O que � escrita
performativa?
�What is performative writing?�
In�s
Saber de Mello
Doutoranda
e mestra em Teatro da UDESC, graduada em letras (UFPR) e em dan�a (UNESPAR); professora-estudante,
faz uma meta-pesquisa buscando a��es, espa�os e experi�ncias coletivas de
escritas
inessaber@gmail.com �� https://orcid.org/0000-0002-9427-9844
Franciele
Machado de Aguiar
Doutoranda
em Teatro na UDESC, mestra em Artes C�nicas e bacharela em Teatro pela UFRGS.
Atriz, professora, gosta de cantar e de escutar as vozes das pessoas.� aguiafranciele@gmail.com� �https://orcid.org/0000-0002-0327-247X
Jussara Belchior Santos
Bailarina
gorda. Doutoranda e Mestra em Teatro da UDESC. Criou Peso Bruto (2017), para discutir
corpo gordo na dan�a. Interessa-se por po�ticas e pol�ticas de movimento e
posicionamento atrav�s da dan�a
jusbelchior@gmail.com� �� https://orcid.org/
0000-0002-8592-6229
Luane
Pedroso de Oliveira
Doutoranda
e mestra em Teatro da UDESC. � atriz, bailarina, gosta muito de teatro de
bonecos. Arrisca-se em instrumentos percussivos e adora m�sica brasileira.
Nasceu em uma fam�lia de artistas, o que para ela foi de vital import�ncia em
sua forma��o, que se deu, sobretudo, do lado de fora da Academia. Tem a sorte
de amar o que faz.
luane.mainha@gmail.com ��https://orcid.org/0000-0001-8127-617X
Matheus
Abel Lima de Bitencourt
�
artista visual e mestrando em Processos Art�sticos Contempor�neos na UDESC.
Investiga processos de escrita e modos de leitura. Pensa o pensar o processo
enquanto obra
talveztenhaavercomarte@gmail.com� ��https://orcid.org/0000-0002-2214-4377
Tereza
Mara Franzoni
Professora
do Departamento de Artes C�nicas e do Programa de P�s Gradua��o em Teatro da
UDESC. Possui doutorado e mestrado em Antropologia Social da UFSC e gradua��o em
Ci�ncias Sociais pela UFSC
��franzoni@gmail.com �� https://orcid.org/0000-0003-2498-085
Resumo
Este texto � uma apresenta��o de
formula��es, modos e imagens a partir da pergunta-t�tulo �o que � escrita
performativa?�, apresentando a colet�nea de textos da proposta Do tema aos
modos, reflex�es e inven��es: pesquisa em artes e as escritas da pesquisa,
produzidos por artistas-pesquisadoras e pesquisadores de diferentes
universidades brasileiras, que trazem consigo o interesse e exerc�cio reflexivo
da Pesquisa em Arte na e pela escrita, atrav�s de seus procedimentos e
possibilidades.
Palavras-chave: Artes c�nicas. Escrita e arte. Performance
(Arte).
Abstract
This text is a presentation of formulations, ways and images
based on the title question
'what is performative writing?', presenting the collection of texts
from the proposal From theme to ways,
reflections and inventions: research in arts and research
writing, produced by artist-researchers from different Brazilian universities, who bring with
them the interest and reflective
exercise of Research in Art in and through writing,
sharing their procedures and possibilities.
Keywords: Performing
arts. Writing and art. Performance art.
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0015
Recebido em: 10/06/2020
Aceito em: 07/07/2020
e o que � o que � o que � o que � o
que � o que � o que � o que � o que � ESCRITA? o que � o que � o que � o que �
o que � o que � o que � o que � a ESCRITA de ARTISTA? e o que � o que � o que �
o que � o que � o que � o que � PESQUISA? e o que � o que � o que � o que � o
que �� o que � o que �
este
texto foi produzido por artistas-etc.[1]:
Caras
leitoras e leitores,
Gostar�amos
de tentar conciliar coisas diferentes neste texto que se abre para tratar da escrita
nas pesquisas em Artes C�nicas: a nossa a��o enquanto Corpo Editorial, um breve
apanhado dos conceitos e pr�ticas que nos permitem pensar a escrita na
academia.
O
ponto de partida � anterior ao m�todo. Segundo o fil�sofo italiano Giorgio Agamben (2010), o m�todo na pesquisa nas ci�ncias humanas
n�o � anterior � pr�tica; os procedimentos de investiga��o s�o definidos a posteriori[2]
j� que o h�bito de pensar destas � longo e cont�nuo.
Na
arte, especialmente na forma como � feita hoje, � poss�vel listar uma s�rie de
raz�es para que os m�todos tenham car�ter processual, pass�vel de mudan�as.
Dentre algumas est�o: a fragmenta��o, a provisoriedade, o sintom�tico, a
continuidade de pr�ticas (que podem vir a gerar produtos e a��es); o borramento das no��es de participa��o e autoria, artista e
espectadoras(es); as proposi��es que n�o excluem a possibilidade da cat�strofe,
as reconfigura��es que moldam a��es e/ou formas.
Um
exemplo desse car�ter processual pode ser notado no trabalho do artista
estadunidense Lawrence Weiner (2014), que o descreve
como algo constitu�do de frases ou palavras adesivadas em grande escala em
paredes ou fachadas de pr�dios � estas, na realidade, s�o esculturas: "o
significado das palavras quase sempre muda. Mas as coisas em si, n�o".
Partindo desse ponto, Weiner indica que seu trabalho
n�o apresenta "met�fora alguma", mas deixa aberto seu significado
para que o es/xpectador[3]
utilize-o como lhe parecer melhor, criando assim seu pr�prio significado
particular para cada pessoa.
O
professor e pesquisador argentino Reinaldo Ladagga
afirma que estamos em uma fase de mudan�a de cultura nas artes[4]; em Est�tica da Emerg�ncia (2012), aponta
uma disposi��o � reflexividade nas artes, trazida pelo modernismo � que para o
autor ainda n�o foi superado � direcionando a eros�o da certeza do
conhecimento, ou seja, �toda posi��o estabelecida deve ser considerada a priori suscet�vel de revis�o� (p.
60-62). Ao pesquisar artes, precisamos, ent�o, estar cientes da transitoriedade
dessa fase: desgarrar de um sistema de pesquisa fechado e permitir que outras
formas e pr�ticas surjam.
O
termo Pesquisa em Artes � bastante difundido no Brasil, remete-se ao trabalho
de pesquisa realizado por artistas com uma dupla face: a cria��o art�stica/o
processo de investiga��o e a apresenta��o dos resultados/reflex�es deste
trabalho. Silvio Zamboni, em sua tese (1998), tra�a um paralelo entre arte e
ci�ncia e o contexto hist�rico da pesquisa em artes; ele explica que a �rea se
efetivou dentro do CNPq na d�cada de 1980, criando modos de gerenciamento,
normatiza��o e fomento das pesquisas.
Com
pouco mais de 50 anos dessa efetiva��o, vivemos agora um momento de amea�as de
cortes de investimentos e subs�dios na pesquisa e educa��o. Por isso, ao inv�s
de uma tentativa de consolida��o de um sistema por parte de artistas
pesquisadoras e pesquisadores, h� uma postura autocr�tica, gerando emerg�ncias
de outras formas, fazeres, vozes e saberes.
As
leitoras e leitores que n�o busquem neste texto algum
escrever � estar em contradi��o
pesquisar � tamb�m apontar a contradi��o
dentre
os motivos da impossibilidade de uma resposta e
a) Aquele
clich� de que h� muito o que se dizer sobre escrita
e sobre o performativo � sim, h�
diversos caminhos,
b) Uma
condi��o permissiva de escrita que a aproxima de exist�ncias mais do que de
significados, por se deixar influenciar pelas qualidades do que est� entre,
pelo que n�o pode ser inteiramente capturado ou articulado e assim se tornar
uma experi�ncia em seu pr�prio-movimento-pr�prio, cheia de possibilidades
relacionais;
c) O
fen�meno � relativamente novo, nos �ltimos 30 anos se intensificaram as
discuss�es do que pode ser a escrita na Pesquisa em Arte;
d) O
conceito de texto se dinamizou, est� mais aberto e poliss�mico, h� uma maior
preocupa��o com sua produ��o e recep��o, seus desdobramentos e metamorfoses.
AS VOZES DA
ESCRITA: O COTIDIANO, O PESSOAL, O POL�TICO, O
CORPO, O TEXTO, A ESCRITA, AS VOZES DELAS, AS VOZES DELES
Ao
propormos um exerc�cio performativo de escrita, que pudesse se estender dos temas
das pesquisas aos modos pelos quais os conhecimentos que ali urdimos ganham
forma e s�o compartilhados, perguntamos tamb�m quais estrat�gias de escritas
poderiam chamar aten��o para as estruturas patriarcais e coloniais nas quais a
academia se sustenta. Perguntamos como essas escritas podem desvelar o
machismo, o racismo, o elitismo, institucionais e sist�micos, incorporados
muitas vezes como h�bito. Como uma outra forma de escrita poderia questionar
tais estruturas, fissurar, oferecer possibilidades, desempenhar um papel ativo
nas transforma��es das quais tanto necessitamos? Nesse contexto, � interessante
pensarmos nos feminismos, nos caminhos e contradi��es atrav�s dos quais eles se
estruturam enquanto movimento, e perceber, ali, percursos semelhantes ao
performativo como escrita acad�mica, como escrita poss�vel na academia e,
finalmente, sua fun��o na e para al�m da academia.
Ao
escrever, lembrar que (2020). Colagem.�
Fontes: print de stories Instagram de Francisco Mallmann, p�gina do The City Fix Brasil[10]
e fotografia de mostra na Pinacoteca de S�o Paulo[11]
Gloria
Anzald�a, em Falando
em l�nguas: uma carta �s mulheres escritoras do terceiro mundo, escreve:
N�s falamos em l�nguas, como os
proscritos e os loucos. Porque os olhos brancos n�o querem nos conhecer, eles
n�o se preocupam em aprender nossa l�ngua, a l�ngua que nos reflete, a nossa
cultura, o nosso esp�rito. As escolas que frequentamos, ou n�o frequentamos,
n�o nos ensinaram a escrever, nem nos deram a certeza de que est�vamos corretas
em usar nossa linguagem marcada pela classe e pela etnia (Anzald�a,
2000, p. 229).
Anzald�a segue: �Escrevo para
registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as hist�rias mal
escritas sobre mim, sobre voc� (2000, p. 232). Contar a hist�ria apagada, usar
a linguagem marcada pela experi�ncia, s�o caminhos poss�veis para uma escrita
performativa, feminista, decolonial.
Nos
textos que comp�em esta colet�nea, acompanhamos uma busca por modos de escrita
que se desdobram em m�ltiplas estrat�gias e desejos: desierarquizar,
descolonizar, questionar estere�tipos, construir pedagogias e m�todos que
surjam da pr�tica, da materialidade, do cotidiano, da experi�ncia, do tempo
(cada vez mais fugidio) presente. Cartas, diagramas, imagens, fragmentos de
di�rio, notas, caixas de texto, dan�a, palavras pescadas, cantos, listas de
tarefas, bicicletas, vidros quebrados, cita��es, livros did�ticos, fogo, terra,
ar, �gua, refer�ncias, lou�as na pia, alunas e alunos, processos criativos,
salas de aula, crian�as, jovens, escolas, texturas, cores, peles, pesos,
quedas, sons, tra�os, biografias, autobiografias, fic��es, autofic��es,
f(r)ic��es, mem�ria, imagina��o, asfalto, areia,
travesseiros, ideias, sonhos, despertadores.
No
percurso de leitura perguntamos como escritas performativas e feminismos se
encontram, como uma escrita performativa pode ser tamb�m uma escrita feminista.
Percebemos que, por meio de diferentes recursos, as palavras e imagens revelam
o corpo de quem escreve, mostram a subjetividade desses corpos, sua hist�ria,
sua singularidade, unicidade; enfim, suas vozes.
O
conhecimento que cada pesquisa constr�i e compartilha n�o � neutro: �
contextual, relacional, incorporado na pr�tica art�stica, docente, acad�mica de
cada uma e de cada um. Tanto quanto os temas, interessam-nos os modos pelos
quais nos comunicamos, os modos pelos quais esses saberes estabelecem conex�es
com o dia a dia, os modos pelos quais aprendemos e ensinamos, os modos pelos
quais podemos transformar(-nos). Quando nos
percebemos enredadas em uma estrutura que nos adoece, precisamos construir uma
rede que nos ampare, que nos permita dizer, pensar, cantar a muitas vozes: eu tamb�m. Assim, seguimos acreditando e
alimentado a pot�ncia da arte, da educa��o, da pesquisa, mesmo em momentos em
que elas sofrem tantos ataques.
bell hooks[13]
(2019; 2018), conta-nos sobre o surgimento do movimento feminista e sobre como
ele era, em seus in�cios, estruturado pela pr�tica, pela vida das mulheres.[14]
Pela percep��o e afirma��o das conex�es entre o pessoal e o pol�tico. Tais
conex�es � que a escrita performativa tamb�m estabelece quando opera um engajamento,
um investimento de si por parte de quem escreve � permitem que realizemos um
exerc�cio de imagina��o sociol�gica, conectando o cotidiano das autoras cujos
textos integram esta colet�nea, �s quest�es que nos afetam coletivamente. O
pessoal � pol�tico, e as cartas entre quatro artistas-pesquisadoras-professoras[15], os
relatos de pr�ticas art�sticas e docentes, falam e tocam a todas n�s, a todos
n�s. Ao falarem sobre suas experi�ncias, elas falam sobre si e falam tamb�m
sobre n�s. E falam conosco. Sua escrita � a��o e convite para agir.
O
que seria o performativo que adjetiva as escritas aqui reunidas? Poder�amos
apontar como caracter�sticas do performativo: o apelo a outros modos de
percep��o (e no caso do texto, a pr�pria ressignifica��o do que � considerado
texto); o car�ter processual, inacabado, de algo que est� sendo feito, do que
est� sendo composto atrav�s de uma colagem de diferentes formas e g�neros; o
espa�o para o cotidiano, a n�o separa��o entre arte e vida; a (re)inscri��o da arte no dom�nio pol�tico; o deslocamento
dos c�digos; a possibilidade do risco, do malogro, do erro que acompanha a
tentativa; a ludicidade das formas visuais e verbais do discurso; a performatividade como experi�ncia e como execu��o de uma
a��o.
Percebemos
tais marcas nos textos com trechos riscados aparentes, acompanhando as decis�es
e o investimento de tempo e energia, os movimentos de corpos e pensamentos, a videodan�a imaginada nas tarefas dom�sticas, os fragmentos
de caos e de cacos de vidro, as imagens que nos atropelam, o tempo que nos
atropela, nos cronometrados cinquenta minutos de uma aula de artes na escola
p�blica, os fragmentos de discurso nos di�logos entre pessoas af�sicas, as
aproxima��es e afastamentos entre espa�os e alteridades. O grande espa�o vazio
nas p�ginas � espera, enquanto o ponto de inser��o aguarda a digita��o das
palavras.
Os
textos que seguem desafiam suas pr�prias autoras e autores a olharem para a
forma como escrevem, a perguntarem por que o fazem obedecendo a determinadas
formas e deixam outras tantas possibilidades. O que torna um texto �public�vel�
em peri�dicos, �leg�vel�, �compreens�vel�? No ensaio A l�ngua. Ensinando novos mundos, novas palavras, bell hooks reflete sobre o
colonialismo que opera na linguagem, nos v�nculos entre l�ngua e domina��o.
Como transform�-la numa contral�ngua, num espa�o de
resist�ncia? Na escuta das can��es dos escravizados afro-americanos, dos spirituals, bell hooks chama a aten��o para as constru��es gramaticais que
quebram, despeda�am o ingl�s padr�o:
[...]
o poder dessa fala n�o � simplesmente o de possibilitar a resist�ncia �
supremacia branca, mas tamb�m o de forjar um espa�o para a produ��o cultural
alternativa e para epistemologias alternativas - diferentes maneiras de pensar
e saber que foram cruciais para a cria��o de uma vis�o de mundo contra-hegem�nica. (hooks, 2019,
p. 228).
Refletindo
a partir dessas considera��es, reconhecemos, nas escritas que aqui
apresentamos, trechos em que uma fragmenta��o da l�ngua e das estruturas da
escrita acad�mica se coloca em curso. Conhecer em fragmentos, conceber espa�os
em que n�o compreendemos o todo �, segundo bell hooks, uma estrat�gia pedag�gica e pol�tica: podemos ouvir
sem �dominar� ou �conquistar� a narrativa como um todo, podemos escutar sem
�tomar posse� da interpreta��o.
Entramos
em contradi��o. Revisamos os textos acossadas por uma tal �norma culta�.
Escrevemos aqui na l�ngua de nossos colonizadores. Mas o que podemos fazer com
ela? E quantas outras l�nguas e saberes silenciados deveriam ocupar este
espa�o?
Pensando
no que bell hooks (2018)
nos conta sobre a constru��o da teoria feminista, parece haver um paralelo, um
reconhecimento entre teoria feminista e pesquisa em arte (e sua escrita). Para
que(m) elas servem? Quando falamos, pensamos sobre, buscamos por modos de
escrita performativa, estamos buscando tamb�m um sentido para o que fazemos. Um
encontro transformador entre est�tica e pol�tica, uma busca por tornar
acess�veis os conhecimentos gerados nesse encontro. Algo ainda mais urgente
quando nos damos conta de que ocupamos espa�os e recursos p�blicos e que tais
recursos devem ser partilhados, servirem ao bem comum e n�o se encerrarem em
muros de privil�gios. bell hooks
nos diz: a academiza��o pode enfraquecer o movimento
feminista, ao despolitiz�-lo. Uma teoria que se restringe ao p�blico acad�mico
torna-se um gueto com pouca conex�o com o mundo l� fora. Precisamos basear
nossos estudos e pesquisas na comunidade, pensar em um comum. Alcan�ar al�m da
palavra acad�mica e at� mesmo da palavra escrita, pensar outros recursos de
compartilhamento de conhecimento. Uma educa��o feminista, um conhecimento
feminista.
Compartilhar
experi�ncias na escrita, escrever a partir da pr�tica. Mas ainda e sempre �
preciso perguntar: quem est� compartilhando suas experi�ncias e pr�ticas? A
escrita acad�mica precisa encarar suas contradi��es para que possa ser
inventada e reinventada a cada momento, a cada pesquisa. Nesta colet�nea de
textos, houve tentativas de vincular o que jamais deveria ter sido desvinculado:
a subjetividade de quem pesquisa, com as pessoas, mat�rias, teorias, conceitos
que surgem desse investigar. O conhecimento e o cotidiano, a arte e a vida.
Esse conhecimento, essa arte, servindo como interven��o na vida, como
transforma��o da vida, desenhando-se como pr�xis, teoria e pr�tica
informando-se mutuamente. Uma escrita que flexiona substantivos e adjetivos no
feminino nos faz pensar em g�nero, em corpo, naquelas que est�o por tr�s das
p�ginas, que escrevem as palavras. Nos obst�culos que encontram para conciliar
o trabalho acad�mico com o invis�vel e desvalorizado trabalho de reprodu��o
social. Nos obst�culos que encontram para ocuparem o espa�o acad�mico. Quantas
m�es pesquisadoras puderam participar desta colet�nea? Quantas mulheres negras?
Ind�genas? Trans? A escrita performativa � para que(m)?
Chamar
aten��o para a impraticabilidade de apresentarmos uma proposi��o desveladora e encerrante n�o � um
pedido de desculpas por falta de acabamento, por poss�veis ingenuidade(s) ou
por praxe. Pelo contr�rio, apresentam-se incertezas porque estamos cientes da
crescente instabilidade da produ��o e da pr�pria sobreviv�ncia
Por favor,
aperte essa ferida
tem coisa
que n�o se pode deixar passar batido
especialmente se essa ferida for excludente, racista, gordof�bica, mis�gina, transf�bica,
colonial ou complacente com viol�ncias. O perigo � real, e este n�o � algo que
queiramos correr aqui.
Mesmo
n�o sendo um desafio exclusivo das pesquisas em arte, escrever (na academia) �
por vezes ignorar grande parte da experi�ncia. Ao buscar o que pode ser
isolado, traduzido e reproduzido das experi�ncias sens�veis, reduzimo-las a experimentos - com exatid�o, comprova��o
cient�fica, e at� a possibilidade de previs�es futuras[16].
No
entanto, � imposs�vel cercar for�as que atravessam o acontecimento � est�o
entrela�adas. O dilema da pessoa
pesquisadora-artista est� posto: relacionar-se com o que � sens�vel,
inst�vel e processual produzindo, atrav�s (da descri��o) da experi�ncia, uma
escrita que, por ser cient�fica, tem por finalidade mostrar fontes, resultados
e conclus�es.
O
QUE N�O � ESCRITA PERFORMATIVA
A
escrita performativa n�o � uma guerra contra a ABNT.
A escrita
performativa n�o substitui e nem se pretende melhor que outras escritas, advoga
contra o perigo da Hist�ria �nica[17] que
cria e perpetua no��es i
Ah! Que
dif�cil!
Estou
carregando cinco livros na mochila, o computador, a garrafa d��gua e uma blusa
para aguentar o frio da biblioteca. Estou empacada, sentada h� horas na frente
disso aqui.
J� comecei
isso v�rias vezes e nada deslancha.
N�o d� para
escrever isso sem explicar aquilo.
Ser� que rola
uma nota de rodap�?
Onde � que
t� aquela refer�ncia mesmo?
Tinha
certeza que era desse livro.
Queria ter
escrito esse livro.
Quais s�o
suas refer�ncias?
Para quem
voc� escreve?
Escreve isso
que voc� falou agora.
Ser� que tem
algum lugar para publicar esse texto assim?
E se a gente
inventasse um espa�o para caber?
Qual o prazo
de submiss�o mesmo?
...tudo come�ou assim:
Ines Saber prop�s que a pesquisa de seu doutorado em Teatro fosse n�o somente a
an�lise de um corpo de dados, mas uma cole��o de a��es coletivas.
Foi a� que surgiu uma chamada aberta para pesquisadoras e
pesquisadores de p�s-gradua��o em artes c�nicas, teatro, dan�a e performance
para a publica��o de uma colet�nea de textos cujos temas elencados foram: as metodologias que inventamos; a rela��o
de duas m�os entre modo e conte�do; as atualiza��es e alternativas aos formatos
tradicionais; as reflex�es sobre nossa postura frente �s pr�ticas de pesquisa e
O
convite para a escrita dessa colet�nea foi bem amplo, sem restri��es
pr�-estabelecidas quanto a formata��o: nem refer�ncias, nem cita��es precisavam
se restringir �s normas ABNT, mas precisavam estar presentes de alguma forma -
pl�gios n�o seriam aceitos. A escrita poderia tomar a forma que lhe coubesse,
ou ainda, inventar outras formas, expandir seu espa�o de ocupa��o, explorar o
infinito que cabe em uma folha A4.
A divulga��o da
chamada para publica��o foi feita inicialmente em julho de 2019, atrav�s de
e-mails para discentes do Programa de P�s-Gradua��o em Teatro da UDESC e para
diferentes endere�os eletr�nicos de coordena��es e secretarias de
Em Setembro de
At� o fim de setembro Ines recebeu quase 40 textos. A
possibilidade de elabora��o de uma colet�nea de escrita, seja ela pr�tica,
cr�tica e pol�tica, tema, m�todo e a��o, de pessoas pesquisadoras e
DAS
NOSSAS ESCRITAS PERFORMATIVAS: TENTATIVAS,
FRACASSOS, EXPERI�NCIAS E FLERTES
N�s
nos reunimos a primeira vez para olharmos os textos recebidos, um grupo
inicialmente formado por estudantes de
A curiosidade
pairava
A Academia
� um lugar de produ��o de discurso e cria um regime de autoriza��o discursiva,
que por sua vez � �ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribu�da por [...] procedimentos que
A
exemplo disso, segundo os dados apresentados em Pequeno Manual Antirracista
(Ribeiro, 2019, p. 49) s� em 2012 foi implantada a lei de cotas federais nas
institui��es brasileiras de ensino superior;�
em 2018, vemos o reflexo dessa mudan�a quando a estat�stica mostra que a
maioria dos estudantes � negra (51,2%).
Sabemos
que o �n�s� dos textos acad�micos ainda n�o necessariamente abarca vozes
pobres, negras, transfeministas e outras muitas
intersec��es; afinal a academia � reflexo de um projeto europeu, branco e
patriarcal. N�o podemos nos esquecer que a linguagem � coerciva e naturalmente
expropriada de experi�ncia. Na busca por construir coletivamente
Durante
os encontros nosso posicionamento, enquanto coletivo, foi tomando corpo atrav�s
do reconhecimento de tens�es no nosso pr�prio fazer, entre o que se espera do
trabalho de edi��o em publica��es acad�micas e os caminhos poss�veis para fazer
da academia um ambiente poroso - um espa�o de insurg�ncias de saberes que foram
(e t�m sido) outros para a academia. Em tempos de amea�as de desmontes da
educa��o, a procura por outros modos de escrita � um
Com
essa reflex�o veio tamb�m o questionamento sobre nossa imagem. Por estarmos lidando com jogo de poderes,
como poder�amos criar e manter um lugar de liberdade, inventividade e jogo sem
abdicar de responsabilidades?
Debochando
de n�s mesmas.
Imagem - Parte do
Coletivo Escrita Performativa - Do tema aos modos, reflex�es e inven��es: a pesquisa
em arte e as escritas da pesquisa (Perucas de Suzaninha Richthofen[18]). Foto:� Luan Nagib, 2019. Fonte: Acervo pessoal
Em nossas
estrat�gias de desestabilizar a ordem e despertar a curiosidade
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Mineira, professora com forma��o em dan�a, mestra em artes
c�nicas, doutoranda em artes, pesquisadora de performance, jogo e fluxo na
educa��o. Artista da dan�a, articula o ajuntamento
abrindo a sala, que convida pessoas de diferentes quer�ncias e pr�ticas a (se)
ajuntarem (em) po�ticas da conviv�ncia. Investiga modos de composi��o a partir
dos conhecimentos e sabores do que n�o-se-sabe. Performer
e educartista. Brinca com as possibilidades de
aprendizagem que emergem de pr�ticas performativas, dos n�o-saberes. Ressoam em
seu corpo e interesse vozes das artes, da literatura e da filosofia. Professora/Artisteira. Propositora de
invencionices brincantes com crian�as pequenas. Habitante de muitas casas.
Casa/Ch�o; Casa/Vento; Casa/Inf�ncia; Casa/Por�o; Casa/Inven��o; Casa/Escola;
Casa/V�o; Casa/Fic��o; Casa/Sonho; Casa/Pesquisa;
Casa/Devaneio; Casa/Teatro; Casa/Escritura. Lembro-me
ainda do arrebatamento pela Arte quando ainda bem pequena deparei-me com um
quadro que tinha uma fotografia de uma bailarina. Dancei, me formei em Teatro e
tenho me tornado atriz e professora. Enquanto atriz, me dedico a
investigar as artes performativas; enquanto professora, sigo atravessada pelo
meu interesse pela crian�a, por seu modo de ser e estar na arte e na vida. O
que podemos fazer de Teatro com crian�as t�o pequenas?� A resposta: TUDO. Atriz, professora, gosta de escutar as vozes das pessoas e
prefere cantar a falar. Quando ainda podia contar a idade nos dedos de uma
�nica m�o, transformou em microfone um peda�o de cano de PVC. Ao encontrar
dramaturgia na estante da biblioteca da escola, decidiu brincar de teatro e o
fez. E o faz. Tem meia d�zia de gatos: uma delas se chama Cigana e gosta de
acompanhar as escritas deitada sobre livros e anota��es feitas � m�o. Professorartista pesquisadora ga�cha
residente em Bras�lia com experi�ncias m�ltiplas em dan�a e teatro. Meditadora.
Investigadora de processos em dan�a contempor�nea desde 2009. Mestra e Doutora.
Diretora. Terapeuta Reiki. Professoramiga confidente.
Consteladora Familiar (em forma��o). Professora de
uma licenciatura em dan�a e integrante de grupo de pesquisa em improvisa��o. Pesquisadora e artista das
artes do corpo. Meus trabalhos t�m como eixo central as emerg�ncias,
insurg�ncias e pot�ncias que acontecem e fazem parte do corpo, constituindo-se
de obras autorais e trabalhos coletivos com artistas parceiros. Atriz, bailarina, gosta muito de teatro de bonecos. Se arrisca
em instrumentos percussivos e adora m�sica brasileira. Nasceu em uma fam�lia de
artistas o que, para ela, foi de vital import�ncia para sua forma��o que se
deu, sobretudo, do lado de fora da Academia. Ama cachorros e dias de sol.
Prefere teatro a cinema. N�o acredita no capitalismo. Gosta de escrever
despretensiosamente. Tem a sorte de amar o que faz. Artista pop-nerd das visualidades do espa�o e do tempo. Montando
alegorias cr�ticas sobre as possibilidades revolucion�rias dos jogos, hqs, rpgs, cosplays, s�ries e
filmes. Atriz, performer, encenadora, diretora,
dramaturga e escritora. Professora-estudante,
pesquisa e escreve �com� e �entre�; corpo, escrita, dan�a, performance e
poesia, e faz de sua tese um conjunto de a��es: propor coletivamente espa�os e
experi�ncias coletivas de outras escritas em Pesquisas em Artes. Atriz, professora e diretora de Teatro desde
1991. Pesquisadora-artista-educadora,
montanhista-dan�arina, m�e, filha, (e aqui sobretudo) neta, art�fice,
costureira e bordadeira, graduada em dan�a, mestre em comunica��o e semi�tica,
doutoranda em artes c�nicas e professora. Artista c�nica
de interlinguagens e indisciplinar, produtora
cultural, pesquisadora e provocadora de processos art�stico-pedag�gicos psicom�gicos em contextos escolares e n�o-escolares. Faz quest�o de ser chamada de bailarina gorda. � paulistana
filha de mineiros. Mudou-se para Florian�polis n�o pela praia, mas para
integrar uma companhia profissional de dan�a, trabalhando ali por dez anos. Sua
pesquisa acad�mica � interdependente de sua pr�tica como artista.
Interessa-se por po�ticas e pol�ticas de movimento e posicionamento atrav�s da
dan�a. Paulistano de nascimento, campineiro de forma��o e curitibano de
morada, � membro fundador da quandonde interven��es
urbanas em arte, palha�o (atua��o e dire��o), vegano, pai da Lu�sa, ciclista e
antifascista. Professor,
diretor e ator. Estuda (des)hierarquiza��o das
fun��es teatrais, rela��es de poder e encena��o teatral. Atualmente est�
interessado em processos e pessoas que estudam o aprender a aprender. Nasceu em 1990 na
cidade de Peritiba e foi criada no interior da cidade
de Conc�rdia, SC. Vive na ilha de Florian�polis h� 10 anos, onde cursou a licenciatura
em Artes Visuais. Viveu na Bol�via em 2013 e em Portugal em 2015/2016, onde
estudou e trabalhou. Produz a partir da origem e pr�tica camponesa, comunit�ria
e matriarcal, articulando tentativas e processos de arte e de vida. Sombriense, artista visual,
atualmente vive e trabalha em Florian�polis. Investiga processos de escrita e
modos de leitura, propondo rela��es e tens�es via a s�rie de trabalhos mapas/esquemas/diagramas.
Pensa o pensar o processo enquanto obra. Sou performer-cart�grafa-pesquisadora-docente. Minhas investiga��es
ocorrem nos cruzamentos e nas linhas de fuga entre performance, teatro e dan�a.
Meu processo de cria��o se desdobra em perguntas que est�o continuamente se
atualizando. Eis algumas perguntas da minha cole��o: como desacostumar o
olhar?; como estar � altura do que me acontece?; como contra efetuar os
acidentes em vez de ressenti-los?
Para
muitas pessoas artistas-acad�micas o trabalho n�o � a escrita sobre, mas a
escrita: da, na e com pesquisa. Sabe-se que a Pesquisa em
Artes na academia seguiu os moldes das ci�ncias humanas se estruturando,
principalmente, em um fazer sobre algo. Artistas[20]
que se tornaram docentes na academia mencionam a dificuldade de conciliar a
pesquisa art�stica com a pr�tica acad�mica, quest�o recorrente em alguns textos
desta colet�nea. Percebemos que a proposi��o desta colet�nea foi um espa�o para
o exerc�cio de uma escrita art�stica-acad�mica, enquanto tema e modo, uma
maneira de aliar a pesquisa acad�mica e a pesquisa na pr�tica art�stica.
Em
algum momento de nossa trajet�ria enquanto Corpo Editorial, perguntaram-nos por
que esta n�o seria uma publica��o independente; buscamos uma parceria com
professoras[21] na
�rea de Artes j� experientes na organiza��o de dossi�s e publica��es em
peri�dicos acad�micos. Acreditamos que a publica��o em uma revista acad�mica
veio como forma de garantir, atrav�s da escrita, um lugar da produ��o acad�mica
nas artes c�nicas nas vertentes feministas, decoloniais
e insurgentes que desafiam o sistema vigente. Acreditamos que pesquisa em arte
tem modos de revelar processos hist�ricos, sociais, �ticos, pol�ticos � a
possibilidade de um giro atrav�s de um processo inventivo. A escrita
performativa em revistas acad�micas, portanto, se mostra um espa�o de debate e
realiza��o desses modos, tanto de temas como de formas de pesquisa; uma demanda
da classe por outras experi�ncias inclu�das no espa�o reflexivo da academia.
Tanto
se fala da necessidade de escuta daqueles que sempre foram autorizados a falar.
Publicar textos performativos em uma revista acad�mica �, antes de mais nada, a
possibilidade de desenvolver um lugar de
escuta, para que o conhecimento que produzimos permita tamb�m insurg�ncias
de ferramentas, de modos e saberes pr�prios, para que outras pesquisas possam
vir a criar m�todos acad�micos. � a busca de uma escrita acad�mica que n�o seja
a manuten��o de uma produ��o reduzida, protegida e conservadora, mas que seja
uma constru��o coletiva de fundamentos, saberes e redes.
