A casa que habito a casa que habita em mim
The house that i live in the house that
lives in me
Lígia Mara Santos
Professora/Artisteira. Propositora de invencionices brincantes com
crianças pequenas. Habitante de muitas casas: Casa/Chão; Casa/Vento;
Casa/Infância; Casa/Porão; Casa/Invenção; Casa/Escola; Casa/Voo; Casa/Ficção;
Casa/Sonho; Casa/Pesquisa; Casa/Devaneio; Casa/Teatro; Casa/Escritura.
Professora do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) do Centro de Ciências da
Educação (CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda em
Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). –
ligiasantos234@gmail.com – https://orcid.org/0000-0001-5294-2145
Resumo
Este texto refere-se ao trabalho desenvolvido com crianças
pequenas numa instituição de Educação Infantil. O trabalho cotidiano com as
crianças se inspira em movimentos que compõem Invenções Brincantes/Artísticas.
Na combinação de elementos advindos da psicomotricidade, principalmente na
perspectiva dos autores franceses Bernard Aucouturier
e Andre Lapierre; e outros
da arte, tendo por referência artistas como Lygia Clark, Elisa Bracher, Hélio Oiticica, Amélia Toledo, Deborah Colker, Leandro Selister, brotam
as Invenções Brincantes/Artísticas. O
trabalho é pensado e tramado oportunizando que as crianças brinquem com a arte,
com os artistas, com as obras, com as proposições, com os materiais e com as
técnicas. Espaços e tempos de brincadeira nos quais as crianças criam. Um dos
intuitos das Invenções Brincantes/Artísticas é o de permitir que o corpo
infantil sobrevenha, priorizando um espaço-tempo nas rotinas escolares para um
trabalho de cunho corporal-artístico. O corpo-arte instigando o desejo infantil
de experimentar e de conhecer, um espaço-tempo para manifestação do que pode um
corpo infantil. No início do ano de 2017, uma dupla de professoras define A CASA como alusão para o trabalho com
as crianças no decorrer daquele ano. A
CASA foi, portanto, o elemento que nutriu a poesia e o pensamento sobre as
coisas do mundo. A arte contemporânea em diálogo com a linguagem performática,
o teatro, o cinema, a dança e a literatura deram subsídios para a reflexão
sobre corpo e infância no espaço escolar.
Palavras-chave: Artes cênicas e crianças. Linguagem corporal na arte.
Brincadeiras na arte. Performance (Arte)
Abstract
This text refers to
the work developed with young children
in an early preschool education institution. The daily work with children
is inspired by movements that
make up Playful/Artistic Inventions. In the combination of elements arising
from relational psychomotricity, mainly from the perspective of French authors,
Bernard Aucouturier and Andre Lapierre, and others from
art, such as artists such as Lygia Clark,
Elisa Bracher, Hélio Oiticica, Amélia Toledo, Deborah
Colker, Leandro Selister, the Playful/Artistic
Inventions sprout. The work is thought
and planned, allowing children the opportunity to play with art,
with artists, with works, propositions,
materials and techniques. Spaces and times for playing are those in which children create.One
of the aims
of Playful/Artistic Inventions is to allow
the child's body to arise,
prioritizing a space-time
in school routines for body-artistic work. The body-art instigating the child's desire
to try out and to know,
a space-time for the manifestation of what a child's body can. At the beginning of 2017, a pair of teachers
defined A CASA as
an allusion to work with
children during that year. A CASA was, therefore,
the element that nourished poetry and thought
about the things of the
world. Contemporary art in
dialogue with performatic language, theater, cinema, dance and literature provided support for reflection on body
and childhood in the school space.
Keywords: Performing arts
and children. Body language in art. Play in
art. Performance art.
