A
Dimensão Multissemiótica do Jogo Teatral: A
Experiência de Elaboração de uma Peça Radiofônica com Afásicas e Afásicos
The Multisemiotic Dimension of the Theatrical Play: The
Experience of Developing a Radio Play with Aphasics
Juliana Pablos Calligaris
Doutoranda em Artes da Cena pelo PPGAC do Instituto de Artes –
IA/UNICAMP. Atriz, professora e diretora teatral desde 1991. Mestrado em
Linguística com abrangência em Teatro e Semiótica pelo Instituto de Estudos da
Linguagem – IEL/UNICAMP. Graduação em Artes Cênicas pelo IA/UNICAMP. Pela Cia
Trilhas da Arte – Pesquisas Cênicas, companhia a qual fundou, atua no solo de
sua autoria, Janelas para uma Mulher, com direção de Leticia Olivares e
dirige o espetáculo infanto-juvenil de temática indígena O Pequeno Senhor do
Tempo. –.
juliana.calligaris@gmail.com
- https://orcid.org/0000-0002-6751-8643
Resumo
Este
estudo expõe um dos resultados de uma pesquisa sobre significação verbal e não
verbal desenvolvida através da prática teatral desenvolvida no meu mestrado,
baseada na observação da relação entre linguagem, corpo e cognição com pessoas
afásicas. Investigo a coocorrência multimodal de
semioses (fala, gesto, expressão corporal, olhar, etc.) com afásicas e
afásicos, através das interações de diferentes, ainda que compartilhados,
processos semióticos, ativos na construção de significados, para descrever e
analisar o papel da atividade artística performativa na (re)organização
de possibilidades comunicativas e expressivas de indivíduos afásicos no mundo e
com seus pares.
Palavras-chave: Teatro - Semiótica. Afásicos.
Linguagem corporal na arte. Performance (Arte)
Abstract
This study exposes one of the results of a research on
verbal and non-verbal significance developed through theatrical practice
developed in my Master course, based on the observation of the relatioship between language, body and cognition with aphasic
people. I investigate the multimodal co-occurrence of semiosis (speech,
gesture, body expression, gaze, etc.) with aphasic people, through the
interactions of different, yet shared, semiotic processes, active in the
construction of meanings, to describe and analyze the role of performative
artistic activity in the (re)organization of communicative and expressive
possibilities of aphasic individuals in the world and with their peers.
Keywords: Theater-Semiotics.
Aphasic persons. Body language in art. Performance art.
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0021
Recebido em:
13/06/2020
Aceito em:
06/07/2020
Apresentação
O propósito desta travessia textual é
refletir sobre o ato teatral performativo e a coocorrência/coexistência
de semioses verbais e não verbais em contextos de afasia. Como se verá, meu
enfoque e interesse recaíram na reconstituição de semioses verbais e não
verbais (multimodais) pela atuadora afásica[1],
não na ausência da afasia, mas na
presença da afasia[2].
A partir desse propósito, vou contar uma parte do que investiguei no Programa
de Expressão Teatral (PET) – sob minha orientação, do Centro de Convivência de
Afásicos (CCA), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), e sobre o que descobri acerca da noção de
densidade modal das semioses que coocorrem e se interconectam na cena afásica,
visando tão somente evidenciar que elas são: i) distintas; ii) que sua
relevância na construção do sentido em ações performativas durante o Programa
de Expressão Teatral (doravante, PET), dependeu do recurso de teatralidade mais
salientado pela atuadora afásica (por vezes mais verbal, em outros momentos,
mais não verbal); dependeu da capacidade oral e gestual/motora da participante;
dependeu dos recursos mais recorrentes no jogo de cena; dependeu do contexto geral
de produção de sentidos. Em nossos diálogos pós jogos, muitos desses recursos
de teatralidade eram, depois, citados e marcados como escolhidos criticamente
pelas próprias afásicas para serem usados em situação, a fim de ressignificar
suas ações e seus corpos, performativamente. Na narrativa
de processos que exponho aqui, buscarei apresentar os caminhos de observação
destas evidências, partindo do texto da minha dissertação de mestrado em
linguística do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, defendida em 2016.
Discorrerei pelo escopo geral do
presente estudo, apresentando minhas perguntas epistemológicas e minhas motivações
científicas e pessoais. Para organizar esta escrita,
com o intuito de construir tais caminhos narrativos, aproveitarei certos
gatilhos psicofísicos e intuitivos que obtive através da minha jornada como
atriz, professora e diretora teatral, no Doutorado (atualmente), no Mestrado
(2013-2016) e na Iniciação Científica (2003-2007) e que me trouxeram até este
momento.
Uma parte do caminho seguirá pelo rumo
da investigação da prática como pesquisa (pratice as research). Dessa forma, procurarei apresentar quais
foram os raciocínios acerca dos materiais e métodos que utilizei, visando
trazer à tona uma prévia apresentação de materialidades cênicas afásicas,
pertencentes a um percurso muito maior, que tem sido a travessia pelo Doutorado.
Em minhas análises, a partir das vozes
e comentários das atuadoras afásicas do grupo, relacionei meus resultados às
principais informações acumuladas e arquivadas pelo AphasiAcervus[3]
sobre as próprias afásicas atuantes no PET. Em suma, procurarei seguir um
específico postulado de natureza sociocognitiva, defendido por Margarida
Salomão: o de que “fazer sentido (ou interpretar) é necessariamente uma
operação social na medida em que o sujeito nunca constrói o sentido em si, mas
sempre para alguém – ainda que este alguém seja si mesmo” (Salomão, 1999, p. 71).
Isto posto, percebi que foi naquele
ponto, no momento de interseção entre o fazer teatral com pessoas afásicas e a
investigação semiótica e linguística multimodal, que me coloquei na condição de
experimentar junto ao meu grupo do PET o meu lugar histórico, o meu lugar de
narração titubeante no início, o meu lugar de força a partir de qualquer fragilidade
pessoal – psicológica ou emocional, ou seja, o meu lugar de experimentar as minhas
próprias afasias, ainda que metaforizadas, porém sentidas por mim através dos
meus atos de decisão, de des-decisão,
cisão, afirmação e escolha de narrativas a partir das afasias delas e deles, porque
deixaram de ser afasia diante do trabalho teatral e passaram a ser
materialidade cênica performada por corpos ressignificados. Caminho vertiginoso,
porém, necessário. Amedrontador, no entanto, fulcral! Joguei-me. Elas e eles,
com seus corpos fortes e afásicos, seguraram-me. Salto na luz e não no escuro.
Segui,
definitivamente, não na ausência da afasia, mas na presença da afasia.
O Centro de Convivência
de Afásicos (CCA) e o Programa de Expressão Teatral (PET):
Corpos
Ressignificados e Afetos que se Transpassam
Prossigo pelo caminho. A partir deste
trecho da travessia vou assumir alguns entrelaçamentos entre cognição,
semiótica, multimodalidade linguística e teatro na cena contemporânea[4]
a partir da performatividade de pessoas com corpos
afásicos.
