Economia solidária como modelo alternativo de produção na área têxtil e de moda
Maria Cristina Tavares Lacerda Mansur Paixão, Antonio Takao Kanamaru
Economia solidária como modelo alternativo de produção
na área têxtil e de moda
Solidary economy as an alternative model for production in
the textile and fashion industry
Maria Cristina Tavares Lacerda Mansur Paixão
Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) – cristinamansur@usp.br –
http://orcid.org/0000-0002-2238-424X
Antonio Takao Kanamaru
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) – kanamaru@usp.br –https://orcid.org/0000-0003-0806-153X
Resumo
O estudo explora a economia solidária na área têxtil e de moda. O objetivo é o levantamento bibliográfico e análise de dados para compreensão de como essa economia surgiu e se desenvolveu no mundo e no Brasil, para o devido aprofundamento na área de confecção têxtil. O método incluiu pesquisa bibliográfica realizada por meio de consultas a catálogos de bibliotecas e portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo, além da revisão sistemática de trabalhos de pós-graduação e artigos já produzidos. O levantamento dessas informações ofereceu subsídios para abordar dois exemplos de grupos econômicos solidários em moda e suas eventuais dificuldades para atuação no mercado capitalista. Foi possível detectar a importância do cooperativismo, marcante por suas experiências bem-sucedidas. Para que a absorção das pessoas que não conseguem lugar na economia capitalista ocorra, é necessário o apoio do movimento operário às cooperativas de trabalhadores. Dessa forma, torna-se necessário pensar em como as comunidades igualitárias e empreendimentos podem conviver com o modelo capitalista dominante.
Palavras-chave: Indústria têxtil. Ambientalismo. Moda. Solidariedade. Movimentos sociais.
Abstract
The study explores the solidarity economy in the textile and fashion area. The objective is the bibliographic survey and data analysis to understand how this economy emerged and developed in the world and in Brazil, for the proper deepening in the area of textile confection. The method included bibliographic research conducted through library catalogs and journals portal of the Coordination of Improvement of Higher Level Personnel and Integrated Library System of the University of São Paulo, as well as systematic review of postgraduate articles. already produced. The gathering of this information offered subsidies to address two examples of solidary economic groups in fashion and their eventual difficulties to act in the capitalist market. It was possible to detect the importance of cooperativism, marked by its successful experiences. For the absorption of people who cannot find a place in the capitalist economy to occur, the support of the labor movement to the workers' cooperatives is necessary. Thus, it becomes necessary to think about how egalitarian communities and enterprises can live with the dominant capitalist model.
Keywords: Textile industry. Environmentalism. Fashion. Solidarity. Social movements.
Recebido em: 10/08/2019
Aceito em: 03/10/2020
Neste artigo apresentamos um recorte da pesquisa de mestrado intitulada Moda e economia solidária: um estudo sobre empreendimentos econômicos solidários de costura e moda em São Paulo, ainda em fase de desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Têxtil moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, na qual se estuda e analisa as especificidades, potencialidade e dificuldades de empreendimentos de costura na cidade de São Paulo iniciada em 2017.
Uma das características do grupo de empreendimentos selecionados é a utilização do modelo de produção conhecido como economia solidária. Para analisar as particularidades destes empreendimentos, foi realizado o levantamento bibliográfico sobre a economia solidária para que fosse possível a compreensão de seu surgimento, desenvolvimento e práticas. Posteriormente, será possível a análise dos empreendimentos selecionados a partir de dados ou categorias teóricas previamente exploradas por outros pesquisadores e autores em documentos como livros, artigos científicos, teses e revistas.
A pesquisa foi realizada por meio de consultas a catálogos de bibliotecas e portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo, além de revisão sistemática de trabalhos de pós-graduação e artigos já produzidos e materiais disponibilizados durante as aulas no decorrer do curso de mestrado. O levantamento destas informações ofereceu subsídios para o desenvolvimento da revisão bibliográfica da pesquisa em questão, que analisará a economia solidária dentro da área de têxtil e moda, com foco na indústria de confecção.
Com relação aos empreendimentos atuantes na indústria têxtil brasileira, foram analisados artigos e teses que expõem o desenvolvimento e a atual situação das formas de organização da economia solidária.