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0025
Recebido em: 08/06/2020
Aceito em: 13/07/2020
Este texto é também
uma produção artístico-visual, parte dele são fotos de um texto inicialmente
impresso em tecidos. Para visualizá-lo acesse o documento em PDF
A CASA QUE HABITO
A CASA QUE HABITA EM MIM
Este texto refere-se ao trabalho arquitetado com crianças pequenas
numa escola de Educação
Infantil1. Nessa instituição foi desenvolvida a experiência de dois
trabalhos sobre casa:
A Casa é Sua e Em casa. O presente texto esboça os primeiros movimentos com a escrita, ainda em
processo, sobre a proposição A Casa é Sua.
Os trabalhos sobre casa
compõem o que provisoriamente tenho denominado Invenções
Brincantes/Artísticas.
As Invenções Brincantes/Artísticas são pensadas e tramadas no
sentido de oportunizar
às crianças a brincadeira com a arte, com os artistas, com as obras,
com as proposições, com os materiais e
com as técnicas. São espaços e tempos de brincar nos
quais as crianças criam.
Um dos intuitos das Invenções Brincantes/Artísticas é o de
permitir que o corpo infantil
sobrevenha, priorizando um espaço-tempo nas rotinas escolares para um trabalho
de cunho corporal-artístico. O
corpo-arte instigando o desejo infantil de experimentar e de conhecer, um espaço-tempo para
manifestação do que pode um corpo infantil.
Diferentes artistas e suas obras foram referência para o trabalho
com as crianças e deram
subsídio para pensar nossas casas/invenções.
Entre os artistas destacam-se os trabalhos de Lygia Clark, Hélio Oiticica,
Deborah Colker, Charlie Chaplin, Hundertwasser,
Antoni Gaudí,
Amélia Toledo, Ernesto Neto, Leda Catunda, Patrick Dougherty,
Vinicius de Moraes e Arnaldo Antunes.
Na proposição A Casa é Sua,
Gaston Bachelard com sua “poética do espaço” nos inspirou a pensar a
casa em seus mais variados sentidos. Passamos pelos segredos mais obscuros do porão
até o acolhimento dos ninhos, dos cantos e dos redondos.
O texto se faz por fragmentos, poesias e imagens, que tramados
compõem um pensamento
sobre infância. Ficções sobre uma infância/casa.
Não somente nossas
lembranças como também nossos esquecimentos
estão alojados. Nosso
inconsciente está alojado. Nossa alma
é uma morada. E, lembrando-nos das casas, dos aposentos, aprendemos a morar
em nós mesmos.
Já podemos ver que as imagens da casa caminham nos dois sentidos: estão em nós tanto quanto
estamos nelas. (BACHELARD, 1989, p.20, grifo nosso)
Há muito e muito
tempo,
Uma casa mora em mim.
Foi chegando de maneira imperceptível, e
Alojando-se para ficar...
CASATEXTOCASATEXTOCASATEXTOCASA
[...] minha casa é o
mar aberto
[...] minha casa é minha coleção de cacos
[...] minha casa é minha língua
estrangeira (MARQUES, 2017, p.43)
FIG. 1: Casas.
Ilustração de livros infantis. Suzy Lee, Odilon Moraes, Kaatje
Vermeire. Fonte: https://www.soumae.org/livro-infantil-la-e-aqui-fala-sobre-separacao-dos-pais/
http://festivaldulivre.com/edition2012/selection/
- Acesso em
20/02/2020.
A Casa é Sua...
No início de 2017, numa escola de educação infantil, uma dupla de professoras2define a casa como alusão para o trabalho com as
crianças3no decorrer daquele ano.
— Psiu, psiu!
— Ei! O que vamos
partilhar agora com você é uma história que aprendemos a observar atentamente no transcorrer de
um tempo...
— Nem tudo será contado
com todos os detalhes, esta é uma história que necessita de muita fantasia, para
entender também o que não será dito. Uma história construída a partir das pequenas
coisas cotidianas que vibram e convocam nosso olhar e nossa escuta.
— Por favor, entre! A Casa é Sua...
FIG. 2: Casa de joão-de-barro. Fotografia.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. Data: 2017.
O percurso inicia com
Casas de Pássaros...
Imagens, poesias e
histórias passam a habitar nossos lugares!