A multimodalidade nesta jornada é
evocada como fenômeno complexo e multifacetado, reconhecível por suas
imbricações entre ética e estética no campo artístico e pelo seu viés
psicomotor-cognitivo, enquanto componente da coocorrência
de semioses que emergem de maneira solidária e compensatória a partir do ato da
afásica, e de ocorrência sociocultural. A noção de nervura da ação que cunhei para esta pesquisa é uma espécie de
termo metaforizado e foi uma forma de abordar os estudos da neuroplasticidade cerebral
relativos ao estatuto da afasia. Neste estudo as estabeleci pela aproximação com
experiências cênicas pessoais em investigações que realizei sobre antropologia
teatral e performance[5]
e com seus desdobramentos perceptivos e corporificados (embodiment), suas repercussões
imediatas e suas ressonâncias, investigações estas viabilizadas, justamente,
pela abordagem das diferentes áreas do conhecimento às quais recorro: Teatro,
Performance e Linguística. Por isso, creio ser importante ressaltar que em
nenhum momento ao longo das minhas pesquisas tratei ou trato da clínica médica.
Antes, porém, debruço-me sobre pessoas atuadoras afásicas – elas e
eles e eu – e sobre a agitação de afetos, sensações, percepções e aversões que
permearam nossas experiências performacionais no
CCA.
Deste modo, narrarei como as
experiências aqui focalizadas fomentaram desdobramentos que buscaram
simbolizá-las e re/elaborá-las de modo a apreender
suas especificidades, mas sem negar suas lacunas ainda a serem desvendadas. As
inquietações acima expostas continuam a impulsionar esta travessia de pesquisa
e mesmo no momento da revisão deste texto, ainda ressoam. A complexidade do
campo escolhido continua a gerar questões e desestabilizações; as estratégias
de uma pedagogia de criação artística a partir da cena afásica com a qual lido
no PET, que instauram interseções e interações entre afasia, multimodalidade e performatividade, estendem-se por zonas de perscrutação
e escuta ainda não absorvidas.
Afinal, como apreender o vivido,
especialmente quando ele se desenvolve por processos performativos com “corpos
afásicos”, com “corpos inabituais”, por vezes inapreensíveis a um primeiro
olhar?
Num esforço para apreender o vivido, a
esta altura do caminho, faz-se importante apresentar o CCA/IEL/UNICAMP, lugar de
existência do PET. Proporei um panorama da história do Centro, que além de ser
um espaço de pesquisas científicas em linguagem e cognição, também desenvolve,
estuda e promove, desde os seus primórdios, a atividade artística, teatral e
performativa, como prática ativa dos encontros e realizações do grupo. Apresentarei
os processos da prática como pesquisa
e, partindo disso, os resultados do meu trabalho no CCA e no PET, que me
levaram às hipóteses teórico-metodológicas que investigo no doutorado.
O que fazer com as instabilidades que nos
afetam e que nos desorientam enquanto fazedoras e fazedores das artes da cena?
Entretanto, a caótica e instável
transição entre desejo e forma que naturalmente se instaurará (conforme é
sabido) nas primeiras etapas da criação artística, exigirá alguma objetividade
de observação. Para tanto, buscarei apoio nas ferramentas da crítica genética,
práxis que reconhece tal transitoriedade e estuda a criação artística por meio
da análise do ato criador registrado em manuscritos, diários e esboços. No meu
caso, utilizo desde a Iniciação Científica também o registro audiovisual.
A grande contribuição desta práxis
(crítica genética) para a pesquisadora de processos de criação cênicos está
justamente no fato de trabalhar a partir da materialidade dos elementos
moldados durante o ato criador e centrar sua análise no embate entre ideia e
forma, entre o planejamento conceitual da artista e a moldagem dos materiais.
É relevante nesse campo o trabalho da
pesquisadora brasileira Cecília Almeida Salles que, em seus escritos, nos
mostra que a matéria resiste e interfere na criação. Uma forma surgida até
mesmo ao acaso, no embate da atuadora afásica durante o ato criativo com seus
meios, por exemplo, pode se impor abrindo nova vertente em um trajeto que por
si só já se configura denso, devido à complexidade multimodal[6]
do “ato do afásico” (Tonezzi, 2007). Conforme
argumenta a autora, “a rota é temporariamente mudada, o artista acolhe o acaso
e a obra em progresso incorpora os desvios” (Salles, 2008, p.36).
A análise do processo de criação e das
apresentações/exibições das performances aqui descritas será realizada,
portanto, pelas vias da crítica de processos (Salles, 2008) e da observação
participante (Hagette, 1987), de forma a permitir que
o estudo verticalizado de aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa seja
registrado tanto em mídia quanto por escrito e é esse material que será
utilizado para demonstrar a relevância da singularidade da performance da
atuadora do “teatro das disfunções” (Tonezzi, 2011),
que usufrui completamente de processos semióticos multimodais variados na (re)construção dos sentidos.
Uma História
Curta, a Coisa Toda e o Ainda Aqui e Agora
Cena Exclusiva[7]:
Afasia antes do Teatro
Maurício[8]: O
que é afasia? Você perguntô “O que é afasia”?
Juliana: A primeira pergunta é: “O que é afasia”? Né?
O que ela falou?
Maurício: Ela sabe o que é a afasia, é quando a gente
não consegue falar e nem pensar direito.
Juliana: Você concorda com isso?
Maurício: Sim, sim, é... é... é... o corpo, tem o
corpo também, não é só a cabeça. Porque-porque
ela disse que tem que... (interrupção)... porque vários tipos de afasia, né? É-é, fica
mais difícil
falar, mas aqui, ó (apontando para própria cabeça), tá tudo em ordem, é só aqui, ó (aponta a
própria boca) que fica difícil.
Juliana: Sim! E o corpo, igual você falou!
Maurício: Eu falo muito (risos).
Noêmia: Tem que tentar, não pode ficar parado, tem
que fazer, fazer, fazer...
Sávio: Claro, claro, justamente, justamente, mexer,
mexer, mexer.
Maurício: Isso que é afásico, fala muito, fala pouco,
faz muito, faz pouco, pensa, conversa.
Os diálogos referidos ao longo de toda
esta travessia textual têm como palco o Centro de Convivência de Afásicos (CCA)
do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). O CCA funciona em sede própria desde 1998. O grupo
focalizado nesta pesquisa tem sido coordenado pela Profa. Dra. Edwiges Morato,
cujo grupo de pesquisa (do qual participo) COGITES – Cognição, Interação e Significação[9]
integra o Laboratório de Fonética e Psicolinguística (LAFAPE) do IEL.
O CCA foi concebido como um espaço de
interação e para o exercício efetivo de práticas cotidianas de linguagem entre
participantes afásicas e não afásicas de forma a contribuir para o maior
entendimento da condição de afasia e oferecer alternativas para a reintegração
social dessas pessoas pela convivência e enfrentamento mútuo das dificuldades
que a afasia implica. O PET que desenvolvo visa trabalhar a expressividade
global das participantes atuadoras afásicas, ou seja, daquelas
cujos recursos semióticos foram comprometidos pela afasia. As
participantes afásicas que frequentam o CCA são encaminhadas pelo Departamento
de Neurologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP, onde previamente já receberam
todo o tipo de assistência médica necessária. Ou são encaminhadas através de
indicação de outras pessoas que já ouviram falar do CCA, do PET e dos trabalhos
realizados nesse campo, ou no IEL, seja via internet ou via indicação direta.
O choque do AVC[10]:
O Primeiro Impulso de “Colocar a Cabeça Para Fora D´água” ou do Fenômeno Teatral
e a Natureza Sociocognitiva da Arte
A gente vai aprendendo desde que
começa a teatrar
que, no teatro, há o aprendizado de uma linguagem própria, ou seja, o aprendizado
de específicos sistemas simbólicos verbais e não verbais (teatro realista,
teatro épico, teatro pós-dramático, por exemplo), cada qual com regras e
metodologias próprias de execução, que expressam o sentimento, a produção
intelectual e escolhas estéticas de quem fez e a resposta de quem assiste.