A justificativa do tema se sustenta na necessidade de análise de modelos de produção contrários ao sistema econômico dominante, que pode gerar a exclusão social e exploração da mão de obra trabalhista, um dos grandes problemas da indústria de moda. A análise poderá promover o desenvolvimento de possíveis soluções e melhoramentos no setor da economia solidária em moda. Por fim, será possível verificar quais são as necessidades que um empreendimento econômico solidário de moda possui para manter-se no mercado atual.
A economia solidária, segundo o economista Paul Singer (2002), trata-se de um modo de produção alternativo ao capitalismo, que tem como princípios básicos a propriedade coletiva do capital e o direito à liberdade individual. Singer relata sua origem como uma verdadeira revolução cooperativista, que tornou evidente a ligação dessa economia com a “crítica operária e socialista do capitalismo” (SINGER, 2002, p. 35).
Para o autor, o capitalismo é um conceito baseado na competitividade entre indivíduos, sendo empregado há tanto tempo que é considerado um movimento natural da economia. A competição ocorre até mesmo entre empresas, que lutam pelos melhores funcionários disponíveis, sustentando a inempregabilidade.
Entre os fundamentos da economia solidária, Singer (2002) destaca a solidariedade, a autogestão e a divisão de lucros. O autor defende que para que fosse possível uma sociedade igualitária, seria necessário que a economia fosse solidária, e não competitiva, a partir da cooperação de seus participantes, organizados igualitariamente. Dessa forma, em uma cooperativa de produção - uma das formas de organização da economia solidária -, por exemplo, todos os sócios possuem a mesma parcela do capital, logo todos têm direito em participar das decisões estratégicas para a cooperativa, participando do funcionamento de todos os setores da empresa.
Quanto à repartição de ganhos, na empresa solidária, os sócios realizam retiradas que podem variar de acordo com a receita, podendo ser iguais ou desiguais entre os sócios, mas sempre a partir de decisões coletivas. Por fim, a autogestão marca a diferença na administração de empresas de economias capitalista e solidária. As decisões da empresa como remuneração, organização, produção e política são tomadas em assembleias e reuniões, a depender do tamanho da organização (GONÇALVES, 2005). Para que ela aconteça, é necessário que todos os sócios tenham interesse sobre os acontecimentos da empresa e este esforço adicional, segundo Singer (2002), acaba sendo um grande desafio para a aplicação da autogestão.
Para o pesquisador Genauto Carvalho de França (2002), a economia solidária possui a mesma origem da economia social. Ambas surgiram por meio do movimento associativista operário europeu no século XIX, que proporcionou experiências influenciadas pela cooperação e associação. França (2002, p.13) afirma que ambas são “[...] experiências que se apoiam sobre o desenvolvimento de atividades econômicas para a realização de objetivos sociais, concorrendo ainda para a afirmação de ideais de cidadania”, porém a economia solidária trata-se de “[...] um movimento de renovação e de reatualização (histórica) da economia social”. Em outras palavras, a noção de economia solidária é formada pelas características atuais da economia social.
Assim como Singer (2002), França (2002) aponta que a economia solidária sugere um novo modelo de relacionamento entre sociedade e economia, ou seja, um novo modelo de sustentação da sociedade. A economia solidária propõe o atendimento de problemas de um grupo local por meio da “elaboração coletiva de atividades econômicas” (FRANÇA, 2002, p. 14). A oferta, produtos/serviços prestados, vincula-se exclusivamente à demanda que são as necessidades vividas localmente, sendo construídas em conjunto[1].
Para Gonçalves (2005, p.1) os empreendimentos de economia solidária podem ser definidos como “... sociedades que desempenham atividades econômicas cuja gestão é exercida democraticamente pelos trabalhadores que dela participam.”. Podem ser divididos entre empreendimentos de autogestão constituídos por meio de projetos sociais em comunidades periféricas ou empresas de autogestão, criadas a partir de uma empresa anterior que veio a falir. Os empreendimentos costumam desempenhar atividades de serviço ou comércio como artesanato, agricultura, confecção, entre outros.
Dentro da economia solidária existe o comércio justo definido por Johnson (2004) como um conjunto de práticas socioeconômicas alternativas à estrutura da dependência, que estabelecem relações entre consumidores e produtores baseadas na equidade. Segundo o Instituto Marista de Solidariedade (2010), o comércio justo nasceu no final dos anos 50, como um movimento social e econômico, com o objetivo de gerar benefícios aos produtores dos países do sul do mundo que possuem desvantagens em relação aos mercados convencionais. São alianças criadas entre os produtores e consumidores de que combatem a exploração de países subdesenvolvidos, promovendo a inclusão social e econômica de empreendedores que estão à margem do mercado.
