A Dimens�o Multissemi�tica do Jogo Teatral: A Experi�ncia de Elabora��o de uma Pe�a Radiof�nica com Af�sicas e Af�sicos

 

The Multisemiotic Dimension of the Theatrical Play: The Experience of Developing a Radio Play with Aphasics

Juliana Pablos Calligaris

Doutoranda em Artes da Cena pelo PPGAC do Instituto de Artes � IA/UNICAMP. Atriz, professora e diretora teatral desde 1991. Mestrado em Lingu�stica com abrang�ncia em Teatro e Semi�tica pelo Instituto de Estudos da Linguagem � IEL/UNICAMP. Gradua��o em Artes C�nicas pelo IA/UNICAMP. Pela Cia Trilhas da Arte � Pesquisas C�nicas, companhia a qual fundou, atua no solo de sua autoria, Janelas para uma Mulher, com dire��o de Leticia Olivares e dirige o espet�culo infanto-juvenil de tem�tica ind�gena O Pequeno Senhor do Tempo�.

juliana.calligaris@gmail.com -https://orcid.org/0000-0002-6751-8643

 

Resumo

Este estudo exp�e um dos resultados de uma pesquisa sobre significa��o verbal e n�o verbal desenvolvida atrav�s da pr�tica teatral desenvolvida no meu mestrado, baseada na observa��o da rela��o entre linguagem, corpo e cogni��o com pessoas af�sicas. Investigo a coocorr�ncia multimodal de semioses (fala, gesto, express�o corporal, olhar, etc.) com af�sicas e af�sicos, atrav�s das intera��es de diferentes, ainda que compartilhados, processos semi�ticos, ativos na constru��o de significados, para descrever e analisar o papel da atividade art�stica performativa na (re)organiza��o de possibilidades comunicativas e expressivas de indiv�duos af�sicos no mundo e com seus pares.

Palavras-chave: Teatro - Semi�tica. Af�sicos. Linguagem corporal na arte. Performance (Arte)

 

Abstract

This study exposes one of the results of a research on verbal and non-verbal significance developed through theatrical practice developed in my Master course, based on the observation of the relatioship between language, body and cognition with aphasic people. I investigate the multimodal co-occurrence of semiosis (speech, gesture, body expression, gaze, etc.) with aphasic people, through the interactions of different, yet shared, semiotic processes, active in the construction of meanings, to describe and analyze the role of performative artistic activity in the (re)organization of communicative and expressive possibilities of aphasic individuals in the world and with their peers.

Keywords: Theater-Semiotics. Aphasic persons. Body language in art. Performance art.

 

DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0021

Recebido em: 13/06/2020

Aceito em: 06/07/2020

 

Apresenta��o

O prop�sito desta travessia textual � refletir sobre o ato teatral performativo e a coocorr�ncia/coexist�ncia de semioses verbais e n�o verbais em contextos de afasia. Como se ver�, meu enfoque e interesse reca�ram na reconstitui��o de semioses verbais e n�o verbais (multimodais) pela atuadora af�sica[1], n�o na aus�ncia da afasia, mas na presen�a da afasia[2]. A partir desse prop�sito, vou contar uma parte do que investiguei no Programa de Express�o Teatral (PET) � sob minha orienta��o, do Centro de Conviv�ncia de Af�sicos (CCA), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e sobre o que descobri acerca da no��o de densidade modal das semioses que coocorrem e se interconectam na cena af�sica, visando t�o somente evidenciar que elas s�o: i) distintas; ii) que sua relev�ncia na constru��o do sentido em a��es performativas durante o Programa de Express�o Teatral (doravante, PET), dependeu do recurso de teatralidade mais salientado pela atuadora af�sica (por vezes mais verbal, em outros momentos, mais n�o verbal); dependeu da capacidade oral e gestual/motora da participante; dependeu dos recursos mais recorrentes no jogo de cena; dependeu do contexto geral de produ��o de sentidos. Em nossos di�logos p�s jogos, muitos desses recursos de teatralidade eram, depois, citados e marcados como escolhidos criticamente pelas pr�prias af�sicas para serem usados em situa��o, a fim de ressignificar suas a��es e seus corpos, performativamente. Na narrativa de processos que exponho aqui, buscarei apresentar os caminhos de observa��o destas evid�ncias, partindo do texto da minha disserta��o de mestrado em lingu�stica do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, defendida em 2016.

Discorrerei pelo escopo geral do presente estudo, apresentando minhas perguntas epistemol�gicas e minhas motiva��es cient�ficas e pessoais. Para organizar esta escrita, com o intuito de construir tais caminhos narrativos, aproveitarei certos gatilhos psicof�sicos e intuitivos que obtive atrav�s da minha jornada como atriz, professora e diretora teatral, no Doutorado (atualmente), no Mestrado (2013-2016) e na Inicia��o Cient�fica (2003-2007) e que me trouxeram at� este momento.

Uma parte do caminho seguir� pelo rumo da investiga��o da pr�tica como pesquisa (pratice as research). Dessa forma, procurarei apresentar quais foram os racioc�nios acerca dos materiais e m�todos que utilizei, visando trazer � tona uma pr�via apresenta��o de materialidades c�nicas af�sicas, pertencentes a um percurso muito maior, que tem sido a travessia pelo Doutorado.

Em minhas an�lises, a partir das vozes e coment�rios das atuadoras af�sicas do grupo, relacionei meus resultados �s principais informa��es acumuladas e arquivadas pelo AphasiAcervus[3] sobre as pr�prias af�sicas atuantes no PET. Em suma, procurarei seguir um espec�fico postulado de natureza sociocognitiva, defendido por Margarida Salom�o: o de que �fazer sentido (ou interpretar) � necessariamente uma opera��o social na medida em que o sujeito nunca constr�i o sentido em si, mas sempre para algu�m � ainda que este algu�m seja si mesmo� (Salom�o, 1999, p. 71).

Isto posto, percebi que foi naquele ponto, no momento de interse��o entre o fazer teatral com pessoas af�sicas e a investiga��o semi�tica e lingu�stica multimodal, que me coloquei na condi��o de experimentar junto ao meu grupo do PET o meu lugar hist�rico, o meu lugar de narra��o titubeante no in�cio, o meu lugar de for�a a partir de qualquer fragilidade pessoal � psicol�gica ou emocional, ou seja, o meu lugar de experimentar as minhas pr�prias afasias, ainda que metaforizadas, por�m sentidas por mim atrav�s dos meus atos de decis�o, de des-decis�o, cis�o, afirma��o e escolha de narrativas a partir das afasias delas e deles, porque deixaram de ser afasia diante do trabalho teatral e passaram a ser materialidade c�nica performada por corpos ressignificados. Caminho vertiginoso, por�m, necess�rio. Amedrontador, no entanto, fulcral! Joguei-me. Elas e eles, com seus corpos fortes e af�sicos, seguraram-me. Salto na luz e n�o no escuro.

 

Segui, definitivamente, n�o na aus�ncia da afasia, mas na presen�a da afasia.

 

O Centro de Conviv�ncia de Af�sicos (CCA) e o Programa de Express�o Teatral (PET):

Corpos Ressignificados e Afetos que se Transpassam

 

Prossigo pelo caminho. A partir deste trecho da travessia vou assumir alguns entrela�amentos entre cogni��o, semi�tica, multimodalidade lingu�stica e teatro na cena contempor�nea[4] a partir da performatividade de pessoas com corpos af�sicos.

A multimodalidade nesta jornada � evocada como fen�meno complexo e multifacetado, reconhec�vel por suas imbrica��es entre �tica e est�tica no campo art�stico e pelo seu vi�s psicomotor-cognitivo, enquanto componente da coocorr�ncia de semioses que emergem de maneira solid�ria e compensat�ria a partir do ato da af�sica, e de ocorr�ncia sociocultural. A no��o de nervura da a��o que cunhei para esta pesquisa � uma esp�cie de termo metaforizado e foi uma forma de abordar os estudos da neuroplasticidade cerebral relativos ao estatuto da afasia. Neste estudo as estabeleci pela aproxima��o com experi�ncias c�nicas pessoais em investiga��es que realizei sobre antropologia teatral e performance[5] e com seus desdobramentos perceptivos e corporificados (embodiment), suas repercuss�es imediatas e suas resson�ncias, investiga��es estas viabilizadas, justamente, pela abordagem das diferentes �reas do conhecimento �s quais recorro: Teatro, Performance e Lingu�stica. Por isso, creio ser importante ressaltar que em nenhum momento ao longo das minhas pesquisas tratei ou trato da cl�nica m�dica. Antes, por�m, debru�o-me sobre pessoas atuadoras af�sicas � elas e eles e eu � e sobre a agita��o de afetos, sensa��es, percep��es e avers�es que permearam nossas experi�ncias performacionais no CCA.