Porém, e quando a “cuca” pifa, a
cabeça gira, a massa cinzenta explode? O que expressa? Quem expressa?
Cena Exclusiva:
Emergir
Maurício: A gente afunda afogada... Quer pôr a cabeça para fora d´água. Quando
põe, puxa o ar, mas ele não vem.
Rogério: Eu queria pôr a... a... “cabeça para fora d´água”, né?,
mas meu braço não vinha.
Luís: É... é... é... Um choque... né?
Juliana: E como vocês fizeram?
Noêmia: Si vai tentando, si vai tentando até conseguir, vai mexendo, faz fono, vem pra [CCA] cá, faz teatro, faz as peças, apresenta...
(...)
Juliana: Então vamos lá, vamos pra cena!
Geralmente, quando a “cuca” não pifa e
aqueles acima referidos sistemas simbólicos verbais e não verbais são
verificáveis pela via da chamada “normatividade”, eles podem ser verificados
através dos elementos de teatralidade que os compõem, classicamente: i) a interpretação da atriz – o ato de
fazer sentido – e a intenção da ação e do gesto; ii) a representação teatral como fenômeno interacional do qual faz
parte, necessariamente, a espectadora.
Como decifrar os afetos (incluindo os des-afetos) que se impõem como forças geradoras de dúvida
epistemológica, desestabilizando versões conhecidas de descrição metodológica
de nossa apreensão de corporeidades, num dado evento que estamos coordenando e orientando?
Conforme a pesquisa foi avançando,
fomos descobrindo coletivamente como o teatro pode ser extremamente motivador
para pessoas afásicas. Como já apontou Tonezzi (2007),
afeta-as nos aspectos emocional, cognitivo, motor e social.
O PET que construí junto às atuadoras
afásicas a partir de acordos coletivos tem uma estrutura que divide as sessões
em seis partes: i) instalação da
proposta de trabalho; ii) aquecimento (vocal e corporal) e
exercícios de articulação e projeção da
voz; iii) exercícios de expressão corporal; iv) jogos interativos de percepção espacial; v) jogos interativos de percepção do coletivo e do social; vi) exercícios de criatividade e
improvisação, tais como jogos em que proponho a realização de cenas realistas
ou poéticas para fins de compreensão do processo interativo e expressivo
e, por consequência, do processo
teatral.
Cena Exclusiva:
`Bora Fazer!
(...) Ao término do aquecimento:
Juliana: Vamos para a cena, então.
Maurício: Demorô! (risos).
Nesse instante, Rafaela, muito tímida,
logo após o nosso aquecimento, quis fazer uma cena solo:
Cena Exclusiva: Des-cisão – Parte 1
Rafaela: Eu quero dançar... Você-você pediu, né? Pediu? Né?
Juliana: Sim, dona Rafa (risos), desde a semana passada!
Rafaela: Tá, vou tentar. Tem música?
Juliana: Rodrigo, põe o funk dela, por favor.
Depois
de muita vontade e pouca coragem, finalmente ela dançou. Como foi um ato
performativo totalmente ressignificado e cheio de multimodalidades gestuais e
corporais recém-nascidas e que emergiram pela primeira vez aos nossos olhos
encantados, proponho uma partição só para ela, para essa jovem mulher afásica,
que re-dançou para se re-descobrir.
Instruções para dançar depois do AVC,
pela atuadora RB.
Então vamos lá! A título de exemplo de
ganho sociocognitivo e reorganização das competências comunicativas e expressivas
como um todo, evoco o desempenho de RB – “Rafaela” – e sua performatividade no PET de março
a junho de 2013. RB, 33 anos à época, era, segundo ela mesma, “uma dançarina de
funk muito boa e competente”, antes
do AVC.
Des-cisão – Parte 2
Rafaela: Eu descia até embaixo e subia facinho.
Agora... (Alude a seu corpo hemiplégico e hemiparético[11]).
Juliana: Vai com tudo, Rafa. Vamos que vamos! Não tem regra para dançar, o funk
é seu, o corpo é seu, é você que vai dançar. Quero ver alguém conseguir te
imitar, depois!
O quadro de hemiplegia que surgiu
junto à afasia, após o AVC, a inibia de duas formas: na limitação motora e na
vontade de dançar. Então, para ela, não dançar de maneira “competente”
significava não apenas que ela esbarrava na hemiplegia, mas também que ela teria
que aprender como dançar de novo. E, apesar da resistência e inibição, ela se
dispôs a dançar, motivada pelo PET e pela interação com as pessoas
participantes do CCA (afásicas e pesquisadoras). Ela reconstruiu reflexivamente essa competência (no
sentido linguístico do termo), ela articulou novos processos de significação
não verbal. Ressignificou uma prática para reaprender a semiose do funk – estilo ao qual ela se dedicava
muito, para ser competente novamente a partir dos novos padrões que ela elegeu,
gerando e fazendo emergir semioses coocorrentes
relativas aos movimentos corporais que essa modalidade de dança aciona. RB
persistiu, aprendeu outro modo de dançar, não só porque o caminho para o corpo estava mais evidente para ela, mas também
porque se treinarmos a mente e o corpo, este responderá, semiológica e
coerentemente ao estímulo provocado pelo treino.
Des-cisão – Parte 3: Olhos
Recém-nascidos Ou Des-cisão Final
Grupo: (Aplausos entusiasmados e exclamações de “parabéns”, “muito bem”, “que lindo!”)
Rafaela (rindo, um pouco tímida): Eu desci até embaixo, você viu?
Juliana: Lógico que vi, eu sabia que você ia dar um jeito de fazer.
Apesar das grandes e já conhecidas
capacidades de adaptação presentes no corpo e na mente humana, são muitos os
caminhos percorridos pelo cérebro – pela plasticidade cerebral – para atender
às necessidades de reformulação de semioses e de ressignificação de sentidos,
quando isso se faz premente para a sobrevivência no mundo simbólico.
O fazer teatral com pessoas afásicas
acaba por desmistificar determinados comportamentos “normativistas” e indicar
um caminho para que aquelas necessidades sejam exploradas de forma eficiente e
transformadora. As experiências e os conhecimentos vivenciados pelas atuadoras
afásicas no teatro por meio do PET, a nosso ver coletivo, de todas e todos
(atuadoras e atuadores e demais pessoas pesquisadoras que acompanhavam o meu
trabalho junto ao PET), possuíram, também, um importante significado para o
desenvolvimento social e emocional da pessoa afásica, porque não nos escapava o
fato de que, quando chegava ao PET, a atuadora afásica carregava tanto os
conhecimentos que já trazia consigo quanto os novos conhecimentos nascidos em
decorrência da afasia.
Não Saber o que
Perguntar é Bom para Escutar a Pergunta que já Está ou
de Quando a Gente Inventou de Fazer Tudo Quanto é Paródia[12]
O jogo teatral foi um valioso instrumento
para a pesquisa que narro nesta travessia. Sobre a importância do jogo teatral,
apoio-me na seguinte reflexão da professora e teatróloga Ingrid Koudela (1991):
Os jogos teatrais foram desenvolvidos para todas as idades e
contextos. Quando necessário, os jogos podem ser modificados ou alterados para
adaptar-se às limitações de tempo, espaço, deficiências físicas, distúrbios de
saúde, medos, etc. (Koudela,
1991, p. 47).