Com
a perspectiva de construir coletivamente com as autoras e autores que
contribu�ram para esta colet�nea, pensamos em estrat�gias de sele��o dos
materiais que nos chegaram de forma que n�o prioriz�ssemos nenhum par�metro
formal pr�-estabelecido, pois este j� � um modelo bastante adotado em processos
editoriais de revistas acad�micas � nestas geralmente adaptamos nossos textos
aos crit�rios e normas j� existentes.
O
importante para n�s era fazer com que as experi�ncias de escritas e
metodologias das pesquisas n�o fossem apenas tema, mas um exerc�cio reflexivo de
e com forma e conte�do. Receber�amos
Pensar
em uma escrita performativa � tamb�m trabalhar com idas e vindas, costuras,
mapeamentos, fissuras. Convidamos pessoas que defendem outras escritas,
sugerimos autorias coletivas. Os textos vieram, voltaram, vieram, voltaram,
vieram... e alguns textos foram inteiramente reescritos.
As
solicita��es inicialmente enviadas atrav�s de coment�rios no documento se
tornaram apenas o in�cio da interlocu��o, quase que unanimemente seguidas de �mas como vou fazer isso?�. Para tanto,
ajustes e concess�es foram feitos para chegar a poss�veis solu��es; estrat�gias
foram experimentadas por ambas as partes (pessoas editoras e escritoras)
Cada texto desta colet�nea � de fato um universo, resultado de uma
extensa negocia��o entre a equipe organizadora e as autoras e autores que colaboraram
na escrita. Por se tratar de um volume especial, as normas de submiss�o da
revista DAPesquisa
ficaram suspensas.
Entendemos o texto como espa�o investigativo em todos os seus
desdobramentos, tais como os que acontecem nas in�meras possibilidades de
intersec��o entre palavra e imagem. Muitos textos custaram muitas idas e vindas
para que se chegasse a uma estrutura de di�logo entre pr�tica
art�stica/pedag�gica e escrita performativa. Alguns apresentaram uma rela��o
mais intr�nseca entre forma e conte�do: trouxeram exemplos pr�ticos,
explicitaram a escolha das refer�ncias e aprofundaram os temas propostos. Mas
houve outros ainda os que n�o contestaram de maneira direta as estruturas
tradicionais do texto acad�mico, ainda que estrat�gias que se op�em a um
pensamento acad�mico epistemicida.
Pudemos pensar, atrav�s
dos textos recebidos, possibilidades de escrita coerentes com nossos temas e
modos de pesquisa, e entender tamb�m que publicar um dossi� de textos
performativos significa ter muito mais passos para todas as pessoas envolvidas
do que teria uma organiza��o de um volume de revista � a descoberta foi mesmo
coletiva.
Sendo assim, a
colet�nea tem a singularidade de cada pesquisa das pessoas colaboradoras e,
enquanto um conjunto, � um convite � leitura de outros formatos e l�gicas de
escrita e potencial de desdobramentos, tornando-se um espa�o e convite para
seguir vest�gios e pistas que n�o cabem no texto dito �acad�mico�, atrav�s do
questionamento, enquanto tema e modos, dos pr�prios
O PORQU� DA
ESCRITA
PERFORMATIVA
Em
geral, mesmo em Artes, temos uma produ��o de escrita acad�mica bastante
condicionada, que
No
entanto, a acusa��o de que as ci�ncias sociais, por
terem como objeto o ser humano, afetariam o processo de conhecimento por
estarem impregnadas de subjetividade, � colocada em xeque j� no in�cio
do s�culo XX com a Teoria da Relatividade de Albert Einstein (1991).
Por
outro lado, em outras �reas, a escrita foi pensada junto desse processo. Michel
de Montaigne (2002) escrevia em primeira pessoa no s�culo XVI, incorporando em
seu procedimento, suas a��es cr�ticas sobre o saber humano. Em 1580, ao
publicar Os Ensaios, cunha
Isto
posto, � poss�vel observar que h� uma dualidade na pr�tica da escrita, presente
ainda em algumas �reas e setores da academia. O teatro �
Alguns
conceitos foram chave de entendimento para a nossa conversa com as
pesquisadoras e os pesquisadores pela familiaridade destes. Na �ltima d�cada,
especialmente, in�meros estudos acad�micos t�m se utilizado dos termos performance, performance art,
performativo, perform�tico e a
escrita perform�tica em diferentes �reas do conhecimento.
Ao
nos aproximarmos da artista e te�rica mexicana Diana Taylor (2013, p.45),
compreendemos aqui a performance mais do que um tema de estudo, uma vez que
para ela, a performance � mais do que um campo art�stico, � uma episteme, um
modo de conhecer. Sua escrita n�o possui o
Defendemos ent�o que o
exerc�cio da performance na pesquisa e na escrita � um desdobramento da
pesquisa em artes, o exerc�cio de outros modos em nossas pr�ticas de arquivo
enquanto acad�micos. Sendo
assim,
ESCREVER NA PESQUISA � o exerc�cio de se permitir perceber que
nossa percep��o � um processo dial�gico de fazer e referenciar, e que n�o �,
mas est� sempre em rela��o (Goffmann, 1959), sem uma
estrutura fixada, mas mut�vel.
ESCREVER NA PESQUISA � compreender a fala, e consequentemente a
escrita, como um ato (Austin, 1990): nossos enunciados (e nossos corpos) podem
intervir, instaurar modos de ser/estar no mundo (
ESCREVER
NA PESQUISA � um
entrelugar das pessoas pesquisadoras-artistas que restaura procedimentos criativos, cr�ticos, repensando nosso papel
social (Schechner, 2006).
ESCREVER NA PESQUISA, mais do que compara��es e valoriza��es pela
cr�tica, � uma atitude de busca ativa da constru��o e manuten��o de um lugar de
di�logo, articula��o de redes de pessoas, lugares, coisas, animais,
institui��es (Latour, 2012).
O que n�o podemos perder de vista � que, por estarmos lidando com
pesquisa em arte, buscamos modos de
tomar consci�ncia,
e buscar rela��es,
experimentar possibilidades
conhecer subjetividades,
praticar a liberdade,
deixar emergir,
subverter l�gicas
_____________________(preencher com
mais possibilidades)
Que a escrita aqui seja um ato, uma des-coberta de exist�ncias, mais do que uma descri��o ou
justificativa de nossas pesquisas. Que este seja um convite para a pr�tica da
escrita performativa na academia, e para um in�cio de conversa.
As maneiras de continuarmos esta conversa s�o
in�meras, se voc�, leitora e leitor, tiver uma proposta, coment�rio, sugest�o,
desabafo que queria nos trazer, nosso contato � escritaperformativa@gmail.com .
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[1] O termo artista-etc foi cunhado por Ricardo
Basbaum e originalmente publicado no texto em ingl�s I love etc-artists, parte do projeto The next Documenta should be curated by an artist, Basbaum prop�e
um artista de m�ltiplas camadas, provocando rela��es arte-e-vida. O texto em
portugu�s foi publicado no Manual do artista-etc., em 2013, pela Azougue
Editorial.
[2] Podemos dizer que o paradigma implica um movimento
que vai de singularidade em singularidade e que, sem abandon�-lo, transforma
cada caso singular em uma c�pia de uma regra geral que nunca pode ser formulada
a priori. (Agamben, 2010, p.29).
[3] Outro termo cunhado por Ricardo Basbaum:
intersectando o espectador (aquele que observa) e o expectador
[4] [...] esta fase de mudan�a na cultura das artes �
compar�vel, em extens�o e profundidade, � transi��o que ocorreu entre os finais
do s�culo XVIII e meados do s�culo XIX. (Laddaga, 2012, p.9).
[5] Cf: Brad
Haseman (2006).
[6] Cf:
Ciane Fernandes (2014).
[7] Cf:
Sylvie Fortin & Pierre Gosselin (2009) e Camila Santos & Gisela
Biancalana (2017)
[8] Cf: Eduardo
Passos, Virg�nia Kastrup e Liliana Esc�ssia (2009).
[9] Cf: Luciana
Lyra (2010).
[10] Dispon�vel em: https://www.thecityfixbrasil.org/2012/01/11/chines-transforma-mais-de-mil-bicicletas-em-obra-de-arte/
[11] Dispon�vel em: https://www.picuki.com/media/2107665518971156932
[12] Refer�ncia ao livro A
aventura de contar-se: Feminismos, escrita de si e inven��es da subjetividade
(2013), da historiadora feminista Margareth Rago. Nele, a autora fala das narrativas
autobiogr�ficas com as quais os feminismos puderam afirmar novos modos de
exist�ncia. A rela��o entre escrita feminista e performativa � feita aqui a
partir desse "contar-se/contar-nos", que revela nossos corpos na
escrita.
[13] Te�rica feminista, ativista social, professora e artista estadunidense. Gloria Jean Watkins adotou o pseud�nimo bell hooks para sua produ��o art�stica e intelectual, inspirada em sua bisav� materna. Ela afirma que seu uso inconvencional das letras mai�sculas tem dois motivos: a diferencia��o entre ela e sua bisav� e o enfoque ao que � mais importante em sua obra � sua escrita e n�o sua pessoa.
[14] bell hooks nos conta tamb�m sobre a import�ncia das
discuss�es sobre ra�a e classe em um feminismo que seja realmente
revolucion�rio. A igualdade de g�nero n�o pode ser pensada sem a quebra das
vis�es ut�picas de sororidade, sem a considera��o das diferen�as que, na
estrutura social existente, mant�m a opress�o de mulheres racializadas e/ou
pobres enquanto confere poder a mulheres brancas e economicamente
privilegiadas.
[15] Uma de nossas a��es foi aproximar algumas autoras
atrav�s de uma troca de cartas, esta parece nos dar pistas para entender o que
pode ser uma escrita performativa. N�o � apenas o formato da carta (ou qualquer
formato diferente de uma formata��o tradicional acad�mica) que garante uma
performatividade. O que est� em jogo n�o � apenas o formato. A primeira carta
suscita o debate pela reflex�o sobre e com o fazer. A escrita
dessas quatro mulheres � um convite �s metodologias que se desvendam na
pr�tica.
[16] O fil�sofo Agamben em Inf�ncia e Hist�ria (2005) explica que n�s, sujeitos
contempor�neos, estamos expropriados de experi�ncia, o que, de certa maneira,
�� uma consequ�ncia que estava impl�cita no projeto fundamental da ci�ncia
moderna� (p.25-26).
[17] Alus�o � palestra O
perigo da hist�ria �nica (2009) da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, dispon�vel em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/.
[18] Personagem drag
queen de Arthur Gomes, dispon�vel em: https://www.instagram.com/risotril/.
[19] Muitas dessas minibios, concedidas pelas pessoas autoras dos textos desta edi��o, est�o tamb�m presentes na apresenta��o das autorias de cada texto.
[20] A t�tulo de curiosidade citamos tr�s profissionais de
disciplinas distintas: Tereza Rocha (2016), dramaturga e professora na gradua��o em dan�a (UFCE), em uma
palestra de apresenta��o de seu livro O
que dan�a contempor�nea? (2016) questiona com
[21] Tereza Franzoni e Monique Vandressen, ambas
professoras do Programa de P�s Gradu��o em teatro da UDESC.