SOBRE VOOS
As histórias que inauguraram nossos encontros naquele ano foram
compostas por texto-poemas
de Lalau e desenho-pinturas de Laurabeatriz4. Os pássaros contam o
que veem quando
voam sobre diferentes regiões do Brasil, aves brasileiras fabulam sobre
suas paisagens.
Embalados por voos, poemas e paisagens, construímos uma atmosfera
em nossa varanda:
Imagens de pássaros,
Ninhos dependurados,
Pássaros por todos os
cantos; no alto, no chão, voando!!!
Poemas,
Poemas que moram em
ninhos,
Ninhos que abrigam
nossa imaginação!!!
FIG. 3: Passarinhos do
Brasil: poemas que voam. Ilustrações de Laurabeatriz.
Fonte:https://www.editorapeiropolis.com.br/produto/passarinhos-do-brasil/
- Acesso em: 19/02/2020
A Casa é Sua! Uma contextura sobre casas vai
surgindo e misturando-se com as histórias e voos dos pássaros.
Pensamentos sobre casas foram pairando e inspirando nossas ideias
sobre as coisas do mundo.
O QUE É UMA CASA?
Morada, vivenda, habitação, teto, ninho, lugar?
Lugar para morar
Lugar para viver
Lugar para brincar
Lugar para dançar
Lugar para voar...
Habitar o céu é habitar o grande sonho de voar!!!
CASATRAMACASATRAMACASATRAMA
FIG. 4: Tramas para
construção de casas. Material elaborado com a participação das crianças e suas
famílias. Fotografias. Fonte: Arquivo
pessoal da autora. Data: 2017.
CONSTRUÇÃO DE CASAS/NINHOS
No início de uma manhã construímos casas/ninhos de diferentes
materiais. Tecidos coloridos e enrolados
configuraram, no gramado do parque, a ideia de grandes ninhos. Espaços nos quais as crianças
puderam se meter, adentrar e se esconder. Uma imagem de abrigo e também de
esconderijo.
Para além dos tecidos coloridos e macios, uma grande lona azul
compunha o ambiente.
A lona com sua consistência mais rígida, possibilitou uma estrutura de ninho mais vertical.
Com esta configuração os corpos das crianças foram impelidos a movimentos de oposição,
e os jogos de empurrar e derrubar a estrutura foram experimentados com vigor.
Os jogos foram diversos: entrar e sair, esconder-se, ser
capturado, escapar, construir
e destruir, enrolar-se, deslizaRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR Para muitas crianças
foi o encontro com um espaço acolhedor e confortável. Um lugar/casa onde foi possível brincar de
morar/viver.
Um lugar para estar
junto com o outro.
CASANINHOCASANINHOCASANINHOCASANINHOCASA
FIG. 5: Construção de casas e ninhos com as crianças. Fotografias.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. Data: 2017.
A PRIMEIRA CASA!
Depois do momento do lanche, um grupo de crianças foi brincar no
parque. Estavam ainda
contagiados com as tramas de pássaros que acariciaram a manhã, até então. No decorrer da brincadeira, conversas sobre
casa foram aparecendo... Então, com alguns pedaços de tecidos dependurados
no trepa-trepa, uma casa foi, aos poucos, se
configurando. Tecidos amarrados no alto do brinquedo caíam até o chão de
areia do parque. Assim que a casa ficou
pronta, uma família veio para se abrigar. As crianças brincavam enquanto criavam
seus próprios enredos.
Desde fora da casa foi
possível ouvir de um pássaro:
— Muito obrigado! Vocês cuidaram de
mim e agora posso voar...
Logo em seguida, uma
criança se aproxima da casa/ninho e diz:
— Hei! eu
faço parte desta família.
A criança entra na casa e o que observamos é que ali habita uma
família de pássaros crianças... Ruídos, vozes e sibilos fazem vibrar a
pequenina casa de pássaros!!! — ZiMMMMMMMM; PiU,
Piuuuuuuuuuu...
CASA/BRINQUEDO CASA ABRIGO
[...] “O ser abrigado
sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua
virtualidade, através do pensamento e dos sonhos”. (BACHELARD, 1989, p.67)
TIQUE-TAQUE - TREMOR DAS PEQUENAS COISAS...
No decorrer de uma manhã qualquer observamos as fotos-sequências
de Leandro
Selister.5
Leandro, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2003, acompanhou um casal
de sabiás na construção de seu ninho e da árdua tarefa de dar continuidade à vida.
Junto com as crianças, observamos as diferentes sequências de fotografias. A
construção do ninho, passo a passo. Um ninho que vai crescendo a cada nova imagem.
O aparecimento dos primeiros ovinhos, o nascimento dos filhotes, a queda e fatal morte de um dos
filhotes, a mãe alimentando seus filhos,
o crescimento dos bebês e o triunfante primeiro voo.
As crianças observam atentas cada imagem e tentam desvendar a história que cada
uma delas revela. Após a investigação das imagens, muitos enredos foram possíveis.
Atravessamentos de muitas histórias foram emergindo e compondo uma paisagem de
sequências de imagens de sabiás que vão sendo espalhadas e coladas pelos espaços de nossa sala de aula e
da varanda em frente.
Imagens de ninhos de sabiás habitaram nosso cenário cotidiano juntamente com
imagens e poesias de outros tantos pássaros.
FIG. 6: Casa de sabiá.
Fotografias de Leandro Selister.
Fonte:https://www.leandroselister.com.br/blog/portfolio-item/tique-taque-tremor-das-pequenas-coisas/ Acesso em: 19/02/2020
LEANDROSELISTERLEANDROSELISTERLEANDROSELISTERLEANDRO
Já faz algum tempo que venho trabalhando com registros do
cotidiano, de coisas simples e às vezes até banais. Essa atenção
voltada ao cotidiano
começou em 2003. Eu sempre falo que essa necessidade de captar o tempo, de compreender o tempo
através de fotos sequenciais, foi a partir de uma necessidade interna de me entender e de
entender também a chegada dos 40 anos, enfim, uma outra
etapa na vida. Então, quando completei 38
anos, em 2003, comecei a fotografar tudo o que me
possibilitasse entender as transformações, a passagem do tempo. (SELISTER, 2004)
FIG. 7: Casa de sabiá. Fotografias
de Leandro Selister.
Fonte:https://www.leandroselister.com.br/blog/portfolio-item/tique-taque-tremor-das-pequenas-coisas/
Acesso em: 19/02/2020
O que está por trás de todas essas imagens que venho
realizando há
mais de 4 anos, é justamente um olhar mais demorado sobre o mundo, sobre a vida que está acontecendo
no nosso quintal, na árvore em frente a nossa casa, na esquina, enfim, coisas que acontecem, coisas belas, e que
não temos mais tempo para perceber. (SELISTER, 2004, grifo
nosso)
LEANDROSELISTERLEANDROSELISTERLEANDROSELISTERLEANDRO
CASADANÇA
Das casas-ninhos de pássaros à
casa-espetáculo de Deborah Colker. Assistimos numa certa manhã um
vídeo: CASA.
Descobrimos que há casas que podem acolher danças, gestos,
piruetas e equilíbrios. Que casas são lugares para dançar, cantar, brincar,
dormir, comer e...
Segundo Deborah Colker “Construir uma casa
é construir espaços. Dançar é ocupar espaços, a arquitetura do movimento”.
Deborah Colker sugere que a
coreografia do espetáculo CASA,
“parte de uma ideia simples,
investir nas ações banais para entrar no mundo imaginário e transformá-lo
em movimento.” (COLKER, 1999). Seu
processo criativo toma o cotidiano como uma importante referência.
A partir do espetáculo, estas também foram questões que
nortearam a construção de
espaços/casas com as crianças.
Perguntas como o que é uma
casa? o que se faz numa casa? como
pode ser uma casa? e finalmente, o que
pode uma casa? funcionaram como possibilidades de
deslocamentos.
FIG. 8: Espetáculo Casa
de Deborah Colker. Fotografias de Flávio Colker. Fonte: https://www.ciadeborahcolker.com.br/galeria-casa
Acesso em: 19/02/2020
CASADANÇACASADANÇACASADANÇACASADANÇACASADANÇACASADANÇACASADANÇACA
RESTODECHÃO
No espaço da Botânica6encontramos um RESTO DE CHÃO e lá arquitetamos uma casa. Sobras de
piso quebrado e pequenas muretas foram elementos para nossa construção.
[...] É que crianças,
[...] sentem-se irresistivelmente atraídas pelos
detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim
ou na marcenaria, da atividade do
alfaiate ou onde quer que seja. Nesses produtos
residuais elas conhecem o rosto que o mundo das coisas volta
exatamente para elas, e somente para
elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que
estabelecer uma relação nova e
incoerente entre estes restos e
materiais residuais. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande. (BENJAMIN, 2011, p.57 e 58, grifo
nosso)
Com os restos criamos
um ambiente para brincadeiras de INVENTAR de morar.
Mirabolantes jogos de escapar e de prender, e uma casa
para nos amparar. Lugar para acolher nossos medos e nos
proteger de ameaçadores perigos.
Aos modos do filme DOGVILLE7, construímos casas desenhadas no chão! Concebemos
nosso PEQUENO mundo.
FIG. 9: Imagens do
Filme Dogville.
Fonte: https://hombreenlaoscuridad.blogspot.com/2012/06/dogville.html
Acesso em: 19/02/2020
Dogville é um filme que chama nossa atenção pela simplicidade de
seus cenários. O filme
foi realizado dentro de um galpão na Suécia, com o mínimo de elementos. Algumas mesas, poucas paredes e apenas
demarcações no chão, indicando as casas e outros espaços da cidade. Para o trabalho com as crianças, este cenário inusitado do filme
é que nos interessou, na
medida em que se aproxima de brincadeiras infantis, nas quais as casas são
desenhadas no chão.
6 Botânica: Botânica: Espaço da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), próximo ao Núcleo de
Desenvolvimento Infantil (NDI).
7 Dogville: Filme lançado em 2003 e dirigido pelo cineasta dinamarquês Lars Von Trier.
Como você é: imagem/mapa para
uma pesquisa
FIG. 10: Mapa/Colagem.
Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Data: 2019
Cartografia de um Percurso
Nos últimos oito anos venho atuando como
professora no Núcleo de Desenvolvimento
Infantil (NDI), vinculado ao Centro de Ciências da Educação (CED) da
Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
O NDI institui-se como um campo de experimentação pedagógica, da
mesma forma que
Colégios de Aplicação ligados às Universidades Federais. Funciona como campo de estágio para
diferentes licenciaturas da Universidade, assim como também busca implementar o
ensino e as alternativas do trabalho pedagógico. Nesse contexto, um conjunto de professoras, do qual
faço parte, vem desafiando-se a pensar a docência a partir de outros arranjos. Diferentes organizações de grupos
de crianças com variadas faixas etárias e a conciliação de elementos para
construção de uma docência compartilhada. A experiência de docência compartilhada acontece com um
grupo de professoras que coletivamente planejam, dão cumprimento e avaliam ações educativas
com crianças pequenas. Um trabalho polifônico, tramado a muitas mãos e tecido com a sonoridade
de muitas vozes.
A partir da experiência corporal trilhada e acumulada em processos
de formação embasados
pela psicomotricidade8, adentrei, em paralelo, o universo artístico. Uma aproximação que se
fez como espectadora e também como curiosa, na condição de artista aprendiz.
Chego à arte a partir dos estudos e experiências corporais. Depois
de pesquisar sobre o corpo,
depois de experienciar meu próprio corpo, percebo que
diante das diferentes proposições
artísticas ele teima em vibrar descontroladamente. E, não satisfeito na
condição de
apreciador, arrisca-se como aprendiz em cursos e oficinas de cerâmica, pintura,
desenho e colagem.
O conhecimento sobre a arte vem sendo trilhado por meio de
leituras, grupos de estudo,
grupos de pesquisa, acompanhamento de exposições de artes e de artistas
nacionais e internacionais em bienais de
arte.
O conhecimento sobre o cenário artístico contemporâneo, minhas
experiências como aprendiz
de arte e o trabalho de educação desenvolvido com crianças pequenas que frequentam o Núcleo de Desenvolvimento
Infantil (NDI/UFSC), têm proporcionado
8 O curso de Mestrado foi em
Educação e a área de concentração foi em Prática Psicomotora Aucouturier.
elementos para intervenções lúdico-pedagógicas no âmbito da
arte e das expressões corporais.
Diferentes artistas contemporâneos foram abordados como referência,
subsidiando as propostas.
Determinadas obras funcionaram como disparadores para o incremento do trabalho, alguns
artistas eleitos valem-se do corpo e de suas expressões como forma de
arte, fator que foi preponderante para a
escolha dos mesmos. Um caminho de pensar com os artistas, pensar com suas obras. Um
caminho de pensar com a arte.
Na combinação de elementos advindos da psicomotricidade, da arte
performática e outros
do cotidiano com as crianças na escola infantil, brotam as Invenções Brincantes/Artísticas.
As Invenções Brincantes-Artísticas tendem a borrar as fronteiras
entre professor e alunos;
adultos e crianças se misturam num jogo ficcional. Nessas experiências as
crianças compartilham
com agitações, palavras, alegrias, gestos, silêncios, anseios, danças e
gritos. Examinam com cuidado diferentes
histórias e reinventam enredos.
A ideia da pesquisa é dar a ver essas proposições. Narrar,
esgarçar, tencionar, rever,
decompor, analisar, voltar, alterar, INVENTAR. Enfim, um espaço
para as invenções.
A escrita acompanha o tom do trabalho construído com as crianças.
A composição do texto
se dá por imagens, histórias, mapas, cartografias, poemas, músicas,
fotografias, cadernos, diários gráficos,
caixas/textos.
Em meio ao anuncio de um tema, de um objeto de pesquisa, as
nuances de uma história,
de um percurso, e das Invenções Brincantes/Artísticas.
Ao modo das crianças pequenas, um olhar para as insignificâncias e
atenção para as pequenezas
de existências desimportantes.
A construção de uma casa/texto conta a experiência do trabalho
sobre casa. Aqui apresento
os primeiros movimentos com a casa/texto, ainda a caminhar.
Esboços para
Casa/texto:
FIG. 11: Projeto para
casa/texto. Casa/texto, parte superior externa.
Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Data: 2019.
Esboços para
Casa/texto:
FIG. 12: Projeto para
casa/texto. Casa/texto, parte intermediária superior.
Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Data: 2019.
Esboços para
Casa/texto:
FIG. 13: Projeto para
casa/texto. Casa/texto, parte intermediária inferior. Colagem.
Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Data: 2019.
Esboços para
Casa/texto:
FIG. 14: Projeto para
casa/texto. Casa/texto, parte superior interna. Colagem: Os artistas.
Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Data: 2019
MODOSDECASA
Existem muitos tipos de casas: ocas, castelos, iglus, sobrados,
palafitas, pau a pique. Há
também casas de pedra, flutuantes, ou aquelas construídas lá no
alto de uma árvore. Ao
mesmo tempo em que investigamos e conhecemos diferentes casas,
nutrimos nossa imaginação com outras
invenções.
[...] “todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de
casa”. (BACHELARD, 1989, p.67)
CASASDEROGERMELLO
PALAFITAPALAFITAMANGUEPALAFITACASADOVIZINHOVIZINHA
FIG. 15: Ilustrações
de Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani.
Fonte:http://www.universohq.com/noticias/brasileiro-roger-mello-ganha-o-premio-hans-christian-andersen/ Acesso em: 19/02/2020
CASASVOLPICASASVOLPICASASVOLPICASASVOLPICASASVOLPI
FIG. 16: Casas de Alfredo Volpi.
Fonte: https://www.wikiart.org/en/alfredo-volpi
- Acesso em: 19/02/2020
CASATECIDO
Movidos pelos tecidos moles de Leda Catunda, pelo túnel envoltório
de Lygia Clark e pelas
casas/labirintos de Amélia Toledo, BRINCAMOS.
O tecido que prende, que laça e enlaça,
O tecido que aquece,
acolhe e abriga,
O tecido que voa
brincante no ar!
O tecido que enrola,
circula e protege feito
casa.
De cor em cor, de
textura em textura, de nó em nó...
Tecidos como casas!
ENVOLTÓRIOLYGIACLARK CASAMÉLIATOLEDO
FIG. 17: Imagens de obras de Lygia Clark e Amélia Toledo.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=nsmk5L_OkCI
https://ameliatoledo.com/obra/obras-publicas-e-instalacoes/
Acesso em: 19/02/2020
[...] “uma casa, uma
membrana entre o corpo e a noite” (MARQUES, 2017, p.11)
NINHOCASA
O que era casa virou ninho, o que era ninho transmutou-se em casa.
Erguemos um grande
ninho no espaço do Bosque.
Em bando, adentramos o bosque para juntos realizarmos a construção
de um grande ninho/casa.
Próximo ao tronco de uma árvore, juntamos galhos, gravetos e palha...
O ninho/casa foi
reduto de nossas andanças, brincadeiras e fantasias.
Como é bom sonhar/brincar no aconchego de nosso bando. Como é bom
sonhar no segredo
de nossa casa.
[...] “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa
permite sonhar em paz”.
(BACHELARD, 1989, p. 68)
NINHOCASANINHOCASANINHOCASANINHOCASANINHOCASA
FIG. 18: Imagens de
casas inventadas e exploradas com as crianças. Fotografias. Fonte: Arquivo
pessoal da autora. Data: 2017
CASACAIXA CASAMALA CASAVIAGEM CASAVOO
De uma caixa de
papelão chega-se a uma mala, a caixa como mala.
O que é uma mala?
Uma mala é um objeto carregador de coisas, objeto que carrega
outros objetos. O que é uma mala?
A mala é um objeto de
viagem. É uma mala/viagem.
Eis as viagens da
mala:
A casa como caixa,
A caixa como mala,
A mala como viagem!
Uma mala convida para uma viagem. A viagem é um convite para o
voo. O voo impele
a sair do chão, desprender os pés e voar...
Durante o voo a mala traz uma revelação! A mala guarda dentro de
si uma roupa de pássaro.
O pássaro é a Poupa, a Poupa era um poeta e agora é um pássaro.
A Poupa conta uma história, a história é uma viagem, a viagem
é uma busca. Os caminhos? Os trajetos?
Insólitos, incomuns,
excêntricos, inesperados!!!
FIG. 19: A Mala, 1986/87. Obra de José Carratu.
Fonte: http://www.mac.usp.br/mac/expos/2015/casa/galeria.htm
- Acesso em: 20/02/2020.
As casas abandonam a
si mesmas
fogem de si mesmas
um dia você retorna
e a casa não está lá
está apenas seu molde
casca ou carcaça
sai então à caça
da casa
EM VIAGEM
ou fica lá
onde já não está
(MARQUES, 2017, p.45, grifo nosso)
A CONFERÊNCIA DOS PÁSSAROS!
FIG 20:
Espetáculo: A Conferência dos Pássaros.
Direção de Mauricio Grecco. Fotografia: Nana Moraes Fonte: https://cbtij.org.br/conferencia-dos-passaros-direcao-mauricio-grecco/
- Acesso em: 20/02/2020
O rei dos pássaros, Simorg, deixa cair
no meio da noite, no chão da China, uma de suas penas...
O poeta Attar acorda numa certa manhã e
depara-se com um inquietante
acontecimento: havia se tornado um pássaro, uma Poupa.