Como exemplo de empresas voltadas para o comércio justo que questionam as consequências de um modelo construído em uma produção descuidada, é possível identificar a marca de moda People Tree. O projeto começou há quase 25 anos no Japão e considera o desenvolvimento social dos trabalhadores e o meio ambiente como algo absolutamente essencial para todas as etapas do processo de criação da coleção. Reconhecida pela indústria têxtil como pioneira em moda sustentável e ética, a empresa possui parceiras com produtores de comércio justo, sendo confecções, artesões e até agricultores de países em desenvolvimento para produzir suas coleções de moda ecológicas (The True Cost, 2015). Define-se como uma marca slow fashion[2] , uma opção alternativa ao fast fashion[3] , posicionando-se contra a exploração da mão-de-obra e poluição ambiental. Os itens de vestuário são feitos de algodão orgânico e materiais sustentáveis, usando habilidades tradicionais[4] que apoiam as comunidades rurais (People Tree, 2017).
A empresa afirma seguir os princípios do comércio justo em todos os aspectos do negócio e todos os seus produtores e fornecedores trabalham dentro dos mesmos padrões. Foi a primeira no ramo de vestuário no mundo a receber a marca de produto Fair Trade. Dessa forma, o trabalho realizado dentro da empresa está ajudando a reduzir a pobreza nas comunidades mais marginalizadas do mundo, trabalhando em colaboração nos países em desenvolvimento para construir negócios viáveis que sustentem as comunidades.
Para isso, consideram-se os meios de subsistência das pessoas no início do processo de design, desde o momento em que uma peça de roupa é esboçada, analisando as maneiras de criar trabalho nos países em desenvolvimento. Quando o design de uma roupa é apresentado com duas maneiras de serem feitas, e um método requer mais mão-de-obra, como a tecelagem de mão, será selecionado esse método de produção. Por exemplo, ao adicionar bordados à mão para uma peça de vestuário simples, People Tree pode fornecer renda para uma família.
A marca está comprometida com os princípios da Organização Mundial do Comércio Justo, e pretende ser uma empresa 100% de comércio justo em toda a cadeia de suprimentos. Atualmente, apoia 34 grupos de comércio justo em treze países em desenvolvimento usando habilidades manuais para fortalecer os meios de subsistência e capacitar mais de 4.500 produtores, que empregam cerca de quinze mil artesãos e agricultores (People Tree, 2017).
Segundo Singer (2002), o cooperativismo chegou ao Brasil no início do século XX, como cooperativas de consumo na zona urbana, e cooperativas agrícolas na rural. A Organização das Cooperativas Brasileiras (2017) afirma que a cultura do cooperativismo é observada no Brasil desde a época da colonização portuguesa, incentivada por funcionários públicos, profissionais liberais, operários e imigrantes europeus.
Em 1889, surgiu em Minas Gerais a Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, voltada para o consumo de produtos agrícolas. Sua fundação estimulou o surgimento de outras cooperativas nesse e em outros estados como Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em 1902, o padre suíço Theodor Amstad fundou a primeira cooperativa de crédito brasileira, a Sicred Pioneira em Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul, até hoje em atividade. As primeiras cooperativas agropecuárias surgiram em 1906, idealizadas por produtores rurais e imigrantes alemães e italianos.
Exemplo de cooperativa estabelecida na cidade de São Paulo-SP, no bairro Alto do Ipiranga, foi a Comunidade de Trabalho Unilabor. Mauro Claro (2004) explica que a Unilabor foi uma comunidade operária autogestionária constituída em torno de uma capela e de uma fábrica de móveis entre as décadas de 1950 e 1960. Apesar de ter se dissolvido em 1967, a fábrica contou com cerca de 100 funcionários, sendo reconhecida como uma empresa bem-estabelecida e competitiva no setor.
É possível identificar a Unilabor como uma cooperativa de produção. Segundo Singer (2002, p.90), “Cooperativas de produção são associações de trabalhadores, inclusive administradores, planejadores, técnicos etc., que visam produzir bens ou serviços a serem vendidos em mercados.”. Aplicavam a democracia e igualdade entre seus membros na administração da empresa, além de todos possuírem a mesma cota de lucros da cooperativa. Este tipo de organização representa a economia solidária.
