatos � poss�vel perceber que os corpos gordos sofrem opress�es estruturais. Ao compartilharem suas hist�rias, as pessoas gordas compreendem que n�o est�o sozinhas e que outras pessoas passam pelas mesmas dificuldades e preconceitos. Penso que meu exerc�cio enquanto artista-acad�mica � de fazer esse percurso, do pessoal para o coletivo, tanto em cena quanto na escrita.

Para expandir o debate sobre o corpo gordo � preciso evidenciar a forma como esses corpos s�o invisibilizados, patologizados e exclu�dos do conv�vio social. Compartilho hist�rias na expectativa de que ao relacion�-las a outros pensamentos seja poss�vel engordurar o mundo. Assim como em Peso Bruto, procuro trabalhar uma brutalidade diferente em minha escrita acad�mica. Uma escrita bruta que sabe se moldar aos espa�os, sabe inventar seus espa�os e fazer caber. Afinal, � assim que n�s gordos nos movemos no dia a dia.

 


 

Refer�ncias em cruzamento

 

A usual lista de refer�ncias no final do texto n�o se adequa ao formato proposto aqui. A independ�ncia das escritas apresentadas permite que as refer�ncias sejam observadas em seus contextos de reflex�o. O saber gordo que se constr�i aqui (aqui e na continuidade da minha pesquisa de doutorado) entrela�a-se com diversos campos do conhecimento. Sejam refer�ncias no universo acad�mico, dos conte�dos pessoais produzidos para redes sociais ou de saberes cotidianos. Portanto, para encontrar as refer�ncias � preciso engordurar-se.

 


REFER�NCIAS

 

 

BELCHIOR SANTOS, J. Jussara Belchior. Florian�polis, 2018. Website Jussara Belchior. Dispon�vel em: https://www.jussarabelchior.com. Acesso em: 01 set. 2019.

 



[1] Este texto n�o � (exatamente) escrito em primeira pessoa, mas escolhe-se pela escrita no feminino.

[2] BASBAUM, Ricardo. Amo os artistas-etc. Em: Pol�ticas Institucionais, Pr�ticas Curatoriais. Rodrigo Moura (Org.), Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, 2005.

[3] Com Henri Bergson

[4] Com Ilya Prigogine

[5] Peso Bruto (2017) � o trabalho solo da bailarina gorda Jussara Belchior, que parte do estranhamento causado pelo corpo gordo na dan�a. � uma dan�a de resist�ncia que questiona os padr�es de beleza e comportamento na tens�o entre formato e embalagem, apar�ncia e conte�do. Uma dan�a que explora a materialidade do pr�prio corpo como caminho de empoderamento, que questiona as no��es da gorda como subjetividade que opera um corpo errado, inadequado, n�o permitido, n�o belo e n�o desej�vel. Uma dan�a que articula di�logos entre o peso, o desejo, o apetite e a beleza, colocando em contraposi��o o controle e a brutalidade.

 

Uma imagem contendo pessoa, mulher, telefone, celular

Descri��o gerada automaticamente

Arte gr�fica de Marcos Klann em foto de Cassiana dos Reis Lopes para estreia de Peso Bruto, 2017.

 

Link teaser: https://www.youtube.com/watch?v=Ckbneej51Vc

Link site: https://www.jussarabelchior.com/

[6] Hulk � um personagem de hist�rias em quadrinhos da Marvel, adaptado para anima��es e filmes. Foi criado por Stan Lee em 1962. Mais informa��es dispon�veis em: https://marvel.fandom.com/pt-br/wiki/Bruce_Banner_(Terra-616).

[7] O Coisa � um personagem de hist�rias em quadrinhos da Marvel, integrante do Quarteto fant�stico. Criado por Stan Lee em 1961; tamb�m adaptado para anima��es e filmes. Mais informa��es dispon�veis em: https://www.legiaodosherois.com.br/lista/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-o-coisa.html.