Para o PET desenvolvido durante o
Mestrado, através do jogo, identifiquei e procurei responder a algumas
indagações-chave que surgiram diante de mim, decorrentes da minha relação de
criação teatral com o próprio grupo, a partir dos módulos que inventei de
reconstrução e ressignificação paródicas de histórias da tradição oral brasileira,
de letras de canções que contam histórias ou de histórias clássicas infantis,
recontadas e encenadas coletivamente em grupo:
Cena 1 – Primeira
Indagação: “O Negrinho do Pastoreio”
Sávio: Certo, eu vou ser o pa-patrão do Negrinho do
Pastoreio.
Juliana: Isso, Sávio. Certo?
Sávio: Certo. E-Entendi, ma-mas
eu posso falar ou só-só gesto?
Juliana: Não, pode falar, claro! Você tem que falar com as formigas, com a
santa, com a mãe do Negrinho, com o Negrinho, com o fogo...
Sávio: Tá, então com a-as formigas e com fogo-fogo não
tem palavra com a boca, só gesto.
Juliana: Tudo Bem!
Primeira
Meditação: como se articulam os processos de
significação verbal e não verbal que as afásicas empreendem na interação do
fazer teatral para ajustar as condições de produção do sentido?
Cena 2 - Segunda
Indagação: “Chapeuzinho Vermelho”
Maurício: Eu serei a mãe da Chapeuzinho (risos).
Noêmia: Por-por quê a mãe, você?
Juliana: É, por quê?
Maurício: É que eu quero hã... ser-ser
a narradora da história (sic).
Juliana: Sério?
Maurício: Isso, isso, eu vou narrar, porque estou escrevendo hã...
um diário...
Juliana: Perfeito! Daí, do que você escrever, sai a história e o grupo vai
fazendo.
Maurício: Maravilha!
Segunda
Meditação: o que a afasia – enquanto perturbação
da metalinguagem, que pode estar acompanhada de comprometimento motor e práxico – implica para a geração e emergência de semioses coocorrentes?
Cena 3: Terceira
Indagação: “Domingo no Parque”
Juliana: Tá, então tem três personagens principais: a Juliana, o João e o José.
Sávio: É uma música-música, né? A história?
Maurício: Gi-gilberto Gil.
Sávio: João, João, João (apontando para si mesmo, significando que faria
João).
Norma: Eu, Juliana (dizendo que faria a personagem Juliana). Vou cantar, mas dá para só falar ou só
dançar, também.
Juliana: Total!
Saori: Canto,
canto (apontando para si, querendo dizer que ela cantaria).
Juliana: Então vamos trabalhar com duas Julianas, que tal? Coringar.
Érica: Quando vier este... Este João, ele ve-vem
devagar, cantando e aquele (aponta para outro afásico, que não Sávio) vem só rápido, sem cantar.
Juliana: Dois Joões?
Érica: É, ué! Se tem-se tem duas Julianas...
Juliana: Ótimo!
Noêmia: Então o José só corpo (para sugerir que José tivesse só mímese cênica, sem texto falado), faz a movimentação em volta deles... só olha. Da-daí
já vai dar medo.
Sávio: Quando vem perto, tira a faca...
Juliana: E vai baixando ela devagar.
Maurício: Maravilha! (dizendo seu bordão famoso no grupo).
Terceira Meditação: se a emergência
de semioses coocorrentes implica uma tomada de
consciência sobre a multimodalidade das ações ativadas pela afásica durante o
PET, o que a sua observação e reflexividade linguística podem revelar sobre as
relações entre linguagem, corpo e cognição nas afasias e, posteriormente, como
processo criativo para a artista da cena?
Após este momento de reflexão sobre
estas indagações-chave, baseando-me na bibliografia proposta para o Mestrado,
segui a travessia desta pesquisa, partindo da hipótese de que, ainda que
apresentem dificuldades de linguagem/metalinguagem e de realizar atividades
motoras e práxicas – que certamente se refletem e se
manifestam no jogo de cena – implicadas no ato de produção de semioses multimodais
durante o PET, afásicas podem atuar competentemente com relação à atividade
reflexiva teatral que constitui o uso da linguagem verbal e não verbal.
Abordagem
Empírica, Interacionista e Multimodal do PET
Com relação à terminologia empregada
na dissertação (e atualmente, também na tese), de acordo com as autoras estudadas
e que me embasaram teoricamente, defini multimodalidade
como o uso de diversos modos semióticos na concepção de um produto ou evento
semiótico ou estético, juntamente com a maneira particular segundo a qual tais
modos são combinados.
Tendo em vista essa abordagem –
semiótica e multimodal – as disposições do jogo teatral com as afásicas foram
estabelecidas numa complexa rede de relações de processos de linguagem e
semioses continuados e inter-relacionados: corpo/ cognição/ pensamento/
linguagem/ interação.
Dessa forma, quanto à estrutura de
análise multimodal de dados, estive ancorada nas pesquisas de Norris (2009)[13],
autora que, por meio do conceito de densidade modal, assinala que semioses coocorrentes comparecem simultaneamente numa mesma ação, contudo
nem sempre com a mesma intensidade. Em outras palavras, ao convocarmos várias
semioses para performar uma ação, implicamos também na coexistência entre elas e no fato de elas também estarem em simultaneidade, sendo que, a cada instante, uma semiose (o olhar,
por exemplo) estará mais salientada que a outra (o “dar de ombros”), mesmo
sendo realizadas ao mesmo tempo e assim, sucessivamente até o final da ação,
para que a situação relacional performada induza, obtenha ou construa um
sentido.
A Estação de Trem
A título de exemplificação desse
postulado, descrevo abaixo uma situação ocorrida durante o PET à época da
Iniciação Científica, um módulo de investigação que resolvi nomear de “Sensibilização Sonora: Construindo a
Estação de Trem”.
Cena: A Plataforma
desta Estação é a Vida
Juliana: Silêncio então, vai começar.
(Tempo).
Maurício: Vozes...
Juliana: Siiiim... Que mais?
Noêmia: Parece chuva, tem um chiado-chiado...
Norma: Trem! É trem.
Sávio: Justamente-justamente.
Maurício: Estação de Trem.
Juliana: Hum-hum. Que mais? João, fala.
João: Tava pensando, plataforma, né? Como chama mesmo?
Maurício: Plataforma, maravilha! Em outro... país.
Juliana: Por que em outro país?
Sávio: Tão fa-falando outra língua.
Juliana: Então é trem, com chuva, cheio de gente, em outro país, é isso?
Maurício: Leste... europeu!
Juliana: Nossa, pode ser. Você escutou a fala lá no fundo, né?
Sávio: Romênia.
João: Você sabe?
Sávio (um senhor francês): Um pouco, pouco.
Juliana: Nesse tempo [de agora]?
Noêmia: Não, tempo antigo, amarelado. Antes, antes. Antigamente.
Juliana: Todo mundo concorda? (Após resposta positiva do grupo). Então vamos para a cena!
Nesse extrato do exemplo em questão,
as atuadoras afásicas foram orientadas a prestarem atenção num estímulo sonoro.
A partir disso, foram orientadas a cogitarem sobre de que se tratava o som e,
em seguida, a apresentarem sugestões sobre o que seria e então criarem um
quadro de situações que poderiam estar relacionadas àquele som especificamente,
a saber: uma estação de trem, onde muitos elementos compunham o cenário e
determinada experiência social, sugeridos pelo som.