Claro (2004) define a Unilabor como uma experiência singular no Brasil, pois por meio dela foi possível produzir um conjunto de atividades educativas, culturais e de lazer graças à colaboração de artistas, educadores, intelectuais e empresários como uma tentativa de desalienar os operários. Esta característica está relacionada ao o sétimo princípio universal do cooperativismo, o do empenho na educação cooperativa, ou seja, a própria cooperativa deve desenvolver a educação da mesma (SINGER, 2002).
No caso da Unilabor, esse princípio foi aplicado por meio de atividades culturais voltadas para a comunidade local e do modelo de gestão e funcionamento da fábrica de móveis que aconteciam dentro do próprio empreendimento durante o horário de trabalho, interrompendo-se a produção. A cooperativa sediou palestras e debates envolvendo temas sociais, políticos e culturais (CLARO, 2004).
Apenas em 1969 foi criada a OCB, sendo registrada em cartório no ano seguinte e, por meio de um modelo autônomo voltado para suprir as necessidades de seus membros, houve a expansão das cooperativas no país. Paul Singer (2002) destaca as décadas de 1980 e 1990 como momentos em que a economia solidária reviveu no Brasil, graças à crise social em que o país se desindustrializou. O desemprego em massa e a exclusão social fez com que a economia solidária tomasse forma por meio de cooperativas e associações produtivas de diferentes modalidades, sempre autogestionárias.
A estruturação da economia solidária também contou com o trabalho de iniciativas, como Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Trata-se de entidades universitárias formadas por professores e alunos de diferentes áreas que ensinam cooperativismo e economia solidária para grupos que desejam trabalhar em união, prestando também apoio técnico, organizacional e jurídico. Já a União e Solidariedade das Cooperativas de Estado de São Paulo - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários - Unisol Brasil vêm contribuindo ao longo dos anos na transformação de empresas em crise em verdadeiras cooperativas.
O Grupo Brasileiro de Economia Solidária, formado em 2001 no 1º Fórum Social Mundial, é constituído por diferentes instituições do segmento da economia solidária. Em 2002, o grupo solicitou ao governo a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária por meio de documento que especificava as diretrizes da ES. A Secretaria foi criada no ano seguinte, junto com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária que apoia o movimento como perspectiva de desenvolvimento sustentável no país. Segundo o site (2012), o fórum envolve mais de três mil empreendimentos em 200 municípios.
Em 2017, foi aprovado o Projeto de Lei que cria o Sistema Nacional de Economia Solidária do Brasil, que dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e os empreendimentos econômicos solidários, dando apoio a crédito, produção, comercialização, educação e finanças solidárias independentes de gestões governamentais.
Em relatório[5] do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2016) o Mapeamento Nacional de Economia Solidária realizado pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária identificou quatro formas de empreendimentos econômicos solidários no Brasil, porém apenas três serão contempladas neste estudo: associações, cooperativas e grupos informais. As sociedades mercantis não serão contempladas, pois representam menos de 1% dos formatos organizativos.
A pesquisadora Fuijta (2017) explica que tanto cooperativas quanto associações não possuem objetivo de lucro e praticam os fundamentos da solidariedade, autogestão e cooperação.
As associações, 60% dos empreendimentos mapeados, regulamentadas pela Lei nº 10.406/2002, são definidas como “... pessoas jurídicas de direito privado, com propósito de realização de atividades culturais, sociais, religiosas, recreativas, etc.” (FUJITA, 2017, p. 40). Voltadas para a produção, uso coletivo e consumo, estas organizações não distribuem excedentes entre seus associados. Em termos de atividade comercial, trata-se de organizações limitadas, pois, de acordo com o Código Civil Brasileiro, as associações não podem exercer atividades econômicas ou emitir nota fiscal de seus produtos.
A Lei nº 12.690/2012 descreve as cooperativas, 8,8% dos empreendimentos, como uma sociedade formada por trabalhadores “... para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”. Trata-se de uma atividade com fins econômicos para seus associados, porém sem fins lucrativos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2016), sugere que este tipo de personalidade jurídica seria a mais recomendada o exercício de atividades econômicas coletivas. Porém, os procedimentos burocráticos determinados pela Lei nº 5.764/1971 para a formalização de cooperativas no país acabam desmotivando os trabalhadores para regulamentar a organização, fazendo com que os mesmos permaneçam como associações ou até mesmo na informalidade.