[8] O Rei do Crime � um vil�o de hist�rias em quadrinhos da Marvel, criado por Stan Lee em 1967; tamb�m adaptado para anima��es e filmes. Mais informa��es dispon�veis em: https://marvel.fandom.com/pt-br/wiki/Wilson_Fisk_(Terra-616).

[9] Rose Quartz � personagem do desenho animado Steven Universe criada em 2013 por Rebecca Sugar. Mais informa��es dispon�veis em https://stevenuniverso.fandom.com/pt-br/wiki/Rose_Quartz.

[10] Garnet � personagem do desenho animado Steven Universe criada em 2013 por Rebecca Sugar. Mais informa��es dispon�veis em: https://stevenuniverso.fandom.com/pt-br/wiki/Garnet

[11] Cf: The personal is political (1969), de Carol Hanisch.

[12] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UC98OXziBFGRga3tQgUCOgcw

[13] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UCv1RFVLBWD-cqUwocOF2qKQ

[14] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UCORzZlM_fWAuCFc_TjEv9wg

[15] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UC2LQ5jMieMZjb5k5Gprp2JQ

[16] Dispon�vel em:https://www.youtube.com/channel/UCMaROTUXVKxDuSToxZC1xSQ

[17] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UCVEVuanoMK9tGclfWLghaKw

[18] Dispon�vel em: https://www.facebook.com/corpogordofeminino/

[19] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UC6pcxw-uzMM_XHnbWLas5aw

[20] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UCRS3IVpZCuo3vu9ZLxm8Tlg

[21] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/manadatreme/

[22] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/virgietovar/

[23] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/shooglet/

[24] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/fatbabesclubofcolumbus/

[25] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/a_gorda_/

[26] Dispon�vel em: https://www.facebook.com/GordaSinChaqueta/

[27] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/yrfatfriend/

[28] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/shona_mcandrew/

[29] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UC_mbjTtN4xfpygfo9yjdbBw

[30] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/historicalfatpeople/

[31] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/colleenmwerner/

[32] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/projetomulheresreais/

[33] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/lailalalves/

[34] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/olhardepaulina_/

[35] Dispon�vel em: https://www.youtube.com/channel/UCLbEXJPEK9ilVBWlOo8fgpg/about

[36] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/curtase_/

[37] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/artifats_collection/

[38] Dispon�vel em: https://www.instagram.com/rakeemc/

[39] Ines Saber (de Mello) � Mestra (2017) e Doutoranda em teatro pela UDESC (2018). Integrante do coletivo art�stico Mapas e Hipertextos em Florian�polis (2016-2017) e do Coletivo Crivo (2013-2017). Dedica-se a produ��es art�sticas aut�nomas entre dan�a, performance, poesia e v�deo.

[40] Defendemos nosso mestrado no Programa de P�s-Gradua��o em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina, em 2017.

[41] O Grupo Cena 11 Cia de Dan�a surgiu e � radicada na cidade de Florian�polis - SC desde 1991. Seus trabalhos de pesquisa e forma��o confluem teoria e pr�tica no entendimento de dan�a e atravessam as defini��es de corpo tratando tecnologia como extens�o e expans�o do corpo.

[42] Processo seletivo no mesmo programa (PPGT � UDESC).

[43] � performer, bailarino, ator e iluminador. Mestre e Doutorando pelo PPGT - UDESC. Integrante do grupo Cena 11, desde 2006. Ator e bailarino na O�ctus Cia de Atos (2001 - 2005). Criou: O que antecede a morte (2010) e Werwolf (2012). Sua pesquisa art�stica tem como foco as rela��es/tens�es entre mem�ria e coletividade.

[44] Ficha t�cnica de Peso Bruto:

Cria��o, produ��o e dan�a: Jussara Belchior.

Interlocu��o: Soraya Portela.

Dramaturgia: Anderson do Carmo.

Trilha Sonora: Dimitri Camorlinga

Figurino: Joana Kretzer Brandenburg

Ilumina��o e Design Gr�fico: Marcos Klann

Fotografia do Processo Criativo: Cassiana dos Reis Lopes

Registro em V�deo: Cristiano Prim