Levar a multimodalidade em
consideração significa admitir que língua e imagem são aspectos que se
completam e que imagem, ação, movimentos, gestos, língua e sons são coordenados;
por essa via, nesse exercício emblemático, a língua deixou de ser centro da
comunicação. As pessoas atuadoras foram orientadas a improvisar algumas das
cenas evocadas por elas e eles, recriando o quadro situacional relacionado à
estação de trem, evocando, inclusive, mais um quadro multimodal e mais uma
competência cognitiva, a memória.
A peça
radiofônica, como corpus, gerou
mundos
A partir do segundo semestre de 2013,
após um semestre letivo de retomada do meu trabalho de teatro junto ao PET do
Mestrado, iniciamos no CCA um projeto performativo que envolveu o trabalho do
grupo voltado para um veículo radiofônico. Instauramos, desta feita, uma nova
instância de criação e reflexão sobre o gênero radioteatro, associado ao gênero peça
radiofônica.
No decorrer desse período
desenvolvemos o texto da peça através de criação coletiva, jogos teatrais e improvisação,
ao mesmo tempo em que procurei recuperar e registrar junto às atuadoras,
afásicas e não afásicas, a memória do radioteatro/radionovela,
gênero que teve grande penetração em todo o Brasil a partir da década de 1920.
O que guiou meu trabalho foi acreditar que poderia existir um espaço ainda
possível para o drama no e de rádio ou, pelo menos, para a
apresentação e audição, por uma plateia, desse tipo de obra de arte. E que a
nossa peça radiofônica poderia até ocupar esse espaço. Tanto que marcamos uma
estreia oficial no Anfiteatro do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/UNICAMP,
equipado com os recursos necessários para a audição de estreia de nossa peça
radiofônica intitulada “Recuerdos de Ypacaraí – De Quando o Brasil Quase
Entrou (de novo) em Guerra Contra o Paraguay”, em
12 de dezembro de 2013, às 10h.
O programa da peça era o seguinte[14]:
O Programa de Expressão Teatral – PET
do CCA orgulhosamente apresenta:
“RECUERDOS DE YPACARAÍ – DE QUANDO O
BRASIL QUASE ENTROU (DE NOVO) EM GUERRA CONTRA O PARAGUAY”
Estreia Nacional: 12/12/13 – Auditório
do IEL/UNICAMP
Direção e Coordenação: Juliana Calligaris
Estrelando (em ordem alfabética):
Edwiges Morato............................................. Elenco
de Apoio/ Sonoplastia/ Back Vocal/ Efeitos Sonoros
E.
C................................................................ Sonoplastia/ Efeitos Sonoros
Juliana Calligaris
.......................................... Elenco
de Apoio/ Sonoplastia/ Back Vocal/ Efeitos Sonoros
L. M.
............................................................. Segurança e guarda-costas de
Angelita Joli
M. N. F.......................................................... Natalícia - Repórter Investigativa da Rádio Kustura FM
M.
S............................................................... Futrício
Jr. - Radialista Sensacionalista e Encrenqueiro
R. B.
T........................................................... Babá de Ernestinho
/ Carmen Gutierrez – Presidente e Generalíssima dos Exércitos do Paraguay
S. S.
I............................................................. Shizuana - Jornalista
da Rádio Nipom Pom Pom; parceira da Kustura FM
S. P................................................................ Ernestinho - Filho imaculado de
Angelita
N.
F............................................................... Angelita Joli - Mãe de filho imaculado; Atriz
internacional, símbolo e benfeitora do Paraguay
N. E............................................................... Mama Perlita; Mãe de
Angelita, índia guarani, xamã, bruxa e astróloga
R.
P............................................................... Ludovico - Jornalista de Belém-PA e suposto
pai /Dr. Charlatán: explica a concepção
imaculada
de Angelita.
R. C. L.......................................................... Micky Jaguar –
roqueiro paraguaio; Eterno noivo e amante apaixonado de Angelita
Sinopse:
Tudo começou quando a grande atriz
internacional, símbolo e benfeitora do Paraguay,
Angelita Joli, veio ao Brasil para o lançamento do seu novo filme. Ela veio de
navio pelo Rio Paraguay, descendo em Puerto Stroessner, em Foz do Yguaçu. Muitos paparazzi
e repórteres queriam entrevistá-la, mas Futrício Jr.
fura o cerco de seguranças e, quando aborda a atriz, acusa-a de ter um filho
brasileiro – Ernestinho – nascido em Belém do Pará há 15 anos, que seria filho
do jornalista paraense Ludovico. O Segurança afasta Futrício
e sai com a atriz. Natalícia, irritada, exige provas da acusação, que poderia
gerar uma intriga internacional. Ele, Futrício, diz
que vai provar! E a partir daí, todos os quiproquós acontecem. Futrício suborna o Segurança e Natalícia os espiona, mas
não consegue ouvir o nome do suposto pai. Futrício e
Natalícia, em seus programas de rádio, entrevistam os envolvidos na trama,
tentando desvendar o mistério de quem seria o pai de Ernestinho. Mama Perlita, irritada, lança uma praga em Futrício
Jr., que se cumprirá se ele não se calar. Micky
Jaguar traz um médico paraguayo para explicar a
concepção imaculada de Angelita. E a Generalíssima Presidenta do Paraguay,
Carmen Gutierrez, ameaça entrar em guerra com o Brasil de nuevo, caso esta situação diplomática
constrangedora, que ameaça a honra do Paraguay, não
se encerre. Até que, quando Mama Perlita, a única que
sabe La Verdad,
decide contar a todos sobre seu neto, acontecimentos bizarros e estranhos,
vindos da parte do além, calam-na para siempre! Convidamos
a todos a saborear esta saga! Intriga, drama, ação, suspense e paixão são os
ingredientes desta história muy dramática! ¡Viva el Paraguay!
Como Seguir o que
se Transforma? ou Categorias de Análise
Uma chave importante de minha
observação foi verificar que as semioses compareceram de duas maneiras
diferentes e em momentos distintos na criação da peça radiofônica:
i)
O primeiro
momento era quando havia no grupo os acordos gerais sobre o canovaccio e procedimentos para a
montagem;
ii)
O segundo
momento era exatamente o da execução da ação per se, que requereu das atuadoras afásicas uma postura teatral
propriamente dita.
Em decorrência dessas observações,
apresento abaixo um quadro no qual se destacam algumas das modalidades de ação
que compareceram multissemioticamente no PET e que
foram observadas quando emergiram como construção reorganizada de sentidos:
Figura 1: Quadro 1 Modalidade
Semiótica x Processos Semióticos Gerados
Uma tarefa subsequente foi a
organização dessas ocorrências, relacionando-as com sua emergência nas nervuras da ação.
Proponho, a seguir, um quadro
analítico das minhas categorias de análise, chamadas de “nervuras da ação”.
Este quadro analítico foi elaborado com base e inspiração na obra de Stanislavski
(1964) e em seu método das ações físicas, posteriormente revisitadas por Grotowski (2012).