Os grupos informais, 30,5% dos empreendimentos. são formados por indivíduos que trabalham coletivamente para produzir, porém ainda não possuem as especificidades necessárias para se enquadrar nos modelos de economia solidária estabelecidos pela legislação por apresentarem características diferentes entre si. Os grupos informais não oferecem segurança econômica aos seus associados, porém proporcionam alternativas e oportunidades para trabalhadores que estão à margem do mercado (GAIGER et al., 2014). Segundo o Instituto (2016), este tipo de organização e as associações também tem dificuldades para acessar financiamentos e programas de apoio do governo, o que ressalta a importância do desenvolvimento projetos e assessorias específicos para estes tipos de empreendimentos econômicos solidários, com o objetivo de atingirem os requisitos necessários para que se formalizem.
O Instituto alerta sobre o aumento de cooperativas de trabalho que não possuem compromisso com os ideais as solidariedade e autogestão, utilizadas para oportunizar a terceirização do trabalho em empresas e no setor público:
Essas cooperativas atuam de forma fraudulenta na intermediação de mão de obra, por isso são comumente chamadas de “cooperfraudes”, e não são raros os processos do Ministério Público do Trabalho contra os responsáveis por esses grupos. Tal fato é prejudicial ao cooperativismo, pois faz com que todas as cooperativas, inclusive aquelas autênticas, sejam mal vistas pela justiça brasileira e por parte da população (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2016, p. 21).
Apesar da Lei nº 12.690/2012 passar a garantir certos direitos aos cooperados não previstos pela Lei nº 5.764/1971[6] , como salário mínimo, seguro desemprego, e férias remuneradas, não exclui a possibilidade da exploração da mão de obra por meio de terceirização do trabalho, um dos grandes problemas atuais da indústria têxtil que desrespeita os direitos humanos (FUJITA, 2017).
Os dados mais recentes encontrados sobre os empreendimentos econômicos solidários no Brasil são de 2013, disponíveis em Atlas Digital da Economia Solidária, estudo realizado pelo SIES, que contabilizou um total de 19.708 empreendimentos distribuídos entre as regiões Nordeste (40,8% dos empreendimentos), Centro-Oeste (10,3%) e Sul, Sudeste e Norte (aproximadamente 16% cada). Mais da metade atua em áreas rurais (54,8%) e cerca de 34,8% atua em áreas urbanas (10,4% possuem atividades em ambas) (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA, 2016). Do total de empreendimentos mapeados, 321 são classificados como organizações enquadradas na subseção “Confecção de peças do vestuário.” (SISTEMA DE INFORMAÇÕES EM ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2013).
Em estudo publicado em 2003, Cruz-Moreira relata as trajetórias de quatorze cooperativas de confecção de vestuário no estado de São Paulo. Observa-se que a maioria atua como subcontratadas para outras empresas ou como empresas de produção informais que comercializam em mercados marginais. Estruturalmente, algumas estão mais inseridas no sistema capitalista atual, com desregulamentações trabalhistas. Outras buscam uma perspectiva socialista pela autonomia do trabalhador.
Em geral, são formadas por mulheres desempregadas ou que nunca trabalharam formalmente. As atividades das cooperativas muitas vezes limitam-se às atividades de costura, limpeza e acabamento. Algumas não chegam a desempenhar o corte de tecidos ou desenho original do produto final.
As empresas contratantes acabam realizando a gestão dos empreendimentos nos setores de negócios, design, comercialização, distribuição e, em alguns casos, supervisão e controle da produção. Não existem responsabilidades contratuais entre as contratantes e contratadas. Os empreendimentos acabam competindo entre si para ofertar o melhor preço. Os cursos de capacitação ofertados pelo governo e por ONGs ajudam aos associados a aprender novas técnicas, porém os mesmos não se sentem totalmente capacitados (CRUZ-MOREIRA, 2003).