Deste modo, narrarei como as experi�ncias aqui focalizadas fomentaram desdobramentos que buscaram simboliz�-las e re/elabor�-las de modo a apreender suas especificidades, mas sem negar suas lacunas ainda a serem desvendadas. As inquieta��es acima expostas continuam a impulsionar esta travessia de pesquisa e mesmo no momento da revis�o deste texto, ainda ressoam. A complexidade do campo escolhido continua a gerar quest�es e desestabiliza��es; as estrat�gias de uma pedagogia de cria��o art�stica a partir da cena af�sica com a qual lido no PET, que instauram interse��es e intera��es entre afasia, multimodalidade e performatividade, estendem-se por zonas de perscruta��o e escuta ainda n�o absorvidas.

 

Afinal, como apreender o vivido, especialmente quando ele se desenvolve por processos performativos com �corpos af�sicos�, com �corpos inabituais�, por vezes inapreens�veis a um primeiro olhar?

 

Num esfor�o para apreender o vivido, a esta altura do caminho, faz-se importante apresentar o CCA/IEL/UNICAMP, lugar de exist�ncia do PET. Proporei um panorama da hist�ria do Centro, que al�m de ser um espa�o de pesquisas cient�ficas em linguagem e cogni��o, tamb�m desenvolve, estuda e promove, desde os seus prim�rdios, a atividade art�stica, teatral e performativa, como pr�tica ativa dos encontros e realiza��es do grupo. Apresentarei os processos da pr�tica como pesquisa e, partindo disso, os resultados do meu trabalho no CCA e no PET, que me levaram �s hip�teses te�rico-metodol�gicas que investigo no doutorado.

 

O que fazer com as instabilidades que nos afetam e que nos desorientam enquanto fazedoras e fazedores das artes da cena?

 

Entretanto, a ca�tica e inst�vel transi��o entre desejo e forma que naturalmente se instaurar� (conforme � sabido) nas primeiras etapas da cria��o art�stica, exigir� alguma objetividade de observa��o. Para tanto, buscarei apoio nas ferramentas da cr�tica gen�tica, pr�xis que reconhece tal transitoriedade e estuda a cria��o art�stica por meio da an�lise do ato criador registrado em manuscritos, di�rios e esbo�os. No meu caso, utilizo desde a Inicia��o Cient�fica tamb�m o registro audiovisual.

A grande contribui��o desta pr�xis (cr�tica gen�tica) para a pesquisadora de processos de cria��o c�nicos est� justamente no fato de trabalhar a partir da materialidade dos elementos moldados durante o ato criador e centrar sua an�lise no embate entre ideia e forma, entre o planejamento conceitual da artista e a moldagem dos materiais.

� relevante nesse campo o trabalho da pesquisadora brasileira Cec�lia Almeida Salles que, em seus escritos, nos mostra que a mat�ria resiste e interfere na cria��o. Uma forma surgida at� mesmo ao acaso, no embate da atuadora af�sica durante o ato criativo com seus meios, por exemplo, pode se impor abrindo nova vertente em um trajeto que por si s� j� se configura denso, devido � complexidade multimodal[6] do �ato do af�sico� (Tonezzi, 2007). Conforme argumenta a autora, �a rota � temporariamente mudada, o artista acolhe o acaso e a obra em progresso incorpora os desvios� (Salles, 2008, p.36).

A an�lise do processo de cria��o e das apresenta��es/exibi��es das performances aqui descritas ser� realizada, portanto, pelas vias da cr�tica de processos (Salles, 2008) e da observa��o participante (Hagette, 1987), de forma a permitir que o estudo verticalizado de aspectos te�ricos e metodol�gicos da pesquisa seja registrado tanto em m�dia quanto por escrito e � esse material que ser� utilizado para demonstrar a relev�ncia da singularidade da performance da atuadora do �teatro das disfun��es� (Tonezzi, 2011), que usufrui completamente de processos semi�ticos multimodais variados na (re)constru��o dos sentidos.

 

Uma Hist�ria Curta, a Coisa Toda e o Ainda Aqui e Agora

 

Cena Exclusiva[7]: Afasia antes do Teatro

Maur�cio[8]: O que � afasia? Voc� pergunt� �O que � afasia�?

Juliana: A primeira pergunta �: �O que � afasia�? N�? O que ela falou?

Maur�cio: Ela sabe o que � a afasia, � quando a gente n�o consegue falar e nem pensar direito.

Juliana: Voc� concorda com isso?

Maur�cio: Sim, sim, �... �... �... o corpo, tem o corpo tamb�m, n�o � s� a cabe�a. Porque-porque

ela disse que tem que... (interrup��o)... porque v�rios tipos de afasia, n�? �-�, fica mais dif�cil

falar, mas aqui, � (apontando para pr�pria cabe�a), t� tudo em ordem, � s� aqui, � (aponta a

pr�pria boca) que fica dif�cil.

Juliana: Sim! E o corpo, igual voc� falou!

Maur�cio: Eu falo muito (risos). �������

No�mia: Tem que tentar, n�o pode ficar parado, tem que fazer, fazer, fazer...

S�vio: Claro, claro, justamente, justamente, mexer, mexer, mexer.

Maur�cio: Isso que � af�sico, fala muito, fala pouco, faz muito, faz pouco, pensa, conversa.

 

����������� ����������� Os di�logos referidos ao longo de toda esta travessia textual t�m como palco o Centro de Conviv�ncia de Af�sicos (CCA) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O CCA funciona em sede pr�pria desde 1998. O grupo focalizado nesta pesquisa tem sido coordenado pela Profa. Dra. Edwiges Morato, cujo grupo de pesquisa (do qual participo) COGITES � Cogni��o, Intera��o e Significa��o[9] integra o Laborat�rio de Fon�tica e Psicolingu�stica (LAFAPE) do IEL.

O CCA foi concebido como um espa�o de intera��o e para o exerc�cio efetivo de pr�ticas cotidianas de linguagem entre participantes af�sicas e n�o af�sicas de forma a contribuir para o maior entendimento da condi��o de afasia e oferecer alternativas para a reintegra��o social dessas pessoas pela conviv�ncia e enfrentamento m�tuo das dificuldades que a afasia implica. O PET que desenvolvo visa trabalhar a expressividade global das participantes atuadoras af�sicas, ou seja, daquelas cujos recursos semi�ticos foram comprometidos pela afasia. As participantes af�sicas que frequentam o CCA s�o encaminhadas pelo Departamento de Neurologia do Hospital de Cl�nicas da UNICAMP, onde previamente j� receberam todo o tipo de assist�ncia m�dica necess�ria. Ou s�o encaminhadas atrav�s de indica��o de outras pessoas que j� ouviram falar do CCA, do PET e dos trabalhos realizados nesse campo, ou no IEL, seja via internet ou via indica��o direta.

 

O choque do AVC[10]: O Primeiro Impulso de �Colocar a Cabe�a Para Fora D��gua� ou do Fen�meno Teatral e a Natureza Sociocognitiva da Arte

 

A gente vai aprendendo desde que come�a a teatrar que, no teatro, h� o aprendizado de uma linguagem pr�pria, ou seja, o aprendizado de espec�ficos sistemas simb�licos verbais e n�o verbais (teatro realista, teatro �pico, teatro p�s-dram�tico, por exemplo), cada qual com regras e metodologias pr�prias de execu��o, que expressam o sentimento, a produ��o intelectual e escolhas est�ticas de quem fez e a resposta de quem assiste.

 

Por�m, e quando a �cuca� pifa, a cabe�a gira, a massa cinzenta explode? O que expressa? Quem expressa?

 

Cena Exclusiva: Emergir

Maur�cio: A gente afunda afogada... Quer p�r a cabe�a para fora d��gua. Quando p�e, puxa o ar, mas ele n�o vem.

Rog�rio: Eu queria p�r a... a... �cabe�a para fora d��gua�, n�?, mas meu bra�o n�o vinha.

Lu�s: �... �... �... Um choque... n�?

Juliana: E como voc�s fizeram?

No�mia: Si vai tentando, si vai tentando at� conseguir, vai mexendo, faz fono, vem pra [CCA] c�, faz teatro, faz as pe�as, apresenta...

(...)

Juliana: Ent�o vamos l�, vamos pra cena!

 

Geralmente, quando a �cuca� n�o pifa e aqueles acima referidos sistemas simb�licos verbais e n�o verbais s�o verific�veis pela via da chamada �normatividade�, eles podem ser verificados atrav�s dos elementos de teatralidade que os comp�em, classicamente: i) a interpreta��o da atriz � o ato de fazer sentido � e a inten��o da a��o e do gesto; ii) a representa��o teatral como fen�meno interacional do qual faz parte, necessariamente, a espectadora.

 

Como decifrar os afetos (incluindo os des-afetos) que se imp�em como for�as geradoras de d�vida epistemol�gica, desestabilizando vers�es conhecidas de descri��o metodol�gica de nossa apreens�o de corporeidades, num dado evento que estamos coordenando e orientando?

 

Conforme a pesquisa foi avan�ando, fomos descobrindo coletivamente como o teatro pode ser extremamente motivador para pessoas af�sicas. Como j� apontou Tonezzi (2007), afeta-as nos aspectos emocional, cognitivo, motor e social.

O PET que constru� junto �s atuadoras af�sicas a partir de acordos coletivos tem uma estrutura que divide as sess�es em seis partes: i) instala��o da proposta de trabalho; ii) aquecimento (vocal e corporal) e exerc�cios de articula��o eproje��o da voz; iii) exerc�cios de express�o corporal; iv) jogos interativos depercep��o espacial; v) jogos interativos de percep��o do coletivo e do social; vi) exerc�cios de criatividade e improvisa��o, tais como jogos em que proponho a realiza��o de cenas realistas ou po�ticas para fins de compreens�o do processo interativo e expressivo e,por consequ�ncia, do processo teatral.

 

Cena Exclusiva: `Bora Fazer!

(...) Ao t�rmino do aquecimento:

Juliana: Vamos para a cena, ent�o.

Maur�cio: Demor�! (risos).

 

Nesse instante, Rafaela, muito t�mida, logo ap�s o nosso aquecimento, quis fazer uma cena solo:

 

Cena Exclusiva: Des-cis�o � Parte 1

Rafaela: Eu quero dan�ar... Voc�-voc� pediu, n�? Pediu? N�?

Juliana: Sim, dona Rafa (risos), desde a semana passada!

Rafaela: T�, vou tentar. Tem m�sica?

Juliana: Rodrigo, p�e o funk dela, por favor.

 

����������� Depois de muita vontade e pouca coragem, finalmente ela dan�ou. Como foi um ato performativo totalmente ressignificado e cheio de multimodalidades gestuais e corporais rec�m-nascidas e que emergiram pela primeira vez aos nossos olhos encantados, proponho uma parti��o s� para ela, para essa jovem mulher af�sica, que re-dan�ou para se re-descobrir.

 

Instru��es para dan�ar depois do AVC, pela atuadora RB.

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Ent�o vamos l�! A t�tulo de exemplo de ganho sociocognitivo e reorganiza��o das compet�ncias comunicativas e expressivas como um todo, evoco o desempenho de RB � �Rafaela� e sua performatividade no PET de mar�o a junho de 2013. RB, 33 anos � �poca, era, segundo ela mesma, �uma dan�arina de funk muito boa e competente�, antes do AVC.

 

Des-cis�o � Parte 2

Rafaela: Eu descia at� embaixo e subia facinho. Agora... (Alude a seu corpo hemipl�gico e hemipar�tico[11]).

Juliana: Vai com tudo, Rafa. Vamos que vamos! N�o tem regra para dan�ar, o funk � seu, o corpo � seu, � voc� que vai dan�ar. Quero ver algu�m conseguir te imitar, depois!

 

O quadro de hemiplegia que surgiu junto � afasia, ap�s o AVC, a inibia de duas formas: na limita��o motora e na vontade de dan�ar. Ent�o, para ela, n�o dan�ar de maneira �competente� significava n�o apenas que ela esbarrava na hemiplegia, mas tamb�m que ela teria que aprender como dan�ar de novo. E, apesar da resist�ncia e inibi��o, ela se disp�s a dan�ar, motivada pelo PET e pela intera��o com as pessoas participantes do CCA (af�sicas e pesquisadoras). Ela reconstruiu reflexivamente essa compet�ncia (no sentido lingu�stico do termo), ela articulou novos processos de significa��o n�o verbal. Ressignificou uma pr�tica para reaprender a semiose do funk � estilo ao qual ela se dedicava muito, para ser competente novamente a partir dos novos padr�es que ela elegeu, gerando e fazendo emergir semioses coocorrentes relativas aos movimentos corporais que essa modalidade de dan�a aciona. RB persistiu, aprendeu outro modo de dan�ar, n�o s� porque o caminho para o corpo estava mais evidente para ela, mas tamb�m porque se treinarmos a mente e o corpo, este responder�, semiol�gica e coerentemente ao est�mulo provocado pelo treino.

 

Des-cis�o � Parte 3: Olhos Rec�m-nascidos Ou Des-cis�o Final

Grupo: (Aplausos entusiasmados e exclama��es de �parab�ns�, �muito bem�, �que lindo!�)

Rafaela (rindo, um pouco t�mida): Eu desci at� embaixo, voc� viu?

Juliana: L�gico que vi, eu sabia que voc� ia dar um jeito de fazer.

 

Apesar das grandes e j� conhecidas capacidades de adapta��o presentes no corpo e na mente humana, s�o muitos os caminhos percorridos pelo c�rebro � pela plasticidade cerebral � para atender �s necessidades de reformula��o de semioses e de ressignifica��o de sentidos, quando isso se faz premente para a sobreviv�ncia no mundo simb�lico.

O fazer teatral com pessoas af�sicas acaba por desmistificar determinados comportamentos �normativistas� e indicar um caminho para que aquelas necessidades sejam exploradas de forma eficiente e transformadora. As experi�ncias e os conhecimentos vivenciados pelas atuadoras af�sicas no teatro por meio do PET, a nosso ver coletivo, de todas e todos (atuadoras e atuadores e demais pessoas pesquisadoras que acompanhavam o meu trabalho junto ao PET), possu�ram, tamb�m, um importante significado para o desenvolvimento social e emocional da pessoa af�sica, porque n�o nos escapava o fato de que, quando chegava ao PET, a atuadora af�sica carregava tanto os conhecimentos que j� trazia consigo quanto os novos conhecimentos nascidos em decorr�ncia da afasia.

 

N�o Saber o que Perguntar � Bom para Escutar a Pergunta que j� Est� ou de Quando a Gente Inventou de Fazer Tudo Quanto � Par�dia[12]

 

O jogo teatral foi um valioso instrumento para a pesquisa que narro nesta travessia. Sobre a import�ncia do jogo teatral, apoio-me na seguinte reflex�o da professora e teatr�loga Ingrid Koudela (1991):

 

Os jogos teatrais foram desenvolvidos para todas as idades e contextos. Quando necess�rio, os jogos podem ser modificados ou alterados para adaptar-se �s limita��es de tempo, espa�o, defici�ncias f�sicas, dist�rbios de sa�de, medos, etc. (Koudela, 1991, p. 47).

 

Para o PET desenvolvido durante o Mestrado, atrav�s do jogo, identifiquei e procurei responder a algumas indaga��es-chave que surgiram diante de mim, decorrentes da minha rela��o de cria��o teatral com o pr�prio grupo, a partir dos m�dulos que inventei de reconstru��o e ressignifica��o par�dicas de hist�rias da tradi��o oral brasileira, de letras de can��es que contam hist�rias ou de hist�rias cl�ssicas infantis, recontadas e encenadas coletivamente em grupo:

 

Cena 1 � Primeira Indaga��o: �O Negrinho do Pastoreio�

 

S�vio: Certo, eu vou ser o pa-patr�o do Negrinho do Pastoreio.

Juliana: Isso, S�vio. Certo?

S�vio: Certo. E-Entendi, ma-mas eu posso falar ou s�-s� gesto?

Juliana: N�o, pode falar, claro! Voc� tem que falar com as formigas, com a santa, com a m�e do Negrinho, com o Negrinho, com o fogo...

S�vio: T�, ent�o com a-as formigas e com fogo-fogo n�o tem palavra com a boca, s� gesto.

Juliana: Tudo Bem!

 

Primeira Medita��o: como se articulam os processos de significa��o verbal e n�o verbal que as af�sicas empreendem na intera��o do fazer teatral para ajustar as condi��es de produ��o do sentido?

 

Cena 2 - Segunda Indaga��o: �Chapeuzinho Vermelho�

Maur�cio: Eu serei a m�e da Chapeuzinho (risos).

No�mia: Por-por qu� a m�e, voc�?

Juliana: �, por qu�?

Maur�cio: � que eu quero h�... ser-ser a narradora da hist�ria (sic).

Juliana: S�rio?

Maur�cio: Isso, isso, eu vou narrar, porque estou escrevendo h�... um di�rio...

Juliana: Perfeito! Da�, do que voc� escrever, sai a hist�ria e o grupo vai fazendo.

Maur�cio: Maravilha!

 

Segunda Medita��o: o que a afasia � enquanto perturba��o da metalinguagem, que pode estar acompanhada de comprometimento motor e pr�xico � implica para a gera��o e emerg�ncia de semioses coocorrentes?

 

Cena 3: Terceira Indaga��o: �Domingo no Parque�

Juliana: T�, ent�o tem tr�s personagens principais: a Juliana, o Jo�o e o Jos�.

S�vio: � uma m�sica-m�sica, n�? A hist�ria?

Maur�cio: Gi-gilberto Gil.

S�vio: Jo�o, Jo�o, Jo�o (apontando para si mesmo, significando que faria Jo�o).

Norma: Eu, Juliana (dizendo que faria a personagem Juliana). Vou cantar, mas d� para s� falar ou s� dan�ar, tamb�m.

Juliana: Total!

Saori: Canto, canto (apontando para si, querendo dizer que ela cantaria).

Juliana: Ent�o vamos trabalhar com duas Julianas, que tal? Coringar.

�rica: Quando vier este... Este Jo�o, ele ve-vem devagar, cantando e aquele (aponta para outro af�sico, que n�o S�vio) vem s� r�pido, sem cantar.

Juliana: Dois Jo�es?

�rica: �, u�! Se tem-se tem duas Julianas...

Juliana: �timo!

No�mia: Ent�o o Jos� s� corpo (para sugerir que Jos� tivesse s� m�mese c�nica, sem texto falado), faz a movimenta��o em volta deles... s� olha. Da-da� j� vai dar medo.

S�vio: Quando vem perto, tira a faca...

Juliana: E vai baixando ela devagar.

Maur�cio: Maravilha! (dizendo seu bord�o famoso no grupo).

 

Terceira Medita��o: se a emerg�ncia de semioses coocorrentes implica uma tomada de consci�ncia sobre a multimodalidade das a��es ativadas pela af�sica durante o PET, o que a sua observa��o e reflexividade lingu�stica podem revelar sobre as rela��es entre linguagem, corpo e cogni��o nas afasias e, posteriormente, como processo criativo para a artista da cena?

 

Ap�s este momento de reflex�o sobre estas indaga��es-chave, baseando-me na bibliografia proposta para o Mestrado, segui a travessia desta pesquisa, partindo da hip�tese de que, ainda que apresentem dificuldades de linguagem/metalinguagem e de realizar atividades motoras e pr�xicas � que certamente se refletem e se manifestam no jogo de cena � implicadas no ato de produ��o de semioses multimodais durante o PET, af�sicas podem atuar competentemente com rela��o � atividade reflexiva teatral que constitui o uso da linguagem verbal e n�o verbal.

 

Abordagem Emp�rica, Interacionista e Multimodal do PET

 

Com rela��o � terminologia empregada na disserta��o (e atualmente, tamb�m na tese), de acordo com as autoras estudadas e que me embasaram teoricamente, defini multimodalidade como o uso de diversos modos semi�ticos na concep��o de um produto ou evento semi�tico ou est�tico, juntamente com a maneira particular segundo a qual tais modos s�o combinados.

Tendo em vista essa abordagem � semi�tica e multimodal � as disposi��es do jogo teatral com as af�sicas foram estabelecidas numa complexa rede de rela��es de processos de linguagem e semioses continuados e inter-relacionados: corpo/ cogni��o/ pensamento/ linguagem/ intera��o.

Dessa forma, quanto � estrutura de an�lise multimodal de dados, estive ancorada nas pesquisas de Norris (2009)[13], autora que, por meio do conceito de densidade modal, assinala que semioses coocorrentes comparecem simultaneamente numa mesma a��o, contudo nem sempre com a mesma intensidade. Em outras palavras, ao convocarmos v�rias semioses para performar uma a��o, implicamos tamb�m na coexist�ncia entre elas e no fato de elas tamb�m estarem em simultaneidade, sendo que, a cada instante, uma semiose (o olhar, por exemplo) estar� mais salientada que a outra (o �dar de ombros�), mesmo sendo realizadas ao mesmo tempo e assim, sucessivamente at� o final da a��o, para que a situa��o relacional performada induza, obtenha ou construa um sentido.

 

A Esta��o de Trem

A t�tulo de exemplifica��o desse postulado, descrevo abaixo uma situa��o ocorrida durante o PET � �poca da Inicia��o Cient�fica, um m�dulo de investiga��o que resolvi nomear de Sensibiliza��o Sonora: Construindo a Esta��o de Trem�.

 

 

Cena: A Plataforma desta Esta��o � a Vida

Juliana: Sil�ncio ent�o, vai come�ar.

(Tempo).

Maur�cio: Vozes...

Juliana: Siiiim... Que mais?

No�mia: Parece chuva, tem um chiado-chiado...

Norma: Trem! � trem.

S�vio: Justamente-justamente.

Maur�cio: Esta��o de Trem.

Juliana: Hum-hum. Que mais? Jo�o, fala.

Jo�o: Tava pensando, plataforma, n�? Como chama mesmo?

Maur�cio: Plataforma, maravilha! Em outro... pa�s.

Juliana: Por que em outro pa�s?

S�vio: T�o fa-falando outra l�ngua.

Juliana: Ent�o � trem, com chuva, cheio de gente, em outro pa�s, � isso?

Maur�cio: Leste... europeu!

Juliana: Nossa, pode ser. Voc� escutou a fala l� no fundo, n�?

S�vio: Rom�nia.

Jo�o: Voc� sabe?

S�vio (um senhor franc�s): Um pouco, pouco.

Juliana: Nesse tempo [de agora]?

No�mia: N�o, tempo antigo, amarelado. Antes, antes. Antigamente.

Juliana: Todo mundo concorda? (Ap�s resposta positiva do grupo). Ent�o vamos para a cena!

 

Nesse extrato do exemplo em quest�o, as atuadoras af�sicas foram orientadas a prestarem aten��o num est�mulo sonoro. A partir disso, foram orientadas a cogitarem sobre de que se tratava o som e, em seguida, a apresentarem sugest�es sobre o que seria e ent�o criarem um quadro de situa��es que poderiam estar relacionadas �quele som especificamente, a saber: uma esta��o de trem, onde muitos elementos compunham o cen�rio e determinada experi�ncia social, sugeridos pelo som.

Levar a multimodalidade em considera��o significa admitir que l�ngua e imagem s�o aspectos que se completam e que imagem, a��o, movimentos, gestos, l�ngua e sons s�o coordenados; por essa via, nesse exerc�cio emblem�tico, a l�ngua deixou de ser centro da comunica��o. As pessoas atuadoras foram orientadas a improvisar algumas das cenas evocadas por elas e eles, recriando o quadro situacional relacionado � esta��o de trem, evocando, inclusive, mais um quadro multimodal e mais uma compet�ncia cognitiva, a mem�ria.

 

A pe�a radiof�nica, como corpus, gerou mundos

 

A partir do segundo semestre de 2013, ap�s um semestre letivo de retomada do meu trabalho de teatro junto ao PET do Mestrado, iniciamos no CCA um projeto performativo que envolveu o trabalho do grupo voltado para um ve�culo radiof�nico. Instauramos, desta feita, uma nova inst�ncia de cria��o e reflex�o sobre o g�nero radioteatro, associado ao g�nero pe�a radiof�nica.

No decorrer desse per�odo desenvolvemos o texto da pe�a atrav�s de cria��o coletiva, jogos teatrais e improvisa��o, ao mesmo tempo em que procurei recuperar e registrar junto �s atuadoras, af�sicas e n�o af�sicas, a mem�ria do radioteatro/radionovela, g�nero que teve grande penetra��o em todo o Brasil a partir da d�cada de 1920. O que guiou meu trabalho foi acreditar que poderia existir um espa�o ainda poss�vel para o drama no e de r�dio ou, pelo menos, para a apresenta��o e audi��o, por uma plateia, desse tipo de obra de arte. E que a nossa pe�a radiof�nica poderia at� ocupar esse espa�o. Tanto que marcamos uma estreia oficial no Anfiteatro do Instituto de Estudos da Linguagem � IEL/UNICAMP, equipado com os recursos necess�rios para a audi��o de estreia de nossa pe�a radiof�nica intitulada �Recuerdos de Ypacara� � De Quando o Brasil Quase Entrou (de novo) em Guerra Contra o Paraguay�, em 12 de dezembro de 2013, �s 10h.

O programa da pe�a era o seguinte[14]:

 

O Programa de Express�o Teatral � PET do CCA orgulhosamente apresenta:

�RECUERDOS DE YPACARA� � DE QUANDO O BRASIL QUASE ENTROU (DE NOVO) EM GUERRA CONTRA O PARAGUAY�

Estreia Nacional: 12/12/13 � Audit�rio do IEL/UNICAMP

Dire��o e Coordena��o: Juliana Calligaris

Estrelando (em ordem alfab�tica):

 

Edwiges Morato............................................. Elenco de Apoio/ Sonoplastia/ Back Vocal/ Efeitos Sonoros

E. C................................................................������������ Sonoplastia/ Efeitos Sonoros

Juliana Calligaris .......................................... Elenco de Apoio/ Sonoplastia/ Back Vocal/ Efeitos Sonoros

L. M. .............................................................������������ Seguran�a e guarda-costas de Angelita Joli

M. N. F.......................................................... Natal�cia - Rep�rter Investigativa da R�dio Kustura FM

M. S...............................................................������������ Futr�cio Jr. - Radialista Sensacionalista e Encrenqueiro

R. B. T........................................................... Bab� de Ernestinho / Carmen Gutierrez � Presidente e General�ssima dos Ex�rcitos do Paraguay

S. S. I............................................................. Shizuana - Jornalista da R�dio Nipom Pom Pom; parceira da Kustura FM����������������

S. P................................................................������������ Ernestinho - Filho imaculado de Angelita

N. F...............................................................Angelita Joli - M�e de filho imaculado; Atriz internacional, s�mbolo e benfeitora do Paraguay

N. E............................................................... Mama Perlita; M�e de Angelita, �ndia guarani, xam�, bruxa e astr�loga

R. P...............................................................Ludovico - Jornalista de Bel�m-PA e suposto pai /Dr. Charlat�n: explica a concep��o imaculada

���������������������������������������������������������������������� de Angelita.

R. C. L..........................................................�� Micky Jaguar � roqueiro paraguaio; Eterno noivo e amante apaixonado de Angelita

 

Sinopse:

Tudo come�ou quando a grande atriz internacional, s�mbolo e benfeitora do Paraguay, Angelita Joli, veio ao Brasil para o lan�amento do seu novo filme. Ela veio de navio pelo Rio Paraguay, descendo em Puerto Stroessner, em Foz do Ygua�u. Muitos paparazzi e rep�rteres queriam entrevist�-la, mas Futr�cio Jr. fura o cerco de seguran�as e, quando aborda a atriz, acusa-a de ter um filho brasileiro � Ernestinho � nascido em Bel�m do Par� h� 15 anos, que seria filho do jornalista paraense Ludovico. O Seguran�a afasta Futr�cio e sai com a atriz. Natal�cia, irritada, exige provas da acusa��o, que poderia gerar uma intriga internacional. Ele, Futr�cio, diz que vai provar! E a partir da�, todos os quiproqu�s acontecem. Futr�cio suborna o Seguran�a e Natal�cia os espiona, mas n�o consegue ouvir o nome do suposto pai. Futr�cio e Natal�cia, em seus programas de r�dio, entrevistam os envolvidos na trama, tentando desvendar o mist�rio de quem seria o pai de Ernestinho. Mama Perlita, irritada, lan�a uma praga em Futr�cio Jr., que se cumprir� se ele n�o se calar. Micky Jaguar traz um m�dico paraguayo para explicar a concep��o imaculada de Angelita. E a General�ssima Presidenta do Paraguay, Carmen Gutierrez, amea�a entrar em guerra com o Brasil de nuevo, caso esta situa��o diplom�tica constrangedora, que amea�a a honra do Paraguay, n�o se encerre. At� que, quando Mama Perlita, a �nica que sabe La Verdad, decide contar a todos sobre seu neto, acontecimentos bizarros e estranhos, vindos da parte do al�m, calam-na para siempre! Convidamos a todos a saborear esta saga! Intriga, drama, a��o, suspense e paix�o s�o os ingredientes desta hist�ria muy dram�tica! �Viva el Paraguay!

 

Como Seguir o que se Transforma? ou Categorias de An�lise

 

Uma chave importante de minha observa��o foi verificar que as semioses compareceram de duas maneiras diferentes e em momentos distintos na cria��o da pe�a radiof�nica:

i)                    O primeiro momento era quando havia no grupo os acordos gerais sobre o canovaccio e procedimentos para a montagem;

ii)                  O segundo momento era exatamente o da execu��o da a��o per se, que requereu das atuadoras af�sicas uma postura teatral propriamente dita.

Em decorr�ncia dessas observa��es, apresento abaixo um quadro no qual se destacam algumas das modalidades de a��o que compareceram multissemioticamente no PET e que foram observadas quando emergiram como constru��o reorganizada de sentidos:

 

Figura 1: Quadro 1 Modalidade Semi�tica x Processos Semi�ticos Gerados

 

Uma tarefa subsequente foi a organiza��o dessas ocorr�ncias, relacionando-as com sua emerg�ncia nas nervuras da a��o.

Proponho, a seguir, um quadro anal�tico das minhas categorias de an�lise, chamadas de �nervuras da a��o�. Este quadro anal�tico foi elaborado com base e inspira��o na obra de Stanislavski (1964) e em seu m�todo das a��es f�sicas, posteriormente revisitadas por Grotowski (2012).

Vejamos, no pr�ximo quadro, uma categoriza��o geral da ocorr�ncia de semioses simult�neas em meio ao PET:

 

Nervura da A��o: Emerg�ncia de semioses verbais

e n�o verbais

 

Subnervura:

Corporeidade da a��o

Trabalho da atriz sobre si mesma: dom�nio intuitivo dos elementos que comp�em uma a��o psicof�sica e a constru��o multimodal de semioses verbais e n�o verbais de segunda natureza (corpo + mente; a��o-gesto-movimento + fala). A��o f�sica: um gesto, um movimento ou uma atividade corporal com uma intencionalidade, com um objetivo a atingir, envolvidos por impulsos que visem a um objetivo.

Subnervura:

Inten��o comunicativa

A��o: aten��o, imagina��o, musculatura em estado de prontid�o para agir e criar semioses. O gesto-movimento: envolve todo o corpo, tem forma organizada e qualidades de a��o multimodal.

Nervura:

Densidade modal

no ato teatral

Subnervura:

Sensorialidade/ espa�o compartilhado

As circunst�ncias; situa��es/acontecimentos; avalia��o da mudan�a de situa��o. A a��o n�o � fazer um gesto ou um movimento. A a��o � um processo psicof�sico multimodal de cria��o interna da atuadora af�sica para alcan�ar um determinado objetivo, que se d� no tempo e no espa�o, conforme as semioses coocorrem, objetivando instaurar o jogo teatral ou a cena propriamente dita.

Subnervura:

Conectividade/ objetivo comum

Rela��o/intera��o entre objetos de aten��o da cena; comunica��o; tempo-ritmo. A linha f�sica da a��o (chamada �partitura�) deve estar justificada num processo individual, que envolve imagens pr�prias (chamadas �subpartitura�) e que ajudam a definir a a��o mental, sem a qual a atuadora af�sica corre o risco de n�o tornar vivas suas a��es f�sicas, verbais e n�o verbais.

 

Figura 2: Quadro 2: Resumo das Nervuras da A��o.

 

Durante a tomada do �udio para a montagem da pe�a radiof�nica, sempre surgiam falas e situa��es que n�o haviam sido ensaiadas. Isso se dava por dois motivos:

i)                           Pela dificuldade intr�nseca de cada atuadora af�sica retomar sua pr�pria rec�m cria��o, rigorosamente, com as mesmas a��es e palavras (como o fazem atrizes, de modo geral);

ii)                         Pela criatividade aflorada das jogadoras em situa��o, buscando compensar aquela dificuldade com uma outra cria��o paralela e absolutamente performativa, condizente com o tema e com o t�pico maior da cena, sem perder o canovaccio combinado.

Entendi, ent�o, a fim de aproveitar ao m�ximo essa condi��o acima exposta, a necessidade de criar uma sonoplastia realizada ao vivo com materiais e objetos que estivessem dispon�veis no CCA, al�m de fazermos sons com nossas bocas e corpos, percussivamente; a sonoplastia nos servia como contexto, preenchimento e ambienta��o.

 

O que herdamos, enquanto pesquisadoras e indiv�duos, de cenas que desafiam nossa in/(h)abilidade de compreender, presenciar e experienciar aquilo que prop�em? O que est� em jogo nesta ressignifica��o, e como ela ressoa na pesquisadora/artista/ser humano?

 

Aplica��o das Nervuras da A��o e Formas de An�lise da Dimens�o Multimodal do PET

As disposi��es do jogo teatral com as pessoas af�sicas foram estabelecidas a partir dos processos de linguagem e semioses continuados e inter-relacionados, e s�o ferramentas epistemol�gicas de an�lise neurolingu�stica nesta travessia: a rela��o intr�nseca entre corpo/ cogni��o/ pensamento/ linguagem/ intera��o.

 

Como Seguir o que se Transforma2? ou a Performatividade na Cena Exclusiva

Para demonstrar a aplica��o das nervuras da a��o, apresento, a, esta altura do caminho, mais uma Cena Exclusiva, um dado extra�do do meu corpus (o Dado 1) e, em seguida, apresento uma tabela anal�tica associando trechos das falas das atuadoras af�sicas �s nervuras da a��o.

 

DADO 1 - Corpus: AphasiAcervus (03/10/2013) - Cabe�alho

Contexto: sess�o do PET com a presen�a dos n�o af�sicos EM, JC, NE, NF, RP e dos af�sicos MN, MS, LM, SI, SP, RB. A sigla TD significa �todos�.

Grava��o da Unidade de Cena # 4: Mas ser� o Ludovico?!

Natal�cia, rep�rter investigativa, segue o seguran�a da famosa atriz paraguaia, Angelita Joli, at� uma praia deserta com floresta, numa noite de ventania e tenta escutar sua conversa secreta com Futr�cio Jr, jornalista ambicioso e fofoqueiro, sobre quem seria o verdadeiro pai do filho brasileiro da atriz, cerne do esc�ndalo internacional que move a trama.

 

Agora, apresento a tabela anal�tica mencionada, demonstrando os modos e recursos semi�ticos mais densos e que mais se destacaram no trecho em quest�o, ou seja, o que estou chamando de nervura da a��o, nos trechos iniciais do Dado 1, com as vozes aqui transcritas, desta vez, no formato transcricional adotado pelo Aphasiacervus/IEL:[15]

FRASE

TRANSCRI��O DA FALA

MODOS SEMI�TICOS EM DESTAQUE em rela��o �s NERVURAS DA A��O

01 TD �

((sentados, realizando gestos ritmados sons diversos feitos com a boca, imitando o que seria som

Gestos metaf�ricos, gestos ritmados, gestos ic�nicos /

CONECTIVADE/OBJETIVO COMUM

02

de floresta � noite))

Idem/ IDEM

03 JC

vamos gravar este som ent�o/ Rog�rio? vamos gravar esse som? ((gira o indicador da m�o direita

Gesto d�itico e gesto emblem�tico/

IDEM

04

apontado para cima, para indicar todos os sons realizados))

Idem/

IDEM + SENSORIALIDADE/ESPA�O COMPARTILHADO

05 TD

((movimento de sim com a cabe�a))

Idem/IDEM+IDEM

06 JC

sil�ncio no est�dio ((sinal d�itico com o dedo indicador para RP, que inicia a grava��o do som))

Manuten��o do gesto/

IDEM+IDEM

07 JC

((indica��o para RP "cortar" a grava��o depois de cerca de 30�)) vamos ver se ficou bom/

Idem/ IDEM

08

eu nem perguntei se voc�s concordavam(.) voc�s concordam com este som?

gesto ic�nico/

CONECTIVIDADE//���� OBJETIVO COMUM

09 TD

((todos fazem gesto afirmativo com a cabe�a))

idem/ idem

10 JC

vamos ouvir como ficou?

idem/ idem

11 TD

(...)((em sil�ncio, ouvem a sonoplastia rec�m produzida. ao final, risos e gestos e

jun��o entre d�iticos gestuais e verbais/

SENSORIALIDADE/ESPA�O COMPARTILHADO + CORPOREIDADE DA A��O

 

12

movimentos corporais entusiasmados de aprova��o))

Idem/IDEM

13 EM

muito j�ia/ Muito j�ia...

 

gesto emblem�tico que continua na pausa/

IDEM

14 JC

ficou legal n�? ((todos demonstram aprova��o corporalmente))

Idem/IDEM

(...)

34 JC

 

(...)((sentando-se, falando para todos)) na sequ�ncia deste som/ a gente podia por

CONECTIVIDADE/OBJETIVO COMUM

 

35

uma fala do Futr�cio... ((para MS, em voz baixa)) �estou aguardando... o

gesto ic�nico/

IDEM

36

[seguran�a� ((fala com clima de suspense))

manuten��o gesto/

IDEM

37 MS

[�:: n�o... qual �... �::h ((fala sussurrando, aponta para LM))

gesto d�itico ic�nico/

CORPOREIDADE DA A��O

38 JC

quem �... ((sussurra para MS, orientando-o)) o verdadeiro pai ������� [do filh/

idem/IDEM

39 MS

[da cri-AN-�a

idem/IDEM

40 EM

mas como � que ele ((aponta para LM)) soube?

gesto emblem�tico que continua na pausa/

CONCETIVIDADE/OBJETIVO COMUM

41 JC

n�o/ assim... :: que ele ((aponta para MS)) � mentiroso e ele soltou no programa

gesto emblem�tico + d�itico/

IDEM

42

de r�dio dele �EU sei quem � o PAi da crian�a�/ ent�o... agora, pra n�o ficar

gesto ic�nico + �����metaf�rico/

IDEM

 

Figura 3: Quadro 3: Tabela Anal�tica das Nervuras da A��o (Categorias de An�lise)

 

Com o Quadro 3 (nas linhas de 1 a 14) � poss�vel notar que foram feitos quatro acertos no momento dos acordos: i) quando convidei a todas e todos a gravar o som de floresta; ii) quando perguntei se todas e todos concordavam com aquele som para ilustrar a floresta; iii) quando convidei a todas e todos para ouvir o som produzido; iv) quando as pessoas aprovaram aquele som, que seria, enfim, usado como cen�rio sonoro daquela cena na vers�o final da novela. Ao firmarmos estes acertos, j� acontecia a��o presente de cena, ou seja, o acordo sobre produzir aquele som j� havia sido firmado e o grupo j� o estava produzindo.

Esses dois momentos foram costurados pelas seguintes nervuras da a��o, conforme podemos observar, tamb�m: i) Conectividade/Objetivo Comum, quando o segundo momento, o da a��o, j� estava acontecendo, simultaneamente, ao longo dos quatro acertos acordados, temos: ii) Sensorialidade/Espa�o Compartilhado; iii) Conectividade/Objetivo Comum; iv) Sensorialidade/Espa�o Compartilhado + Corporeidade da A��o.

Em seguida, nessa Cena Exclusiva (trecho que vai das linhas 34 a 42, assinaladas na tabela acima), os combinados, anteriores � execu��o dessa mesma cena, foram os seguintes: i) quando � proposta a inser��o de uma fala de Futr�cio Jr; ii) quando decidimos como � que o Seguran�a soube da situa��o; iv) quando � proposto o pedido de suborno por parte do Seguran�a; v) quando decidimos qual seria a fala pontual de Futr�cio ao Seguran�a; vi) quando orientei para que Futr�cio finalizasse com uma �risada maligna�.

Temos dois momentos importantes de constru��o dessa cena, organizados pelo pr�prio elenco, em conformidade com sua necessidade processual de elabora��o performativa: o primeiro momento, portanto, � o momento dos acordos e o segundo momento � o momento da execu��o da cena. O momento da execu��o da cena configura-se pelas situa��es a seguir: i) quando Futr�cio pergunta contundentemente ao Seguran�a �quem � o pai da crian�a�; ii) a �risada maligna� de Futr�cio Jr.; iii) a risada inesperada do Seguran�a ao final da cena, que acabou sendo incorporada a ela.

Esses dois momentos foram permeados pelas seguintes nervuras: i) no momento dos acordos: Conectividade/Objetivo Comum; Inten��o Comunicativa; Sensorialidade/Espa�o Compartilhado; Corporeidade da A��o + Inten��o Comunicativa; Conectividade/Espa�o Compartilhado; ii) no momento da a��o: Sensorialidade/Espa�o Compartilhado; Conectividade/Objetivo Comum; Conectividade/Espa�o Compartilhado.

Uma constata��o decisiva para a compreens�o do meu trabalho foi a de que, pelo processo do meu modus operandi com pessoas af�sicas, houve mais momentos de acordos do que de a��o, o que n�o diminuiu a pot�ncia do que realizamos. No entanto, isso revelou a natureza da nossa constru��o, j� que a pe�a radiof�nica foi montada sess�o por sess�o, contingencialmente, tendo em vista que a assiduidade das participantes n�o era permanente. Sendo assim, os acordos tinham que ser revistos sempre, de forma pactual, consensual e coletiva, para que o canovaccio principal se mantivesse.

 

Considera��es finais: o legado de Ypacara�...

 

O fechamento?

 

Refletir, ao final desta travessia, sobre as poss�veis consequ�ncias cient�ficas, sociocognitivas, art�sticas, pedag�gicas apresentadas neste percurso textual.

N�o se trata aqui de resolver definitivamente como fazer teatro ou performance com pessoas af�sicas, questionamentos t�o ou mais abrangentes do que as reflex�es apresentadas neste texto s�o capazes de acessar.

Com essas considera��es finais, pretendo, sim, que este seja o momento de retomada da quest�o primeira, ou seja, do que � um corpo expressivo ou o ser-no-mundo incorporado (embodiment), do que se trata a performatividade com pessoas que apresentam afasia, frequentemente enquadrada como �defici�ncia� equivocadamente.

 

Porque isso � relevante para os estudos da cena contempor�nea e da performance?

 

Pondero sobre qual a relev�ncia e ganhos deste percurso todo para a a��o no mundo das pessoas af�sicas participantes desta pesquisa e, desta forma, como a observa��o e teoriza��o desta pr�tica, deste processo, pode fundar uma pedagogia de forma��o e cria��o para artistas da cena. E, finalmente, como, atrav�s das pessoas af�sicas com quem trabalhei, pude chegar a mim.

A hip�tese colocada demonstrou que a capacidade expressiva da pessoa af�sica se renova em novas compet�ncias semi�ticas que funcionam plenamente na elabora��o de um produto art�stico e tamb�m se deixam ver nas pr�ticas discursivas. O estudo em torno do fen�meno teatral, aqui apontado como chave da observa��o enfocada, a partir de uma perspectiva interacional, permitiu-me tamb�m uma compreens�o mais apurada das afasias, questionando, por exemplo, a defini��o que a toma como perda da capacidade de realizar opera��es metalingu�sticas essenciais, por exemplo, ao fazer teatral.

Tamb�m foi poss�vel detectar, de forma mais consciente, elementos que foram trabalhados em cena (e que n�o podem ser retratados pela imagem, como no caso de uma foto, mas pela pe�a em a��o em si ou pela dramaturgia) e despertaram a sequ�ncia de apreens�o do teatro como fen�meno. Dessa forma, esta travessia textual, ao mesmo tempo em que se encerra, n�o se conclui, pois faz parte do fazer teatral, para al�m do PET, estar-se refazendo na tentativa de, assim, se recriar sempre.

De minha parte, verifico que apesar das especificidades neurol�gicas e das altera��es metalingu�sticas, as pessoas af�sicas conservaram e reorganizaram uma compet�ncia de natureza textual-discursiva teatral e, por conseguinte, art�stica e multimodal. Compet�ncia tal que possibilitou que participassem de uma educa��o teatral semi�tica e que fossem instru�das quanto � densidade modal e, dessa forma, que conduzissem ativamente o jogo, que sustentassem o ato c�nico, a conversa��o, a troca de turnos e a elabora��o semi�tica � pela via do processo colaborativo. Pude nomear esta compet�ncia de conduta teatral e isso me permitiu, em uma a��o no coletivo, uma esp�cie de reconstru��o ou apropria��o de um �teatro do absurdo� como o que fizemos na pe�a radiof�nica, atrav�s da movimenta��o din�mica e cooperativa dos turnos, contribuindo para a coordena��o das a��es e para a constru��o dos sentidos.

Contra a certeza das formas inteiras e fechadas da reconstru��o de semioses de forma multimodal, o corpo c�nico af�sico deu a ver �corpo� como sistema relacional em estado de gera��o permanente. O estado c�nico do corpo af�sico acentuou a condi��o metam�rfica provocada pela afasia, e isto igualmente constitui a participa��o do corpo da atuadora af�sica no mundo. A cena mostrou, amplificou e acelerou a metamorfose metalingu�stica e a renova��o e reconstru��o das compet�ncias, pois intensificou a rela��o entre corpos, entre corpo e mundo, entre mundos.

Com sua caracter�stica fortemente demarcada pela intertextualidade, local onde as artes se auto penetram, compreendi uma din�mica de encontros e descobertas cujo fim primeiro, como j� foi dito, era extrair o ainda n�o narrado, o inexplic�vel, o indiz�vel da afasia, intuindo e recriando, nesse entrecruzamento de vida real e vida esteticamente organizada, novas formas de performatividade humana com corpos af�sicos. Esse cont�nuo movimento do PET que, incessantemente, reconstruiu semioses e atos performativos, acabou por contribuir e ampliar as possibilidades expressivas da pessoa atuadora af�sica, at� chegarmos cada vez mais perto do p�blico em �Recuerdos de Ypacaray�. Para chegarmos a executar nosso trabalho em p�blico, no caso do PET, foi necess�rio provocar o jogo entre esses corpos performativos.

Por fim, por meio da an�lise das sess�es videogravadas, percebi que o corpo expressivo/ performativo da pessoa af�sica se torna mais potencialmente expressivo quando posto em a��o, contextualizado em uma situa��o, seja ela lingu�stica ou n�o, na qual deve realizar um gesto ou uma a��o relevante e significativa. Notei que a natureza sociocognitiva e s�cio-interacional dos jogos teatrais auxiliou a atuadora af�sica na retomada de uma expressividade comunicativa com sentido e que dialoga com o mundo, justamente por ser o fazer teatral uma pr�tica intersemi�tica por natureza, facultando o comparecimento de complexas redes multimodais.

Neste momento da pesquisa, as quest�es latentes na finaliza��o deste ciclo acad�mico permanecem inc�gnitas, inclusive por estarmos diante de um per�odo de constante conturba��o pol�tica que afeta diretamente a produ��o desta pesquisa, atualmente financiada com recursos da Capes. De todo modo, tais conturba��es s� v�m fortalecer o sentimento de relev�ncia desta pesquisa e a necessidade urgente de defendermos o espa�o da produ��o art�stica na constitui��o democr�tica do pa�s, t�o importante quanto a esfera pol�tica no sentido de espa�os de partilhas de sens�veis, de modos de vida, capazes de nos impulsionar em dire��o aos nossos desejos de melhorar, de evoluir, de aprimorar, individual e coletivamente, na renova��o de nossas formas de estar, de fazer e de ser no mundo.

REFER�NCIAS

CALLIGARIS, J. P. A Dimens�o Multissemi�tica do Jogo Teatral: a Experi�ncia de Elabora��o de uma Pe�a Radiof�nica no Programa de Express�o Teatral do Centro de Conviv�ncia de Af�sicos (CCA - IEL/UNICAMP) . 2016. Disserta��o (Mestrado em Lingi�stica ) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Dispon�vel em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/270633. Acesso em 31 jul. 2020.

 

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SALLES, C. A. Cr�tica Gen�tica: fundamentos dos estudos gen�ticos sobre o processo de cria��o art�stica. S�o Paulo: Educ, 2008.

 

SALOM�O, M. A quest�o da constru��o do sentido e a revis�o da agenda dos estudos da linguagem. In: Veredas: Revista de Estudos Lingu�sticos, Juiz de Fora , v. 3, n. 1, p. 61-79, jan./jun. 1999. Dispon�vel em: https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo35.pdf.Acesso em 31 jul. 2020.

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TONEZZI, J. Dist�rbios de Linguagem e Teatro: o af�sico em cena. S�o Paulo: Editora Plexus, 2007.



[1] Neste texto escolhi fazer a generaliza��o no feminino; por isso, quando escrevo atuadora af�sica, por exemplo, generalizo qualquer pessoa atuadora af�sica do PET/CCA/IEL/UNICAMP, independente do seu g�nero.

[2] As afasias, grosso modo, s�o sequelas na linguagem decorrentes de um epis�dio neurol�gico, como acidente vascular cerebral (AVC), traumatismos cranioencef�licos ou um tumor cerebral. Essas sequelas acarretam ao indiv�duo dificuldades nos processos de produ��o e interpreta��o de linguagem em v�rios n�veis: fonoarticulat�rios, sint�ticos, quanto � capacidade de ordenar os elementos dos enunciados em formas �gramaticalmente� aceitas, como, por exemplo, a �fala telegr�fica�, em que h� aus�ncia dos elementos conectivos; no n�vel lexical, dificuldade de acesso �s palavras, al�m de dificuldades de produ��o e interpreta��o do sentido nos enunciados. (Morato et alli, 2002).

[3] Registro audiovisual dos encontros semanais do CCA (consentido oralmente e por escrito pelas participantes af�sicas), com vistas � compreens�o e acompanhamento das atividades ali desenvolvidas (evoca��o e elabora��o de pr�ticas sociais relevantes para o grupo, potencialmente inclusivas e significativas; orienta��o de a��es terap�uticas; observa��o longitudinal dos sintomas neurolingu�sticos, af�sicos, hemipl�gicos, apr�xicos, agn�sicos); processos lingu�sticos e cognitivos emergentes no decurso de situa��es interacionais as mais variadas): <http://cogites.iel.unicamp.br/p/aphasiacervus.html>

[4] Em tempo, entendo a cena art�stica contempor�nea considerando a defini��o de Eleonora Fabi�o, a partir da qual a pesquisadora defende que: �Cada performance [na cena contempor�nea] � uma resposta moment�nea para quest�es recorrentes: o que � corpo? (pergunta ontol�gica); o que move corpo? (pergunta cin�tica, afetiva e energ�tica); o qu� corpo pode mover? (pergunta performativa); que corpo pode mover? (pergunta biopo�tica e biopol�tica)�. (Fabi�o, 2009, p. 238).

[5] CALLIGARIS, Juliana Pablos.A Dimens�o Multissemi�tica do Jogo Teatral: a Experi�ncia de Elabora��o de uma Pe�a Radiof�nica no Programa de Express�o Teatral do Centro de Conviv�ncia de Af�sicos (CCA - IEL/UNICAMP). Disserta��o de Mestrado. Instituto de Estudo da Linguagem � IEL/UNICAMP, 2016.

[6] Mais adiante, na se��o �Abordagem Emp�rica, Interacionista e Multimodal do PET�, comentarei sobre o conceito de multimodalidade semi�tica.

[7] A express�o �cena exclusiva� foi uma licen�a po�tica utilizada pelo meu coorientador, Prof. Dr. Jos� Tonezzi (DAC/UFPB), para referir-se � cena contempor�nea af�sica, em reuni�o individual de orienta��o.

[8]A fim de preservar a identidade das pessoas (exceto a minha), todos os nomes apresentados em di�logos neste texto foram substitu�dos por outros que come�am com a mesma letra, conforme orienta��o do Comit� de �tica em Pesquisa � CEP/UNICAMP. Os di�logos baseiam-se em minhas transcri��es para a disserta��o de Mestrado � a partir dos registros do AphasiAcervus, mantendo-se algumas caracter�sticas da oralidade das pessoas atuadoras.

 

[9] O COGITES estuda pr�ticas lingu�stico-interacionais que envolvem pessoas que apresentam afasia e neurodegeneresc�ncia, com foco em determinados processos enunciativos e interacionais corporais. Vide: <http://cogites.iel.unicamp.br/>

[10] Acidente vascular cerebral, conhecido popularmente como �derrame�, que � uma das causas da condi��o de afasia.

[11] Hemi -metade, -plegia paralisia: � a paralisia de metade sagital (esquerda ou direita) do corpo. � mais grave que a hemiparesia que se refere apenas � dificuldade de movimentar metade do corpo.

[12] O m�dulo de reconstru��o e ressignifica��o par�dica no PET durou um semestre letivo. Ficamos apaixonadas e apaixonados pelo projeto. Gerou muita metaforiza��o, muita reconquista de performar ironia (compet�ncia cognitiva abalada pelas afasias), muito ganho de compet�ncia sociocognitiva e motora. Tema para outro artigo. Mas que foi divertid�ssimo, ah... Isso foi!

[13] De acordo com a linguista Sigrid Norris, a intensidade de modos espec�ficos numa intera��o � determinada pela situa��o, pelos atores sociais e por outros fatores ambientais e sociais envolvidos: �Multimodalidade � um enfoque inovador da representa��o, comunica��o e intera��o, que vai al�m da linguagem, para investigar a multiplicidade de maneiras pelas quais nos comunicamos: desde imagens, sons e m�sica at� gestos, postura corporal e uso do espa�o� (Norris, 2009, p.178). H� duas formas de analisar a densidade modal, segundo a pesquisadora. A primeira delas refere-se � intensidade modal. Quando um modo tem um �grande peso� em uma determinada atividade, esse modo tem uma alta intensidade. Ao meu ver, a chamada �a��o presente de cena� � um dos modos que assume alta intensidade no fazer teatral; alternativamente, �s vezes, a fala assume essa alta intensidade. Conforme Norris (2004, p.79) esclarece, �densidade modal � definida como a intensidade modal e/ou complexidade modal atrav�s da qual uma a��o de alto n�vel* � constru�da�. A outra forma defendida pela autora para abordar a densidade modal � por meio da complexidade modal. Por esta via, ao contr�rio da intensidade modal, v�rios modos semi�ticos interagem para fazer sentido. *Sobre as higher-level action, Jones (2005, p.11 apud Norris, 2004) assim as define: �Uma a��o de n�vel alto como tendo um claro in�cio e fim, e constitu�da de uma multiplicidade de a��es de n�vel baixo encadeadas�. (Tradu��o nossa).

[14] No programa reproduzido para este artigo, apenas o meu nome e o nome da professora orientadora est�o expl�citos. Os demais nomes foram substitu�dos pelas iniciais correspondentes, incluindo os nomes de outras pessoas pesquisadoras n�o af�sicas, que participaram do elenco.

[15] A diferencia��o de cores � um recurso para facilitar a leitura das tr�s colunas desta tabela, n�o implicando em informa��o adicional.