Vejamos, no próximo
quadro, uma categorização geral da ocorrência de semioses simultâneas em meio
ao PET:
Nervura da Ação: Emergência de semioses
verbais e não verbais |
Subnervura: Corporeidade da ação |
Trabalho da atriz sobre si mesma:
domínio intuitivo dos elementos que compõem uma ação psicofísica e a
construção multimodal de semioses verbais e não verbais de segunda natureza
(corpo + mente; ação-gesto-movimento + fala). Ação física: um gesto, um
movimento ou uma atividade corporal com uma intencionalidade, com um objetivo
a atingir, envolvidos por impulsos que visem a um objetivo. |
Subnervura: Intenção comunicativa |
Ação: atenção, imaginação, musculatura
em estado de prontidão para agir e criar semioses. O gesto-movimento: envolve
todo o corpo, tem forma organizada e qualidades de ação multimodal. |
|
Nervura: Densidade modal no ato teatral |
Subnervura: Sensorialidade/ espaço compartilhado |
As circunstâncias; situações/acontecimentos;
avaliação da mudança de situação. A ação não é fazer um gesto ou um
movimento. A ação é um processo psicofísico multimodal de criação interna da
atuadora afásica para alcançar um determinado objetivo, que se dá no tempo e
no espaço, conforme as semioses coocorrem, objetivando instaurar o jogo
teatral ou a cena propriamente dita. |
Subnervura: Conectividade/ objetivo comum |
Relação/interação entre objetos de
atenção da cena; comunicação; tempo-ritmo. A linha física da ação (chamada
“partitura”) deve estar justificada num processo individual, que envolve
imagens próprias (chamadas “subpartitura”) e que
ajudam a definir a ação mental, sem a qual a atuadora afásica corre o risco
de não tornar vivas suas ações físicas, verbais e não verbais. |
Figura 2: Quadro 2: Resumo das
Nervuras da Ação.
Durante a tomada do áudio para a
montagem da peça radiofônica, sempre surgiam falas e situações que não haviam
sido ensaiadas. Isso se dava por dois motivos:
i)
Pela dificuldade
intrínseca de cada atuadora afásica retomar sua própria recém criação,
rigorosamente, com as mesmas ações e palavras (como o fazem atrizes, de modo
geral);
ii)
Pela criatividade
aflorada das jogadoras em situação, buscando compensar aquela dificuldade com
uma outra criação paralela e absolutamente performativa, condizente com o tema
e com o tópico maior da cena, sem perder o canovaccio
combinado.
Entendi, então, a fim de aproveitar ao
máximo essa condição acima exposta, a necessidade de criar uma sonoplastia
realizada ao vivo com materiais e objetos que estivessem disponíveis no CCA,
além de fazermos sons com nossas bocas e corpos, percussivamente;
a sonoplastia nos servia como contexto, preenchimento e ambientação.
O que herdamos, enquanto pesquisadoras
e indivíduos, de cenas que desafiam nossa in/(h)abilidade
de compreender, presenciar e experienciar aquilo que propõem? O que está em
jogo nesta ressignificação, e como ela ressoa na pesquisadora/artista/ser
humano?
Aplicação das
Nervuras da Ação e Formas de Análise da Dimensão Multimodal do PET
As disposições do jogo teatral com as pessoas
afásicas foram estabelecidas a partir dos processos de linguagem e semioses
continuados e inter-relacionados, e são ferramentas epistemológicas de análise
neurolinguística nesta travessia: a relação intrínseca entre corpo/ cognição/
pensamento/ linguagem/ interação.
Como Seguir o que
se Transforma – 2? ou a Performatividade na Cena
Exclusiva
Para demonstrar a aplicação das
nervuras da ação, apresento, a, esta altura do caminho, mais uma Cena
Exclusiva, um dado extraído do meu corpus
(o Dado 1) e, em seguida, apresento uma tabela analítica associando trechos das
falas das atuadoras afásicas às nervuras da ação.
DADO 1 - Corpus: AphasiAcervus
(03/10/2013) - Cabeçalho
Contexto: sessão do PET com a presença
dos não afásicos EM, JC, NE, NF, RP e dos afásicos MN, MS, LM, SI, SP, RB. A
sigla TD significa “todos”.
Gravação da
Unidade de Cena # 4: Mas será o Ludovico?!
Natalícia,
repórter investigativa, segue o segurança da famosa atriz paraguaia, Angelita
Joli, até uma praia deserta com floresta, numa noite de ventania e tenta
escutar sua conversa secreta com Futrício Jr,
jornalista ambicioso e fofoqueiro, sobre quem seria o verdadeiro pai do filho
brasileiro da atriz, cerne do escândalo internacional que move a trama.
Agora, apresento a tabela analítica
mencionada, demonstrando os modos e recursos semióticos mais densos e que mais
se destacaram no trecho em questão, ou seja, o que estou chamando de nervura da ação, nos trechos iniciais do
Dado 1, com as vozes aqui transcritas, desta vez, no formato transcricional
adotado pelo Aphasiacervus/IEL:[15]
FRASE |
TRANSCRIÇÃO DA FALA |
MODOS SEMIÓTICOS EM DESTAQUE em relação às NERVURAS DA
AÇÃO |
01 TD – |
((sentados, realizando gestos ritmados sons diversos feitos
com a boca, imitando o que seria som |
Gestos
metafóricos, gestos ritmados, gestos icônicos / CONECTIVADE/OBJETIVO
COMUM |
02 |
de floresta à noite)) |
Idem/
IDEM |
03 JC |
vamos gravar este som então/
Rogério? vamos gravar esse som? ((gira o indicador da mão direita |
IDEM |
04 |
apontado para cima, para indicar
todos os sons realizados)) |
Idem/ IDEM +
SENSORIALIDADE/ESPAÇO COMPARTILHADO |
05 TD |
((movimento de sim com a cabeça)) |
Idem/IDEM+IDEM |
06 JC |
silêncio no estúdio ((sinal dêitico
com o dedo indicador para RP, que inicia a gravação do som)) |
Manutenção
do gesto/ IDEM+IDEM |
07 JC |
((indicação para RP
"cortar" a gravação depois de cerca de 30´)) vamos ver se ficou
bom/ |
Idem/ IDEM |
08 |
eu nem perguntei se vocês
concordavam(.) vocês concordam com este som? |
gesto
icônico/ CONECTIVIDADE// OBJETIVO COMUM |
09 TD |
((todos fazem gesto afirmativo com a
cabeça)) |
idem/
idem |
10 JC |
vamos ouvir como ficou? |
idem/
idem |
11 TD |
(...)((em silêncio, ouvem a sonoplastia
recém produzida. ao final, risos e gestos e |
junção
entre dêiticos gestuais e verbais/ SENSORIALIDADE/ESPAÇO
COMPARTILHADO + CORPOREIDADE DA AÇÃO |
12 |
movimentos corporais entusiasmados
de aprovação)) |
Idem/IDEM |
13 EM |
muito jóia/ Muito
jóia... |
gesto
emblemático que continua na pausa/ IDEM |
14 JC |
ficou legal né? ((todos demonstram
aprovação corporalmente)) |
Idem/IDEM |
(...) 34 JC |
(...)((sentando-se, falando para todos))
na sequência deste som/ a gente podia por |
CONECTIVIDADE/OBJETIVO
COMUM |
35 |
uma fala do Futrício...
((para MS, em voz baixa)) “estou aguardando... o |
gesto
icônico/ IDEM |
36 |
[segurança” ((fala com clima de
suspense)) |
manutenção
gesto/ IDEM |
37 MS |
[é:: não...
qual é... ã::h ((fala sussurrando, aponta para LM)) |
gesto
dêitico icônico/ CORPOREIDADE
DA AÇÃO |
38 JC |
quem é... ((sussurra para MS, orientando-o)) o verdadeiro pai [do filh/ |
idem/IDEM |
39 MS |
[da cri-AN-ça |
idem/IDEM |
40 EM |
mas como é que ele ((aponta para
LM)) soube? |
gesto
emblemático que continua na pausa/ CONCETIVIDADE/OBJETIVO
COMUM |
41 JC |
não/ assim... é:: que ele ((aponta para
MS)) é mentiroso e ele soltou no programa |
gesto
emblemático + dêitico/ IDEM |
42 |
de rádio dele “EU sei quem É o PAi da criança”/ então... agora,
pra não ficar |
gesto
icônico + metafórico/ IDEM |
Figura 3: Quadro 3: Tabela Analítica das Nervuras da Ação
(Categorias de Análise)
Com o Quadro 3 (nas linhas de 1 a 14)
é possível notar que foram feitos quatro acertos no momento dos acordos: i) quando convidei a todas e todos a
gravar o som de floresta; ii) quando
perguntei se todas e todos concordavam com aquele som para ilustrar a floresta;
iii) quando convidei a todas e todos para
ouvir o som produzido; iv) quando as pessoas aprovaram aquele
som, que seria, enfim, usado como cenário sonoro daquela cena na versão final
da novela.
Esses dois momentos foram costurados
pelas seguintes nervuras da ação,
conforme podemos observar, também: i)
Conectividade/Objetivo Comum, quando o segundo momento, o da ação, já estava
acontecendo, simultaneamente, ao longo dos quatro acertos acordados, temos: ii) Sensorialidade/Espaço Compartilhado; iii) Conectividade/Objetivo Comum; iv) Sensorialidade/Espaço Compartilhado +
Corporeidade da Ação.
Em seguida, nessa Cena Exclusiva (
Esses dois momentos foram permeados
pelas seguintes nervuras: i) no momento dos acordos:
Conectividade/Objetivo Comum; Intenção Comunicativa; Sensorialidade/Espaço
Compartilhado; Corporeidade da Ação + Intenção Comunicativa;
Conectividade/Espaço Compartilhado; ii) no momento da
ação: Sensorialidade/Espaço Compartilhado; Conectividade/Objetivo Comum;
Conectividade/Espaço Compartilhado.
Uma constatação decisiva para a
compreensão do meu trabalho foi a de que, pelo processo do meu modus operandi com pessoas afásicas, houve mais momentos de acordos do que
de ação, o que não diminuiu a potência do que realizamos. No entanto, isso
revelou a natureza da nossa construção, já que a peça radiofônica foi montada
sessão por sessão, contingencialmente, tendo em vista que a assiduidade das
participantes não era permanente. Sendo assim, os acordos tinham que ser
revistos sempre, de forma pactual, consensual e coletiva, para que o canovaccio principal se mantivesse.
O fechamento?
Refletir, ao final desta travessia,
sobre as possíveis consequências científicas, sociocognitivas, artísticas, pedagógicas
apresentadas neste percurso textual.
Não se trata aqui de resolver
definitivamente como fazer teatro ou performance com pessoas afásicas, questionamentos
tão ou mais abrangentes do que as reflexões apresentadas neste texto são
capazes de acessar.
Com essas considerações finais, pretendo, sim, que este seja o momento de
retomada da questão primeira, ou seja, do que é um corpo expressivo ou o ser-no-mundo incorporado (embodiment), do
que se trata a performatividade com pessoas que
apresentam afasia, frequentemente enquadrada como “deficiência”
equivocadamente.
Porque isso é relevante
para os estudos da cena contemporânea e da performance?
Pondero sobre qual a relevância e
ganhos deste percurso todo para a ação no mundo das pessoas afásicas
participantes desta pesquisa e, desta forma, como a observação e teorização desta
prática, deste processo, pode fundar uma pedagogia de formação e criação para
artistas da cena. E, finalmente, como, através das pessoas afásicas com quem
trabalhei, pude chegar a mim.
A hipótese colocada demonstrou que a
capacidade expressiva da pessoa afásica se renova em novas competências
semióticas que funcionam plenamente na elaboração de um produto artístico e também se deixam ver nas práticas discursivas. O estudo em
torno do fenômeno teatral, aqui apontado como chave da observação enfocada, a partir
de uma perspectiva interacional, permitiu-me também uma compreensão mais
apurada das afasias, questionando, por exemplo, a definição que a toma como
perda da capacidade de realizar operações metalinguísticas essenciais, por
exemplo, ao fazer teatral.
Também foi possível detectar, de forma
mais consciente, elementos que foram trabalhados em cena (e que não podem ser
retratados pela imagem, como no caso de uma foto, mas pela peça em ação em si
ou pela dramaturgia) e despertaram a sequência de apreensão do teatro como
fenômeno. Dessa forma, esta travessia textual, ao mesmo tempo em que se encerra,
não se conclui, pois faz parte do fazer teatral, para além do PET, estar-se
refazendo na tentativa de, assim, se recriar sempre.
De minha parte, verifico que apesar
das
Contra a certeza das formas inteiras e
fechadas da reconstrução de semioses de forma multimodal, o corpo cênico
afásico deu a ver “corpo” como sistema relacional em estado de geração
permanente. O estado cênico do corpo afásico acentuou a condição metamórfica
provocada pela afasia, e isto igualmente constitui a participação do corpo da
atuadora afásica no mundo. A cena mostrou, amplificou e acelerou a metamorfose
metalinguística e a renovação e reconstrução das competências, pois
intensificou a relação entre corpos, entre corpo e mundo, entre mundos.
Com sua característica fortemente
demarcada pela intertextualidade, local onde as artes se auto penetram,
compreendi uma dinâmica de encontros e descobertas cujo fim primeiro, como já
foi dito, era extrair o ainda não narrado, o inexplicável, o indizível da afasia,
intuindo e recriando, nesse entrecruzamento de vida real e vida esteticamente
organizada, novas formas de performatividade humana
com corpos afásicos. Esse contínuo movimento do PET que, incessantemente,
reconstruiu semioses e atos performativos, acabou por contribuir e ampliar as possibilidades
expressivas da pessoa atuadora afásica, até chegarmos cada vez mais perto do
público em “Recuerdos de Ypacaray”.
Para chegarmos a executar nosso trabalho em público, no caso do PET, foi necessário
provocar o jogo entre esses corpos performativos.
Por fim, por meio da análise das
sessões
Neste momento da pesquisa, as questões
latentes na finalização deste ciclo acadêmico permanecem incógnitas, inclusive
por estarmos diante de um período de constante conturbação política que afeta
diretamente a produção desta pesquisa, atualmente financiada com recursos da
Capes. De todo modo, tais conturbações só vêm fortalecer o sentimento de
relevância desta pesquisa e a necessidade urgente de defendermos o espaço da
produção artística na constituição democrática do país, tão importante quanto a
esfera política no sentido de espaços de partilhas de sensíveis, de modos de vida, capazes de nos impulsionar em direção
aos nossos desejos de melhorar, de evoluir, de aprimorar, individual e
coletivamente, na renovação de nossas formas de estar, de fazer e de ser no
mundo.
REFERÊNCIAS
CALLIGARIS, J. P. A Dimensão Multissemiótica do Jogo Teatral: a
Experiência de Elaboração de uma Peça Radiofônica no Programa de Expressão
Teatral do Centro de Convivência de Afásicos (CCA - IEL/UNICAMP) . 2016. Dissertação (Mestrado em Lingiística
) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/270633. Acesso em 31 jul.
2020.
FABIÃO, E. Performance e teatro:
poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, n. 8, p. 235-246, 2008. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/5
7373/60355. Acesso em 31 jul. 2020.
GROTOWSKI, J. Prefácio. In: RICHARDS, T.
Trabalhar com Grotowski
sobre as Ações Físicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2012. p.11-13.
KOUDELA, I. D. Brecht: um jogo de
aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991.
NORRIS, S. Analyzing Multimodal Interaction: a methodological framework.
Londres : Routledge, 2004. p. 74. E-book. DOI: https://doi.org/10.4324/9780203379493
NORRIS,
S. Multiparty interaction: a multimodal perspective on relevance. Discourse Studies, v. 8, n. 3,
p.401-421, jun. 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/1461445606061878. Disponível em: encurtador.com.br/eowBT. Acesso em: 31 jul. 2020.
SALLES, C. A. Crítica Genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. São Paulo: Educ,
2008.
SALOMÃO, M. A questão da construção do
sentido e a revisão da agenda dos estudos da linguagem. In: Veredas: Revista de Estudos Linguísticos, Juiz
de Fora , v. 3, n. 1, p. 61-79, jan./jun. 1999. Disponível em: https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo35.pdf. Acesso em 31 jul. 2020.
STANISLAVSKI, C. A Preparação do Ator. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
TONEZZI, J. Cena e Contágio: o caso da
Companhia de Arte Intrusa. In: Revista O
Percevejo online, Rio de janeiro, v. 3, n. 2., 2011. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoon
line/article/view/1922. Acesso em: 31 jul. 2020.
TONEZZI, J. Distúrbios
de Linguagem e Teatro: o afásico em
cena. São Paulo: Editora Plexus, 2007.
[1] Neste texto escolhi fazer a generalização no feminino; por isso,
quando escrevo atuadora afásica, por
exemplo, generalizo qualquer pessoa atuadora afásica do PET/CCA/IEL/UNICAMP,
independente do seu gênero.
[2] As afasias, grosso modo, são sequelas na linguagem
decorrentes de um episódio neurológico, como acidente vascular cerebral (AVC),
traumatismos cranioencefálicos ou um tumor cerebral. Essas sequelas acarretam
ao indivíduo dificuldades nos processos de produção e interpretação de linguagem
em vários níveis: fonoarticulatórios, sintáticos,
quanto à capacidade de ordenar os elementos dos enunciados em formas
“gramaticalmente” aceitas, como, por exemplo, a “fala telegráfica”, em que há
ausência dos elementos conectivos; no nível lexical, dificuldade de acesso às
palavras, além de dificuldades de produção e interpretação do sentido nos
enunciados. (Morato et alli, 2002).
[3] Registro audiovisual dos encontros
semanais do CCA (consentido oralmente e por escrito pelas participantes
afásicas), com vistas à compreensão e acompanhamento das atividades ali
desenvolvidas (evocação e elaboração de práticas sociais relevantes para o grupo,
potencialmente inclusivas e significativas; orientação de ações terapêuticas;
observação longitudinal dos sintomas neurolinguísticos,
afásicos, hemiplégicos, apráxicos, agnósicos); processos linguísticos e cognitivos emergentes
no decurso de situações interacionais as mais variadas): <http://cogites.iel.unicamp.br/p/aphasiacervus.html>
[4] Em tempo, entendo a cena artística contemporânea considerando a
definição de Eleonora Fabião, a partir da qual a pesquisadora defende que:
“Cada performance [na cena contemporânea] é uma resposta momentânea para
questões recorrentes: o que é corpo? (pergunta ontológica); o que move corpo?
(pergunta cinética, afetiva e energética); o quê corpo pode mover? (pergunta
performativa); que corpo pode mover? (pergunta biopoética
e biopolítica)”. (Fabião, 2009, p. 238).
[5]
CALLIGARIS, Juliana Pablos. A Dimensão Multissemiótica
do Jogo Teatral: a Experiência de Elaboração de uma Peça Radiofônica no
Programa de Expressão Teatral do Centro de Convivência de Afásicos (CCA -
IEL/UNICAMP). Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudo da Linguagem –
IEL/UNICAMP, 2016.
[6] Mais adiante, na seção “Abordagem
Empírica, Interacionista e Multimodal do PET”, comentarei sobre o conceito de
multimodalidade semiótica.
[7] A expressão “cena exclusiva” foi uma
licença poética utilizada pelo meu coorientador, Prof. Dr. José Tonezzi (DAC/UFPB), para referir-se à cena contemporânea
afásica, em reunião individual de orientação.
[8]A fim de preservar a identidade das pessoas (exceto a
minha), todos os nomes apresentados em diálogos neste texto foram substituídos
por outros que começam com a mesma letra, conforme orientação do Comitê de
Ética em Pesquisa – CEP/UNICAMP. Os diálogos baseiam-se em minhas transcrições
para a dissertação de Mestrado – a partir dos registros do AphasiAcervus, mantendo-se algumas características da oralidade das pessoas
atuadoras.
[9] O COGITES estuda práticas linguístico-interacionais que envolvem
pessoas que apresentam afasia e neurodegenerescência,
com foco em determinados processos enunciativos e interacionais corporais.
Vide: <http://cogites.iel.unicamp.br/>
[10] Acidente vascular cerebral, conhecido
popularmente como “derrame”, que é uma das causas da condição de afasia.
[11] Hemi -metade, -plegia paralisia: é a paralisia de metade sagital (esquerda
ou direita) do corpo. É mais grave que a hemiparesia que se refere apenas à
dificuldade de movimentar metade do corpo.
[12] O módulo de reconstrução e ressignificação paródica
no PET durou um semestre letivo. Ficamos apaixonadas e apaixonados pelo
projeto. Gerou muita metaforização, muita reconquista
de performar ironia (competência cognitiva abalada pelas afasias), muito ganho
de competência sociocognitiva e motora. Tema para outro artigo. Mas que foi
divertidíssimo, ah... Isso foi!
[13] De acordo com a linguista Sigrid Norris, a intensidade de modos específicos numa
interação é determinada pela situação, pelos atores sociais e por outros
fatores ambientais e sociais envolvidos: “Multimodalidade é um enfoque inovador
da representação, comunicação e interação, que vai além da linguagem, para
investigar a multiplicidade de maneiras pelas quais nos comunicamos: desde
imagens, sons e música até gestos, postura corporal e uso do espaço” (Norris,
2009, p.178). Há duas formas de analisar a densidade modal, segundo a
pesquisadora. A primeira delas refere-se à intensidade modal. Quando um modo
tem um “grande peso” em uma determinada atividade, esse modo tem uma alta
intensidade. Ao meu ver, a chamada “ação presente de
cena” é um dos modos que assume alta intensidade no fazer teatral;
alternativamente, às vezes, a fala assume essa alta intensidade. Conforme
Norris (2004, p.79) esclarece, “densidade modal é definida como a intensidade
modal e/ou complexidade modal através da qual uma ação de alto nível* é construída”. A outra forma defendida pela
autora para abordar a densidade modal é por meio da complexidade modal. Por
esta via, ao contrário da intensidade modal, vários modos semióticos interagem
para fazer sentido. *Sobre as “higher-level action”, Jones
(2005, p.11 apud Norris, 2004) assim
as define: “Uma ação de nível alto
como tendo um claro início e fim, e constituída de uma multiplicidade de ações
de nível baixo encadeadas”. (Tradução nossa).
[14] No
programa reproduzido para este artigo, apenas o meu nome e o nome da professora
orientadora estão explícitos. Os demais nomes foram substituídos pelas iniciais
correspondentes, incluindo os nomes de outras pessoas pesquisadoras não
afásicas, que participaram do elenco.
[15] A diferenciação de cores é um recurso
para facilitar a leitura das três colunas desta tabela, não implicando em
informação adicional.