Em estudo realizado entre 2007 e 2008 pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos com vinte empreendimentos econômicos solidários do setor de confecção, é possível observar que a maioria dos associados, 83,9%, é do sexo feminino. Sobre a pesquisa destacam-se aspectos como a inexistência de trabalhadores em regime de Consolidação das Leis do Trabalho. As associadas dos empreendimentos mencionam as dificuldades apresentadas pela formação técnica, pois consideram que o tempo que gastam durante as oficinas poderiam ser mais bem aproveitados na produção. Além disso, as associadas qualificadas não conseguem compartilhar o conhecimento com as demais.
Cerca de 40% dos que não realizam desenvolvimento técnico da produção justificam este problema pela falta de estilistas entre seus associados. A obtenção de matéria prima por meio de outros empreendimentos solidários é realizada por apenas 5% dos empreendimentos econômicos solidários analisados, sugerindo dificuldades para manter o fundamento da economia solidária em todos os pontos da cadeira produtiva. A comercialização dos produtos para consumidor final acontece no mercado local ou em feiras de economia solidária. A pesquisa ainda aponta que o setor de confecção é formado por empreendimentos de pequeno porte, com uma média de quinze cooperados por empreendimentos econômicos solidários (SEGATTO, 2011).
A cooperativa central Justa Trama é um dos casos que mais atraem a atenção de pesquisadores desde sua fundação em 2006, sendo até mesmo objeto de estudo em diversas pesquisas de diferentes áreas. Considerada a maior cadeia produtiva no segmento de confecção da economia solidária, a cooperativa foi fundada em 2005 e possui mais de seiscentos trabalhadores entre homens e mulheres espalhados entre cinco estados: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Ceará e Rondônia.
Trata-se de uma rede autogerida por seis empreendimentos econômicos solidários, sendo cada um responsável por uma etapa da produção. Segundo Andrada (2013), a maioria dos associados da Justa Trama é formada por mulheres acima de quarenta anos, com baixa escolaridade e que devido a estas características, podem enfrentar maiores dificuldades ao tentarem reinserção no mercado de trabalho. Ainda segundo a autora, em geral, a rede possui um desempenho econômico estável com crescimento moderado, em comparação a outros períodos.
Entre as principais dificuldades encontradas da rede estão ligadas ao seu plano econômico: operar com volume abaixo do necessário para a sustentabilidade econômica dos empreendimentos; falta de exploração de canais de venda disponíveis no mercado; e a distância geográfica entre os empreendimentos acrescenta gasto de locomoção do produto entre eles, além de falta de comunicação, contato e reuniões, fatores muito importantes no modelo de autogestão (ANDRADA, 2013, p. 23).
A rede Costura Solidária SP (2016) é um conjunto de nova empreendimentos do segmento de confecção e costura em diversas regiões da Grande São Paulo, que conta com regimento interno com o objetivo de fortalecer o grupo, ter maior capacidade produtiva, autogestão, cooperação e a solidariedade, visando à distribuição equitativa das riquezas produzidas coletivamente. Foi criada dentro do Projeto Economia Solidária como Estratégia de Desenvolvimento, um convenio entre a Unisol Brasil e a Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo, convênio 025/2014 assinado em 18 de dezembro de 2014. Acompanha o Plano Nacional de Economia Solidária que coloca a economia solidária como uma estratégia para o desenvolvimento sustentável da economia, sociedade e meio ambiente.
A rede tem como prioridade o desenvolvimento local e territorial integrado e sustentável, o respeito ao equilíbrio dos ecossistemas, a valorização do ser humano e do trabalho e o estabelecimento de relações igualitárias entre homens e mulheres. Em 2015, sete empreendimentos das zonas sul, leste, norte e centro de São Paulo formavam a rede de costura, totalizando 55 indivíduos. Atualmente, a rede é composta por nove empreendimentos, sendo eles: Retrósvest, Santa Costura, Reaprendendo a Viver, Projeto Tear, Trans Sol, Conkistart, Pano pra Manga, Daniela Andrade e Maria José. A Rede Design Possível também participa ativamente do grupo como principal apoiador.
Os empreendimentos ligados à rede Costura Solidária SP denominam-se econômico solidários, ou seja, afirmam praticar seus conceitos e valores internamente e também dentro da rede.