A Poupa organiza uma grande reunião com todos os pássaros do
mundo. O apelo é a busca
pelo Rei Simorg, aquele que saberá a resposta para
tantos desalentos, num mundo repleto de
revoltas e disputas.
Os pássaros, conduzidos pela Poupa, empreendem uma viagem cheia de
aventuras e desafios,
superam os sete vales na procura da montanha de Kaf,
onde vive o Rei Simorg.
Durante o percurso, muitos viajantes se perdem, desistem, perecem.
Mas, ao final, no encontro
com o Grande Rei, descobrem que sempre estiveram muito próximos do que buscavam.
Governados pela narrativa da Conferência dos Pássaros realizamos
um sem fim de experiências.
[...] “Viajar então era
isso? Ver sua casa pelo lado de fora?” (MELLO, 2018, p.49, grifo nosso)
PASSO A PASSO...
vamos chegando ao final desta história, e aqui ela
provisoriamente termina para depois abrigar outras,
noutros tempos, lugares e começos.
FIG. 21: Uma casa desenhada no chão. Casa/palavra. Fotoperformance. Fotografias de Soninha Vill. Fonte: Arquivo pessoal da autora. Data: 2019.
[...] “A casa é nosso
canto no mundo”. (BACHELARD, 1989, p. 67)
No movimento de encadear
ideias, objetos, pensamentos, arte, brincadeira, escola, imagens, cinema, poesia, dança,
música, palavras e tantos outros elementos que sejam possíveis, acontecem outras
conformações, sempre renováveis, a depender das contribuições.
Cria-se um entrelugar para a escola, para a arte, para a infância,
para a vida. Fazem-se brotar Invenções Brincantes-Artísticas.
Um cenário de INVENÇÕES deflagra performatividades.
Numa contextura performativa toda a escola infantil performa,
o currículo, os métodos de ensino, as proposições pedagógicas, os espaços,
os materiais, os tempos escolares, as crianças, as professoras.
as crianças não se
cansam
esgotam suas energias, caem
dentro do sono
mas não se cansam
o cansaço é o fim da
infância
pode ser que seja assim
que só para elas
exista CASA
absolutamente
(MARQUES, 2017, p.20)
FIG 22: Casa, 1995. Obra
de Maria Tomazelli.
Fonte: http://www.mac.usp.br/mac/expos/2015/casa/galeria.html
Acesso em: 20/02/2020.
PARA POESIA E
PENSAMENTO SOBRE AS COISAS DO MUNDO, A CASA
REFERÊNCIAS
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1980. 1 disco
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A CASA é sua. Intérpretes: Arnaldo Antunes/Ortinho. In: Ao vivo lá em casa. Intérprete: Arnaldo
Antunes. [S. l.] :
Gravadora Rosa Celeste, 2010. 1 CD, faixa 1( 4 min.,
41 sec.) Disponível em: https://open.spotify.com/track/0QjxHLuEJHmAFDyMkEDf7z. Acesso em: 08 mar. 2020.
CASA é Sua
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[1] Professora/Artisteira. Propositora
de invencionices brincantes com crianças pequenas. Habitante de muitas casas: Casa/Chão;
Casa/Vento; Casa/Infância; Casa/Porão; Casa/Invenção; Casa/Escola; Casa/Voo;
Casa/Ficção; Casa/Sonho; Casa/Pesquisa;
Casa/Devaneio; Casa/Teatro; Casa/Escritura. Professora do Núcleo de Desenvolvimento
Infantil (NDI) do Centro de Ciências da Educação (CED) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda em
Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). ligiasantos234@gmail.com
1 Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), vinculado ao
Centro de Ciências da Educação (CED) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
2Josiana Piccolli
e Lígia Mara Santos.
3 As crianças que participaram do Projeto A Casa é Sua tinham idade
compreendida entre três e cinco anos.
4 Passarinhos do Brasil:
Poemas que voam e Sobre Voos.
5 Leandro Selister
é fotografo, artista
plástico. Vive e trabalha em Porto Alegre.
Autor do livro, Tique-taque
– Tremor das pequenas coisas.
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