Entre as dificuldades encontradas pelo grupo, estão em destaque a desvalorização do trabalho, a falta de conhecimento de clientes e possíveis empreendimentos que podem fazer parte da rede. Esta barreira, além de influenciar no funcionamento da rede, evidencia como ainda existem empresas que se importam apenas com o lucro, buscando os orçamentos mais baixos possíveis, mesmo que isto custe o bem-estar dos funcionários e fornecedores. Por esta prática ser considerada habitual, muitos fornecedores acabam permitindo que o mercado continue atuando dessa forma, colocando-se em situação de exploração e até mesmo explorando outras pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Por fim, apesar de ter se surgido através de uma iniciativa governamental, a rede Costura Solidária SP está comprometida pela falta de compromisso de seus parceiros para dar continuidade ao projeto. Ao determinar o fim da parceria da Secretaria do Trabalho com a Unisol, a atual gestão coloca em risco a existência de alguns empreendimentos que necessitavam do espaço e máquinas disponíveis na incubadora para desempenhar seus trabalhos. Sem ferramentas, os empreendimentos não conseguem trabalhar, logo não possuem renda e seus associados voltam a ter dificuldades financeiras.
Imagem 1 – Membros da rede Costura Solidária SP
Fonte: Maria Cristina Tavares Lacerda Mansur Paixão, 2018
Nesta breve pesquisa, os autores procuraram ressaltar algumas características inerentes à economia solidária, seu desenvolvimento no Brasil e presença na indústria têxtil.
Durante o levantamento bibliográfico foi possível reunir características que explicitam a economia solidária e suas diferenças do modelo econômico e de produção dominante. Fica claro que o histórico do cooperativismo é marcante por suas experiências bem-sucedidas que podem ser encontradas em todo o mundo e também no Brasil, especialmente na área da agricultura, primordial para a produção da indústria têxtil. A economia solidária já fora apontada até mesmo como o melhor modelo a realizar o conceito de sustentabilidade em oposição à economia dominante pelo pesquisador Leonardo Boff (2012). Esse tipo de economia é centrado no ser humano e no trabalho como ação criadora pela sociedade e autogestão democrática para a melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento local e global.
A partir de 1990, em decorrência da globalização e abertura do mercado para importações, houve o aumento do desemprego ou da precarização do trabalho, intensificando a exclusão social. Torna-se necessário repensar como esta exclusão pode ser enfrentada, através da emancipação do trabalhador. A economia solidária traz uma oportunidade para pessoas que estão à margem da sociedade e que têm dificuldades para reingressarem no mercado unirem forças por meio de seu trabalho. Para que a absorção das pessoas que não conseguem lugar na economia capitalista ocorra, é necessário o apoio do movimento operário às cooperativas de trabalhadores.
Os dados encontrados mostram que existem dificuldades para que os empreendimentos econômicos solidários continuem operando e que consigam seguir os princípios da economia solidária. Dessa forma, torna-se necessário pensar em como as comunidades igualitárias e empreendimentos podem conviver com o modelo capitalista dominante.
Por fim, constatou-se que as redes solidárias empreendidas por trabalhadores merecem ser mais exploradas. Portanto, novas etapas de pesquisa são necessárias, como uma investigação aprofundada de empreendimentos que utilizam o modelo de economia solidária.
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DAPesquisa, Florianópolis, v. 15, p. 01-16, nov. 2020.
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0031
[1] A construção em conjunto da oferta e demanda, segundo França (2002) é contrária à lógica de economia de mercado, que as separa.
[2] Outra justificativa para o termo é o tempo para os produtores de comércio justo criar as roupas à mão. O processo de design começa mais de ano antes dos produtos serem disponibilizados para o cliente final. Dessa forma, os produtores têm tempo para criar produtos e pagar um salário justo para a mão-de-obra.
[3] Fast fashion é o termo utilizado para designar a renovação constante das peças comercializadas no varejo de moda. Surgiu no final dos anos 90, utilizada pela imprensa para identificar a atualização cada vez mais rápida dos produtos de moda nas grandes varejistas (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, 2017).
[4] Habilidades tradicionais como tecelagem e bordados fornecem meios de subsistência para artesãos em áreas rurais em todo o mundo.
[5] Relatório “Novos dados do mapeamento de Economia Solidária no Brasil: nota metodológica e análise das dimensões socioestruturais dos empreendimentos” (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA, 2016).
[6] O Art. 4º da Lei nº 5.764/1971 diz que a Cooperativa de Trabalho pode ser de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção; e de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego